Ensino médio: à luz do pensamento de Gramsci – NOSELLA (TES)

NOSELLA, Paolo. Ensino médio: à luz do pensamento de Gramsci. Campinas, São Paulo: Editora Alínea, 2016. 180 pp. Resenha de: CAMPELLO, Ana Margarida de Mello Barreto. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.15 n.2, mai./ago. 2017

Ensino Médio: momento decisivo da formação humana

Nosella reúne nesse livro seis ensaios sobre o Ensino Médio. Apresentados primeiramente em forma de palestras e mesas redondas e posteriormente publicados em periódicos, os textos que compõem essa obra, escritos em diferentes momentos e à luz de contextos específicos, estruturam-se a partir de teses de fundo, que se repetem ao longo dos textos apresentados, a saber:

Aos adolescentes (todos) do Ensino Médio de 14 a 18 anos deve ser garantida uma formação de cultura geral, moderna e humanista, de elevada qualidade; sendo o estudo um trabalho muitas vezes mais duro e árduo que muitas outras atividades do mercado, muitos adolescentes as ‘escolhem’ por razões superficiais, imediatistas e utilitárias e não pela razão recôndita em sua consciência; se a desumana necessidade da família os empurra para a profissionalização precoce, cabe ao Estado intervir, remunerando seu trabalho/estudo, garantindo, com isso, a indefinição profissional, direito natural dessa fase etária, sem assistencialismos ou subterfúgios didáticos (p. 9).

O primeiro texto, “O Ensino de 2° Grau”, escrito para servir de base às discussões do Congresso Estadual de Educação da Rede Estadual de Ensino de São Paulo, realizado em abril de 1991, questiona a falta de clareza quanto à função específica desse nível de ensino. Seria ele propedêutico ao ensino superior, profissionalizante ou pré-profissionalizante? Fase terminal ou meramente transitória do sistema educacional?

Nosella entende ter havido um certo avanço quando se afirma ser o trabalho o princípio fundamental do ensino de 2° grau, mas que ainda assim permanecem dúvidas quanto à questão de sua identidade pedagógica. Defende que a autonomia didático-metodológica do ensino de 2° grau deve ser afirmada por um ensino marcadamente histórico e renovador que se define pelo e para o jovem a quem se destina e que ‘reinventa’ e ‘recria’ os instrumentos da ciência e da cultura ao reconhecê-los como histórica e politicamente criados pelos homens (p. 21). Na continuidade do desenvolvimento desse primeiro texto identifica dois princípios fundamentais para o ensino de 2° grau: o primeiro seria o próprio trabalho moderno, sua história, seus valores, suas leis. O segundo princípio, de caráter didático-metodológico, seria o exercício racional da autonomia, da criatividade e da responsabilidade humana.

O autor reconhece que a “catástrofe social” produzida no Brasil obriga os jovens à prematura busca pela sobrevivência, no entanto reafirma já nesse primeiro texto sua tese principal de que o Ensino Médio é fundamentalmente formativo, de caráter humanista, não profissionalizante.

O segundo capítulo é constituído pela conferência “Para além da formação politécnica”, proferida, em 2006, no Primeiro Encontro Internacional de Trabalho e Perspectivas de Formação dos Trabalhadores, promovido pelo Grupo de Pesquisa Labor da Universidade do Ceará. Segundo o autor, esse texto visa explicar por que considera inadequada a expressão ‘educação politécnica’, defendida por vários educadores marxistas, sobretudo nos anos 1990 e que para ele não traduz as necessidades de educação da sociedade atual, também insuficiente para explicitar os germes do futuro da proposta educacional marxiana (p. 50).

O autor esclarece que sua crítica à “bandeira politécnica” não é uma “mera questão de pureza semântica” e entende que os que a empunham defendem “políticas educacionais de outros tempos” como se “aqueles tempos e contextos passados conservassem hoje o mesmo significado cultural de antigamente” (p. 26). Explicita os termos utilizados e as fontes de estudo nas quais se baseia, assim como apresenta as razões que justificam suas críticas de natureza semântica, histórica e política à proposta de educação politécnica para a formação dos trabalhadores.

