Prácticas públicas de la historia. Contextos locales, diálogos globales/Ciencia Nueva. Revista de Historia y Política/2021

La Historia no pertenece sólo a sus narradores, profesionales o aficionados. Mientras que algunos de nosotros debatimos sobre qué es la Historia o fue, otros la cogen en sus manos». Leia Mais

A História Antiga entre o local e o global: integração, conflito / Revista Brasileira de História / 2020

História Antiga: Diferentes Perspectivas

O presente dossiê surgiu em atendimento a uma chamada dos editores da Revista Brasileira de História e foi operacionalizado mediante uma rede de trabalho muito mais ampla do que aquela visível pelos nomes de seus organizadores. Desse modo, inicialmente, gostaríamos de agradecer aos colegas da coordenação do Grupo de Trabalho em História Antiga da Associação Nacional de História (GTHA-Anpuh), professores Alex Degan e Fábio Morales, ambos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que contribuíram para o sucesso dessa iniciativa ao lado do professor Dominique Santos, da Universidade de Blumenau (Furb), também integrante da Coordenação Nacional do GTHA-Anpuh e um dos editores do dossiê. O agradecimento é extensivo à comunidade de Antiquistas brasileiros, que atuou de forma intensa na divulgação deste dossiê tanto no Brasil quanto no exterior. A existência de diversos núcleos, laboratórios e grupos de pesquisa espalhados pelo Brasil [1] e com sólidas redes de colaboração internacional é a base sólida que permite que os estudos sobre a Antiguidade e suas recepções tenham se consolidado cada vez mais, a ponto de podermos construir um dossiê como este na Revista Brasileira de História. Essa ampla rede de cooperação representada pelas diversas ações regulares do GTHA-Anpuh [2] permitiu que o dossiê, apesar de ter sido lançado no final do ano e com prazo relativamente curto, encontrasse excelente acolhida. Desde o início, a contribuição da equipe da Revista Brasileira de História, muito particularmente do editor, professor Valdei Lopes de Araujo (Ufop), e do secretário, Marcus Vinicius Correia Biaggi (Anpuh), foi diligente, próxima e indispensável. As antiquistas que compõem o Conselho Editorial da Revista Brasileira de História, professoras Helena Papa (Unimontes) e Katia Pozzer (UFRGS), foram muito presentes, apoiando nosso trabalho em diversos momentos. Expressamos nossa gratidão!

Foram recebidas 15 excelentes contribuições de autores brasileiros e estrangeiros para a nossa chamada. Nesse ponto do processo, ganhou destaque e merece nosso mais efusivo agradecimento o trabalho dos pareceristas que se dedicaram não apenas a avaliar, mas também a qualificar com o máximo rigor e critério cada uma das propostas. A tarefa não era simples: havia 15 propostas muito qualificadas e só poderíamos publicar nove delas, por conta das normas do periódico. No total, trabalhamos com 36 pareceristas sediados no Brasil e no exterior para construirmos um quadro que permitiu a escolha cuidadosa dos artigos aqui apresentados. Essa seleção é ilustrativa, ainda que não seja exaustiva, da diversidade das pesquisas feitas pela nossa comunidade. Em que pese essa diversidade, há ainda alguma unidade que reflete o eixo proposto para o edital desde sua chamada inicial, que se expressava nestes termos:

Os desdobramentos dos vários processos de globalização e seus conflitos ao longo da história colocam em debate qual o papel das dinâmicas locais e de suas articulações ou interconexões em esfera global. Tal pauta assume relevância especial no tempo presente, em que a globalização apresenta paradoxalmente claros contornos de violenta exclusão. As pesquisas nesse campo para a Antiguidade são tão importantes que têm levado a uma redefinição do campo, como se vê em obras como Corrupting Sea, de Peregrine Horden e Nicholas Purcell (Horden; Purcell, 2000), e História Antiga, de Norberto Luiz Guarinello (Guarinello, 2013). As diversas abordagens teóricas, pensadas através dos processos de helenização, romanização, cristianização ou mediterranização, e também das críticas a seus limites, expressos sobretudo nas abordagens pós-coloniais e decoloniais, expressam a diversidade de estudos que temos produzido e debatido. Esse dossiê pretende servir como momento para um balanço e avaliação de possibilidades futuras de investigação.

