História Oral, desigualdades e diferenças – LAVERDI et. al (TH)

LAVERDI, Robson; FROTSCHER, Méri; DUARTE, Geni; MONTYSUMA, Marcos e MONTENEGRO, Antonio (Orgs.). História Oral, desigualdades e diferenças. Recife: Ed. Universitária da UFPE; Florianópolis, SC: Editora da UFSC, 2012, 333p. Resenha de: GILL, Lorena Almeida.  Tempos Históricos, v.17, p. 384 – 388, 2º Semestre de 2013.

Quando penso sobre a razão que me motiva a trabalhar durante tantos anos com a metodologia de História Oral, a resposta que encontro é, certamente, pela possibilidade de conhecer tantas pessoas com suas memórias comovedoras. Memórias como as reveladas por Roseli Boschilia (2012, p. 107), que entrevistou imigrantes portugueses, dentre eles, Maria Helena, a qual contou sobre a sua partida de Portugal e do sofrimento advindo deste fato, quando ainda era uma menina pequena:  Fui arrancada dos braços de minha avó, eternamente enlutada e cega; arrancada do chão de minha terra, dos sons, das cores e dos cheiros de minha aldeia para ser ‘plantada’ em São Paulo […] Vivi com minha mãe durante 12 anos na casa da família onde ela trabalhava como doméstica. Minha mãe fugira dos ‘trabalhos sem fim dos campos’ para acabar por definhar no ‘trabalho sem fim como empregada’, numa casa alheia, numa pátria alheia, longe dos seus.

História Oral, desigualdades e diferenças, livro organizado por Robson Laverdi, Méri Frotscher, Geni Rosa Duarte, Marcos Freire Montysuma e Antonio Torres Montenegro nos apresenta narrativas como a de Maria Helena e de tantos outros depoentes, que fazem com que paremos para refletir, a cada parte de sua leitura, sobre a necessidade de se construir memórias infames, no dizer de Michel Foucault (2003), e dos seus sentimentos, sofridos, alegres, banais, cotidianos.

O livro, publicado em parceria pelas Editoras da Universidade Federal de Pernambuco e da Universidade Federal de Santa Catarina, foi gestado durante o V Encontro Regional Sul de História Oral, realizado no ano de 2009, na Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus de Marechal Cândido Rondon, tendo como eixo de organização as mesas que ocorreram durante a programação do evento e as discussões realizadas.

O livro é tão diverso quanto foi a proposta do encontro, refletindo sobre Teoria, prática do historiador, questões vinculadas à memória e à subjetividade, as cidades, os movimentos sociais, os processos migratórios, o ensino e a história oral como ferramenta de reflexão na ação. Há, no entanto, um fio condutor que organiza o material, ou seja, uma necessidade de trocar experiências tão ricas, como aquelas produzidas em diferentes universidades do Brasil e do exterior, especialmente da Argentina e do Canadá.

Na primeira parte do material, Regina Beatriz Guimarães Neto, Antonio Torres Montenegro, Marcos Fábio Freire Montysuma e Pablo Alejandro Pozzi analisam as fontes orais e o ofício do historiador. Ainda que discutam sobre práticas de pesquisa, constituição de fontes, autorização de cessão de uso de relatos, utilização de testemunhos, o que chama a atenção é a trajetória de cada um dos autores relacionada à história oral. Seus textos revelam experiência e cuidado ao tratar da metodologia, ao mesmo tempo em que há certo militantismo, no que diz respeito às suas escolhas profissionais. Seus textos e seus percursos lembram muito um dos escritos de Portelli (1997, p. 15), no qual reflete sobre ética e assim diz:  […] compromisso com a honestidade significa, para mim, respeito pessoal por aqueles com que trabalhamos, bem como respeito intelectual com o material que conseguimos; compromisso com a verdade, uma busca utópica e a vontade de saber ‘como as coisas realmente são’, equilibradas por uma atitude aberta às muitas variáveis de ‘como as coisas podem ser’.

Na segunda parte, Benito Bisso Schmidt e Roseli Boschilia transitam com maestria pelos temas da história oral, da memória e das subjetividades. Benito se propõe a realizar uma discussão mais teórica, ao reforçar a necessidade de se utilizar a noção de subjetividade de forma profunda no momento da análise da narrativa; Roseli, ao apresentar um trabalho realizado com imigrantes portugueses, nos brinda com entrevistas plenas de sentimentos. Três homens e uma mulher portugueses, que vivem em Curitiba atualmente, falam de suas origens, da nostalgia, da saudade, em relatos onde o passado, o presente e o futuro se entrelaçam.