Apesar de considerar “muita pretensão elaborar uma proposta para a formação dos trabalhadores” (p. 44), retoma Marx e sua “fórmula pedagógico-escolar de instrução intelectual, física e tecnológica para todos (…) pública e gratuita (…) de união do ensino com a produção (…) livre de interferências políticas e ideológicas” e Gramsci e sua proposta de escola unitária para (re)afirmar a “formação omnilateral ou de escola unitária para todos e antes de tudo a superação da dicotomia entre o trabalho produtor de mercadorias e o trabalho intelectual” (p. 46)

No terceiro capítulo, Nosella republica “Ensino Médio: em busca do principio pedagógico”, um texto que, segundo ele, nem sempre é bem considerado pela academia por estar “marcado pela experiência pessoal e pela emoção” (p. 10). Apresentado pela primeira vez em 2009, nesse artigo o autor parte de uma constatação: a intensificação do debate sobre o Ensino Médio que, segundo ele, é decorrente do aumento das matrículas nesse nível de ensino, constatado em pesquisas tais como a PNAD 2008 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) , do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse crescimento de matrículas, segundo o autor, leva a que muitos pretendam “tirar proveito material dessa mão de obra juvenil e por isso pensam em profissionalizá-la rápida e precocemente” (p. 52). Ao defender o princípio pedagógico específico do Ensino Médio, entende que ele “é decorrente do momento vivido pelo jovem em busca de sua autonomia e identidade moral, intelectual e social” (p. 53).

Esse texto faz um resgate histórico bastante interessante dos debates acerca da dualidade do Ensino Médio brasileiro. Aborda as experiências de Anísio Teixeira da escola técnica secundária, ainda nos anos 1930, no então Distrito Federal, a reforma Capanema, o fracasso da profissionalização compulsória da lei n. 5.692/71, tentativa, segundo o autor, dos militares de universalização de seu sonho educacional de uma escola de técnicos submissos, de operadores práticos. A polarização dos debates educacionais quando da promulgação da Constituição de 1988 e da nova Lei de Diretrizes e Bases de 1996, a promulgação do decreto n. 2.208/97 pelo governo Fernando Henrique Cardoso e sua revogação pelo governo Lula. Em poucas páginas, o autor aborda, aprofunda e resgata historicamente as disputas de projeto para o Ensino Médio brasileiro.

O capítulo quatro “Ensino Médio: unitário ou multiforme?” sistematiza o debate com interlocutores do GT9 – Trabalho e Educação da Anped (Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação) e se constitui em continuação do capítulo anterior. “Conceitua a noção de escola unitária e de Ensino Médio e defende a reforma profunda dessa fase escolar (…) contra a atual política de sua fragmentação e profissionalização” (p. 69). Nesse texto, o autor aborda a função estratégica do Ensino Médio que, segundo ele, se constitui na pedra angular, “fase estratégica do sistema escolar e do processo de democratização e modernização de uma nação” (p. 71).

Sobre o conceito de escola única ou unitária, nesse capítulo, Nosella contrapõe esse conceito à questão da dualidade escolar, situando a ocorrência dos debates a esse respeito desde o final do século XIX. A existência de dois sistemas escolares, um de cultura geral desinteressada para formação de dirigentes, o outro de preparação profissional para os quadros do trabalho, leva à defesa de um sistema escolar unitário de educação básica, de modo a superar essa dualidade que seria expressão de injustiça social. Explora as diferenças semânticas entre os conceitos ‘único’ e ‘unitário’ para uma análise hermenêutica do conceito gramsciano de escola unitária, estabelecendo o autor em seu contexto histórico e cultural. Ao dialogar com Moura, Lima Filho e Silva (2015) considera que, no atual momento político brasileiro, é “importante propor com mais vigor e integralidade o projeto de escola média unitária” (p. 95), entende que os autores defendem uma visão de ensino médio multiforme e contesta a visão de “travessia” por eles apresentada.