Esses estudos sobre a Antiguidade que temos produzido e debatido no âmbito do GTHA-Anpuh, contudo, não se limitam à pesquisa sobre as sociedades antigas. Parte fundamental de nossas reflexões se volta para as tradições e representações que se produziram tendo como base fundamental a Antiguidade (tanto tradições intelectuais acadêmicas quanto culturais, expressas em linguagens tão diversas quanto as óperas e as séries em streaming, chegando aos jogos tradicionais ou de computador e narrativas populares e jornalísticas). Os estudos sobre os usos dos passados perpassam os vários momentos da existência de sociedades diversas ao longo do tempo. Isso ocorre com a nossa sociedade e com muitas e muitas outras que tomaram e tomam as várias Antiguidades como referência para se pensar a si mesmas (e é decisivo refletir criticamente sobre essas identidades construídas arbitrariamente por diferentes sociedades para si mesmas). O estudo da Antiguidade, sabemos, não pode ser pensado sem uma reflexão sistemática e aprofundada sobre os usos do passado, que são centrais para o estudo e releitura crítica desses passados (tanto os “antigos” quanto os que tomaram a esses “antigos” como elementos fundamentais para a construção de sua contemporaneidade, como apontam os estudos de François Hartog, na França, Francisco Murari e Pedro Paulo Funari, no Brasil, e José Antônio Dabdab Trabulsi com sua produção franco-brasileira).

Nesse campo dos usos do passado, ainda, assume relevância o ensino da História Antiga nos diversos níveis. O GTHA-Anpuh teve essa pauta no centro de seus debates desde sua criação (Silva, 2001), mas conheceu forte impulso a partir do debate sobre o lugar do Ensino da História com a reforma do Ensino Médio e a criação da BNCC no Brasil, além das mudanças que têm ocorrido na forma de se pensar o Ensino no mundo todo. Isso tem alimentado a discussão sobre esferas específicas no campo dos estudos sobre os usos do passado no que se refere especialmente à Antiguidade com a intensificação dos debates e o aprofundamento de práticas voltadas também para as atividades de Extensão. Esse movimento é percebido tanto pelo crescimento dos trabalhos apresentados nos encontros do GTHA-Anpuh quanto pelo aumento das publicações em nossos periódicos especializados.[3]

Em síntese, como expressa o título, este dossiê se volta à reflexão dos debates atuais na e sobre a História Antiga que têm sido produzidos no Brasil e no mundo, face aos dilemas e conflitos produzidos pela globalização e seus efeitos, sejam os positivos como os adversos. Trata-se, acima de tudo, de avivar e registrar um debate entre o mundo atual (em sua diversidade) e mundos antigos (idem), cuja conjunção permite fertilizar e tornar mais plural o próprio campo da História.

As contribuições publicadas neste dossiê refletem diferentes olhares para esse eixo geral proposto pelos editores. Problematizando as obras de Benjamin Isaac (2004) e Susan Lape (2010), Félix Jácome Neto faz importantes reflexões sobre racismo, etnocentrismo e preconceitos culturais. Localizando as deficiências conceituais e argumentativas dos discursos dos dois autores, Jácome Neto questiona a tese de uma suposta continuidade entre o racismo antigo e o moderno, pois as relações étnicas na Grécia Antiga seriam mais bem compreendidas se pensadas como formas não hereditárias de preconceito cultural ao invés de racismo, que tem uma história específica ligada à colonização europeia e ao tráfico negreiro da época moderna. Trata-se, então, de uma investigação sobre a relação entre etnicidade antiga e racismo moderno, com suas continuidades e permanências.