Na terceira parte, os temas da cidade e da diferença aparecem com ênfase. Marcos Alvito conta sobre seus primeiros trabalhos com história oral, em Acari, para chegar a uma pesquisa mais recente, construída em 2009, com descendentes de escravos do quilombo São José da Serra, município de Valença, Rio de Janeiro. Relata o autor algumas narrativas, dentre elas a de Nathanael, que compara uma árvore, o jequitibá, à comunidade de ex-escravos. Alvito usa as falas de narrador e de outros depoentes para observar a complexidade de um relato, o qual necessita de profunda análise e interpretação por parte do historiador. Já Luiz Felipe Falcão toma como estudo de caso a capital de Santa Catarina, Florianópolis, buscando revelar que ainda que existisse um discurso construído de que a cidade fosse uniforme culturalmente, os outros (moradores de bairros populares, negros, pessoas vindas de fora) estavam sempre lá para mostrar o quanto havia a diversidade e a desigualdade. Por fim, Robson Laverdi aborda a alteridade gay, a partir da maneira como eles lidam com o preconceito e a homofobia. O discurso de um deles, denominado Márcio, um jovem nascido na zona rural que passa a viver na cidade de Assis Chateaubriand, ao trabalhar em um frigorífico, revela uma forma de se forjar em espaços absolutamente discriminatórios. Não se trata, no entanto, de uma narrativa lacrimosa ou algo que o valha, mas da constituição de uma identidade. No dizer de Candau (2011, p. 76):  Quando um indivíduo constrói sua história, ele se engaja em uma tarefa arriscada consistindo em percorrer de novo aquilo que acredita ser a totalidade de seu passado para dele se apropriar e, ao mesmo tempo, recompô-lo em uma rapsódia sempre original. O trabalho da memória é, então, uma maiêutica da identidade, renovada a cada vez que se narra algo.

No quarto tópico, o qual versa sobre os movimentos sociais, Davi Félix Schreiner observa que, por muito tempo, os trabalhadores rurais não tiverem espaço na historiografia, situação que foi sendo alterada com o uso da metodologia de história oral. Utilizando o conceito de liminaridade e a categoria de subjetividade, revela um amplo espectro para o que pode ser chamado de trabalhadores sem-terra, analisando narrativas, sobretudo, vinculadas à vida em acampamentos. Mônica Gatica, por seu turno, procura compreender a dinâmica dos movimentos sociais e dos “novos movimentos”, que surgem na América Latina, a partir dos anos de 1980 e para isso se utiliza de vários teóricos imprescindíveis para a História Oral; ainda há Pablo Ariel Vommaro, o qual discute a organização do Movimento dos Trabalhadores Desempregados de São Francisco Solano, que se constituiu a partir de 1997, em Quilmes, sul da grande Buenos Aires. O foco são os trabalhadores urbanos e os processos de constituição de redes sociais. Nessa conjuntura, a História Oral, para o autor, é mais do que uma metodologia, mas uma maneira de aproximação da realidade.

A quinta parte, versando sobre migração, memória e identidade, traz textos de Alexander Freund e Méri Frotscher. Alexander reflete sobre os imigrantes, afirmando que, muitas vezes, se sentem perdidos entre dois mundos. O fato de não compartilharem uma memória coletiva (conceito que reverencia como fundamental para a análise dos processos de deslocamento) no novo país em que estão, faz com que se vejam em uma espécie de meio do caminho. Para o autor, no entanto, não se trata de uma história apenas de perdas, mas também de possibilidades, ao se construir ricos intercâmbios culturais. Méri Frotscher, por sua vez, observa as possibilidades de se relacionar as fotografias de migrantes e as fontes orais. Tendo em vista dois estudos de casos, de jovens do Paraná que foram trabalhar, de forma temporária, na Áustria e na Suíça, a partir dos anos de 1970, a autora analisa os “olhares sobre a alteridade”, presentes nas narrativas orais e visuais dos depoentes, percebendo que o uso das duas fontes permite compreender, de forma mais significativa, as experiências e os sentimentos dos migrantes.

