Origens da Pedagogia da Alternância no Brasil – NOSELLA (TES)

NOSELLA, Paolo. Origens da Pedagogia da Alternância no Brasil. Vitória: Edufes, 2012, 288 p. Resenha de: ARAÚJO, Ronaldo Marcos de Lima. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.13, n.3, set./dez. 2015.

Paolo Nosella é italiano de nascimento (1942), mas mora no Brasil desde a década de 1970. Veio ao Brasil para trabalhar com educação popular, participando da criação das primeiras Escolas da Família Agrícola (EFAs). Aqui fez mestrado (1977) e doutorado (1981) em Filosofia da Educação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e fixou residência no município de São Carlos, em São Paulo.

Nosella compõe uma geração de pesquisadores que constituiu a educação como um campo de pesquisa científica no Brasil, ainda nos anos 1970. É um dos pioneiros da Associação Nacional de Pós-Graduação em Pesquisa em Educação (ANPEd), onde teve (e tem) participação destacada no GT09 – Trabalho e Educação, do qual é um dos fundadores. Por isso recebeu homenagem no Intercâmbio Nacional dos Núcleos de Pesquisa em Trabalho e Educação (Intercrítica), em 2014, por sua contribuição à área e em alusão aos 22 anos de publicação do livro A escola de Gramsci, obra de referência para o campo.

É professor aposentado da Universidade Federal de São Carlos e hoje leciona na Universidade Nove de Julho. Pesquisador sênior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), publicou inúmeros artigos, livros e capítulos de livros sobre educação popular, história da educação, trabalho e educação e, em particular, sobre Antonio Gramsci, de quem é um estudioso e apaixonado pela obra e história.

O livro Origens da Pedagogia da Alternância no Brasil é fruto do trabalho desenvolvido no mestrado de Nosella, com dissertação defendida em 1977, sob o título Uma nova educação para o meio rural: sistematização e problematização da experiência educacional das escolas da família agrícola do movimento de educação promocional do Espírito Santo(1977), sob a orientação de Dermeval Saviani (que escreveu o prefácio do livro). Sua publicação resgata um texto que trata de temática muito relevante no Brasil atual, a Pedagogia da Alternância, recuperando as suas origens, algumas de suas conformações em diferentes países e sua experimentação brasileira na EFA, revelando também diferentes problemas neste uso.

A justificativa para esta publicação, 36 anos depois da defesa da dissertação que lhe deu origem, se revela na afirmação de Miguel Arroyo (2004), que destaca a necessidade de conhecermos mais profundamente a construção histórica da educação promovida pelo movimento social do campo, pois esta pode nos mostrar muito sobre a educação pensada sobre outras bases, o da formação humana integral. Também evidencia a sua relevância o crescimento no Brasil, nas últimas décadas, dos movimentos sociais do campo, com o protagonismo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que tomam a educação como parte de seus objetivos estratégicos de transformação social e que assumem a Pedagogia da Alternância como uma opção metodológica.

Na sua pesquisa Nosella buscava sistematizar a experiência de Pedagogia da Alternância da EFA. Para isso, utilizou o método fenomenológico existencial, que ele traduz como um movimento dialógico entre a observação-reflexão do autor e a situação analisada.

O autor faz a opção de no livro não atualizar o texto da dissertação, deixando ‘as marcas do tempo’. Nele o autor defende a tese de que a Pedagogia da Alternância pode ser identificada a partir de seu princípio fundamental de articulação entre escola e vida e de sua vinculação com os movimentos sociais dos trabalhadores. Pedagogicamente caracteriza-a como uma pedagogia vocacional e não profissionalizante, a serviço dos jovens do meio rural, orientada pelo objetivo fundamental de mudança social, fazendo uso de um plano de estudo, em um ambiente educativo com pequenos grupos, tendo assegurada a participação dos pais agricultores.

Ao tratar das origens da Pedagogia da Alternância, no primeiro capítulo do livro, o autor destaca que ela surge com a tarefa de enfrentar o problema colocado de que a terra seria o oposto da sabedoria, da ciência, e de que ao jovem de origem rural não restaria outra alternativa a não ser sair do campo se quisesse alcançar ‘a sabedoria’. A oposição entre a terra e a sabedoria, ciência e sucesso exigia, portanto, que fosse criada uma nova educação.

