História Social: E. P. Thompson (1924-2014) / História & Perspectivas / 2014

No cerne das discussões a respeito do ofício e das responsabilidades sociais dos historiadores (e historiadoras), colocamo-nos o desafio de organizar e publicar um Número Especial sobre Edward Palmer Thompson.

No ano de 2013, diversas universidades, centros de pesquisa e grupos políticos ao redor do mundo registraram, de diferentes maneiras, os 50 anos de publicação do livro “A Formação da Classe Operária Inglesa” (1963). Entre 2013 e 2014, registram-se, além do cinquentenário desta obra, os 20 anos de falecimento (1993) e os 90 de nascimento (1914) de seu respectivo autor.

A Revista HISTÓRIA & PERSPECTIVAS, sob a responsabilidade do Núcleo de Pesquisas e Estudos em História, Trabalho e Cidade (NUPEHCIT), por meio de seu Conselho Editorial, tem mantido uma política editorial aberta a diversas proposições teóricas e a multiplicidades temáticas, que são próprias da pesquisa em História.

Muito têm nos preocupado as repercussões em torno dos caminhos da profissionalização de historiadores, sobre o ensino de História em seus diversos âmbitos, a necessária relação entre a produção do conhecimento acadêmico e a sociedade, o papel e a importância política do historiador. Enfim, buscamos perscrutar e colocar em pauta as dimensões induzidas pelas questões “História para quem? História para quê?”.

Registra-se, assim, nesta publicação, concepções, temáticas e trajetórias próprias do historiador / poeta / escritor / militante inglês, que dispensam mais apresentações. Porém, em respeito ao diálogo abrangente que marca, como indicamos, a HISTÓRIA & PERSPECTIVAS, optamos por transpor um ponto de vista comemorativo sobre obra de Thompson, ou mesmo panfletário, em relação ao que pensamos ser “História Social”, adjetivação que complementa o título deste número.

O esforço foi o de propiciar aos leitores um conjunto de textos que possibilitassem renovadas discussões sobre experiências sociais, fazer-se de classe, noções de economia moral, perspectivas sobre ação política, valores, religião e direito. Ou seja, debates que animam pesquisadores e teóricos de diversas vertentes das ciências humanas e sociais.

Este Número Especial, portanto, inicia-se com uma carta escrita e enviada por Kate Thompson. Nela, a renomada escritora de livros juvenis, radicada na Irlanda, filha de E. P. Thompson e Dorothy Thompson, escreve algumas palavras sobre a infância vivida em um lar repleto de músicas e de pessoas, e nos apresenta um ambiente caseiro no qual se confundia rotina, política e trabalho com práticas de sobrevivência de um casal de historiadores ingleses e de seus familiares.

Posteriormente, os leitores encontrarão duas seções temáticas centrais intituladas “O historiador: entre a formação e a ação política” e “Produção historiográfica: desafios e conjecturas”.

Josep Fontana, ao iniciar a primeira das duas partes, escreve sobre o impacto causado pelo livro “A formação da classe operária inglesa” e por outras publicações do historiador inglês na Europa. Em sequência, encontra-se o conhecido texto “E. P. Thompson: história e política”, da saudosa professora Déa Ribeiro Fenelon, orginalmente publicado na Revista PROJETO HISTÓRIA, n.º 12.

Na sequência, “Paradoxo e polêmica, argumento e constrangimento: reflexões sobre E. P. Thompson”, profícuo artigo de Bryan D. Palmer, no qual o livro “A formação da classe operária” é analisado de maneira bastante original.

Posteriormente, Dennis Dworkin, em “E. P. Thompson: historiador militante, militante historiador”, retoma aspectos e trajetórias políticas vividas por Thompson frente a algumas de suas produções acadêmicas, algumas ainda inéditas em português.

O quinto texto desta primeira seção, que busca tratar da ação política em conjunto com a produção historiográfica do autor inglês, foi escrito por Wade Matthews, e se intitula: “Escolas de experiências: 1956, a New Left e a formação da classe operária inglesa”.