O estudo das recepções da Antiguidade e Usos do Passado se estabeleceu como um dos campos da área de História Antiga. Glaydson José da Silva, Pedro Paulo Funari e Renata Senna Garraffoni lembram, no entanto, que a reutilização do passado em contextos posteriores já era uma prática na própria Antiguidade. A frase de Horácio (epis., Il, 1, 156-7) “Graecia capta ferum victorem cepit et artes / Intulit agresti Latio” (“a Grécia conquistada conquistou a seu feroz conquistador e introduziu as artes no agreste Lácio”) é apenas um dentre tantos exemplos. Tais práticas tiveram continuidade com o Cristianismo, o Renascimento etc. Assim, há muito a ser explorado sob essa perspectiva. Objetivando compreender melhor esse fenômeno, os autores apresentam uma análise dessa dinâmica nos estudos de História Antiga e das definições, aproximações e distanciamentos entre recepção e usos do passado, contemplando, ainda, uma análise específica do caso de Curitiba, mostrando como a presença da Antiguidade greco-romana se manifesta na realidade brasileira.

Essas camadas temporais são exploradas e aprofundadas tanto nos artigos de Camila Ferreira Paulino da Silva e Leni Ribeiro Leite quanto no de Anderson Zalewski Vargas. No primeiro caso, investigam-se alguns usos do passado no próprio passado, quando as autoras discutem como o poeta Horácio se apropriou da tradição retórico-poética romana e grega de forma a estabelecer sua posição frente à sociedade romana, no contexto de alargamento de fronteiras e de fabricação de um novo regime político durante o Principado de Augusto. Ou seja, como estratégias retóricas foram utilizadas para fabricar, reinventar, atualizar, redefinir e reescrever o passado posicionando-o em relação aos jogos de poder em Roma. O tema da retórica também é predominante no segundo caso. No artigo de Vargas, porém, são avaliadas as dinâmicas entre Antiguidade e Contemporaneidade. O autor analisa como os recursos retóricos clássicos foram utilizados para persuadir os leitores do jornal Correio da Liberdade, publicado em Porto Alegre em 1831. A temática da recepção da Antiguidade no periódico gaúcho é percebida sobretudo a partir da peculiar apropriação da tirania ateniense de Pisístrato em matéria sobre o regime político brasileiro da época.

Em “Palavra de mulher”, Marta Mega de Andrade investiga a ação política das mulheres na história grega antiga, sobretudo na pólis. Compreendendo a questão como contemporânea, a autora analisa tragédias, comédias e epigramas funerários dedicados às mulheres no final do século V e início do século IV a.C, em Atenas, para pensar a persistência de requisições femininas aquém do direito políade, validadas pela comunidade e pela dimensão da “vida comum”, mesmo que as “vozes” não sejam passíveis de identificação a uma autoria feminina. A dimensão do cotidiano também é um espaço / tempo da política, e lá poderemos perceber esse logos gunaikos, uma “palavra de mulher”.

O estudo da chamada cultura material é fundamental para a compreensão das temáticas da área de História Antiga. Considerando isso, Gilberto da Silva Francisco, Haiganuch Sarian e Fábio Vergara Cerqueira partem do estudo de caso de uma ânfora de tipo panatenaico em figuras vermelhas atribuída ao artesão caracterizado como Pintor de Nicóxeno, conhecida na historiografia da área como “ânfora de Mississípi 1977.3.115”, para retomarem a Arqueologia da Imagem e posicioná-la entre a iconografia clássica e a cultura material. Para tal, discutem-se os conceitos de suporte e de contexto, elementos básicos para o tratamento arqueológico das imagens, realizando um debate teórico sobre esse tipo de metodologia. Pensando um mediterrâneo globalizado, os autores chegam à conclusão de que a integração não uniformizava a relação entre os povos específicos e o universo material ao seu redor. Assim, não se pode atribuir naturalmente um significado ático para imagens produzidas na Ática. Ao contrário, a imagem precisa ser pensada em um complexo quadro envolvendo materiais, circulação e recepção.