O quinto texto, “Ensino Médio e educação profissionalizante”, constitui-se no prefácio do livro Educação profissional: análise contextualizada, organizado por Antonia de Abreu Sousa e Elenilce Gomes de Oliveira e publicado pela editora da UFC (Universidade Federal do Ceará). Nesse prefácio, Nosella destaca as críticas profundas e contundentes que os autores do livro fazem da educação profissionalizante, enfatiza a necessidade de que, ultrapassando a crítica, proponham as bases de suas propostas de politicas públicas no sentido da construção de um sistema unitário de ensino básico, fundamental e médio e, poeticamente, faz uma analogia entre o canto do rouxinol, representado pelas críticas, e a necessidade de realçar o canto da cotovia que estaria presente na explicitação da proposta de escola unitária.

O sexto e último ensaio, “A Escola de Gramsci: 22 anos depois”, constitui-se em atualização, um quase posfácio ao livro A Escola de Gramsci, publicado pela primeira vez em 1992. Organizado em tópicos, esse texto aborda quatro questões: a ideológica partidária, a linguística, a do historicismo e da dialética e a da escola unitária do trabalho. Ao abordar cada uma dessas questões, Nosella examina afirmações muitas vezes repetidas, redefinindo-as. Destaca Gramsci como um estudioso da linguística. Afirma que a única leitura possível de Gramsci é uma leitura absolutamente historicista, uma vez que é assim que esse pensador se autodefine (p. 127). Ao rever a conceituação de historicismo em Gramsci, reconhece, no livro que atualiza, passagem que “reflete posições teóricas deterministas” (p. 130) e esclarece o equívoco redigindo novas páginas. Finaliza trazendo novas fontes – os arquivos russos de Giulia Schucht, esposa de Gramsci – para o estudo da nomenclatura e da ideia de escola unitária, que representa a antítese política educacional contra a tese liberal da escola dual de ensino básico.

A atualidade e concretude deste livro de Paolo Nosella está exatamente em retomar questões historicamente em debate quando se trata de refletir sobre o Ensino Médio no Brasil. A continuidade histórica do debate desvela sucessivas reformas que, ao longo dos anos, deram quase sempre em nada e que parecem querer afirmar que o fracasso educacional é o objetivo do projeto de educação das classes dominantes no Brasil.

Nesse momento em que pela primeira vez se reforma, por meio de Medida Provisória, o Ensino Médio no Brasil reafirmo, com o autor, que estamos a anos luz da sonhada escola unitária, o que não significa que se deva abandonar a utopia.

Referências

MOURA, Dante H.; LIMA-FILHO, Domingos L.; SILVA, Mônica R. Politecnia e formação integrada: confrontos conceituais, projetos políticos e contradições históricas da educação brasileira. Revista Brasileira de Educação (Impresso), v. 20, p. 1.057–1.080, 2015. [ Links ]

Ana Margarida de Mello Barreto Campello – Professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz. E-mail: [email protected]>

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Origens da Pedagogia da Alternância no Brasil – NOSELLA (TES)

NOSELLA, Paolo. Origens da Pedagogia da Alternância no Brasil. Vitória: Edufes, 2012, 288 p. Resenha de: ARAÚJO, Ronaldo Marcos de Lima. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.13, n.3, set./dez. 2015.

Paolo Nosella é italiano de nascimento (1942), mas mora no Brasil desde a década de 1970. Veio ao Brasil para trabalhar com educação popular, participando da criação das primeiras Escolas da Família Agrícola (EFAs). Aqui fez mestrado (1977) e doutorado (1981) em Filosofia da Educação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e fixou residência no município de São Carlos, em São Paulo.

Nosella compõe uma geração de pesquisadores que constituiu a educação como um campo de pesquisa científica no Brasil, ainda nos anos 1970. É um dos pioneiros da Associação Nacional de Pós-Graduação em Pesquisa em Educação (ANPEd), onde teve (e tem) participação destacada no GT09 – Trabalho e Educação, do qual é um dos fundadores. Por isso recebeu homenagem no Intercâmbio Nacional dos Núcleos de Pesquisa em Trabalho e Educação (Intercrítica), em 2014, por sua contribuição à área e em alusão aos 22 anos de publicação do livro A escola de Gramsci, obra de referência para o campo.

É professor aposentado da Universidade Federal de São Carlos e hoje leciona na Universidade Nove de Julho. Pesquisador sênior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), publicou inúmeros artigos, livros e capítulos de livros sobre educação popular, história da educação, trabalho e educação e, em particular, sobre Antonio Gramsci, de quem é um estudioso e apaixonado pela obra e história.

