Thinking through the body: Archaeologies of corporeality – HAMILAKIS (CA)

HAMILAKIS, Yannis; PLUCIENNIK, Mark; TARLOW, Sarah. Thinking through the body: Archaeologies of corporeality. New York: Kluwer Academic / Plenum Publishers, 2002, 262 p. Resenha de: SILVA, Sergio Francisco Serafim Monteiro da. Clio Arqueológica, Recife, v.34, n1, p.194-201, 2019.

Conforme os editores, o livro está baseado na oficina Thinking through the Body, ministrada na Universidade de Wales, Lampeter, em junho de 1998. Com o mesmo nome da oficina, este volume apresenta o potencial de novas contribuições interdisciplinares para o estudo do corpo e da corporeidade, ilustradas pelos estudos teóricos e filosóficos reunidos nas “arqueologias do corpo”, similarmente ao que ocorreu com a antropologia e a história nos seus vieses de “antropologia do corpo” e “história do corpo”, que dispensam apresentações neste espaço de resenha. Pensar através do corpo pode ser similar ao pensar através dos objetos de cultura material, dentro da produção do conhecimento arqueológico.

O livro trata do “corpo”, considerado aqui como um tópico ou tema que tem dispendido debates e discussões nas humanidades e nas ciências sociais, contando com a influência de expressivos teóricos, como Bourdieu, Merleau-Ponty, Foucault, Douglas e Butler, entre outros. Os capítulos apresentam diferentes (mas relacionáveis) abordagens sobre o corpo, como por exemplo, o significado cultural do corpo humano, como um símbolo, artefato, meio ou uma metáfora.

Este volume apresenta três seções. A primeira seção, Bodies, subjects and selves, apresenta exemplos voltados ao significado do corpo e sua relação com o [eu], o self, sujeito ou, mais especificamente, com o indivíduo – já que estas são ideias relacionadas ao conceito de pessoa. O corpo, como proposto por Sarah Tarlow em Bodies, selves and individuals, pode ser compreendido de variadas formas. No caso dos corpos dos mortos, estes providenciam aos arqueólogos uma aparente fundamentação para interpretar as sociedades antigas.

O tratamento dado ao corpo do morto por sociedades do passado pode ter sido análogo ao tratamento dispensado ao mesmo em vida, representando um ‘status terminal fossilizado’ de um indivíduo. O tratamento do cadáver contém elementos relacionados ao status, saúde ou religião do morto, sobre identidade e enculturação do corpo. De várias maneiras, nesta seção, busca-se desfamiliarizar e problematizar o corpo quanto a sua constituição, seus limites e suas capacidades.

Uma dessas problematizações pode ser encontradas no texto de Foucault, ‘Neitzsche, genealogy, history’, de 1971, p. 153: nada no homem, nem mesmo o seu próprio corpo, é suficientemente estável para servir como base para o autoreconhecimento ou para compreender outro homem. O passado e os corpos do passado, estudados pelos arqueólogos, diferem das ideias modernas que temos sobre os corpos.

Torna-se um desafio aos arqueólogos pensar que a decomposição do corpo possa ter sido mais perturbadora em alguns contextos históricos que em outros.

Provenientes de tempos muito antigos, os corpos não aparentam ser mais pessoas, de algum modo, familiares a nós. O corpo humano, dentro da arqueologia, o ser humano, tem sido sinônimo de ‘pessoa’, ‘indivíduo’, ‘sujeito’ e ‘self’, termos utilizados de forma intercambiável. Mas estes termos podem ser discutidos de forma adequada na arqueologia, em consonância mínima com os pressupostos do antropólogo e sociólogo francês Marcel Mauss e da antropóloga britânica Jean Sybil La Fontaine sobre as noções de pessoa e self e de pessoa e indivíduo.

