Dicionário de Ensino de História | Marieta de Moraes Ferreira e Margarida Maria Dias de Oliveira

Composto de 38 verbetes, o Dicionário de Ensino de História é produto de um conjunto de profissionais que atuam junto aos programas de pós-graduação, em especial, do Mestrado Profissional de Ensino de História, o ProfHistória. Como destacado pelas coordenadoras, esse material foi “Elaborado visando subsidiar pesquisadores e professores nas suas variadas atuações de construção do conhecimento histórico” e acrescenta que ele “[…] objetiva chamar a atenção de pesquisadores de outros campos para as especificidades da historiografia, teóricos e áreas de diálogos do ensino de história” (FERREIRA; OLIVEIRA, 2019, p. 10).

Tende-se a acreditar que o dicionário é um material cuja finalidade é expressar o sentido de determinados termos. Entretanto, a dimensão enciclopédica do mesmo, ao menos em algumas áreas, já não é o mesmo. Não é de hoje que a produção desse tipo de material caiu no gosto dos historiadores. Temos como exemplos, alguns emblemáticos, a produção de Jacques le Goff e Jean Claude Schmitt, Dictionnaire Raisonné de l’Occident medieval, o recente Dicionário da escravidão e liberdade, organizado por Lilian Moritz Schwarcz e Flávio dos Santos Gomes, ou ainda, o Dicionário Crítico de Gênero, organizado por Ana Maria Colling e Losandro Antonio Tedeschi. O dicionário que é objeto dessa resenha, não se distancia dos que foram citados, a não ser por sua temática, o ensino de história. Leia Mais

Sob Três Bandeiras: Anarquismo e imaginação anticolonial | Benedict Anderson

Como muito bem indicado por Mônica Dias Martins, no prefácio da edição brasileira do livro Sob Três Bandeiras de Benedict Anderson, ele “representa certa mudança no paradigma de como se estudam os nacionalismos” (p.15). Isso parece correto na medida em que é possível observar que ele desenvolveu uma análise que perpassa um conjunto de dados muito bem apresentados e analisados. Anderson se distancia, por exemplo, da clássica escrita de Hobsbawm, sobre os nacionalismos, já que não se ancora em dados não referenciados ou pouco referenciados em fontes, mas que desenvolve uma análise ampla que atravessa espaços continentais e não se restringe à preponderância dos problemas europeus. Seu trabalho não é original em relação à temática porque, anteriormente, já havia escrito Comunidades imaginadas, seu texto de referência sobre o nacionalismo, assim como Nação e consciência nacional, todavia é original ao vincular o anarquismo e a imaginação anticolonial ao que ele chamou de “Era da globalização primitiva”.

Cuba, China, Japão, Espanha, Estados Unidos, Filipinas, França, são alguns dos países que integram essa tensa “Era”. Anderson demonstrou, principalmente a partir de dois autores, Isabelo de los Reyes e José Rizal, como se configurou o levante em prol da independência das Filipinas em relação à Espanha e como as ideias transitaram pelo mundo no sentido de encontrar formas de estruturação da sociedade, distintas das que, até então, estavam vigentes, sob rédeas do capitalismo ocidental. Daí o sentido do subtítulo Anarquismo e imaginação anticolonial. Leia Mais

Ervais em queda. Transformações no campo no extremo sul de Mato Grosso (1940-1970) | Jocimar L. Albanez

A historiografia de Mato Grosso/Mato Grosso do Sul tem a história da erva mate como um tema caro às suas pesquisas. Alguns a veem como tema esgotado, outros nem tanto. Albanez sinaliza valorizar a temática quando, malgrado atentar para o processo de ocupação do antigo sul de Mato Grosso, entre 1940-1970,[1] intitula sua obra como Ervais em queda. Transformações no campo no extremo sul de Mato Grosso (1940-1970). O objetivo do autor é “explicar o processo de ocupação e o contexto do mundo do trabalho na agropecuária” (p.22) no antigo sul de Mato Grosso, mais especificamente, o movimento das frente pioneiras, caracterizadas pelo alto investimento da capital e pela industrialização do campo. Nestes termos, o que justificaria o título?

Albanez não restringe sua pesquisa ao período de 1940-1970. Somente consegue coerência em sua explicação por retroceder ao fim do século XIX e início do XX, quando a conhecida Companhia Matte Larangeira era responsável pelo arrendamento de vasto território no antigo sul de Mato Grosso, região que o autor definiu como Amambai histórico. Segundo ele, a ocupação, nesse período, estava restrita a indígenas e paraguaios, a mão de obra da Companhia. O interesse da Companhia, assim como o seu poderio político, conseguia fazer a manutenção das áreas em poder desta empresa a tal ponto que protelavam pedidos de emancipação de municípios, como no caso de Ponta Porã e outros. Nesse sentido, o título da obra, que é fruto da dissertação de mestrado do autor, defendida em 2004 na Universidade Federal da Grande Dourados, é coerente, pois salienta a importância do momento histórico precedente à ocupação das frentes pioneiras.