José Ángel Ruiz Jiménez, autor de um significativo livro sobre a militância de Thompson contra a Guerra Fria, contribui com o artigo “Orgullo de inglés nacido libre: el compromiso rebelde de E. P. Thompson contra el exterminismo”.

Esta parte inicial encerra-se com a tradução de “Diary”, texto de Perry Anderson. Este foi republicado, nos anos 1990, na Revista argentina “El cielo por asalto” com o título “Diario de uma relación. O título preferido por “El cielo” revela, de modo mais claro, o conteúdo deste significativo artigo, no qual Anderson regista controversos momentos de sua amizade com E. P. Thompson.

Produção historiográfica: desafios e conjecturas, como já dito, intitula a segunda seção deste Número Especial, iniciada pelo registro de uma célebre mesa redonda, ocorrida em outubro de 1985, na cidade de Nova Iorque. Naquela circunstância, Eric Hobsbawm, Christopher Hill, Perry Anderson e E. P. Thompson discorreram sobre “Agendas para uma história alternativa” e, ao final, a conhecida historiadora Joan Wallach Scott proferiu um balanço sobre as apresentações. Devemos a Horacio Tarcus e ao Conselho Editorial da Revista “El cielo por asalto”, a cessão deste registro.

O próprio Horacio Tarcus apresenta, sob o título “José Sazbón: perfil de un filósofo secreto”, o autor do artigo que se segue. Falecido em 2008, José Sazbón, um importantíssimo pensador argentino, ainda pouco conhecido no Brasil, apresenta uma densa análise sobre as disputas, concepções e peculiaridades da historiografia materialista da Grã-Bretanha, em um texto intitulado “Duas caras do marxismo inglês: o intercâmbio ThompsonAnderson”.

Em “E.P. Thompson (1924–1993): a religião dos trabalhadores”, Michael Löwy analisa as perspectivas contidas em textos de Thompson que lidam com a religião, indicando influências de Marx e de Weber nas obras em questão.

Michael Merrill, em “A transformação maior. E. P. Thompson, economia moral, capitalismo”, apresenta diferentes conceitos, usos e atribuições sobre a “economia moral”, demonstrando as influências e concepções que o conceito apresenta na obra de Thompson.

“Cursos universitários para jovens trabalhadores e militantes: uma análise a partir da crítica de Thompson da oposição entre educação e experiência”, de Célia Regina Vendramini, trata de cursos universitários direcionados a jovens trabalhadores e militantes de movimentos sociais do campo, especialmente de iniciativa do Movimento dos Sem-Terra, em parceria com universidades públicas brasileiras.

Fruto de uma dissertação de mestrado defendida na linha de pesquisa TRABALHO E MOVIMENTOS SOCIAIS (PPGHI / UFU), o sexto artigo desta seção traz abordagens sobre as noções de “Teatro e contrateatro”, apresentada por Thompson em Costumes em Comum, para analisar ações de militantes das Ligas Camponesas em Goiás. O referido texto, intitulado “O teatro do poder e o contrateatro dos posseiros: estratégias e resistências na luta pela terra no norte de Goiás 1950 / 1964” é de autoria de Carlos Alberto V. Borba e Sérgio Paulo Morais.

“A noção de experiência histórica e social em Edward Thompson: percursos iniciais”, artigo de João Alfredo Costa de Campos Melo Júnior, traz discussão sobre o livro “Senhores e caçadores”, publicado no Brasil em 1997. Na visão do autor, o artigo joga luz em conceitos centrais da teoria thompsoniana, em especial na razão do processo histórico e no estudo das origens da Lei Negra.

Uma terceira parte registra a famosa entrevista realizada com Thompson, em 1976, por Michael Merrill, representante, à época, da “Mid-Atlantic radical historians organization” (MARHO). Entre diversas passagens, as controvérsias e posições políticas estão presentes, como estão também postas profundas questões a respeito do ofício: noções como experiência, estruturas sociais e estruturalismo, percepções sobre a história social inglesa frente a outras escolas histórias, tempo e temporalidades, assim como o papel do historiador na escrita da história são profundamente debatidos neste diálogo.