Nesta primeira seção, as arqueologias interpretativas, pós-processuais, são entendidas como incapazes de se livrar do legado do humanismo, sob o argumento de que isso é violentar a humanidade e as pessoas do passado e do presente. Nesse aspecto, Julian Thomas trata das arqueologias humanistas – pós-processuais, do anti-humanismo e os corpos neolíticos. As partes corporais, segundo Chris Fowler, funcionam como indicadoras de personalidade e de materialidade, simultaneamente, durante o neolítico de Manx. As vestimentas são tratadas como detentoras de moralidades e as usadas pelos mortos na Europa medieval são objeto de estudo de Jos Bazelmans. Ainda, a estética corporal durante o século XIX na Grã-Bretanha é estudada por Sarah Tarlow.

O alarido em torno do corpo nas várias disciplinas do conhecimento refere-se à ideia moderna de corpo como projeto dentro dos estudos sociológicos – o corpo instrumentalizado; do desenvolvimento significativos na filosofia, humanidades e ciência sociais da crítica feminista e dos estudos de gênero – a historicização do corpo, o corpo sexual; do interesse pelo corpo dentro da significância dos aspectos experimentais do passado humano, como a alimentação observada como forma de subsistência dentro de um dado contexto ecológico, como a significância social e política do consumo de alimentos.

Na arqueologia, o estudo do corpo humano se dá mediante a) a antropologia física – situada dentro do guarda-chuva paradigmático da atual bioarqueologia – voltada desde o séc. XIX ao estudo da evolução humana, das categorizações dos “tipos raciais humanos”, aspectos demográficos, de “saúde”, modificações corporais ao longo da pré-história e os estudos em paleopatologia, incluindo traumas, violência e desnutrição; b) representações das formas visuais humanas: nesse sentido, o primeiro texto, mais simples, sobre o corpo humano na arqueologia deriva de uma conferência sobre gênero e arqueologia – Reading the body: Representations and Remians in the Archaeological Record, de Rautman (2000) – , com influência do feminismo e das representações e remanescentes de corpos humanos; c) a fenomenologia aplicada ao estudo do corpo – a arqueologia fenomenológica, arqueologia dos sentidos – com os estudos de experiências rituais em paisagens monumentais a partir de dispositivos corporais sensoriais e do estudo de aspectos integrativos da experiência humana, como a emoção, memória, identidade e experiências corporais particulares como beber, comer, dar a luz, fazer sexo, praticar violência e a guerra.

A segunda parte trata da experiência e corporeidade. O gesto é estudado na arqueologia como um meio de compreender o sentir através do corpo e isso é apresentado por Christine Morris e Alan Peatfield nos estudos sobre a Idade do Bronze em Creta. Ainda a arqueologia dos sentidos relaciona o passado com a história oral no estudo de Yannis Hamilakis. Os modos de comer e de ser no epipaleolítico de Natufian foram discutidos por Brian Boyd. Um estudo de John Robb sobre o tempo e a biografia traz em discussão a osteobiografia da vida útil – vida cotidiana – dos italianos neolíticos.

Na última seção do volume, os corpos são discutidos na e como cultura material. Objetos de cultura material em folhas de ouro da Idade do Ouro na Escandinávia, associados a um gênero específico, podem ser questionados, conforme Ing-Marie Danielsson. A cova de Oseberg, em Vestfold, um dos mais conhecidos casos da Escandinávia, cuja escavação resultou na recuperação de esqueletos femininos, posteriormente reinumados, foi apresentado e discutido por Elisabeth Arwill- Nordbladh. Mark Pluciennik relaciona arte, artefato e metáfora na análise de registros rupestres da Grotta Addaura II (10.000 a 12.000 anos atrás) e cenas da Grotta dela Cala dei Genovesi, em Levanzo. Trata de estética e representação de corpos humanos e não humanos e artefatos no epipaleolítico e neolítico do sul da Itália. Em Marking the body, marking the land, Paul Rainbird estuda similaridades e continuidades temporais nas tatuagens, pinturas nas cerâmicas e gravuras rupestres na Oceania, Pacífico.