O livro Origens da Pedagogia da Alternância no Brasil é fruto do trabalho desenvolvido no mestrado de Nosella, com dissertação defendida em 1977, sob o título Uma nova educação para o meio rural: sistematização e problematização da experiência educacional das escolas da família agrícola do movimento de educação promocional do Espírito Santo(1977), sob a orientação de Dermeval Saviani (que escreveu o prefácio do livro). Sua publicação resgata um texto que trata de temática muito relevante no Brasil atual, a Pedagogia da Alternância, recuperando as suas origens, algumas de suas conformações em diferentes países e sua experimentação brasileira na EFA, revelando também diferentes problemas neste uso.

A justificativa para esta publicação, 36 anos depois da defesa da dissertação que lhe deu origem, se revela na afirmação de Miguel Arroyo (2004), que destaca a necessidade de conhecermos mais profundamente a construção histórica da educação promovida pelo movimento social do campo, pois esta pode nos mostrar muito sobre a educação pensada sobre outras bases, o da formação humana integral. Também evidencia a sua relevância o crescimento no Brasil, nas últimas décadas, dos movimentos sociais do campo, com o protagonismo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que tomam a educação como parte de seus objetivos estratégicos de transformação social e que assumem a Pedagogia da Alternância como uma opção metodológica.

Na sua pesquisa Nosella buscava sistematizar a experiência de Pedagogia da Alternância da EFA. Para isso, utilizou o método fenomenológico existencial, que ele traduz como um movimento dialógico entre a observação-reflexão do autor e a situação analisada.

O autor faz a opção de no livro não atualizar o texto da dissertação, deixando ‘as marcas do tempo’. Nele o autor defende a tese de que a Pedagogia da Alternância pode ser identificada a partir de seu princípio fundamental de articulação entre escola e vida e de sua vinculação com os movimentos sociais dos trabalhadores. Pedagogicamente caracteriza-a como uma pedagogia vocacional e não profissionalizante, a serviço dos jovens do meio rural, orientada pelo objetivo fundamental de mudança social, fazendo uso de um plano de estudo, em um ambiente educativo com pequenos grupos, tendo assegurada a participação dos pais agricultores.

Ao tratar das origens da Pedagogia da Alternância, no primeiro capítulo do livro, o autor destaca que ela surge com a tarefa de enfrentar o problema colocado de que a terra seria o oposto da sabedoria, da ciência, e de que ao jovem de origem rural não restaria outra alternativa a não ser sair do campo se quisesse alcançar ‘a sabedoria’. A oposição entre a terra e a sabedoria, ciência e sucesso exigia, portanto, que fosse criada uma nova educação.

Registra a ação do sacerdote Abbé Granereau, que criou a primeira escola em alternância na França, em 1935, com o objetivo de reunir jovens de diferentes localidades que precisavam trabalhar no campo. O aspecto singular desta origem é a articulação entre esta Pedagogia com a ação e com o que hoje poderíamos chamar de desenvolvimento local. “A ‘Maison-Familiale’ nunca foi uma escola isolada da ação e do desenvolvimento sócio-econômico de seu meio” (p. 49).

O autor relata a expansão das Maisons Familiales na França, a experiência na Itália e na África para depois relatar a experiência brasileira nas EFAs por meio do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (Mepes).

Sem abrir mão do seu senso crítico, marca de sua personalidade, o autor destaca um problema com o qual se defrontava a Pedagogia da Alternância desde a sua origem (e que ainda permanece), a ideia de se tornar uma escola “sem abertura para a cidade ou para outras formas de educação”. Criticando Abbé Granereau, diz que “ele queria uma formação rural totalmente fechada, que perfizesse todo o sistema escolar, do primário até a universidade rural” (p. 51). Para o autor, esta é uma “tentação”, a de realizar uma obra em si, uma escola para os camponeses, uma espécie de “reserva indígena” ou de “redução jesuítica agrícola” e que tal ideia seria contrária ao ideal de liberdade que a proposta carrega.

