Max Weber und die Erste Weltkrieg | Hinnerk Bruhns

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Hinnerk Bruhns | Imagem: Hypotheses

Atribuem-se a Heráclito duas fórmulas memoráveis. A primeira, panta rhei, “tudo passa”, faz parte do repertório básico de qualquer aluno de primeiro semestre nas Humanidades. Já a segunda é bem menos citada: “a guerra é o pai de todas as coisas”. De fato, a ideia de que há algo não apenas de estranhamente sedutor, mas também de matricial na guerra, é confirmada à exaustão pela experiência histórica e mesmo por nossa sensibilidade estética. De Homero e do Mahabharata a Euclides da Cunha, da pintura de Otto Dix ao grande romance de Guimarães Rosa, a guerra aparece ora como epicentro narrativo, ora como pano de fundo. Tinha razão Ernst Jünger quando constatou que “a mania da destruição está profundamente enraizada na natureza humana” (Jünger, 2005, p. 48).

Como quer que seja, uma das conquistas fundamentais da modernidade, pelo menos desde a Guerra dos trinta anos, foi a de tendencialmente mitigar o fascínio que, desde sempre, cerca esse fato social total. Daí que, em suas memórias como soldado na Primeira Guerra, o historiador britânico R. H. Tawney não tenha escondido sua repulsa ante a “sensação de desempenhar um papel inútil” no que qualificou de “jogo disputado por macacos e organizado por lunáticos” (apud Stern, 2004, p. 254). Leia Mais

Max Weber in der Welt. Rezeption und Wirkung – KAISER; ROSENBACH (RH-USP)

KAISER, Michael; ROSENBACH, Harald. Max Weber in der Welt. Rezeption und Wirkung. Tübingen: Mohr Siebeck, 2014. 243 pp. Resenha de: MATA, Sérgio da. A weberianização do mundo. Revista de História (São Paulo) n.174 São Paulo Jan./June 2016.

Uma das mais sedutoras teses presentes na obra de Max Weber é a que postula um processo geral, inexorável, de racionalização do mundo. Vista de uma perspectiva brasileira, não é preciso dizer o quão ambiciosa, até mesmo quimérica, tal tese pode parecer. O virtual emperramento do nosso sistema político desde as grandes manifestações de junho de 2013 – com sua recusa explícita dos partidos e a denegação do direito de ir e vir como estratégia privilegiada de pressão dos grupos à margem (direita ou esquerda, pouco importa) do poder -, o caos das contas e da saúde pública, a recusa em encarar de frente o caráter finito dos recursos naturais, os níveis alarmantes de violência interpessoal, a crise de legitimidade de uma presidente recém-eleita, o autismo generalizado, tudo isso sugere que a perspectiva weberiana da história tem lá os seus limites.

Mas teria Weber dado um sentido literal à sua ideia da racionalização do mundo? Entre 1917 e 1919, ele acompanha atônito a derrota alemã na guerra, a renúncia do kaiser, a proclamação dos conselhos operários em diversas cidades alemãs e o caos político em seu país. Ele viu na democracia a única salvação possível, e sua última série de escritos lança luz, quando não por simples homologia, sobre os dilemas do Brasil contemporâneo. Weber constatava a ascensão da rua como o espaço privilegiado da política, e pressentia que se a revolução alemã tinha o potencial de mover o país, certamente não seria no rumo do socialismo, mas sim no da mais abjeta reação. Nos últimos parágrafos de Economia e sociedade, ele escreve que

um fator completamente irracional (…) é dado pelas “massas” não-organizadas: a democracia de rua. Esta é mais poderosa em países com um parlamento impotente ou politicamente desacreditado, e isto significa sobretudo: na ausência de partidos racionalmente organizados. Na Alemanha, (…) organizações como os sindicatos, mas também como o Partido Social-Democrata, constituem um contraponto muito importante ao atual domínio irracional da rua, típico de nações puramente plebiscitárias.1

Àquela altura Weber considerava o sistema político alemão ante bellum “completamente obsoleto”. No início de 1919, em meio às reuniões da comissão que elaborou a Constituição da República de Weimar, Weber – então no auge de sua popularidade como erudito e homem público – advertia que caso se mantivessem intocadas as bases de tal sistema,

a democracia política e economicamente progressiva não terá nenhuma chance num futuro previsível. As eleições mostraram que, por toda a parte, os antigos políticos profissionais conseguiram, contrariamente à disposição dos eleitores, eliminar os homens que gozam de confiança dessas massas em favor de uma mercadoria política ultrapassada. Como resultado, as melhores cabeças têm se afastado de toda a política.2

Poderíamos continuar indefinidamente, apontando as homologias existentes entre a Alemanha de 1917-1919 e o Brasil de 2013-2016. Que Weber tenha avaliado aquela época com notável clareza talvez seja uma razão a mais para ver em sua obra um potencial de esclarecimento que nem de longe se poderia encontrar no marxismo tardio de um Mészáros, no obscuro esteticismo de um Agamben, no cômico nonsense de Žižek ou nas incontinências verbais de um Olavo de Carvalho. Estamos condenados a pensar o hoje; mas em face do vazio de ideias contemporâneo, não nos resta outra saída senão buscar os clássicos de ontem. Chame-se a isso, se se quiser: aprender com a história.

A racionalização do mundo, tal como a descreveu Weber no preâmbulo do primeiro volume dos seus ensaios reunidos de sociologia da religião, não se concretizou. As grandes forças mobilizadoras deste processo (o direito, o capitalismo moderno, a ciência e a burocracia) nem sempre atuaram com o grau de integridade que se lhes atribuía.

Apesar de tudo isso, talvez se possa falar de uma weberianização do mundo. Num sentido muito preciso: o de uma gradativa mundialização de seu legado intelectual. Não apenas na condição de clássico das ciências sociais, mas também como um autor de cabeceira dos poderosos – de Theodor Heuss, o primeiro presidente da Alemanha após a catástrofe do nazismo, a FHC. De sua Alemanha natal à América Latina, dos Estados Unidos à Rússia, do leste europeu ao mundo árabe, o interesse pelo pensamento de Weber não encontra fronteiras nem padece do veto da história que se abateu sobre o marxismo após 1989.