Ao final dessas seções, encontra-se a resenha do livro “E. P. Thompson: política em razão”, dos autores Ricardo Gaspar Müller e Adriano Duarte, denominada “A razão rangendo os dentes: teoria e militância em E. P. Thompson”, escrita por Eder Alexandre Martins e Sara Krieger do Amaral (UFSC).

Tentamos, por fim, trazer aos leitores a oportunidade de reencontrar Thompson a partir de pesquisas, de registros e de textos teóricos em que posições críticas estão presentes. Pensamos que um ambiente de contestações faria jus à obra e vida deste autor inglês. Entretanto, percebemos que as diferentes manifestações de generosidade – com o Thompson e conosco – marcaram o fatigante, mas prazeroso trabalho de organização deste Número.

Cabe destacar, portanto, que este Número Especial não se consolidaria sem a contribuição de pesquisadores que responderam positivamente ao arrojado convite para que escrevessem artigos inéditos ou que autorizassem textos sobre E. P. Thompson para publicação. Josep Fontana, Harvey Kaye, Peter Linebaugh, Geoff Eley, Marcus Rediker, Bryan Palmer, Mike Davis, Dennis Dworkin, Wade Matthews José Ángel Ruiz Jiménez, Michael Löwy, Michael Merrill, Horacio Tarcus, Berta Stolioro, María Alicia Gutiérrez, Joana Luiza Muylaert de Araújo, Adriano Duarte, Ricardo Müller, Regina Vendramini, Antônio Rago Filho e vários outros que atenderam prontamente ao chamado e enviaram textos ou palavras de motivação que nos fizeram seguir e concretizar a proposta.

Por fim, devemos louvar a atitude da direção da Edufu (registar que a professora Joana Luiza Muylaert acreditou nessa proposta ainda na forma de um projeto) e notar a presteza e excelente trabalho dos revisores e demais profissionais desta editora. Encaminhar sinceros agradecimentos a todos os pesquisadores, tradutores, discentes e professores do INHIS, do NUPEHCIT, da Linha Trabalho e Movimentos Sociais, do Núcleo de Estudos em História Social da Arte e da Cultura (NEHAC), do Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação e Sociedade (GPTES) e de outras diversas faculdades e instituições parceiras, com destaque para o Centro de Documentação e Investigação da cultura das esquerdas na Argentina (CeDInCI), para a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e ao Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE e Núcleo de Estudos sobre as Transformações no Mundo do trabalho (TMT); Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e ao Programa de Pós-Graduação em História PPGH-UEPG e Grupo de Pesquisa Mundos dos Trabalhadores: Culturas, Memórias e Identidades de Classe; e dos professores da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Campus Marechal Cândido Rondon), do Laboratório de Pesquisa Trabalho e Movimentos Sociais e o Grupo de Pesquisa História Social do Trabalho e da Cidade que colaboraram, assim como os autores, com esse projeto.

Atribuímos agradecimentos às revistas colaboradoras deste projeto: “El Cielo por Asalto” (Argentina), “Recerques: História. Economia. Cultura” (Barcelona) e Projeto História (PUC / SP).

Esperamos ter contribuído com um conteúdo relevante, desejamos uma boa leitura e a ampliação dos debates aqui anotados.

Sérgio Paulo Morais

Editor.


MORAIS, Sérgio Paulo. História Social: E. P. Thompson (1924-2014). História & Perspectivas, Uberlândia, Número Especial, 2014. Acessar publicação original [DR].

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DR

Cultura e resistência – Dez anos sem E. P. Thompson / Esboços / 2004

Como o capitalismo (ou seja, o “mercado”) recriou a

natureza humana e as necessidades humanas, a

economia política e seu antagonista revolucionário

passaram a supor que esse homem econômico fosse

eterno. Vivemos o fim de um século em que essa

idéia precisa ser posta em dúvida.