Seus modos de interação entre as comunidades insulares incluíam as tatuagens corporais e tatuagens nas rochas e nos artefatos. As futuras agendas sobre o corpo incluem a ideia da sua incorporação à arqueologia, pela historicização do corpo: este passou por mudanças e reconfigurações ao longo da história humana, incluindo a formulação de certos códigos e normas de comportamentos e performances corporais, nos espaços públicos e privados, certos hábitos de alimentação, as várias genealogias da formação do corpo e sua instrumentalização.

As fenomenologias do corpo na arqueologia são desenvolvidas pelas noções de Heidegger de habitação e de ser no mundo, da Fenomenologia da Percepção de Merleau-Ponty ou o desenvolvimento no âmbito da geografia: incluem-se, também as categorias culturalmente influenciadas ou determinadas pelos espaços perceptivo, existencial, arquitetônico e cognitivo dos seres humanos. O biopoder e as biopolíticas do corpo, cujos conceitos são provenientes de Foucault, são importantes para o desenvolvimento das arqueologias da corporeidade. Práticas e processos concretos e materiais atuam sobre o corpo humano: práticas biopolíticas, tecnologias e instituições instrumentalizam os movimentos, a forma de alimentação e a visão dos seres humanos, por meio de gastropolíticas, por exemplo. Também, o corpo fisiológico, como simbolismo e metáfora, pode ser usado para compreender as várias características do mundo natural e cultural: os corpos compreendidos como ‘cultura material’. Os corpos de pessoas vivas podem ser mercantilizados e objetivados em trabalho, materiais, arte, prazer sexual.

Corpos inteiros ou suas partes podem ser mais artefatos do que indivíduos, podem ser fetichizados, como os corpos preservados nos museus, relíquias de santos. Produtos corporais e suas partes podem ser segregados, tabu, usados em magias, trocados, consumidos ou empregados em tratamentos de beleza.

As ‘deformações’ corporais incluem aqui a deformação do crânio e dos pés, avulsões, tatuagens, escarificações: corpos como veículos de identidade e expressão. Os remanescentes humanos, conforme as crenças religiosas, podem ser extensivamente tratados e manipulados post-mortem. Nesse sentido, os corpos e os outros aspectos da personae podem sofrer mudanças nas suas biografias quanto ao poder e suas referências simbólicas. As figuras femininas paleolíticas e os registros rupestres são exemplos de como os corpos humanos ─ suas representações ─ tem sido claramente importantes referências em vários períodos e em várias sociedades.

Existiriam numerosas formas pelas quais os arqueólogos poderiam pensar sobre o passado através do corpo. Essas formas estão representadas pelas novas oportunidades de integração por meio de recentes desenvolvimentos teóricos sobre a corporalidade e a sua importância para as interpretações sobre o passado e os modos de vida. Sobre esse aspecto, o livro editado por Robert Schmidt e Barbara Voss, Archaeologies of Sexuality, em 2000, estabelece relação profícua com Thinking through the Body. Indica parâmetros que direcionam os estudos sobre sexo e sexualidade – e sua linguagem e conceitos – na produção do conhecimento arqueológico vinculado à solução de problemas científicos voltados ao corpo, em primeiro lugar.

Sergio Francisco Serafim Monteiro da Silva – Departamento de Arqueologia, UFPE. E-mail: [email protected]

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Global Archaeological Theory. Contextual Voices and Contemporary Thoughts – FUNARI et al (IA)

FUNARI, Pedro Paulo A.; ZARANKIN, Andrés; STOVEL, Emily. (Ed.). Global Archaeological Theory. Contextual Voices and Contemporary Thoughts. Nueva York: Kluwer Academic/ Plenum Publishers, 2005. Resenha de: GNECCO, Cristóbal. Intersecciones en Antropología, Olavarría, n.7, ene./dic., 2006.