Sendo assim, é apenas natural que, em julho de 2012, os institutos de humanidades alemães no exterior, há pouco rebatizados como Fundação Max Weber, tenham dedicado um simpósio internacional ao tema “Max Weber no mundo – Recepção e influência”. O volume resultante, publicado em 2014, é o que nos cabe aqui resenhar. Estudos sobre a recepção de Weber não são propriamente uma novidade, todavia o interesse a respeito tem adquirido força, entre outras razões graças à redescoberta de Weber nos países que compunham o antigo mundo socialista.

“Max Weber em tempos de transformações”, de Edith Hanke, abre o volume com um esboço de sociologia comparada da recepção da sociologia weberiana. A tese principal da autora é que o interesse por Weber tende a crescer especialmente em sociedades que passam por períodos de intensa transformação econômica, social e política (p. 2). Primeiramente, ela procede a uma avaliação do número de edições/traduções por país, o que nos revela algumas surpresas. A primeira delas é a liderança absoluta do Japão, com nada menos que 190 títulos entre 1925 e 2012. A carreira japonesa de Weber é, por assim dizer, inteiramente autóctone, deu-se sem intermediários. Mais que isso, os estudiosos daquele país produziram trabalhos sobre Weber que, vistos desde hoje, estavam muito à frente de seus congêneres anglo-saxões. Em 1981, Yoshiaki Ushida já criticava a perspectiva “a-histórica” da literatura internacional sobre Weber. Isso é tão mais impressionante se levarmos em conta que o início da publicação na Alemanha da edição crítica das obras de Weber (Max Weber Gesamtausgabe) só se iniciou em 1984. Hanke mostra ainda que, em países como Japão, Itália, Grécia e Coreia do Sul, as traduções mais recentes de Weber têm se baseado no gigantesco trabalho de erudição histórico-filológica da Gesamtausgabe. Poupemos ao leitor uma constrangedora comparação com o que, a esse respeito, se tem feito no Brasil.

Hanke identifica três tipos de transformação por detrás dos booms weberianos em diferentes países: (a) rápidas e drásticas mudanças de paradigmas científicos, (b) na estrutura socioeconômica e, por fim, (c) crises de legitimidade do ordenamento político. Tendo exercido o papel de pioneira (data de 1897 a tradução do opúsculo A bolsa), a Rússia assistiu a uma virtual proscrição de Weber após a década de 1920. Tornou-se famosa a passagem da Grande Enciclopédia Soviética de 1951, em que Weber é chamado de “sociólogo, historiador e economista alemão reacionário, neokantiano, inimigo maldoso do marxismo” (apud p. 15). Na década de 1980, sobretudo a partir de 1990, com a derrocada do regime comunista e o fim do veto ideológico, a situação se inverte. Em curto espaço de tempo mais que dobra o número de obras de Weber disponíveis em russo.

Situação semelhante se observa na China, onde o advento do turbo-capitalismo gerou uma demanda irrefreável por paradigmas alternativos. Graças aos esforços da germanista Rongfen Wang traduziram-se seções de Economia e sociedadeConfucionismo e taoísmo e as conferências Ciência como vocação e Política como vocação. A versão chinesa de A ética protestante e o espírito do capitalismo, publicada em outubro de 1986, esgotou-se em horas. Naquele mesmo ano, um jornal chinês publica uma entrevista com a sra. Wang com o significativo título “A febre Max Weber e a democratização política”. Em 1989, tal situação se alteraria dramaticamente. Num colóquio realizado em julho de 2014 na Universidade de Erfurt, este resenhista teve a oportunidade de ouvir da própria sra. Wang o impressionante relato de como o auditório reservado para acolher o primeiro grande simpósio sobre Weber em Pequim acabou sendo usado como depósito militar tão logo estourou a repressão ao movimento estudantil na praça da Paz Celestial. O evento evidentemente não pôde ocorrer, frau Wang mora há anos na Alemanha e os chineses ainda esperam pela democracia.

Como o maoísmo não passa hoje, na China, de uma formalidade vazia na autoencenação do poder, não paira ali qualquer proibição formal a Weber e é revelador do espírito dos novos tempos que em 2006 A ética protestante tenha se tornado um verdadeiro best seller naquele país. Situação muito diferente da do Irã, em especial depois da derrota da “Revolução verde” de 2009. Edith Hanke (p. 20) mostra que Said Hajjarian, “que estava entre os mais próximos estrategistas do presidente reformista Khatami, foi ameaçado com a pena de morte também por difundir as teorias de Weber”, e tendo de desculpar-se publicamente por isso.

O fato de Weber não ter produzido qualquer estudo sistemático sobre o islamismo decerto contribuiu para sua fraca recepção no mundo muçulmano, tema do ensaio de Stefan Leder (Max Weber in der arabischen Welt). Embora A ética protestante esteja disponível em árabe desde 1980, poucas traduções se seguiram. A recepção deve ali muito ao impulso de comentaristas franceses como Julian Freund, Colliot-Thélène e Philippe Raynaud. De forma geral, porém, Leder constata a inexistência de uma “confrontação produtiva com Max Weber” (p. 27). As razões não seriam apenas de natureza intelectual, posto que refletiriam também a ausência de uma relação dialética entre racionalismo prático (intramundano) e a ética religiosa islâmica. A conexão presente em toda a obra de Weber entre valores religiosos e a dinâmica da vida político-econômica, não se revelaria naquelas culturas uma chave heurística tão fértil quanto o foi no Ocidente.