Na última parte, Geni Rosa Duarte e Bibiana Andrea Pivetta analisam as experiências no campo do ensino. Geni, ao trabalhar com as migrações, advoga o direito ao conhecimento do passado de forma plural. Não basta para a autora dar voz aos antigos moradores, sem que se aceite os novos personagens, que se colocam no presente. A escola deve se abrir para o que não é homogêneo, para o que traz o antagonismo, para o que faz pensar sobre a realidade social. Por sua vez, Bibiana apresenta o projeto Aborígine para a Integração, o qual utiliza a história oral como ferramenta didática para um maior conhecimento de saberes tradicionais. Segundo a autora, através da metodologia, é possível conhecer melhor a sociedade pluricultural em que a comunidade está inserida, fazendo com que as crianças reflitam sobre suas origens e vivências.

Na apresentação do livro é revelado que seu eixo argumentativo principal foi a construção de um diálogo, nos campos interinstitucionais e internacionais. A dialogicidade é construída pelo fato de que vários desses autores convivem em encontros de área, os quais buscam estabelecer um bom debate sobre as pesquisas em andamento e as já realizadas. Igualmente, participam de programas de pós-graduação, que possuem forte interlocução com a metodologia. Há ainda aqueles que se organizam a partir de redes, como a Rede Latinoamericana de Historia Oral, que tem como pretensão difundir as produções existentes.

O livro, mesmo com abordagens tão diversas, e este é o seu fundamento, consegue proporcionar uma visão ampla sobre como se articula o trabalho com a metodologia atualmente, ao mesmo tempo em que debate ferramentas vinculadas à práxis histórica e incita discussões sobre novos temas a serem pesquisados. Torna-se, dessa maneira, uma bibliografia fundamental, tanto para graduandos quanto para pesquisadores mais experimentados.

Referências

CANDAU, Joël. Memória e Identidade. São Paulo: Contexto, 2011.

FOUCAULT, M. A vida dos homens infames. In: Estratégia, poder-saber. Ditos e escritos IV. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p.203-222.

PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho: Algumas reflexões sobre a ética na História oral. Projeto História. São Paulo (15), abril de 1997, p. 13- 49.

Lorena Almeida Gill – Professora Associada do Departamento de História da Universidade Federal de Pelotas. E-mail: [email protected].

Recuperando la memoria: afrodescendientes en la frontera uruguayo brasileña a mediados del siglo XX – CHAGAS; STALLA (HU)

CHAGAS, K.; STALLA, N. Recuperando la memoria: afrodescendientes en la frontera uruguayo brasileña a mediados del siglo XX. Montevideo, Mastergraf, 2009; 122 p. Resenha de: LONER, Beatriz Ana; GILL, Lorena Almeida. Novos elementos para se pensar a história dos afro-descendentes no Uruguai. História Unisinos v. 15 n. 1 – janeiro/abril de 2011.

As autoras Karla Chagas e Natalia Stalla, mais conhecidas no Brasil por seus trabalhos sobre a escravidão no Uruguai, lançaram, ano passado, um livro tratando sobre as condições de vida dos afro-descendentes que habitam preferencialmente os departamentos de Artigas, Cerro Largo e Tacuarembó, regiões que abrigam mais de 20% do total da população que se identifica como negra naquele país.

Chagas e Stalla justificam seu trabalho em virtude da pouca produção historiográfica sobre o assunto, especialmente para o período do pós-abolição e ao longo do século XX. As autoras remontam a história e a política uruguaia de meados do século XX, que auxiliou a desenvolver um imaginário hegemônico, o qual insistia na afirmação da população daquele país como majoritariamente branca, relegando os afro-descendentes à situação de invisibilidade e perpetuando sua discriminação social.

A pesquisa baseou-se principalmente na história oral, naquilo que Joutard (2000, p. 33) chamou de sua inspiração inicial, ou seja: “ouvir a voz dos excluídos e dos esquecidos; trazer à luz realidades ‘indescritíveis’, quer dizer aquela que a escrita não consegue transmitir; testemunhar as situações de extremo abandono”.

O texto foi construído, portanto, a partir de “palavras e imagens”. As palavras foram ditas por sete homens e treze mulheres, com idades entre 49 e 103 anos, cujas entrevistas foram realizadas entre outubro de 2008 e abril de 2009.

Já as imagens, fontes fotográficas em sua essência, foram inseridas a partir dos arquivos pessoais dos depoentes e também por meio da pesquisa na imprensa negra, como os jornais Acción e Orientación, de Melo, Democracia e Rumbos, de Rocha, e Nuestra Raza, Revista Uruguay e Rumbo Cierto, de Montevidéu.