Deixando de lado o título e adentrando à obra em si, é possível notar que Albanez, apesar da originalidade do tema, que desloca o interesse nos processos de ocupação deflagrados pela política estadonovista, responsável pela formação da CAND,[2] para o território do Amambai histórico [3] e a análise do impacto das frentes pioneiras na formação dos municípios, o trabalho de Albanez se enquadra em uma linha historiográfica que ainda valoriza sobremaneira, no campo teórico, as características de uma teoria moderna [4] onde há uma valorização de uma história total, haja vista que o autor consegue fazer um diálogo entre o local e o global, assim como de uma relação interdisciplinar, chamando, constantemente, a geografia. [5]

Facilmente, poder-se-ia inserir o trabalho do autor no âmbito de uma análise marxista, não apenas pela epígrafe retirada da Ideologia Alemã, de Marx, mas também pelo interesse em pontuar a desproporção entre o poder do capital, nas chamadas frentes pioneiras, que tal como a Revolução industrial destruiu o espaço do artesão, essa grande propriedade, cercada de maquinário tecnológico desenvolvido, deslocou o pequeno proprietário das chamadas frentes de expansão, que tinham como característica a subsistência para uma condição de dependência do grande latifundiário.

Contudo, também poder-se-ia observar uma influência dos Annales na medida em que valoriza o econômico e o social, assim como o método de pesquisa que atenta para os dados estatísticos e censitários como importante fonte de análise no processo de mutação da região do antigo sul de Mato Grosso. Mas, nem por isso o autor abandona outros tipos de fontes, como as orais e bibliográficas. Albanez parece se aproximar um pouco de Braudel quando utiliza a geografia para justificar determinadas relações do homem com o território, como por exemplo, o interesse nos Campos de Vacaria, que são mais propícios à criação de gado e a caracterização fisiográfica da região.

Historiograficamente, o trabalho de Albanez se insere em uma linha tradicional que ainda é forte: a história econômica, política e social que tem como fontes principais os arquivos públicos, dados censitários e documentos oficiais. As referências bibliográficas também são condizentes a esta linha, baseando-se em autores referenciais para este tipo de análise, como Paulo Roberto Cimó Queiroz, Alcir Lenharo, Isabel Guillen, Lucia Salsa Corrêa, entre outros.

Em relação ao conteúdo, note-se que o livro divide-se em três capítulos, fora a apresentação, feita por Paulo Roberto Cimó Queiroz, a introdução, a bibliografia e a lista de outras fontes. No primeiro capítulo, o autor apresenta, de forma genérica, como se deu o processo de ocupação não índia na região, observando algumas características gerais, como a Lei de Terras de 1850, e outras específicas, como a independência do Paraguai, os problemas da fronteira, a domínio da questão fundiária pelas oligarquias regionais e, no fim, um quadro do panorama urbano do estado. O objetivo do capítulo é preparar o terreno para a discussão principal do autor, que já foi apresentada acima.

Já o segundo capítulo se dedica ao efetivo objetivo do texto: a ocupação do antigo sul de Mato Grosso entre 1940 a 1970, intitulado “Quando predomina o econômico…: a ocupação recente do ESMT (1940-1970)”, demonstra que dos fins do século XIX a meados do século XX, é possível notar uma variação da relação do homem/mulher para com o espaço, visto que no primeiro momento há uma característica de subsistência onde o ecológico sobrepuja; ao passo que no segundo observa-se uma sobreposição do econômico ao ecológico. Na primeira fase, observa-se a característica extrativista, principalmente a erva mate e a borracha, ao passo que na segunda, observa-se a produção agropecuária “destruidora das riquezas naturais” (p. 67).

Além desse fator, que justifica o título, mais quatro pontos podem ser observados como resultados importantes encontrados pelo autor: i) a constatação de um crescimento populacional no ESMT de 1950 para 1970, sendo que deste contingente o rural predominou sobre o urbano; ii) a política de colonização valorizou a concentração fundiária ao invés da equitativa distribuição de terras; iii) havia grandes propriedades na mão de poucos proprietários (acima de 1000 ha.), voltados para uma pecuária extensiva e muitas pequenas propriedades nas mãos de pequenos proprietários, voltados para a produção de subsistência e de manutenção do mercado local, lavouras que produziam arroz, feijão, milho, algodão, café, mandioca, entre outros; iv) a partir de 1970 a produção se tornou preponderantemente agropecuária e passou a visar a exportação e, não mais, o mercado nacional.