Alexandre Toumarkine mostra, em “The introduction of Max Weber’s thought and its uses in Turkey”, que a Turquia diverge do padrão descrito acima. O autor evoca o interessante caso de Kayseri, uma capital de província famosa por seu tradicionalismo religioso e dinamismo empresarial. Um antigo prefeito da cidade, Şükrü Karatepe, chegou a declarar que, “para entender Kayseri, é preciso ler Max Weber” (apud p. 33). A possível existência de um islamic calvinism gerou um amplo debate na imprensa turca. Tornavam-se evidentes os resultados a que chegaram diversos pesquisadores, para os quais “a fé islâmica não é um obstáculo ao desenvolvimento econômico ou à modernização social” (p. 34). É interessante notar que a Turquia tem uma história de recepção análoga à do Brasil sob vários aspectos: a defasagem temporal em relação a outras comunidades intelectuais, a importância dos imigrados de origem germânica (Alexander Rüstow e Gerhard Kessler tiveram ali um papel similar ao de Otto Maria Carpeaux e Emílio Willems entre nós), a influência exercida pela tradução de livros como As etapas do pensamento sociológico de Raymond Aron, e a coletânea From Max Weber de Gerth e Mills.3 As apropriações de Weber na ciência social turca giram em torno de questões como a aplicabilidade do conceito de carisma a Ataturk, o fundador da república, e ainda à permanência de um forte componente patrimonialista naquele país. Para o historiador Halil Inalcik o Estado turco constituiria um caso extremo de patrimonialismo, chamado por Weber de sultanismo. Inalcik teria demonstrado que “a fusão entre poder político e espiritual na pessoa do sultão fez do Império otomano o tipo perfeito de sultanismo” (p. 46).

O weberianismo no islã é objeto de outro capítulo, “Max Weber and the revision of secularism in Egypt”. O autor, Haggag Ali, expõe as discussões que intelectuais egípcios têm feito nos últimos anos sobre a “secularização” numa chave weberiana. Atenção especial é dada à monumental Enciclopédia dos judeus, judaísmo e sionismo escrita por Abdel-Wahab El-Messiri (1938-2008), em que se faz uma distinção entre “secularismo parcial” e “secularismo compreensivo”, sendo o primeiro uma modalidade mais branda (e que El-Messiri acreditava ser compatível com o Islã), e o último uma forma mais radical de desencantamento do mundo. É interessante notar que o que adquiriu centralidade na recepção de Weber no Egito é talvez o aspecto mais frágil de sua visão da modernidade, qual seja, o conceito mesmo de “secularização”. Mas nada se compara ao mal-entendido que atribui a Weber a ideia de que somente no Ocidente teria havido racionalização, e que Haggag Ali repete um tanto acriticamente. Sob a influência da legenda segundo a qual a racionalização conduziu ao holocausto – é preciso desconhecer um livro como Mein Kampf para se estabelecer uma relação entre uma coisa e outra , El-Messiri difunde em seu país um mal-entendido em cuja origem, curiosamente, está o antimodernismo judaico presente em autores como Horkheimer e Bauman. Sua preocupação maior era fazer um diagnóstico histórico-sociológico do sionismo, visto como “uma ideologia secular que aspira à salvação dos judeus, prometendo a seus adeptos (…) o fim das perseguições e do sofrimento no aqui-e-agora” (p. 57).

“Max Weber in the world of Empire” é o título da contribuição de Sam Whimster. Trata-se de situar Weber no contexto da época áurea do imperialismo, bem como as possíveis ressonâncias disso para sua obra. Com base em cartas inéditas até então, Whimster mostra a evolução das ideias de Weber a respeito das aspirações de grandeza da Alemanha – contudo não estamos certos de que ele de fato “olhava para o mundo através das lentes do império, mais que das do estado-nação” (p. 77). Excetuada a forte influência dos junkers, não há dúvida de que Bismarck e a Prússia das décadas de 1870-1890 permaneceram como uma espécie de modelo para Weber durante quase toda sua vida. Entretanto, é revelador que o conceito de imperialismo não seja definido com mais clareza por Whimster, o que lhe permite – assim nos parece – empregar o termo com uma liberdade demasiada, e assim classificar Weber como um “imperialista”. Sinceramente, não nos vem à memória algum texto deste autor que dê ensejo a tal classificação.

Seguem-se dois importantes estudos sobre a Rússia e a Polônia. O primeiro deles, da autoria de Dittmar Dahlmann (p. 81-102), examina o interesse de Weber pelo enigma russo, assim como o papel da Rússia em sua obra. Mantendo estreita relação com a comunidade eslava em Heidelberg, Weber publicou dois longos estudos sobre a fracassada revolução liberal de 1905 naquele país, e seu conceito de “pseudoconstitucionalismo” tornou-se influente nos meios jurídicos russos antes da ascensão dos bolcheviques. Cabe notar ainda que não foram sociólogos, mas historiadores (Dimitri Petrusevski, Nicolai Kareev, Alexandr Neusychin) os que deram início à recepção russa de Weber. Em artigo de 1923, Neusychin defendeu inclusive a tese, que nos inclinamos a abonar, de que a sociologia weberiana nada mais é que “a história traduzida na linguagem dos conceitos gerais” (apud p. 87). Igualmente curioso é o fato de que alguns excertos de A ética protestante e da Ética econômica das religiões mundiais tenham sido traduzidos e publicados no período soviético, precisamente num número de 1928 de uma revista chamada Ateísta. De resto, prevaleceu o veto ideológico a Weber. Uma tradução de A ética protestante chegou a ser feita em 1972 por Neusychin, mas como levava um selo com as palavras “apenas para o uso interno”, evidentemente não pôde ser publicada. Desnecessário dizer que uma Weber-renaissance digna desse nome teria de esperar pela Glasnost e pela derrocada definitiva do aparato de poder em 1990.