O livro, que foi subvencionado por fundos concursais do Ministério da Educação e Cultura do Uruguai, é interessante para todos os historiadores, especialmente para aqueles que se dedicam a temáticas como afrodescendentes, história oral e fronteiras. Em sua Introdução, as autoras discutem como se deu a construção dos testemunhos orais; o uso das fontes fotográficas, além de informarem sobre alguns dados que conformam a história do Uruguai no século XX e a tentativa, realizada pelas autoras e alguns poucos historiadores, de alterar os rumos historiográficos uruguaios, inserindo a pesquisa e as contribuições dos negros daquele país na história nacional.

Tentativas como essas têm a maior importância, porque, especialmente no sul gaúcho, a fronteira com o Uruguai sempre foi móvel e dinâmica, culturalmente integrada, o que leva ao fato de que inúmeras constatações lá realizadas terem sua contrapartida aqui no Brasil, praticamente da mesma forma, como se verá a seguir.

O primeiro capítulo, “Las condiciones de vida de las famílias afrouruguaias”, debate as estruturas familiares, revelando uma população afro-uruguaia atualmente entre 5 e 10% do percentual total. Boa parte dos afro-descendentes concentra-se ao redor das fronteiras, especialmente com o Brasil. Muitos deles, inclusive, têm origens ou parentes ainda neste país. As autoras constataram, também, certa quantidade de uniões inter-raciais, especialmente na região da fronteira.

Como fazem parte da parcela mais pobre da população, são comuns famílias chefiadas por mulheres, já que, na maior parte das vezes, são os homens que partem, em busca de novas oportunidades profissionais. Além disso, os afro-uruguaios, pelas suas precárias condições de subsistência, costumavam viver em zonas periféricas das cidades e tiveram que se utilizar, de forma mais ou menos constante, da entrega de seus filhos a outras pessoas, que, em troca de cuidado, alimentação e escola, exigiam o exercício de trabalhos domésticos.

No segundo capítulo, “Oportunidades educativas: escuela, liceo y universidad del trabajo”, as autoras relatam que a maioria dos entrevistados esteve na escola, ainda que somente por alguns anos, até mesmo porque o movimento negro uruguaio, já desde 1947, através da revista Uruguay, entendia que apenas com a educação os negros poderiam se emancipar. Se o ensino fundamental era mais acessível, entretanto, o mesmo não acontecia com o secundário, até porque muitos necessitavam trabalhar para auxiliar sua família. Quanto à discriminação, alguns depoentes afirmaram que existia, ou através dos mestres ou dos colegas, em momentos pontuais.

O terceiro capítulo, “El trabajo en la frontera”, disserta sobre as relações fluidas que se estabelecem em regiões imbricadas entre dois países, fazendo com que tanto pessoas, quanto bens, circulem com regularidade e sem limitações. No que diz respeito ao trabalho, no meio urbano os homens dedicam-se preferencialmente à construção e aos serviços; na zona rural são peões, capatazes, safristas. As mulheres, em sua maioria, realizam tarefas que reproduzem a esfera do lar, ou seja, vinculam-se ao cuidado, como domésticas, lavadeiras, babás __ frequentemente, profissões que não permitem uma ascensão social e estão aquém das oportunidades educacionais que estes sujeitos tiveram em sua trajetória. Entre as entrevistadas, apenas uma (Adelma) contou ter conseguido emprego em um frigorífico em Tacuarembó, o que, segundo as autoras, foi uma trajetória incomum entre a população afro, fato ratificado por suas entrevistadas. Outra que fugiu ao padrão imposto foi Adélia, que conseguiu se formar como professora, mas foi discriminada em Montevidéu, tanto pela direção de uma escola quanto pelos pais em outra, tendo que voltar para sua cidade natal, Artigas. Seu caso, entretanto, teve repercussão, pois a denúncia foi levada até o XXXIV Congreso Federal de Educadores, sendo realizada, posteriormente, sindicância pública. Entretanto, cumpre notar que Adélia, por si mesma, não teria protestado. A denúncia partiu de seus colegas educadores de Montevidéu, pois sustentava que “salvo esta vez, a ella nunca le habian cerrado laspuertas” (Chagas e Stalla, 2009, p. 78).