Registra a ação do sacerdote Abbé Granereau, que criou a primeira escola em alternância na França, em 1935, com o objetivo de reunir jovens de diferentes localidades que precisavam trabalhar no campo. O aspecto singular desta origem é a articulação entre esta Pedagogia com a ação e com o que hoje poderíamos chamar de desenvolvimento local. “A ‘Maison-Familiale’ nunca foi uma escola isolada da ação e do desenvolvimento sócio-econômico de seu meio” (p. 49).

O autor relata a expansão das Maisons Familiales na França, a experiência na Itália e na África para depois relatar a experiência brasileira nas EFAs por meio do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (Mepes).

Sem abrir mão do seu senso crítico, marca de sua personalidade, o autor destaca um problema com o qual se defrontava a Pedagogia da Alternância desde a sua origem (e que ainda permanece), a ideia de se tornar uma escola “sem abertura para a cidade ou para outras formas de educação”. Criticando Abbé Granereau, diz que “ele queria uma formação rural totalmente fechada, que perfizesse todo o sistema escolar, do primário até a universidade rural” (p. 51). Para o autor, esta é uma “tentação”, a de realizar uma obra em si, uma escola para os camponeses, uma espécie de “reserva indígena” ou de “redução jesuítica agrícola” e que tal ideia seria contrária ao ideal de liberdade que a proposta carrega.

Nosella fecha o primeiro capítulo falando da criação da Associação Internacional das Escolas das Famílias Rurais, em 1975, no Senegal, identificando os objetivos da Associação e informando o quadro geral das EFAs no mundo. Para ele, as EFAs têm variadas possibilidades de materialização, mas foi aplicável em diferentes regiões do mundo mantendo suas características fundamentais, o princípio da alternância e a vinculação com os movimentos sociais, o que lhe conferiria um caráter avançado.

No segundo capítulo do livro, ao tratar do plano pedagógico das EFAs partindo da experiência do Mepes, faz uma descrição geral das escolas e revela a origem da necessidade de construção de um plano pedagógico. Explica que este plano se constituiu de um conjunto de documentos que define as linhas gerais para a organização das EFAs; nele se enuncia que o objetivo fundamental da escola é a mudança social e que esta deva se orientar pelas ideias de participação, igualdade, conscientização, democracia e fim da exploração entre as classes. Assim, a EFA é definida como uma escola vocacional e não profissionalizante, a serviço dos jovens do meio rural.

Do ponto de vista metodológico, seriam três as suas principais características: a alternância; o ambiente educativo com pequenos grupos, internato e convivência; e a participação dos pais agricultores. Define o autor que a função da alternância é proporcionar a reflexão sobre a vida e a experiência real. Para o Mepes, “a vida da família e da comunidade de cada aluno representa o ponto de partida da educação nas escolas-família” (Mepes apud Nosella, p. 85).

Para a alternância, o plano de estudo ganha centralidade, pois se constitui no

instrumento fundamental da Escola-Família, ele é a pedagogização da alternância; é a forma concreta de efetivar as potencialidades educativas da alternância; é o veículo que leva para a vida as reflexões, as questões, as conclusões (…) O Plano de Estudo é um guia (questionário) elaborado pelos alunos juntamente com a equipe dos professores, ao findar uma semana de aula, a fim de investigar, com seus pais, um aspecto da realidade cotidiana da família, seu meio e suas vivências. As respostas ao Plano de Estudo, que o aluno anota em seu caderno de propriedade ou do lar, são postas em comum ao voltar à Escola no início da nova sessão de aula (Mepes apud Nosella, 1977, p. 86).

A alternância e o plano de estudo não se constituem, como se pode ver, numa estratégia de instrumentalização na realidade concreta dos conteúdos discutidos na escola. Sobre isto, Nosella conclui:

Note-se que o Plano de Estudo jamais é uma aplicação técnico-agrícola, no sentido da escola ensinar aos alunos técnicas cada vez mais aprimoradas para ele, em seguida, aplicá-las na propriedade de sua família. O enfoque do Plano de Estudo é a conscientização: “é um compromisso dos alunos e de sua família para analisar sua própria vida” (p. 86).