Marta Bucholc se dedica ao espinhoso capítulo polonês da weberianização do mundo em seu estudo “A reação dos sociólogos poloneses aos escritos de Max Weber sobre a Polônia”. Relação espinhosa nem tanto pelo fato de este país ter se tornado parte da Cortina de Ferro, mas porque as poucas menções de nosso autor aos poloneses estão entre as mais infelizes que ele escreveu.4 A ponto de ele próprio admitir em 1916: “Eu era tido como um inimigo da Polônia. Preservo ainda hoje uma carta assinada e enviada de Lemberg há vinte anos, em que se lamentava que meus antepassados não tivessem sido comidos por um porco mongol” (apud p. 111-112). O fato é que não houve influência alemã digna de nota sobre os pais fundadores da sociologia polonesa, Stefan Czarnowski e Florian Znaniecki, os quais reverberavam uma nítida ascendência francesa. Segundo Bucholc, esta situação não se alterou desde então.

Traduções de Weber em polonês só surgiram no alvorecer do século XXI. Mas mesmo com o advento da open society, observa Bucholc,

os escritos políticos de Weber provavelmente eram percebidos como irrelevantes na nova realidade da integração europeia, na qual Polônia e Alemanha há muito mantinham relações amigáveis (…). Os escritos políticos de Weber sobre a Polônia seriam então não apenas muito difíceis de se ler e de maneira alguma aceitáveis, mas seriam também desinteressantes (p. 118).

Caso inteiramente diverso e sob todos os aspectos digno de atenção nos é apresentado por Wolfgang Schwenkter em “Controvérsias japonesas sobre A ética protestante de Max Weber”. Um dos mais competentes estudiosos das relações intelectuais entre Japão e Alemanha, Schwenkter enumera em seu bem documentado ensaio as razões da ascendência japonesa nos estudos weberianos. A carreira japonesa de Weber deve muitíssimo a eruditos devotados à história econômica (Fukuda Tozuko, Kawada Shiro e Hani Goro). Não menos importante foi a passagem pelo Japão de autores influenciados por Weber, tais como Karl Löwith e Robert Bellah. Para que se tenha noção da singularidade do caso em tela, basta dizer que, desde 1964, existe uma versão japonesa integral de O judaísmo antigo. Praticamente toda a obra de Weber acha-se hoje traduzida naquele país, algo com que o pobre leitor brasileiro só pode sonhar. Em seu diagnóstico da situação atual, Schwenkter mostra que a chegada das teorias pós-modernas ao Japão se articula com o surgimento de uma nova geração de intelectuais japoneses que questionam – como é justo que seja – a atualidade do legado de Weber. O autor examina ainda a grande polêmica gerada em 2002 pela publicação de livro do sociólogo Hanyu Tatsuro, O crime de Max Weber. O “crime” em questão assenta no uso pouco rigoroso que Weber fez de certas fontes bíblicas na Ética protestante. Raramente se terá empregado uma terminologia tão forte numa querela essencialmente filológica, mas no final das contas há que dar razão a Schwenkter por sua crítica a Tatsuro por se valer de um título “inteiramente absurdo” por razões mercadológicas (p. 140).

Nos quatro ensaios seguintes de Max Weber in der Welt o leitor familiarizado com os estudos weberianos não consegue manter o mesmo nível de atenção. Ora o tratamento dos problemas não se aprofunda o suficiente, ora os resultados apresentados são magros demais para recompensar o esforço de leitura. Em “A estadia romana (1901-1903) e a relação de Max Weber com o catolicismo”, Peter Hersche trata de uma questão potencialmente relevante, mas para a qual, ao fim e ao cabo, nenhuma evidência nova chega a ser aportada.

Em “The American journey and the protestant ethic”, Lawrence Scaff oferece uma síntese de sua alentada monografia Max Weber in America (2011), revisitando os topoi da experiência americana de Weber: da longa viagem empreendida com sua esposa em 1904 à importância de nomes como Parsons e Edward Shils ou de instituições como as Universidades de Chicago, Columbia e a New School na recepção de sua obra. Scaff sublinha dois pontos que parecem mesmo relevantes. Por um lado, o impacto da viagem aos Estados Unidos sobre a redação da segunda parte da Ética protestante; de outro, o fato de que sua recepção norte-americana jamais teria sido a mesma, caso este escrito não oferecesse uma espécie de narrativa mestra do American dream.

Quanto ao ensaio “Max Weber e a Philosophie de l’art de Hippolyte Taine”, de Francesco Ghia, este parecerista não encontrou razões para traçar qualquer comentário a respeito, dado o seu caráter altamente especulativo e inconclusivo. Melhor seguir em companhia de Hinnerk Bruhns e seu capítulo “Max Weber na Guerra Mundial (1914-1920) – Com uma olhadela da França”. No país da escola durkheiminiana, a introdução do pensamento de Weber jamais teria sido algo fácil. Por muito tempo, intelectuais como Raymond Aron e Julian Freund amargaram uma solidão de mil desertos. A lentidão com que apareceram as traduções francesas é de fato impressionante. Até o ano de 2014 não havia uma versão francesa da pioneira biografia publicada por Marianne Weber em 1926. Bruhns explora a experiência de Weber na Primeira Guerra Mundial – ele foi encarregado de administrar os hospitais da região de Heidelberg – e como as vivências daquele período se traduzem em seus escritos posteriores. É sabido que Weber saudou o conflito entusiasticamente, sem, porém, aderir ao Hurrapatriotismus de um Max Scheler ou dos signatários do famoso manifesto “Ao mundo cultural”, em que eruditos alemães de prestígio defenderam as ações do exército alemão. Não é pequeno, em todo caso, o papel do fenômeno “guerra” na sua sociologia, e ninguém duvida que, ao definir a política como “luta”, ele pavimentou uma perspectiva do político que atingiria seu ápice em Carl Schmitt.