Nosella fecha o primeiro capítulo falando da criação da Associação Internacional das Escolas das Famílias Rurais, em 1975, no Senegal, identificando os objetivos da Associação e informando o quadro geral das EFAs no mundo. Para ele, as EFAs têm variadas possibilidades de materialização, mas foi aplicável em diferentes regiões do mundo mantendo suas características fundamentais, o princípio da alternância e a vinculação com os movimentos sociais, o que lhe conferiria um caráter avançado.

No segundo capítulo do livro, ao tratar do plano pedagógico das EFAs partindo da experiência do Mepes, faz uma descrição geral das escolas e revela a origem da necessidade de construção de um plano pedagógico. Explica que este plano se constituiu de um conjunto de documentos que define as linhas gerais para a organização das EFAs; nele se enuncia que o objetivo fundamental da escola é a mudança social e que esta deva se orientar pelas ideias de participação, igualdade, conscientização, democracia e fim da exploração entre as classes. Assim, a EFA é definida como uma escola vocacional e não profissionalizante, a serviço dos jovens do meio rural.

Do ponto de vista metodológico, seriam três as suas principais características: a alternância; o ambiente educativo com pequenos grupos, internato e convivência; e a participação dos pais agricultores. Define o autor que a função da alternância é proporcionar a reflexão sobre a vida e a experiência real. Para o Mepes, “a vida da família e da comunidade de cada aluno representa o ponto de partida da educação nas escolas-família” (Mepes apud Nosella, p. 85).

Para a alternância, o plano de estudo ganha centralidade, pois se constitui no

instrumento fundamental da Escola-Família, ele é a pedagogização da alternância; é a forma concreta de efetivar as potencialidades educativas da alternância; é o veículo que leva para a vida as reflexões, as questões, as conclusões (…) O Plano de Estudo é um guia (questionário) elaborado pelos alunos juntamente com a equipe dos professores, ao findar uma semana de aula, a fim de investigar, com seus pais, um aspecto da realidade cotidiana da família, seu meio e suas vivências. As respostas ao Plano de Estudo, que o aluno anota em seu caderno de propriedade ou do lar, são postas em comum ao voltar à Escola no início da nova sessão de aula (Mepes apud Nosella, 1977, p. 86).

A alternância e o plano de estudo não se constituem, como se pode ver, numa estratégia de instrumentalização na realidade concreta dos conteúdos discutidos na escola. Sobre isto, Nosella conclui:

Note-se que o Plano de Estudo jamais é uma aplicação técnico-agrícola, no sentido da escola ensinar aos alunos técnicas cada vez mais aprimoradas para ele, em seguida, aplicá-las na propriedade de sua família. O enfoque do Plano de Estudo é a conscientização: “é um compromisso dos alunos e de sua família para analisar sua própria vida” (p. 86).

Toma-se a participação como um ponto realmente essencial da escola, mas a ela se associa o conceito de responsabilidade, rejeitando-se a participação formal.

Nosella finaliza este capítulo destacando a prática de avaliação nas EFAs, onde esta atividade é compreendida como “tudo aquilo que se faz para conscientizar”. A avaliação assim compreendida se revela como uma atitude constante, exame de consciência, revisão de vida, onde a avaliação da aprendizagem é apenas mais um componente. O autor registra que na experiência estudada avaliam-se tudo e todos, grupal e individualmente, a cada momento, avaliam-se as atitudes, as aptidões e a aprendizagem dos alunos, a integração e a participação do aluno na comunidade local, o ambiente educativo, a capacitação e a integração dos monitores, a participação dos pais e tudo mais que se relaciona à vida da escola e dos alunos. Nesta experiência, todos são os agentes avaliadores, e o plano pedagógico determina o que e como cada agente pedagógico irá avaliar.

No terceiro capítulo é tratada a experiência do Centro de Formação e Reflexão (CFR), que realiza um curso de formação específica para os docentes das EFAs. O Mepes tomava este como se fosse uma “Escola-Família de grau superior” tendo como objetivos a conscientização, a fundamentação teórica e a capacitação técnica. Nesta experiência, o docente era pensado como um agente educacional que deveria realizar mudanças sociais no meio ambiente de sua escola.