P. Thompson.

Entre os dias 22 e 25 de setembro de 2003 realizou-se no Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina o seminário Politica e Paixão: dez anos sem E. P. Thompson.

A conferência de abertura, na noite do dia 22, proferida pelo professor Ciro Flamarion Cardoso, “Conceito de cultura: um pomo de discórdia” foi seguida, nos demais dias, pelas comunicações coordenadas. No dia 23, apresentaram-se as professoras Célia Regina Vendramini, “Experiência humana e coletividade em Thompson”; Regina Linhares Hostins, “Modo de fazer pesquisa de um historiador” e, por fim, o professor Henrique Espada Lima, “A relação entre E. P. Thompson e a micro-história italiana”. Na noite do dia 24 apresentaram-se, na seqüência, os professores Mário Duayer, “Observações a partir da Carta-aberta a Kolakowski” e o professor Ricardo Gaspar Müller, “Exterminismo e liberdade política”. Por fim, na noite do dia 25 apresentaram-se o professor Sidnei J. Munhoz, “Thompson, marxismo e protesto popular” e Sérgio Silva, “História e teoria social: a contribuição de Thompson para as ciências sociais”.

Com exceção dos textos dos professores Ciro Cardoso e Sérgio Silva, todos os demais compõem o Dossiê ora apresentado pela Revista Esboços. No caso específico do professor Ciro Cardoso, o texto apresentado no seminário foi substituído por outro, cujo título é “The Group e os estudos culturais britânicos: Edward P. Thompson em contexto”.

A organização do Seminário foi uma tarefa coletiva e esteve a cargo, sobretudo, dos professores Célia R. Vendramini, do Departamento de Estudos Especializados em Educação; Adriano Duarte, do Departamento de História e Ricardo G. Müller, do Departamento de Sociologia e Ciência Política. Contou também com a colaboração dos Programas de Pós-Graduação de Educação, História e Sociologia Política, do Gabinete da Vice-Reitoria, do CCOM/CED, da PRAC, da Central de Apoio a Eventos da UFSC, e o apoio e estimulo dos estudantes do Centro Acadêmico Livre do curso de História.

Nosso objetivo era, por um lado, registrar os dez anos do desaparecimento do historiador britânico marxista Edward Palmer Thompson e, ao mesmo tempo, comemorar os 40 anos de lançamento da primeira edição de seu mais famoso estudo, “A Formação da Classe Operária Inglesa” e os 25 anos da publicação de “A Miséria da Teoria”. Por outro, a partir de sua memória, discutir alguns temas relevantes nas ciências sociais e tão caros a suas pesquisas e, ao mesmo tempo, celebrar sua obra do modo o mais adequado à sua tradição: promovendo o debate, a polêmica e o e diálogo, não apenas sobre o fazer da história, mas sobre o fazer da política e suas relações e implicações.

Daí o nome do Seminário, a nosso juízo, muito adequado: Política e Paixão. Adequado porque sua realização nos remete, mais uma vez, ao centro do legado teórico e político dessa rica tradição; reafirma nosso compromisso com o materialismo histórico, como orientação teórica indispensável para a compreensão da história real e nosso engajamento, político e teórico com uma “história a partir de baixo”. As discussões travadas promoveram a defesa da centralidade dos conceitos de “classe” e “consciência de classe” como categorias históricas fundamentais, especialmente em uma época que muitas tendências teóricas procuram negar seu significado e (esvaziar) sua importância, e o resgate de E. P. Thompson como um historiador que “aliou paixão e intelecto, os dons do poeta, do narrador, do analista” e sempre tentou conciliar razão e utopia.

Aproveitamos a oportunidade para agradecer mais uma vez a todos os que estiveram direta ou indiretamente envolvidos na organização e realização do Seminário que dá origem ao presente Dossiê, como também na edição desse número da revista Esboços.

Adriano Luiz Duarte

Ricardo Gaspar Müller

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[DR]