Global archaeological theory reúne veinte artículos (además de la introducción y la discusión) teóricos sobre distintos temas y campos de intervención de la arqueología actual; nueve de ellos fueron publicados (en español y portugués) hace siete años en las memorias de la I Reunión Internacional de Teoría Arqueología en Suramérica. Si consideramos que quince de los veinte artículos fueron escritos por arqueólogos suramericanos hay que empezar por señalar que este es un libro singular (y atrevido) porque por primera vez una editorial prestigiosa y de amplia circulación internacional publica (en inglés) un libro de teoría arqueológica dominado, por lo menos demográficamente, por intelectuales no metropolitanos y no anglo-parlantes.

Puesto que las virtudes y defectos del libro son globales (como su título), es decir, de la totalidad del texto y no de la particularidad de los artículos que contiene, sólo haré alusiones generales; en cualquier caso no tendría sentido presentar los argumentos básicos de cada uno de los artículos (lo que hacen las reseñas convencionales sobre libros colectivos) porque esa tarea ya fue hecha por los editores en la Introducción. Además, mi labor de reseñista se ve limitada (y alterada, seguramente) por el hecho de que el libro ya incluye una buena reseña (la Discusiónque cierra el volumen, escrita por Matthew Johnson) que ofrece argumentos que comparto. Aunque mi lectura del libro editado por Funari, Zarankin y Stovel no escapa de los prejuicios producidos por la maldición intertextual espero discutir asuntos que Johnson no cubrió o apenas mencionó al pasar.

La importancia del libro descansa en (a) su amplitud temática y variedad de puntos de vista teóricos, lo que pone en evidencia la apertura de la arqueología contemporánea, y (b) en el hecho de que fue concebido y producido desde un lugar no tradicional de enunciación (que podemos llamar periférico). Los dos aspectos están interrelacionados porque la apertura arqueológica no sólo es disciplinaria (lo que permite interpretaciones diferentes, originales y creativas) sino también política (lo que hace posible una participación más amplia y horizontal de distintos actores en la producción, circulación y consumo de discursos arqueológicos). Este libro es producto de esa apertura; sin embargo, un texto que se auto-inscribe en el descentramiento de la producción discursiva y que se ufana de presentar «una mirada desde la periferia» debería ser sensible a los actos simbólicos. El hecho de que los artículos que preceden y anteceden a los demás (encerrándolos entre sus brazos protectores) hayan sido encargados a dos prominentes arqueólogos ingleses (Thomas y Johnson), identificados con las tendencias más críticas y reflexivas de la arqueología contemporánea, puede ser leído como una suerte de bendición que las autoridades establecidas (no importa que tan iconoclastas sean o, para ser más justo con la historia, hayan sido) otorgan, benévolamente, a la madurez de la teoría arqueológica periférica. Quizás Johnson comparta este comentario si llega a leerlo, aunque lo dudo (no dudo que lo comparta, aunque también, sino que lo lea; bien sabemos que nuestra principal desventaja -¿desventaja?- es escribir en español, un idioma apenas vernáculo en el mundo del colonialismo académico); de lo que sí estoy seguro es que comparte conmigo (aunque debería decir, mejor, que comparto con él para respetar la precedencia intertextual) la idea de que los editores hacen sobre-valoraciones indebidas que configuran un horizonte moral que no se realiza, por lo menos no en este libro.

La Introducciónresalta dos asuntos (el compromiso político y la acción crítica) que no están cubiertos por todos los artículos o que sólo son mencionados marginalmente por algunos; este hecho produce una afirmación exagerada que milita en contra de la integridad teórica y de la originalidad del libro y de su capacidad de convertirse en un punto de inflexión en la abundante literatura teórica en arqueología (cada vez más numerosa y cada vez menos original). La “posición política crítica”, que los editores presentan como una de las características más importantes de la arqueología progresista (los editores la llaman «postprocesualista » pero ese término es demasiado general, impreciso e indigno de una ortodoxia que debería garantizar, por lo menos en el generoso universo de la nominación, la sucesión crítica de una heterodoxia esperada que habría de llamarse, pedregosamente, post-postprocesualismo), no aparece en varios artículos (la mayoría) que sólo (¿sólo?) discuten asuntos disciplinarios, aunque con gran sofisticación teórica. Este hecho podría acomodarse señalando que algunos artículos son sensibles a la consciencia política y, quizás, al compromiso político (los textos de Ana Cristina Piñón Sequeira y Lúcio Menezes Ferreira, por ejemplo); el llamado post-procesualismo, después de todo, es un bazar inmenso y desigual que agrupa perspectivas variadas, muchas de las cuales no se han preocupado por la dimensión política de su discurso en el presente y el futuro aunque se hayan preocupado por la política en el pasado.