Chegamos finalmente ao último ensaio do volume, “Max Weber e os problemas histórico-universais da modernidade”, de Gangolf Hübinger (p. 207-224). O autor faz um criativo exercício de análise da modernidade – entendida enquanto um estágio da vida social marcado antes de mais nada pela aceleração civilizacional e pela tensão crescente entre visões seculares e religiosas de mundo (p. 208) – a partir das pistas deixadas por Weber em seus escritos. Hübinger distingue na sua obra quatro indicadores fortes do caminho alemão para a modernidade: o advento e afirmação do capitalismo, a crítica do historicismo, a cultura de massas e a democracia. Nas seções seguintes de seu capítulo, Hübinger trata de iluminar cada uma dessas variáveis à luz da erudição histórica e, sobretudo, de mostrar como o legado intelectual e científico de Weber constitui um lócus privilegiado para visualizarmos cada um desses processos. Tanto do ponto de vista econômico quanto do científico, cultural e político, o pensamento weberiano se presta, como poucos de seu tempo e posteriores a ele, a iluminar uma época que – a despeito de toda doxa pós-moderna – ainda não deixamos para trás.

Nesse sentido, e ao menos enquanto as quatro estruturas acima evocadas se mantiverem, o lugar de Max Weber no grande museu das antiguidades intelectuais do Ocidente permanecerá vazio. Ele continuará incontornável para nós, no sentido preciso daquele termo que volta e meia surge em seus escritos, a saber: como destino.

Referências

MATA, Sérgio da. Modernity as fate or as utopia: Max Weber’s reception in Brazil. Max Weber Studies, v. 16, 2016, p. 51-69. [ Links ]

VILLAS BÔAS, Glaucia. A recepção controversa de Max Weber no Brasil (1940-1980). Dados. Revista de Ciências Sociais, v. 57, n. 1, 2014, p. 5-33. [ Links ]

WEBER, Max. Economia e sociedade, vol. II. Brasília: EdUnB, 1999. [ Links ]

WEBER, Max. Escritos políticos. São Paulo: Martins Fontes, 2014. [ Links ]

1WEBER, Max. Economia e sociedade, vol. II. Brasília: Edunb, 1999, p. 580.

2WEBER, Max. Escritos políticos. São Paulo: Martins Fontes, 2014, p. 385.

3Cf. MATA, Sérgio da. Modernity as fate or as utopia: Max Weber’s reception in Brazil. Max Weber Studies, v. 16, 2016, p. 51-69; VILLAS BÔAS, Glaucia. A recepção controversa de Max Weber no Brasil (1940-1980). Dados. Revista de Ciências Sociais, v. 57, n. 1, 2014, p. 5-33.

4WEBER, Escritos políticos, op. cit., p. 3-36.

Sérgio da Mata – Professor do Departamento de História do Instituto de Ciências Humanas e Sociais. E-mail: [email protected].

A jaula de aço: Max Weber e o marxismo weberiano | MIchael Löwy

Publicado no Brasil pela editora Boitempo em 2014, A jaula de aço, do cientista social Michael Löwy, corrobora relacionar duas correntes sociológicas – a weberiana e a marxista –, muitas vezes entendidas como defensoras de proposições opostas, impossíveis de serem alocadas de forma amistosa na formulação de um quadro conceitual ou mesmo teórico-metodológico, mas que também, segundo o autor, têm sido frequentemente pensadas guardando convergências entre si.

De ascendência judaica, Michael Löwy nasceu em 1938 no Brasil, formou-se em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo em 1960, doutorando-se sob orientação de Lucien Goldmann em 1964 pela Sorbonne. Atualmente reside na França e é diretor de pesquisa no Centre National de la Recherche Scientifique. Löwy tem expressiva bibliografia sobre a história do pensamento de esquerda, desenvolvendo trabalhos sobre Karl Marx, György Lukács, Lucien Goldmann e Walter Benjamin. Nesse sentido, o presente livro, o qual se resenha, é instigante, uma vez que propõe pensar os usos da sociologia de Max Weber – considerado por Löwy um pensador liberal – por autores reconhecidamente marxistas, formando assim, uma “corrente” sociológica referida como webero-marxista. Leia Mais

A fascinação weberiana: As origens da obra de Max Weber – MATA (AN)

MATA, Sérgio da. A fascinação weberiana: As origens da obra de Max Weber. Belo Horizonte: Fino Traço, 2013. 236p. Resenha de: CUNHA, Marcelo Durão Rodrigues. Anos 90, Porto Alegre, v. 21, n. 39, p. 417-426, jul. 2014.

Na linha de estudos atuais no campo da história intelectual e das ideias, o professor Sérgio da Mata realiza em A fascinação webe­riana: as origens da obra de Max Weber um trabalho que, dentre outros objetivos, busca elucidar as bases do encantamento intelectual, da sedução que a obra de Max Weber suscita na comunidade acadê­mica em todo o mundo.

A “fascinação” – termo cunhado na década de 1950 por Nelson Werneck Sodré – denota, segundo o historiador mineiro, um tipo de tentação intelectual que, de forma ambivalente, poderia levar ao mesmo tempo à obliteração da autonomia da obra de um autor, bem como à sua consequente abnegação no campo das ideias.

Na contramão deste caminho entre fascinação e sacrifício do intelecto, Sérgio da Mata traz um instigante estudo acerca do legado weberiano, desde a dívida do intelectual para com a Escola Histórica Alemã até os caminhos e as fronteiras da recepção de sua obra em terras brasileiras.

Ancorados num extenso trabalho de pesquisa em arquivos e bibliotecas alemãs, os estudos reunidos pelo Weberforscher brasileiro baseiam-se em uma melhor compreensão dos chamados “anos de aprendizagem”, de formação histórico-jurídica do intelectual alemão, antes do seu tardio sociological turn, ao fim da primeira década do século vinte.

 Com o princípio metodológico básico de analisar apenas o que antecede esse marco, preocupando-se com o “início” e o desen­volvimento progressivo da vida intelectual weberiana, o autor evita a tendência a panoramas retrospectivos ou a um tipo de teleolo­gismo muito comum em abordagens sobre obra de Weber, ainda perceptível em trabalhos recentes, como os de Francisco Teixeira e Celso Frederico (TEIXEIRA; FREDERICO, 2011), ou no artigo de Gerhard Dilcher (DILCHER, 2012).