O último capítulo, “Espacios ‘propios’ y ‘ajenos’: diversión, recreación y bailes”, baseia-se mais fortemente na pesquisa documental em jornais e enfatiza o espaço do lazer na vida cotidiana. Chagas e Stalla afirmam que “salir a pasear por el centro” era, muitas vezes, a atividade mais frequente entre a população com poucos recursos financeiros. Faziam também “picnics”, realizados em parques; o cinema, cujos filmes vinham, sobretudo, dos Estados Unidos, França e Itália, possibilitavam que as pessoas se encontrassem nas famosas “matinée y vermouth” (esta última à noite), e os carnavais, que, no Uruguai, ocupavam diferentes bairros tanto da capital quanto de cidades do interior, promoviam diversão. Havia uma série de atividades carnavalescas, normalmente iniciada pelos desfiles inaugurais ou corsos, com intensa troca de serpentinas. Depois aconteciam bailes, atuação de conjuntos musicais ou teatrais (murga) e os concursos de tablado. Na região próxima à fronteira com o Brasil, tanto a música quanto o carnaval sofriam infl uência do país vizinho, bem como de suas formas de “pular o carnaval”.

Um espaço importante de sociabilidade foi obtido em clubes sociais destinados apenas aos negros, uma vez que não tinham acesso a muitas das associações que recebiam a população branca. Possuíam o clube Ansina, em Tacuarembó; Renato Marán, Gordillo e Centro Uruguai, em Cerro Largo; Centro Uruguay, em Melo. As associações funcionavam com o pagamento de cotas dos sócios, além da arrecadação obtida em bailes e outras promoções culturais, que não eram muitas, segundo os entrevistados.

Pela forma de tratamento dada ao texto, cada uma dessas assertivas é corroborada com seu enquadramento dentro da situação geral do Uruguai, o que fornece uma boa contextualização da situação política e social uruguaia das décadas de 1940 e 1950 e auxilia o entendimento dos graus de preconceito existentes naquele país, bem como das contradições e limites de políticas governamentais que, até aquele momento, não se preocupavam com a discriminação racial.

Alguns pontos poderiam ter sido mais aprofundados, principalmente no que tange à parte teórico-metodológica, na qual faltou maior debate sobre, por exemplo, a memória e o conceito de testemunho. Neste sentido, o próprio título remete à memória como algo dado e não como uma construção, absolutamente relacionada ao tempo presente. Sente-se falta também de certa caracterização da imprensa negra, que poderia servir como uma espécie de guia ao leitor, todavia, não podemos esquecer que se trata de síntese, conforme a apresentação.

Por outro lado, seu conteúdo é extremamente interessante, pois permite visualizar realidades próximas de um e de outro lado da fronteira, como a questão da exploração, pelas famílias brancas, dos “filhos de criação”, de que temos muitos testemunhos na região sul (Vecchia, 1994); a formação de clubes sociais exclusivos para negros, como forma de escapar à discriminação e reunir-se entre iguais, também muito encontrados no Rio Grande do Sul (Loner e Gill, 2009), e os tipos de empregos oportunizados às chamadas “pessoas de cor” naqueles anos, de ambos os lados da fronteira, os quais são bem similares, embora os afro-descendentes uruguaios tivessem maiores possibilidades educacionais que os afro-brasileiros, especialmente na primeira metade do século XX, comprovando que a discriminação e o preconceito racial, muito mais do que a educação, tiveram um papel extremamente condicionador na vida destes sujeitos.

Referências

VECCHIA, A.M. 1994. Vozes do silêncio. Pelotas, Editora e Gráfica Universitária/UFPel, vol. 2, 296 p.

JOUTARD, P. 2000. Desafios à história oral do século XXI. In: M.

FERREIRA (org.), História oral: desafios para o século XXI. Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz/Casa de Oswaldo Cruz/ CPDOC – Fundação Getúlio Vargas, p. 31-46.

LONER, B.A.; GILL, L.A. 2009. Clubes carnavalescos negros na cidade de Pelotas. Estudos Ibero-Americanos, 35:145-162.

Beatriz Ana Loner – Universidade Federal de Pelotas Instituto de Ciências Humanas Departamento de História e Filosofia Rua Alberto Rosa, 154, Caixa Postal: 354 96010-770, Pelotas, RS, Brasil.

Lorena Almeida Gill – Universidade Federal de Pelotas Instituto de Ciências Humanas Departamento de História e Antropologia. Rua Alberto Rosa, 154, Caixa Postal: 354 96010-770, Pelotas, RS, Brasil.