La otra afirmación exagerada es consecuencia de la primera: no entiendo el énfasis en acción crítica, señalado por los editores como una característica saliente del libro (es decir, de los artículos que lo componen). El énfasis en acción es una herencia del materialismo histórico, incapaz de concebir la práctica por fuera de la transformación que pone en movimiento. Si por acción los editores entienden el compromiso y la conciencia política (como mi lectura de la Introducción me lleva a creer) entonces lo menos que puedo decir es que la mayor parte de los artículos hace caso omiso del horizonte praxeológico. ¿Cuál es el propósito y el sentido de hablar de acción si sólo queda enunciada? Una posibilidad, que no hacen explícita los editores, es que la idea de acción abordada en los artículos provenga de la perspectiva de agencia, tan popular en la arqueología contemporánea. Las teorías centradas en agencia recuperan (o adoptan por primera vez) la centralidad del individuo en la red de significaciones que llamamos cultura y su capacidad de transformarla continuamente. Las dos ideas son en apariencia similares (al fin y al cabo las teorías sobre agencia reconocen una deuda genealógica con el materialismo histórico) pero las separa una diferencia prominente: mientras la concepción marxista de la acción es política en el presente las perspectivas de agencia en arqueología son, generalmente, política en el pasado (es decir, política desde una perspectiva disciplinaria auto-contenida, no contextual). Algo similar pasa con la significación otorgada a la crítica. Si los artículos del libro tienen una perspectiva crítica ésta es disciplinaria en el sentido de que buscan expandir los límites de las interpretaciones arqueológicas, constreñidos por la estrechez de la mirada científica; su dimensión crítica, sin embargo, no es contextual. De cualquier manera, entonces, el énfasis en acción y crítica es exagerado o sólo enunciativo; como agenda es fundamental, como señalaré enseguida, pero no se desarrolla en este libro.

La Introducción, que expresa el propósito deliberado de los editores (y, uno podría esperar, también de los autores de los artículos, aunque este no es el caso) señala que la mirada desde la periferia, que este libro representa de una manera casi fundacional en términos de su aparición en el mundo académico metropolitano, es fundamentalmente crítica porque “las experiencias y condiciones críticas engendran pensamiento crítico”. Puesto que la afirmación no tiene solidez lógica (muchas condiciones críticas no generan pensamiento crítico; la marginalidad no siempre es sinónimo de reflexividad y de consciencia) habría que decir, mejor, que las propuestas desde la periferia deben ser críticas. ¿Por qué?; ¿cuál es el sentido de este imperativo moral? La conciencia periférica (a pesar de las críticas que pueda hacerse al modelo centro-periferia por ingenuo y poco realista en su análisis de la producción y reproducción cultural) es política y resulta básica en los procesos de descolonización. ¿Es crítica, reflexiva y contestataria la producción cultural periférica? No siempre; mucha producción periférica, como es el caso de varios artículos de este libro, no se aparta de la complacencia que caracteriza el consenso disciplinario edificado en los centros metropolitanos. ¿Debe ser crítica, reflexiva y contestataria la producción cultural periférica? Este ya es otro asunto (situado, cómodamente, en el pantanoso terreno del moralismo) y la respuesta exige un contundente sí porque la conciencia periférica debe llevar a entender (y contestar) la condición colonial contemporánea. Este libro, concebido y producido desde un lugar no tradicional de enunciación (lo que lo situaría, de entrada, en una posición privilegiada para el ejercicio crítico), poco contribuye a la descolonización de la disciplina y de las sociedades cuya historia (y con ella su identidad y su proyecto de vida) fue conculcada por el aparato cronopolítico occidental (del cual la arqueología forma parte prominente); aunque es cierto que no tendría porque haberlo hecho (no todos los arqueólogos están interesados en los proyectos descolonizadores) resulta paradójico que aparezca como un propósito de los editores.