Essas complexas relações entre o local e o global também são temas das análises do austríaco Raimund Karl, da Bangor University. Autores clássicos, como Políbio, César, Estrabão e outros, escreveram sobre os “Celtas”, mas a Arqueologia permite realizar leituras diversas e aprofundar o conhecimento sobre esses atores históricos da Antiguidade. As fontes históricas clássicas e a Arqueologia não estabelecem uma relação simples de complementaridade, mas permitem colocar questões diversas e relativamente autônomas. A partir de algumas questões que percebeu quando coordenava um projeto sobre o sítio arqueológico de Meillionydd, na Península de Llŷn, localizada no País de Gales, Karl problematiza as diferenças, integrações e conflitos entre as várias sociedades “célticas” da Europa e seus vizinhos, bem como o próprio uso da temática “céltica”, tanto em passados mais recuados quanto em mais recentes.

Horacio Miguel Hernán Zapata questiona o pretexto de que não seria interessante para nós, latino-americanos, estudar a História Antiga oriental porque a temática não responderia aos interesses “nacionais” e não seria necessária para nosso contexto. Respondendo a esse tipo de provocação, o autor aponta três razões e algumas reflexões, defendendo que a História Antiga daquela parte do mundo é fundamental para nós e pode funcionar como uma espécie de “laboratório” que colabora para que possamos pensar todo um conjunto de diferenças socioculturais acerca dos modos de experiência social sob uma perspectiva histórica. Reconhecer essa diversidade de formas em que pode materializar-se a experiência humana ao longo da História é fundamental para nossa contemporaneidade.

Um exemplo da temática proposta por Zapata é apresentado no artigo de Jorge Elices Ocón, que aborda os monumentos antigos em contextos islâmicos. Analisando o discurso elaborado pelo DAESH, o autor aponta que, por trás de um caráter radical e destrutivo, a narrativa daquele grupo esconde complexos argumentos relacionados com a narrativa histórica que se objetiva construir a partir da Arqueologia, dos monumentos e dos museus. O grupo islâmico se apropria das ideias do discurso ocidental e colonialista e reinventa o passado, não somente ocultando a realidade de um tráfico de objetos antigos, mas também destruindo outras percepções dos monumentos elaboradas pelas comunidades locais a partir de suas memórias e tradições.

Como é possível perceber, desde que Eurípedes Simões de Paula – membro fundador da Anpuh e um de seus primeiros presidentes – deu as primeiras aulas de História Antiga em uma Universidade Brasileira, a área não parou de se ampliar, se ressignificar e se reinventar. Parte inseparável da historiografia brasileira, os debates produzidos pela área de História Antiga em nosso país têm colaborado para pensarmos questões sociais, econômicas e culturais próprias do nosso tempo, afinal, como dizia Benedetto Croce, “Ogni storia vera, è storia contemporanea” (Croce, 1912), e, de igual modo, Lucien Febvre, “L’histoire est fille de son temps” (Febvre, 1942, p. 2). Em um mundo cada vez mais glocal, é importante debatermos essas realidades interconectadas, evitando o que a escritora nigeriana Chimamanda Adichie chamou de “the dangers of a single story” (Adichie, 2009). Este dossiê aponta alguns direcionamentos. Boa leitura!

Notas

  1. Para uma informação detalhada sobre os grupos de pesquisa a que nos referimos, cf. o (novo!) sitedo GTHA: https: / / www.gtantiga.com / laboratorios-e-grupos-de-pesquisa. Acesso em: 11 maio 2020.
  2. O GTHA realiza, entre outras ações, um Encontro Nacional bianual e participa regular do Simpósio Nacional de História com a promoção de Simpósios Temáticos. Além disso, o GTHA mantém uma fanpageno Facebook e contas em outras redes sociais. Para deta- lhes, cf. https: / / www.gtantiga.com / . Acesso em: 11 maio 2020.
  3. Silva; Oliveira, 2017. Cf. dossiê completo: www.revistas.usp.br / marenostrum / issue / view / 10208. Acesso em: 11 maio 2020.