O terceiro capítulo, ainda relacionado ao objetivo central do livro, pretende fazer uma análise dos trabalhadores e das relações de trabalho no ESMT. O objetivo foi analisar como o processo ocupacional, explicado no capitulo dois alterou, ou não, o trabalho e as relações de trabalho na região. Em relação à metodologia, pode-se dizer que segue a mesma linha do segundo capítulo, a análise dos dados censitários no curso dos anos de 1950 a 1970.

No que diz respeito aos resultados, pode-se depreender seis pontos principais: i) com o fim da Matte Larangeira, o destino dos trabalhadores foi trabalhar em desmatamentos, formação de fazendas e na abertura de picadas e estradas. Essa mão de obra era de origem paraguaia, indígena e nordestina; ii) a desconstrução da ideia de que as relações de trabalho, na região, eram feudais ou semifeudais, defendendo, com base nas teorias de Caio Prado Júnior, que essas relações eram fruto das reminiscências escravocratas do século XIX (p. 154-155); iii) há uma variação no regime de trabalho entre 1950 a 1970, onde de uma maioria de trabalhadores temporários passa-se a uma maioria de trabalhadores permanentes (p. 171); iv) entre os anos citados acima, cresce o número “de participação de emprego do trabalho feminino nas propriedades rurais” (p. 176). Contudo, esse trabalho restringia-se a categoria de não remunerado; v) no ESMT prevaleceu o trabalho familiar, devido ao aumento de propriedades com menos de 10 ha e as parcerias em propriedades entre 10 e 35 ha, daí a baixa contratação de mão de obra assalariada, evidenciada pelos dados censitários. Outro fator que justifica essa baixa parcela de mão de obra assalariada são os membros não remunerados da família, o fator especulativo da terra, assim como o fato de muitas propriedades estarem sob o regime de arrendamento; vi) com o grande número de propriedades multiplica-se o número da mão de obra a disposição da grande propriedade, pois há um aumento demográfico.

Para finalizar, o autor apresenta algumas constatações gerais: como o fato do sistema de ocupação ter valorizado a concentração fundiária, pois era visivelmente um grande negócio para o Estado; houve um processo de realocação do “contingente humano disperso após a estagnação da atividade ervateira, principalmente no que diz respeito à limpeza das propriedades” (p. 187-188); a exploração da mão de obra, estendida ao ambiente familiar, onde o responsável era contratado, de forma assalariada, mas toda a família trabalhava pela remuneração de apenas um; o predomínio das atividades rurais no ESMT até o final da década de 1960; e a restrição das atividades ervateiras à região fronteiriça com o Paraguai: “caem os erva, para em seu lugar surgirem algumas culturas agrícolas, mas, principalmente, para forrar o chão com pastagens” (p. 186).

Portanto, a obra de Albanez se apresenta muito relevante para a historiografia de Mato Grosso/Mato Grosso do Sul, na medida em que apresenta um panorama da formação ocupacional da região baseada em referências estatísticas. Nota-se que o campo teórico metodológico estabelecido no início é seguido no decorrer da obra e que os resultados obtidos são coerentes com os dados analisados, assim como é perceptível que as análises locais estão constantemente sendo relacionadas aos âmbitos nacionais, o que dá significativa credibilidade à obra, visto que pontua as linearidades e as cisões estabelecidas com um campo de análise nacional.

Notas

1. Nesse período, a exploração da erva mate já está em declínio devido dois fatores: o processo de nacionalização da fronteira (a mão de obra nos ervais era preponderantemente paraguaia) e autossuficiência argentina, principal mercado consumidor do produto.

2. Colônia Agrícola Nacional de Dourados.

3. É importante salientar que, malgrado o autor focar no território do Amambai histórico, ele estabelece relação entre este, a porção Meridional do Município de Dourados e o restante da Microrregião Campos de Vacaria e Mata de Dourados.

4. Tomando aqui por referência o sentido que Ciro Flamarion Cardoso atribui ao termo na introdução da obra Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia, originalmente publicada em 1997.

5. Utilizou boletins de geografia, dissertações de mestrado, teses de doutorado e livros da área, destacados na bibliografia, assim como é notável, no decorrer do texto, a importância dada à Geografia como importante referência para as análises.

Fábio Luiz de Arruda Herrig – Mestre em Letras pela Universidade Federal da Grande Dourados (2012). Graduado em História pela Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (2009). É professor da Escola Agrotécnica Lino do Amaral Cardinal e do Centro Educacional Luis Quareli – CELQ.


ALBANEZ, Jocimar Lomba. Ervais em queda. Transformações no campo no extremo sul de Mato Grosso (1940-1970). Dourados: UFGD, 2013. 190p. Resenha de: HERRIG, Fábio Luiz de Arruda. A erva mate e a historiografia de Mato Grosso/Mato Grosso do Sul. Revista Ágora. Vitória, v.20, p.210-214, 2014. Acessar publicação original [IF].