Toma-se a participação como um ponto realmente essencial da escola, mas a ela se associa o conceito de responsabilidade, rejeitando-se a participação formal.

Nosella finaliza este capítulo destacando a prática de avaliação nas EFAs, onde esta atividade é compreendida como “tudo aquilo que se faz para conscientizar”. A avaliação assim compreendida se revela como uma atitude constante, exame de consciência, revisão de vida, onde a avaliação da aprendizagem é apenas mais um componente. O autor registra que na experiência estudada avaliam-se tudo e todos, grupal e individualmente, a cada momento, avaliam-se as atitudes, as aptidões e a aprendizagem dos alunos, a integração e a participação do aluno na comunidade local, o ambiente educativo, a capacitação e a integração dos monitores, a participação dos pais e tudo mais que se relaciona à vida da escola e dos alunos. Nesta experiência, todos são os agentes avaliadores, e o plano pedagógico determina o que e como cada agente pedagógico irá avaliar.

No terceiro capítulo é tratada a experiência do Centro de Formação e Reflexão (CFR), que realiza um curso de formação específica para os docentes das EFAs. O Mepes tomava este como se fosse uma “Escola-Família de grau superior” tendo como objetivos a conscientização, a fundamentação teórica e a capacitação técnica. Nesta experiência, o docente era pensado como um agente educacional que deveria realizar mudanças sociais no meio ambiente de sua escola.

No quarto e último capítulo, o então mestrando Paolo Nosella identifica alguns dos principais problemas verificados na experiência e ensaia uma “tentativa de análise”, não exaustiva, sobre cada um deles. Entre os problemas observados pelo autor destaca-se a ideia de intercâmbio econômico-cultural entre Brasil e Itália que funcionou em um único sentido, apenas Itália-Brasil. Apoiando-se em Darcy Ribeiro, o autor coloca a possibilidade de esta experiência ter sido acompanhada de um processo de invasão cultural.

Nosella questiona a forte concentração de poder existente na EFA e a consequentemente pouca participação da comunidade nas decisões. Como terceiro problema, o autor destaca o impasse da expansão das EFAs, que encontra resistência dos pais que, supõe o autor, “temem a escolarização por ser um meio de êxodo do seu filho da lavoura e, portanto, causa da perda de mão de obra” (p. 120).

O quarto problema identificado por Nosella refere-se ao dilema existente entre o uso do plano de estudo ou do currículo oficial, pois este pode levar à perda da especificidade metodológica da EFA.

Também o centro de formação é verificado em uma situação-problema, já que não fica claro se o seu papel é de formar para a metodologia já elaborada ou se colocar aberto para experimentações.

O sexto problema identificado relaciona-se à fuga dos técnicos agrícolas que assumem a função docente, mas que abandonam o movimento em busca de outras oportunidades profissionais.

Por fim, Nosella destaca o sétimo problema, a dificuldade financeira de manutenção das EFAs, que dependem do apoio das comunidades e de recursos municipais, estaduais e federais.

Em seu capítulo conclusivo, Nosella observa, entre outras coisas, que a EFA do Mepes é uma iniciativa fundamentalmente positiva “por ser ela uma crítica radical ao sistema tradicional de ensino do meio rural contrapondo-se a ele como uma alternativa estrutural e metodológica, intencionalmente revolucionária” (p. 146).

Ao registrar a sua ambiguidade, pois não nasceu como obra da classe agrícola brasileira, observa que possibilidades futura da Pedagogia da Alternância estariam articuladas às perspectivas da própria classe, já que interessa apenas aos dominados um projeto de mudança social, conteúdo desta pedagogia.

O livro em tela também traz como anexos diferentes documentos, de estatuto a planos e organograma do Mepes, preservando assim a sua história e favorecendo o trabalho de novos pesquisadores interessados na experiência estudada.