Tendo como pressuposto a elevação feita pelo próprio Weber da ciência histórica à categoria de Grundwissenschaft, o pesquisador enxerga na formação intelectual do autor de A ética protestante uma perspectiva que seria sempre e decididamente histórica. Essa ideia de um approach weberiano às ciências históricas – que há alguns anos causaria estranhamento a leitores desatentos – é a base do argu­mento de Mata em boa parte de sua obra.

Em um exercício de história contrafatual, o autor chega mesmo a sustentar que, caso a carreira de Weber tivesse se encerrado em 1909, este dificilmente estaria situado entre os fundadores da moderna sociologia alemã.

É em tal provocação que reside a tentativa por parte do histo­riador de reconstrução da trajetória de Weber dentro daquilo que denomina a “era de ouro do historicismo”. Discordando de interlo­cutores que tendem a observar na virada do oitocentos ao século vinte o germe de uma crise da ciência histórica, Mata vê, pelo contrário, na fundamentação epistemológica do historicismo – realizada por Dilthey, Schmoller, Bernheim, Windelband e Rickert no período – uma indissociável gênese da obra e da metodologia weberianas.

É justamente fugindo da sombra da sociologia de Max Weber que o autor inicia todo um capítulo acerca daqueles anos de apren­dizagem em Heidelberg, Göttingen e Berlim – “três templos da ciência histórica oitocentista” (MATA, 2013, p. 35) –, quando o jovem “jurista” formar-se-ia em um ambiente intelectual ampla­mente influenciado pela Weltanschaung histórica.

Mata busca aqui identificar algumas das figuras que mar‑caram o início da trajetória intelectual do estudante oriundo de Erfurt para concluir que Weber foi, nem mais nem menos que qualquer contemporâneo seu, o resultado dos estilos de pensamento histórico

 

419.

Anos 90, Porto Alegre, eentão vigentes. Seus laços familiares com o eminente historiador Hermann Baumgarten, a simpatia inicial pelo trabalho de Heinrich von Treitschke, além do convívio do jovem Max com o círculo de Theodore Mommsen, são alguns dos muitos indícios que corro­boram a tese do autor.

Desconstruindo a ideia de que Weber teria rejeitado, ou mesmo se oposto à ciência histórica de seu tempo, o historiador nos prova o contrário a partir de um olhar atento sobre a pouco estudada primeira fase da carreira do intelectual germânico. Considerando a perspectiva trazida por Mata nesse primeiro capítulo, torna-se fácil concordar com sua assertiva, segundo a qual “Max Weber começou a tornar-se o Max Weber que conhecemos no berço esplêndido do historicismo alemão” (MATA, 2013, p. 35).

Mas, longe de limitar a ascendência intelectual do jovem autor aos domínios da Ciência Histórica, Mata fornece-nos o panorama de toda uma constelação de ideias e relações intelectuais que teriam influenciado a formação do economista e historiador do direito Max Weber.

A partir da leitura sincrônica de alguns dos mais importantes estudos históricos e econômicos publicados pelo autor até 1905, Mata é capaz de identificar um padrão metódico comum na obra do então professor de Heidelberg. Ao tratar em especial da concepção plural das relações de causalidade e, ao mesmo tempo, da tendência de Weber a enfatizar determinadas macrodeterminações em função do problema específico elucidado, o pesquisador contesta aquelas leituras que tendem a exagerar a perspectiva “idealista” do autor alemão.

É este apurado exame dos primeiros trabalhos de Weber que permite ao historiador chegar a duas conclusões gerais: primeiro, que Weber (ao menos na primeira fase de sua carreira) não teria proposto nem se tornado refém de uma “teoria” histórico-social abrangente. Segundo, que somente o desconhecimento em relação à obra weberiana explicaria por que se chegou a ver no autor de Erfurt uma versão idealista de Marx. E são justamente as preocu­pações práticas que permitem ao historiador identificar uma “clavis weberiana” – especialmente nos vinte primeiros anos da trajetória intelectual do autor. Por trás da inteligência teórica, Weber falaria sempre em uma intenção prática.

 

 

Na trilha do que persegue nas digressões teóricas de um Weber prematuro, Mata procurará, entretanto, nas publicações tardias do intelectual turíngio, sinais de uma possível concepção filosó­fica da história. Principalmente no que tange à sua percepção do processo de racionalização ocidental e no caráter inexorável que atribui ao conceito de Rationalizierung, o autor brasileiro irá buscar no resultado das investigações empíricas weberianas possíveis liga­ções com a obra do historiador escocês Thomas Carlyle.

Por sua “extraordinária força ética” e pelo ideal de reforma social em harmonia com a recusa a toda alternativa que implicasse a subversão violenta da ordem, Carlyle tornara-se bastante sedutor aos olhos da intelectualidade alemã do fin-de-siècle. Do autor de Past and Present, Weber herdara, por exemplo, aquela ampla dimensão atribuída ao trabalho na modernidade e as idiossincrasias da noção de “heroís‑mo carismático” no cerne do processo de burocratização ocidental.

Exercício semelhante é feito pelo autor no que diz respeito à dívida weberiana ao pensamento do filósofo neokantiano Hein­rich Rickert. Distanciando-se da apressada leitura de Ivan Domin­gues (DOMINGUES, 2004) e dos equívocos cometidos por Fritz Ringer (RINGER, 2004) na análise de tal relação, Mata insiste na necessidade de entendimento dos pressupostos rickertianos para melhor compreensão dos fundamentos do pensamento histórico de Weber. Do autor de Os limites da formação de conceitos nas ciências naturais, Weber extraíra a ideia de que as pré-condições à caracteri­zação de um trabalho de história como científico seriam: objetivi­dade, contextualização e imputação causal. Weber teria expressado bem esta preocupação de Rickert ao observar que o historiador que abre mão dessas pré-condições comporia “um romance histó­rico, não uma verificação científica”.