Referências

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. The Danger of a Single Story. TEDTalks, TEDGLOBAL, 2009. Disponível em: Disponível em: https: / / goo.gl / 3BdPCc . Acesso em: 11 maio 2020. [ Links ]

CROCE, Benedetto. Storia, cronaca, e false storie. Memoria letta all’Accademia pontaniana nella tornata del 3 novembre 1912 dal socio Benedetto Croce. Atti dell’Accademia Pontiana, v. XLII. Napoli: F. Giannini e figli, 1912. [ Links ]

FEBVRE, Lucien. L’incroyance au XVIe siècle: la religion de Rabelais. Paris: Albin Michel, 1942. [ Links ]

GUARINELLO, Norberto L. História Antiga. São Paulo: Contexto, 2013. [ Links ]

HORDEN, Peregrine; PURCELL, Nicholas. The Corrupting Sea: A Study of Mediterranean History. Oxford, UK; Malden, MA: Blackwell, 2000. [ Links ]

SILVA, Gilvan V. da. Editorial do GT de História Antiga. Hélade, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, p. 6-7, 2001. Disponível em: Disponível em: http: / / www.helade.uff.br / Helade_2001_volume2_ numero2_NE.pdf . Acesso em: 11 maio 2020. [ Links ]

SILVA, Uiran G. da; OLIVEIRA, Gustavo J. D. Editorial. Mare Nostrum – Estudos sobre o Mediterrâneo Antigo, v. 8, p. iv-vii, 2017. [ Links ]

Fábio Faversani – Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Mariana, MG, Brasil. E-mail: [email protected] http: / / orcid.org / 0000-0002-3464-1020

Dominique Vieira Coelho dos Santos – Universidade de Blumenau (Furb), Blumenau, SC, Brasil. E-mail: [email protected] http: / / orcid.org / 0000-0002-0265-2921

Cristina Rosillo-López – Universidad Pablo de Olavide, Sevilla, España. E-mail: [email protected] http: / / orcid.org / 0000-0001-5451-841X


FAVERSANI, Fábio; SANTOS, Dominique Vieira Coelho dos; ROSILLO-LÓPEZ, Cristina. Apresentação. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.40, n.84, mai / ago., 2020. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Arquitetura escolar: diálogos entre o global, nacional e regional na história da educação / Revista História da Educação / 2019

O ano de 2018 marcou duas décadas da publicação no Brasil da obra organizada por Antonio Viñao Frago e Agustín Benito Escolano, intitulada “Currículo, Espaço e Subjetividade: arquitetura escolar como programa” (1998) [3]. Considerada na época a “caixa preta” dos estudos na área de história da educação, o espaço e a arquitetura escolar tem sido explorados em diversas pesquisas estudos no país, exercitando uma importante interlocução entre história, educação e arquitetura [4].

Revisitando a importância desta publicação, que teve sua segunda edição em 2001, este dossiê propõe dialogar sobre a arquitetura escolar em perspectiva global, nacional e regional, enfatizando o momento de configuração e de consolidação das redes de ensino primária em diferentes países e a constituição da escola como uma instituição independente das demais, o que lhe configurou uma identidade própria. Nesta conjuntura, consideramos a concepção funcional e simbólica que a arquitetura escolar incorporou, tanto nos meios urbanos como nos rurais, acompanhando as demandas pedagógicas, as questões higiênicas, assim como os discursos em torno da formação do cidadão através da escola. Leia Mais

Guerra Fria: entre o local e o global / Diálogos / 2018

Este dossiê reúne artigos produzidos por conta do simpósio internacional “Guerra Fria: entre o local e o global”, promovido pelo Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (INEST-UFF) em setembro de 2017, com apoio e financiamento da CAPES. Os artigos nele reunidos pretendem apresentar casos específicos das articulações entre questões locais e globais durante a Guerra Fria.

