Racismo em português: o lado esquecido do colonialismo | Joana Gorjão Henriques

Entre os séculos XVIII e XIX, vários viajantes estrangeiros que passaram por Lisboa descreveram, frequentemente com grande incômodo, o que lhes parecia uma característica extravagante da capital do Reino de Portugal: uma presença considerável de gente negra. Só para destacar um, entre tantos registros expressivos, o italiano Giuseppe Barreti, que esteve em Lisboa em 1760, não escondeu sua perturbação diante da quantidade de negros e mulatos que “formigavam em todo canto” da cidade. A multidão de gente de cor permanecia numericamente expressiva no início do século XIX. Segundo cálculos coevos, em 1801, os negros eram cerca de 15.000, de um total de 220.000 moradores da cidade de Lisboa. Isso de fato particularizava a capital de Portugal em comparação com outras grandes cidades e capitais da Europa, cuja presença negra não alcançava proporções semelhantes.1 O fenômeno, menos expressivo em termos demográficos, também podia ser observado em outras cidades do reino, como Porto, Faro e Évora. Entretanto, a história dos descendentes de africanos no sul da Europa em geral, e particularmente em Portugal, começa muitos séculos antes. Embora, em termos cronológicos e geográficos, as pesquisas sobre o tráfico de escravos e a escravidão em Portugal2 ainda sejam modestas e circunscritas, investigações recentes têm demonstrado que, já no início do século XVI, algo entre 15% e 20% da população de Lisboa “tinha nascido na África ou era de origem africana”.3 Leia Mais