O livro é finalizado com um ‘posfácio de atualização’, escrito por João Batista Begnami e Thierry De Burghgrave. Nele são atualizadas algumas informações relativas ao número de associações regionais e de EFAs no Brasil, com dados de 2012, e apresentadas algumas fases da Pedagogia da Alternância no Brasil. Também são feitas considerações acerca das EFAs em relação aos movimentos de Educação do Campo no Brasil.

Este livro de Nosella, além da descrição que faz da experiência de Pedagogia da Alternância nas EFAs e dos problemas que identifica nesta experimentação, contém uma defesa de um projeto de formação humana, de conteúdo revolucionário, que toma a mudança social como principal finalidade.

Sua leitura é necessária para todos os educadores, mais ainda para aqueles que se comprometem com os projetos de educação que se articulam à ideia de mudança social e que tomam a liberdade como referência.

Sua característica descritiva não impede que o autor deixe clara a sua leitura comprometida, de quem esteve envolvido com aquela experiência, prática e teoricamente, que se revelou e se mantém crítico de qualquer perspectiva de instrumentalização da formação humana e de sua conformação à realidade dada. Nosella olha sempre para o futuro, para uma escola de educação inteira em uma sociedade sem classes, e é articulada a este projeto que ele situa a Pedagogia da Alternância.

Referências

ARROYO, Miguel. O direito do trabalhador à educação. In: GOMES, Carlos M. (org.). Trabalho e conhecimento: dilemas na educação do trabalhador. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 2004. [ Links ]

NOSELLA, Paolo. Uma nova educação para o meio rural: sistematização e problematização da experiência educacional das Escolas da Família Agrícola do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo. Dissertação (Mestrado em Filosofia da Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1977. [ Links ]

Ronaldo Marcos de Lima Araujo – Universidade Federal do Pará, Instituto de Ciências da Educação, Pará, Brasil. E-mail: [email protected]

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Práticas escolares e Processos Educativos: Currículo, Disciplinas e Instituições Escolares (séculos XIX e XX) – GONÇALVESE NETO et al (RBHE)

GONÇALVES NETO, Wenceslau; MIGUEL, Maria Elisabeth Blank; FERREIRA NETO, Amarílio. Práticas escolares e Processos Educativos: Currículo, Disciplinas e Instituições Escolares (séculos XIX e XX). Coleção: Horizontes da Pesquisa em História da Educação no Brasil, 4.  Vitória: Edufes, 2011. Resenha de: OLIVEIRA, Antoniette Camargo de. Revista Brasileira de História da Educação, v. 11, n. 3 (27), p. 153-182, set./dez. 2011.

Este livro é o volume quatro da coleção “Horizontes da Pesquisa em História da Educação no Brasil”, resultado da parceria entre a SBHE e a Ufes, cujo primeiro volume foi publicado (em 2009) para comemorar o décimo aniversário da SB HE. Assim como os outros três volumes, seu objetivo é reunir pesquisas e estudos tanto sobre perspectivas teóricas, metodológicas e temporais diversas ou complementares entre si, quanto aquelas originárias das várias instituições acadêmicas e localidades nacionais e ou internacionais, preocupadas em produzir conhecimento principalmente sobre história da educação. Nesse sentido, tal iniciativa tem vindo ao encontro de uma necessidade premente por uma visão mais ampla, possibilitadora de estudos comparativos que efetivamente contribuam para a compreensão crítica do processo histórico e para o apontamento de projetos e ações positivas na área escolar.

Optou-se por comentar os quinze capítulos, dispondo-os tanto numa sequência temporal crescente, do Império ao século XX, quanto buscando integrá-los em termos de fontes, objetos, contextos e perspectivas. Sobre a Região Sudeste há quatro capítulos, sobre a Região Sul há três, e um sobre a Norte. Quanto aos outros, de maneira geral, dizem respeito a especificidades da educação enquanto referência nacional.