Ao longo da Guerra Fria, os embates se acirraram não apenas nos campos de batalha, mas também entre os intelectuais. No primeiro artigo do dossiê, “A Guerra Fria na historiografia revisionista: a política externa dos Estados Unidos com a China, 1890-1909”, Flávio Alves Combat analisa as obras de William Appleman Williams e Walter LaFeber com o objetivo de verificar de que forma a historiografia revisionista analisou a chamada “Open Door Policy”, de fins do século XIX e início do XX, entendendo nela as origens de uma série de antagonismos da Guerra Fria.

Em “George Frost Kennan e a arquitetura da política externa dos EUA na gênese da Guerra Fria” são analisados os pressupostos intelectuais em torno da principal formulação de política externa dos EUA do período. Ao conectar a história familiar do diplomata, suas vivências na URSS, o acurado olhar sobre as tradições russas e os princípios políticos soviéticos, Sidnei J. Munhoz esmiúça a elaboração e os princípios por trás da chamada “Doutrina da Contenção” e as críticas de Kennan à forma como ela foi colocada em prática pelo Departamento de Estado.

Outro embate intelectual e suas conexões com a política externa estadunidense ocorreu entre neoliberais e neoconservadores diante da Revolução Nicaraguense, foco do artigo de Roberto Moll Neto. A partir da análise de dois periódicos vinculados a aqueles grupos políticos, o artigo demonstra não apenas a centralidade que o debate sobre o sandinismo alcançou na política externa dos EUA naquele momento, mas também as visões circulantes sobre a América Central e seus povos e as possíveis estratégias de atuação do governo Reagan. Como demonstrado, não havia um consenso e tampouco uma forma única de se analisar a situação, com propostas concorrentes e que expressavam não apenas as dinâmicas da Guerra Fria, mas também as disputas domésticas e aquelas internas aos dois principais partidos dos EUA.

A última década da Guerra Fria também é o foco do artigo de Vágner Camilo Alves e Mariana Guimarães Alves da Silveira. Em “A Guerra Fria e o inimigo comunista nas telas de cinema norte-americanas dos anos 1980”, são analisados os filmes de língua inglesa de maior audiência na década que abordaram diretamente temas da Guerra Fria. Conforme demonstrado, o pico de produções se deu na metade da década, no auge das tensões entre o governo Reagan e os soviéticos, com queda acentuada na quantidade, tipo e audiência após a ascensão de Gorbatchev e o início das reformas na URSS, quando o chamado “perigo soviético” foi perdendo sentido.

No auge da Guerra Fria, as disputas por informações sobre a outra superpotência levaram a um processo intenso de coleta de dados e vigilância, cuja faceta mais evidente foi o lançamento sistemático de satélites artificiais e de missões ao espaço sideral. Em “Bring data! Corrida espacial e inteligência”, Leandro Siqueira apresenta aquele momento, relacionando-o à simultânea corrida nuclear, destacando de que forma o lançamento de equipamentos secretos de vigilância de territórios, governos e populações foi parte essencial da Guerra Fria e marcou os elementos constituintes dos dispositivos de poder das sociedades de controle atuais.

O estudo de Elitza Bachvarova, em “A Polícia Política na Bulgária Socialista – A ‘Máquina de Legitimação’ do regime, 1944-1989” apresenta os mecanismos de controle da sociedade pelo partido na zona de influência da URSS. A partir do resgate da história de vigilância, controle e repressão política prévia ao controle soviético sobre o país, o artigo relaciona estruturas sociais arraigadas à constituição de um novo, mais complexo e disseminado aparato de controle por parte do regime comunista na Bulgária, apresentando também como ele foi somente parcialmente  desmantelado ao fim daquele período.