Além disso, do filósofo prussiano, teria sido importante para o economista político aquele abrangente conceito de cultura – segundo o qual o cultural seria qualquer realidade investida não apenas de sentido, mas de valor – e o seu ideal de “verdade” como um valor do qual a ciência jamais poderia abrir mão. Longe de expressar um relativismo, o perspectivismo histórico weberiano, como exposto por Mata, estaria muito mais próximo daquele modesto ideal de verdade defendido por Rickert. 420  Marcelo Durão Rodrigues da Cunha.

Abertas tais perspectivas críticas quanto à análise das origens do pensamento histórico weberiano, Sérgio da Mata amplia o debate no quarto capítulo, ao tratar da discussão em torno da “teoria” dos tipos ideais, desenvolvida por Weber. É realizando uma história do próprio conceito em tela que o autor relativiza a originalidade da tal aspecto do pensamento teórico-metodológico do intelectual alemão.

Expressando uma tentativa de fundamentar a perspectiva tipologizante nas ciências naturais, o autor alerta que a noção de “tipo” havia se tornado um jargão na Alemanha entre fins do século dezenove e início do vinte. Como reverberação da Methodenstreit entre economistas alemães e austríacos – envolvendo nomes como Gustav von Schmoller e Carl Menger (RINGER, 2000) – e do debate, igualmente intenso, que contrapôs historiadores políticos a historiadores culturais (ELIAS, 1997, p. 117), Mata verifica a percepção de alguns daqueles limites do historicismo que contri­buíram para a reformulação epistemológica da disciplina histórica na Alemanha guilhermina. Nas discussões entre Eberhard Gothein, Dietrich Schäfer e Ernst Troeltsch, seria perceptível o embate acerca da utilidade de categorias tipológicas que visassem a extrapolar os limites do singular na representação de fenômenos históricos.

É também na ciência jurídica e na ligação de Weber com o jurista Georg Jellinek que Mata identifica como o autor do artigo sobre a “Objetividade”, de 1904, teria feito uso dos “tipos empíricos” de Jellinek, invertendo seus polos – os denominando “tipos ideais” – de modo a se distanciar de seu elemento propriamente normativo, – aproximando-os do que classificava como “ciências da realidade”.

A dívida de Weber para com a teologia – e aqui destacam-se as formulações de Ernst Troeltsch – é ressaltada como igualmente importante naquilo que se tornaria tão central em sua obra. Como uma espécie de conceito jurídico “desnormativizado”, o tipo ideal weberiano representaria uma forma de compromisso entre o aban­dono e a conservação da filosofia da história, sendo, nesse sentido, uma “forma resignada da filosofia da história”. Mais do que simples‑mente comprovar que não há originalidade na “teoria” weberiana dos tipos ideais, Mata é capaz de trazer novamente à tona uma série de debates entre eruditos que outrora padeciam em um longo período de esquecimento.

Ao tratar de outro controverso aspecto da obra de Weber, a “isenção de valor” ou “neutralidade axiológica” (Wertfreiheit) do conhecimento histórico social, o autor opta por reconstruir a evolução de tal sentido na obra de Weber, contrapondo a posição do intelectual às de alguns de seus contemporâneos. Em trabalhos como o ensaio sobre a “Objetividade” ou em A ética protestante, além do diálogo com as obras de Rickert e Schmoller, o histo­riador evidencia, em um primeiro momento, que há na obra de Weber uma preocupação com o “dever ser” (Sollen) do erudito que extrapola o campo propriamente epistemológico, estendendo-se também à ética da prática pedagógica.

Mata conclui que Weber sustenta a opinião segundo a qual o historiador, o jurista e o sociólogo podem e devem ter sua própria visão de mundo, sua ética e suas convicções políticas, mas não a ciência histórica, o direito e a sociologia enquanto tais. Weber afir­maria querer se afastar dos adeptos de uma neutralidade axiológica “radical”, para quem a historicidade dos postulados éticos deporia contra a importância histórica destes. Ao mesmo tempo, julgaria que não cabe à ciência empírica valorar positivamente uma ética só por ela ter dado forma a épocas e culturas inteiras. Nesse sentido, a neutralidade axiológica weberiana residiria, em última análise, numa transposição da ética da convicção para o campo gnosiológico.

Apontando o caráter estritamente formal da solução weberiana para o problema dos valores, além de sua posição pouco conse­quente do ponto de vista filosófico, Mata joga luz sobre o tão atual debate acerca das relações entre ciência e consciência moral.

Dando prosseguimento ao debate acerca da influência do pensamento weberiano na ciência histórica, o pesquisador ambi­ciona, no sexto capítulo, compreender os motivos do amplo desco­nhecimento a respeito da obra de Weber – tanto no Brasil quanto no exterior – e do seu legado para o ofício dos historiadores.

Dedicando-se ao entendimento de alguns importantes aspectos da visão de Weber sobre a ciência histórica, Mata analisa a opinião do intelectual frente aos escritos de três relevantes historiadores – Leopold von Ranke, Karl Lamprecht e Eduard Meyer – de modo a melhor aproximar-se de sua própria visão a respeito do tema.

Em tal exercício, o historiador conclui que tudo parece afastar as posições de Weber, sobretudo, do segundo desses autores. Os argumentos apresentados na polêmica com Meyer levam-no, toda‑via, a concluir que entre a história “positivista” de Lamprecht e a história compreendida como “ciência cultural” de Weber existiam evidentes afinidades eletivas. Mata percebe que ambos se reconhe­ciam como representantes de uma história cultural que desafiava abertamente os rígidos cânones historiográficos vigentes.

A aproximação com o trabalho do Weber historiador no atual momento do que classifica como “crises de sentido intersubjetivas” seria, segundo Mata, profícua na medida em que – distanciando-se de uma perspectiva de exagero do ficcional – este versaria sobre uma ciência preocupada com os desdobramentos do real.