Analete Regina Schelbauer, ao abordar a escolaridade primária em São Paulo, com o seu “Das normas prescritas às práticas escolares: a escola primária paulista no final do século XIX”, deixa à mostra preocupações que não eram apenas nacionais, mas também internacionais, a respeito da necessidade de se alcançar efetivamente os trabalhadores, de forma a “cidadanizá-los” e civilizá-los. Inicialmente ela aponta para o que se idealizava em termos de educação popular e que servia de modelo, a partir dos ministérios da instrução de outros países na mesma época. Ao lançar mão de leis e regulamentos, bem como de relatórios de professores primários da então província paulista, a autora traz para o âmbito nacional as propostas (normatizações) e práticas implementadas (instituídas) ou apenas relatadas pelos professores da província de São Paulo, colaborando por formar a nação brasileira, moderna e competitiva que se queria. Normas e relatos estes – em termos de divisão do alunos, matérias ou disciplinas a serem ensinados, métodos e instrumentos ou utensílios de ensino –, que pela perspectiva da autora em questão, podem servir de referência para futuras pesquisas, a partir de outras províncias, e decorrentes trabalhos de comparação.

Comparação, esta, que já se mostra possível, considerando outro autor, o qual também cuida das preocupações relativas ao ensino primário, voltado para os homens livres, pobres e ex-escravos, também a partir da segunda metade do século XIX, em preparação às esperadas mudanças advindas com a República. Trata-se de Carlos Henrique de Carvalho, com o seu “Legislação, civilidade e currículo: processo de escolarização primária em Minas Gerais (1835-1889)”. Escrevendo a partir das leis, regulamentos, resoluções e portarias mineiras, estabelecidas no decorrer do período, o autor chama a atenção para a influência da Igreja Católica, nas instâncias legislativa e executiva relativas à educação, aspecto que pode constituir-se num diferencial desta província em relação às outras. É interessante também comparar Minas e São Paulo, nos quadros de Carvalho (p. 214) e Schelbauer (p. 38), a respeito da divisão do ensino primário em graus e matérias, sendo que o mineiro diz respeito a 1859 e o paulista a 1887, o que pode ser demonstrativo da posição de vanguarda de Minas em termos de preocupações com o ensino “popular” em relação a outras províncias.

Ainda relativo ao ensino primário, e em complemento aos dois trabalhos anteriores, Rosa Fátima de Souza escreve sobre “A organização pedagógica da escola primária no Brasil: do modo individual, mútuo, simultâneo e misto à escola graduada (1827-1893)”. Os autores já resenhados apontam para a existência de supostos métodos de ensino no Império, seja a partir das legislações ou dos relatórios de professores. Entretanto, é Souza quem vai problematizar seus respectivos conceitos, origens, diferentes significados ou concepções que circularam no país em cada situação e em certas províncias. Conforme a autora, o Brasil carece de estudos sobre o surgimento e alterações sofridas pelo método simultâneo.

Maria Elizabeth Blanck Miguel, em “Práticas escolares e processos educativos na escola provincial paranaense (1854-1889)”, se utiliza de leis e regulamentos enquanto fontes, mas também, especialmente, de relatórios de professores, ricos em detalhes a respeito dos reais problemas educacionais daquela província do Sul. Quanto ao processo de instalação do método simultâneo na província do Paraná (que remete ao capítulo de Souza), é um trabalho indicativo das diferenças e semelhanças educacionais daquela região em relação ao Sudeste, região em torno da qual parecem estar voltados a maioria dos trabalhos nesta área. Verifiquem que há um trecho da Instrução Geral de 27 de dezembro de 1856, transcrito por Souza (p. 356), o qual também foi utilizado de forma mais completa por Blanck Miguel, nas páginas 184 e 185.