O artigo “A Guerra Fria vista a partir do Sul”, de Beatriz Bissio, abre outro bloco do dossiê, destinado às políticas não diretamente relacionadas às duas superpotências. Seu estudo apresenta as continuidades e rupturas no chamado “Espírito de Bandung”, isto é, os movimentos políticos dos países do Sul Global de crítica à ordem internacional. Atravessando largo período de tempo – das independências após a Segunda Guerra Mundial, à conformação do bloco BRICS já no século XXI – o artigo demonstra as permanências, dificuldades e crises internas enfrentadas pelos diferentes blocos constituídos com o objetivo de alterar a correlação de forças no sistema internacional.

Uma das mais longas e dramáticas crises da Guerra Fria foi a do desmonte do Império Português, marcada por intensas guerras de independência e encerrada com a Revolução dos Cravos. Na análise de Adriano de Freixo, em “A crise do último império: a Guerra Fria e as décadas finais do colonialismo português (1945-1975)”, entram não apenas os aspectos domésticos já intensamente estudados pela historiografia, como também as conexões estabelecidas com o capitalismo internacional e o oportunismo português ao lidar com o controle de espaços e matérias primas estratégicas, que proporcionaram décadas de sobrevida ao regime.

Outro conflito alheio às disputas entre as superpotências é analisado por Gabriel Passetti no artigo “A construção de uma crise: usos da história por intelectuais argentinos na contestação aos tratados com o Chile nas décadas de 1960 e 1970”. O embate entre duas ditaduras pelo controle de ilhas no extremo sul do continente foi marcado pelo engajamento de uma série de intelectuais na construção de um clima belicoso e de uma narrativa histórica sobre as relações entre os dois países. Como demonstra o artigo, a quase guerra pelo canal Beagle, em 1979, teve raízes assentadas em uma série de publicações e na construção de uma versão histórica nas duas décadas anteriores.

Dennison de Oliveira, em “Da Segunda Guerra Mundial à Guerra Fria: políticas militares estadunidenses para a América Latina (1943-1947)” apresenta vasta documentação inédita, guardada nos arquivos dos EUA, em que é possível verificar intensos debates entre os Departamentos do governo daquele país em torno de como proceder diante dos dilemas de Defesa impostos pela América Latina. O artigo apresenta os diferentes projetos elaborados para o reequipamento do Hemisfério após a Segunda Guerra Mundial, as distintas preocupações do Exército, da Marinha e do Departamento de Estado, e os interesses políticos, estratégicos e mercadológicos em torno da reconfiguração do sistema interamericano.

Muitas vezes as dicotomias da Guerra Fria se concretizaram em disputas intensas no interior  das sociedades. Este é o caso analisado por Paulo Cunha em “Os militares entre a paz armada e a Guerra Fria”. No artigo, são retomadas as histórias do nacionalismo militar de esquerda e as suas intervenções bem-sucedidas em torno do monopólio estatal do petróleo e da não participação brasileira no conflito coreano. Por intermédio da análise de material da Comissão Nacional da Verdade, o artigo demonstra de que forma a repressão sobre este grupo foi intensa ainda no início da década de 1950.

Com a publicação deste dossiê, pretendemos contribuir na disseminação dos resultados de pesquisas sobre o período da Guerra Fria, em especial naquelas que procuraram articular os aspectos globais do conflito aos dilemas, crises e embates em nível local. Os artigos demonstram que, de Washington a Bandung, de Sófia ao canal Beagle, aquelas pouco mais de quatro décadas articularam disputas entre duas superpotências que se disseminaram e foram instigadas por rivalidades e interesses pessoais e de grupos específicos, também em dinâmicas nacionais e regionais.

Gabriel Passetti –  Professor de História das Relações Internacionais e do Programa de Pós-graduação em Estudos Estratégicos, no Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (INEST-UFF), bolsista produtividade em pesquisa do CNPq. E-mail: [email protected]

Sidnei J. Munhoz –  Professor do departamento de História e do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Estadual de Maringá (UEM), bolsista produtividade em pesquisa do CNPq. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original desta apresentação

Acessar dossiê

[DR]