Nos capítulos seguintes, o autor reitera tal posição referente à relevância da Weberforschung no presente, ao analisar o uso do conceito de “despotismo oriental” e o debate acerca da existência de uma posição religiosa e de uma teologia política na obra de Max Weber.

No primeiro caso, em um pequeno excurso complementar, Mata empreende uma elucidativa avaliação dos escritos weberianos acerca da situação política na Rússia do início do século vinte. Em sua análise, o autor conclui que Weber surpreendentemente mantém sua opinião a respeito do suposto imobilismo russo – de forma coerente com o que era pensado pelos fundadores do mate­rialismo histórico em sua noção de “despotismo oriental”.

No segundo, Mata reserva dois capítulos inteiros para debater a complexa relação do autor em tela com a teologia e a prática reli­giosa. A partir de uma perspectiva própria à história das ideias, o historiador enaltece a importância do homo religiosus Max Weber para o “estudioso da religião Max Weber”. Em uma minuciosa análise da trajetória dos estudos teológicos de sua família, além das rela­ções do jovem jurista com seu primo Otto Baumgarten, o autor percebe que, longe do que era pregado por Friedrich Schleierma­cher, Weber entendia que vida religiosa interior e ação transforma­dora no mundo não deveriam nem poderiam se contradizer.

Mais adiante, ao discutir a existência de uma teologia política por trás da Ética protestante, o autor traz – em recurso a elementos sociopolíticos, acadêmicos e biográficos do contexto de produção da obra – uma surpreendente interpretação do mais conhecido trabalho do intelectual alemão. Levando em consideração elementos biográ­ficos, além da posição do autor diante da política de seu tempo, Mata é capaz de perceber no estudo de história cultural weberiano tanto a expressão tardia do Kulturkampf1 quanto um tratado de teologia política.

Tratando ainda do clássico estudo de Weber, o historiador irá desconstruir no capítulo seguinte o que considera a formulação do mito de A ética protestante e o espírito do capitalismo como obra de socio­logia. Considerando a forma pela qual o autor emprega as categorias de “tipos ideais” – “uma construção mental destinada à medição e caracterização sistemática de conexões individuais, isto é, impor­tantes devido à sua especificidade” (WEBER apud MATA, 2013, p. 180) –, Mata percebe em tal recurso heurístico a tentativa por parte do autor de facilitar a identificação e a análise de realidades percebidas como singulares, que seriam, em última instância, histó­ricas. Além disso, declarações do próprio Max Weber e uma análise do contexto de produção historiográfica do período corroboram a tese do historiador mineiro, segundo a qual A ética protestante teria sido concebida, antes de tudo, como um estudo de história cultural.

Uma última e relevante preocupação de Mata em seu traba‑lho diz respeito à recepção da obra de Max Weber entre historia­dores brasileiros desde o início da difusão de seus escritos em terri­tório nacional ao longo do último século. De uma favorável leitura de suas ideias durante as décadas de 1930 e 1940 – em interlocu­tores como Sérgio Buarque de Holanda e José Honório Rodrigues – à crítica e incompreensão de sua “interpretação espiritualista da História” Mata busca em nossa historiografia aquele “elo perdido” entre a obra weberiana e sua interpretação por interlocutores locais.

Neste caminho de reconstrução de itinerários e desmistifi­cação de noções há muito atreladas à herança weberiana, o autor brasileiro erige novas perspectivas úteis à apreciação do “mito de Heidelberg” e de sua obra. Como alternativa a uma ótica dema­siado contextualista, Mata opta por trabalhar com a noção de cons­telações intelectuais e suas delimitações (HEINRICH, 2005, p. 15-30) – ou “espaços de pensamento”. Tal esforço metodológico, conforme buscou-se demonstrar no curto espaço desta resenha, é coroado pelo sucesso da análise do autor em combinar contextos e insights biográficos, fornecendo-nos um panorama das principais conquistas da obra histórico-sociológica de Max Weber.

Se um dos objetivos de Sérgio da Mata – conforme exposto em suas últimas digressões – estava associado à compreensão de um autor dedicado à história como ciência da realidade, pode-se considerar que seu trabalho cumpre à risca a intenção de trazer à tona tal debate. De posse daquela “coragem diante do real” e diante da recente tendência à “ficcionalização de tudo”, Mata é capaz de perceber em seu estudo o quanto o legado de Max Weber se mostra cada vez mais relevante ao entendimento do real enquanto vocação e profissão também no mundo contemporâneo.

Notas

1 Política implementada pelo chanceler Otto von Bismarck entre 1871 e 1878 com o objetivo de secularizar o Estado alemão e eliminar a influência da Igreja Católica Romana sobre a cultura e a sociedade germânica do período.

Referências

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DILCHER, Gerhard. As raízes jurídicas de Max Weber. Tempo social, v. 24, n. 1, p. 85-98, 2012.

DOMINGUES, Ivan. Epistemologia das ciências humanas. São Paulo: Loyola, 2004.

ELIAS, Norbert. “História da cultura” e “história política”. In:______. Os ale­mães: A luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

HEINRICH, Dieter. Konstellationsforschung zur klassischen deutschen Philo­sophie. In: MUSLOW, Martin; STAMM, Marcelo (Hrsg.). Konstellationsforschung. Frankfurt am Main: C.H. Beck, 2005.

HÜBINGER, Gangolf. Max Weber e a história cultural da modernidade.

RINGER, Fritz. O declínio dos mandarins alemães: a Comunidade Acadêmica Ale­mã, 1890-1933. São Paulo: Edusp, 2000.

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TEIXEIRA, Francisco José Soares; FREDERICO, Celso. Marx, Weber e o mar­xismo weberiano. São Paulo: Cortez, 2011.

WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1968.

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Marcelo Durão Rodrigues da Cunha – Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em História Social das Relações Políticas da Universidade Federal do Espírito Santo. Bolsista Fapes. E-mail: [email protected].