Para além de tais métodos ou modos (p. 339) de ensino que, grosso modo, vieram se desenhando no Império brasileiro, Wenceslau Gonçalves Neto com o capítulo “A organização escolar em Minas Gerais no início da República: intenções, métodos e currículos nas propostas educacionais do Estado e dos Municípios”, chama a atenção, pelo menos no caso de Minas Gerais, para o método intuitivo, o qual talvez proporcionasse uma segurança maior ao professor na condução dos alunos, método este mais direcionador que os anteriormente apontados por Souza. A suposição de que fosse o método intuitivo o adotado nas escolas públicas, deve-se inclusive ao instrumental ou mobiliário escolar apontado na legislação mineira. Um outro tópico trabalhado por Gonçalves Neto, e que também nos dá pistas para outras percepções, é o que trata do currículo. Se compararmos o que estava prescrito na legislação estadual para as escolas primárias no início da República (p. 443) com os quadros das páginas 214 e 220, relativos ao Império na província mineira, perceberemos que muito pouca coisa mudou em termos de parâmetros disciplinares. Entretanto, ficam claras as diferenças entre o prescrito pelo Estado e o instituído pelos municípios. Tal capítulo é uma referência importante para aqueles que queiram desenvolver suas pesquisas e estudos sobre a História da Educação de quaisquer municípios mineiros.

Na passagem do Império para a República, Lúcio Kreutz, em “Práticas escolares entre imigrantes no Rio Grande do Sul: 1870-1940”, elabora uma espécie de síntese das considerações desenvolvidas ao longo de sua trajetória enquanto pesquisador da educação. De qualquer maneira, são nítidas as diferenças em relação aos trabalhos sobre os quais já se comentou, considerando a especificidade do seu objeto, consubstanciado em comunidades rurais étnicas, a partir do que ele intitula “escolas de imigração”. Deixa claro o papel da Igreja e do Estado, bem como as características, inclusive físicas, que favoreceram a formação dos núcleos rurais e suas respectivas escolas. Mesmo heterogêneas entre si – além de denotar uma contradição, por terem favorecido a cultura de origem dos imigrantes em detrimento da nacional –, não deixa de ser uma experiência referencial em termos de participação comunitária, onde a cultura e a religião foram primordiais no sucesso daqueles experimentos de ensino e aprendizagem.

“A escolarização da infância: prescrições na imprensa periódica da Educação Física (1932-1945)”, de Rosianny Campos Berto e Amarílio Ferreira Neto, toma como fonte/objeto duas revistas publicadas no período, uma sob a responsabilidade da Escola de Educação Física do Exército e outra sob a de civis, ligados à Associação Cristã de Moços e elaborada pela Companhia Brasil Editora. De ambas as revistas, publicadas no Rio de Janeiro, os autores analisam os artigos voltados para a educação física escolar infantil, assunto priorizado pelos respectivos editores no período. Destacam a necessidade de demarcação de poder por parte de cada grupo, a partir de suas publicações, bem como as diferentes concepções que tinham a respeito da infância.

“Práticas escolares em escolas normais rurais do Rio Grande do Sul (1940-1970)”, de Flávia Obino Corrêa Werle aponta para uma das consequências das propostas de nacionalização do ensino, responsáveis pelo fechamento de muitas escolas étnicas a partir dos anos de 1930, especialmente nas colônias rurais rio-grandenses das quais trata o já citado Lúcio Kreutz. A autora chama a atenção para o caráter masculino dos discentes nas então escolas normais rurais, a contrapelo da ideia de feminização do magistério, prevalente nos diversos estudos; deixando claro também a valorização do esporte pela comunidade escolar, dentro e fora do currículo, enquanto forma de reforço do pertencimento e integração escola/comunidade; o que corrobora, em parte, com os ideais preconizados pelas fontes/ objetos do estudo de Berto e Neto a respeito da educação física.

No capítulo “A centralidade do instrumento de trabalho na relação educativa: a escola moderna brasileira nos séculos XIX e XX”, Gilberto Luiz Alves é objetivo nas suas impressões a respeito de como veio se consolidando o uso dos manuais ou livros didáticos em sala de aula no Brasil. Manuais estes que, segundo ele, deram vida à organização do trabalho didático ideada por Comenius no século XVII, em que a centralidade na relação educativa passa a ser o instrumento de trabalho, em detrimento do professor ou do aluno. Referência a respeito deste objeto, o autor estabelece os avanços em termos de outras pesquisas já produzidas, dando destaque à tese de Gatti Júnior (2004).

Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas, ao escrever sobre “As lições de português para o ensino ginasial no Estado Novo, nas Páginas floridas”, dá continuidade à problemática dos livros didáticos, especialmente nas décadas de 1930, 1940 e 1950. Para tanto, trata do então competitivo mercado editorial e da legislação relativa à produção de tais livros, antecedendo o período trabalhado por Gatti Júnior (citado anteriormente). Para o editor da coleção Páginas floridas, o livro ditático não deveria ter um papel central enquanto instrumento de trabalho na relação educativa, conforme consta no trecho de um prefácio transcrito nas páginas 103 e 104.

Maria Elizabete Sampaio Prado Xavier, escrevendo quanto às “Noções de História da Educação para professores: o manual de Afrânio Peixoto (1876-1947)”, nos dá indícios sobre o tipo de conhecimento a respeito da História da Educação a que os normalistas das décadas de 1930 e 1940 tiveram acesso. Contribui, igualmente, para um debate atual relativo à distância entre o conhecimento produzido e aquele diretamente utilizado na sala de aula, especialmente na formação de professores.

“O debate ciências versus humanidades no século XIX: reflexões sobre o ensino de ciências no Collegio de Pedro II”, de Karl Michael Lorenz e Ariclê Vechia, nos remete a um contexto geral ainda atual. Os autores concluem – através da análise e comparação das diversas reformas do ensino secundário, bem como dos currículos implantados nos Colégio de Pedro II e Gymnasio Nacional (referência para o ensino no Brasil a partir da então capital federal) – sobre a prevalência das disciplinas humanísticas ou clássicas em detrimento das científicas, técnicas ou realistas. Também apontam para as razões que levaram tanto autoridades quanto público, “a rejeitar o papel das ciências na vida acadêmica dos alunos secundários” ao longo de todo o XIX.

Complementarmente, Maria do Perpétuo Socorro Gomes de Souza Avelino de França escreve sobre a “História do ensino secundário brasileiro republicano: o Liceu Paraense”, a reboque da legislação nacional. Suas análises, sem dúvida, servem de modelo para outros trabalhos a respeito deste grau de ensino nos demais estados brasileiros. Enquanto Lorenz e Vechia chamam mais a atenção para a característica propedêutica, do secundário para o superior, França joga luz sobre o sistema de exames parcelados, prática comum durante o Império e que pode explicar o esvaziamento e as desistências verificadas nas então escolas secundárias públicas. Esta autora também analisa detidamente as mudanças curriculares pelas quais passou o Liceu Paraense na República.

Em “‘Uma aventura para o dia de amanhã’: o projeto do serviço de ortofrenia e higiene mental na reforma Anísio Teixeir (1930)”, Adir da Luz Almeida e Ana Maria Bandeira de Mello Magaldi acabam por estabelecer como se deu, no Brasil, as ideias precursoras dos princípios de normatização, integração e inclusão que se sucederam a partir dos anos de 1950. Tratou-se de uma das frentes da referida reforma, em que as “crianças problema” ou detentoras de alguma “anormalidade”, a princípio indicadas pelos seus professores, teriam sua vida (dentro e fora da escola) esquadrinhada numa ficha, a partir da qual profissionais especializados apontariam o tratamento mais adequado a receberem, pelos pais ou professores, no sentido de melhor se socializarem.

Finalmente, Ester Buffa e Gelson de Almeida Pinto, em “A educação infantil e o espaço escolar: três instituições criadas no final do século XX”, nos dão indicativos sobre a arquitetura escolar mais contemporânea, de escolas cujos projetos de construção foram pensados a partir de seus respectivos ideais pedagógicos. Duas escolas construtivistas, em Porto Alegre e Uberlândia e uma outra que adota a Pedagogia Waldorf, em Capão Bonito, ambas criadas nas décadas de 1980 e 1990. Além de nos incitar a observar e refletir a respeito dos projetos arquitetônicos das instituições escolares as/nas quais trabalhamos e ou pesquisamos, os autores apontam para a necessidade de um trabalho multidisciplinar, no sentido de se pensar, projetar e construir espaços escolares infantis, que possibilitem sua utilização “plena e intensamente”.

Referências bibliográficas

GATTI JR., Décio. Livro Didático e Ensino de História: dos anos sesenta aos nossos dias. São Paulo: PUC-SP, 1998.

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