Hasta ahora he dicho lo que el libro no es y quizás esa perspectiva pueda ser vista como malintencionada: siempre es posible esperar más de algo porque el universo del deber ser es un inmenso campo abierto en el cual cabe de todo, incluso lo menos indicado; siempre es posible esperar que algo sea como se quiere, no como realmente es. Lo que he dicho que el libro no es, sin embargo, está basado en lo que los editores señalaron como el horizonte moral de su trabajo y en mínimos esperados de una enunciación hecha desde la periferia. Hecha esta observación ahora diré lo que el libro es. Muchas reseñas terminan pareciéndose al libro de balances contables de una empresa manejada con rigor y con cierta posibilidad de éxito: las pérdidas no son mayores que las ganancias. Esta reseña no es distinta porque crea que la excepcionalidad es innecesariamente iconoclasta ante los ojos canónicos (lo que neutraliza su efecto) ni porque piense que el ejercicio crítico se ve mejor servido en la apología que en la denostación (lo que puede resultar complaciente) sino porque este libro es un objeto importante por dos razones. La primera ya la dije, pero la usé para argumentar sobre su carencia; así que la repetiré, pero mostrando su bondad: este libro contribuye a descentrar la producción de los discursos arqueológicos. Los editores del libro lo inscriben, con razón, en la tradición que inauguró la propuesta abierta y pluralista del WAC, es decir, el descentramiento disciplinario desde los centros tradicionales de enunciación (Europa occidental y Estados Unidos) hacia varios otros lugares, no sólo geográficos (como América Latina) sino también culturales (como los movimientos sociales). El descentramiento contesta la vieja idea de que las colonias producen la cultura mientras la metrópoli produce los discursos intelectuales que la interpretan, auto-asumiéndose como el único lugar legítimo de enunciación. El resultado de esa idea fue un patético colonialismo académico que devaluó las posibilidades locales de formación y de interlocución. Por eso es refrescante para la arqueología que su horizonte de producción se expanda y que aumenten las propuestas de interpretación que involucran nuevos actores. En el mundo multicultural, que organiza la sociedad en marcos de diferencia más rígidos y circunscritos que durante la modernidad, el espectro arqueológico está siendo ampliado y los lugares de su enunciación desplazados y contestados. Aunque el multiculturalismo es el signo de los tiempos el pluralismo (definido como la expresión horizontal de la diferencia) es una moneda de poco uso que debe ser construida, promovida, discutida y consensuada constantemente, muchas veces en medio del conflicto productivo; la enunciación desde la periferia (como la que hace este libro) apuesta por la utopía pluralista y por sus posibilidades de realización.

La segunda razón es de índole académica, pero no por ello menos importante. Los artículos del libro se inscriben en la batalla (que unas veces parece ganada, como cuando aparecen textos como este, y otras perdida, como cuando contemplamos la falta de creatividad e imaginación de la producción arqueológica dominante, por lo menos en términos estadísticos) entablada contra la rigidez y la predictibilidad de la ortodoxia eco-funcionalista; varios de ellos hacen propuestas inteligentes y originales que abren las fronteras de la interpretación.

Global archaeological theory debe ser leído por lo que propone, por lo que logra e, incluso, por lo que deja de hacer. No es frecuente que libros así aparezcan en la literatura arqueológica mundial. No es una ingenuidad chauvinista creer que señala un camino abierto en el cual la dominación y la arrogancia de la arqueología metropolitana sea enfrentada, cuestionada y debatida.

Cristóbal Gnecco – Cristóbal Gnecco. Departamento de Antropología, Universidad del Cauca, Colombia. E-mail: [email protected]

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