No quarto e último capítulo, o então mestrando Paolo Nosella identifica alguns dos principais problemas verificados na experiência e ensaia uma “tentativa de análise”, não exaustiva, sobre cada um deles. Entre os problemas observados pelo autor destaca-se a ideia de intercâmbio econômico-cultural entre Brasil e Itália que funcionou em um único sentido, apenas Itália-Brasil. Apoiando-se em Darcy Ribeiro, o autor coloca a possibilidade de esta experiência ter sido acompanhada de um processo de invasão cultural.

Nosella questiona a forte concentração de poder existente na EFA e a consequentemente pouca participação da comunidade nas decisões. Como terceiro problema, o autor destaca o impasse da expansão das EFAs, que encontra resistência dos pais que, supõe o autor, “temem a escolarização por ser um meio de êxodo do seu filho da lavoura e, portanto, causa da perda de mão de obra” (p. 120).

O quarto problema identificado por Nosella refere-se ao dilema existente entre o uso do plano de estudo ou do currículo oficial, pois este pode levar à perda da especificidade metodológica da EFA.

Também o centro de formação é verificado em uma situação-problema, já que não fica claro se o seu papel é de formar para a metodologia já elaborada ou se colocar aberto para experimentações.

O sexto problema identificado relaciona-se à fuga dos técnicos agrícolas que assumem a função docente, mas que abandonam o movimento em busca de outras oportunidades profissionais.

Por fim, Nosella destaca o sétimo problema, a dificuldade financeira de manutenção das EFAs, que dependem do apoio das comunidades e de recursos municipais, estaduais e federais.

Em seu capítulo conclusivo, Nosella observa, entre outras coisas, que a EFA do Mepes é uma iniciativa fundamentalmente positiva “por ser ela uma crítica radical ao sistema tradicional de ensino do meio rural contrapondo-se a ele como uma alternativa estrutural e metodológica, intencionalmente revolucionária” (p. 146).

Ao registrar a sua ambiguidade, pois não nasceu como obra da classe agrícola brasileira, observa que possibilidades futura da Pedagogia da Alternância estariam articuladas às perspectivas da própria classe, já que interessa apenas aos dominados um projeto de mudança social, conteúdo desta pedagogia.

O livro em tela também traz como anexos diferentes documentos, de estatuto a planos e organograma do Mepes, preservando assim a sua história e favorecendo o trabalho de novos pesquisadores interessados na experiência estudada.

O livro é finalizado com um ‘posfácio de atualização’, escrito por João Batista Begnami e Thierry De Burghgrave. Nele são atualizadas algumas informações relativas ao número de associações regionais e de EFAs no Brasil, com dados de 2012, e apresentadas algumas fases da Pedagogia da Alternância no Brasil. Também são feitas considerações acerca das EFAs em relação aos movimentos de Educação do Campo no Brasil.

Este livro de Nosella, além da descrição que faz da experiência de Pedagogia da Alternância nas EFAs e dos problemas que identifica nesta experimentação, contém uma defesa de um projeto de formação humana, de conteúdo revolucionário, que toma a mudança social como principal finalidade.

Sua leitura é necessária para todos os educadores, mais ainda para aqueles que se comprometem com os projetos de educação que se articulam à ideia de mudança social e que tomam a liberdade como referência.

Sua característica descritiva não impede que o autor deixe clara a sua leitura comprometida, de quem esteve envolvido com aquela experiência, prática e teoricamente, que se revelou e se mantém crítico de qualquer perspectiva de instrumentalização da formação humana e de sua conformação à realidade dada. Nosella olha sempre para o futuro, para uma escola de educação inteira em uma sociedade sem classes, e é articulada a este projeto que ele situa a Pedagogia da Alternância.

Referências

ARROYO, Miguel. O direito do trabalhador à educação. In: GOMES, Carlos M. (org.). Trabalho e conhecimento: dilemas na educação do trabalhador. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 2004. [ Links ]

NOSELLA, Paolo. Uma nova educação para o meio rural: sistematização e problematização da experiência educacional das Escolas da Família Agrícola do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo. Dissertação (Mestrado em Filosofia da Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1977. [ Links ]

Ronaldo Marcos de Lima Araujo – Universidade Federal do Pará, Instituto de Ciências da Educação, Pará, Brasil. E-mail: [email protected]

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