Borboletas e Lobisomens: Vidas, sonhos e Mortes dos guerrilheiros do Araguaia / Hugo Studart

STUDART Hugo guerrilheiros do araguaia
Hugo Studart / Imagem: Globoplay /

STUDART H Borboletas e lobisomens guerrilheiros do araguaiaUma das maiores tragédias da história política brasileira recente, ao lado de episódios de guerrilha urbana do final dos anos 1960 e início dos anos 1970 – embora rapidamente desbaratados pela repressão impiedosa do regime militar –, foi constituída pela incursão do PCdoB, segundo uma estratégia maoísta de “guerra popular” nas selvas do Araguaia, objeto de um minucioso e relevante relato histórico pelo jornalista Hugo Studart, resultado de tese de doutoramento no Departamento de História da UnB. Além de ter honesta e objetivamente reconstituído essa loucura militar do PCdoB, seu relato precisa servir de denúncia dessa iniciativa insana dos dirigentes maoístas brasileiros, uma vez que ela levou jovens idealistas das cidades a uma morte estúpida nas matas da Amazônia.

Antes dela, na impossibilidade de reprodução de uma insurreição ao estilo castrista da Sierra Maestra, dirigentes comunistas de outras tendências, seguidos por jovens revolucionários das grandes metrópoles, já se tinham lançado na aventura da guerrilha urbana, sem muita estratégia e quase nenhuma tática, a não ser os canhestros assaltos a bancos, ataques a quartéis, alguns sequestros de diplomatas e de aviões, e uns poucos deploráveis assassinatos de pessoas, rapidamente aproveitados pelo regime militar para apegar-lhes o rótulo de “terrorismo”. Tudo isso ajudou ao endurecimento do regime, pela via do AI-5. A guerrilha urbana e alguns poucos focos esparsos foram expedita e duramente reprimidos pelas forças da repressão, tomadas de surpresa no início do processo, mas rapidamente organizadas sob comando militar e muitos apoios em setores das elites econômicas.

O episódio amazônico constituiu a segunda vez na história das Forças Armadas, depois de Canudos, em que elas tiveram de organizar expedições sucessivas de suas tropas para debelar focos reduzidos de “combatentes inimigos”, fracamente armados, mas que aparentavam representar um grande perigo para o regime. Ambos os episódios foram tragédias sociais, mas pode-se considerar aquele primeiro apenas o fruto de equívocos de interpretação de uma república “jacobina”, enfrentando o que seria a sua “Vendeia”, segundo as leituras francesas de um Euclides da Cunha. O segundo não: foi uma tragédia evitável, e cabe aqui responsabilizar direta e totalmente a direção irresponsável do PCdoB pelo imenso crime perpetrado contra um punhado de militantes idealistas, imaginando participar de um grande empreendimento de resgate social, e justiceiro, do pobre povo do interior, numa reprodução quixotesca do que teria sido a “guerra camponesa” de Mao Tsé-tung, então no auge do um prestígio inteiramente indevido, pela “revolução cultural” que ele tinha deslanchado para livrar-se de adversários no Partido Comunista Chinês.

Como se depreende do detalhado relato histórico feito por Studart, o PCdoB não foi devidamente responsabilizado pelo crime cometido não apenas contra os pobres camponeses da região, mas sobretudo contra os seus próprios militantes enganados por uma direção dogmática, míope, absolutamente delirante em seus projetos de reproduzir a marcha de uma já mistificada “revolução camponesa” ao estilo chinês. Acresce que os dirigentes do PCdoB jamais fizeram um estudo aprofundado sobre uma região desprovida de condições mínimas de sobrevivência para os simples rurícolas, no estado normal de penúria que sempre foi a norma naquelas paragens, ainda mais para jovens urbanos de classe média, completamente desacostumados às durezas da agricultura de subsistência, extremamente primitiva, que caracterizava o imenso hinterland do Brasil. Não contente em enganar aqueles jovens, a direção do PCdoB ainda deixou-os entregues à própria sorte, totalmente desprovidos de meios para enfrentar as forças organizadas do Exército brasileiro, que ainda tatearam duas vezes, antes de se lançarem no trágico desfecho final, feito de violência excessiva e muitas ilegalidades, e mesmo de crimes contra a humanidades (eliminação de combatentes rendidos, por exemplo), perpetrados em nome do Estado ou sob a responsabilidade deste.

Como no caso do enfrentamento contra a guerrilha urbana, as forças de repressão cometeram crimes horríveis – torturas, assassinatos, eliminação de alvos escolhidos, desaparecimento de cadáveres –, o que se reproduziu em outra escala, e estilo, nas selvas do Araguaia. Um crime maior, porém, de natureza política, de âmbito militar, e de dimensões históricas, foi cometido por aqueles dirigentes comunistas, de quase todos os movimentos de resistência armada, que resolveram travar uma “guerra” contra um inimigo que eles julgavam frágil, podendo ser abatido por alguns golpes “certeiros”, que apressariam a revolta das “massas trabalhadoras” e a derrocada de uma ditadura supostamente acuada pela crise econômica e pelas “contradições” de um regime capitalista periférico, submetido às “pressões imperialistas”. Quando se lê, hoje, os poucos manifestos, documentos programáticos e outros boletins “táticos” produzidos pelos dirigentes desses movimentos armados, impossível não ficar estupefato ante o imenso festival de equívocos políticos, de monumentais erros estratégicos, de total inconsciência social e de inconsistência intrínseca nessas peças de puro delírio sectário, que ainda assim ganhavam adeptos entre jovens revoltados contra a ditadura militar.

Ao PCdoB, tanto quanto às Forças Armadas, e talvez até mais do que a essas, devem ser imputados a responsabilidade material e a condenação política da História, pela tragédia que foi a guerrilha do Araguaia, um delírio tão grande dos seus dirigentes, que nem mesmo os supostos aliados do PCC pretenderam sequer dar algum sinal de apoio concreto ao aventureirismo, a não ser algumas poucas emissões radiofônicas a partir da China e logo depois da Albânia. Esse julgamento ainda não foi feito, pelo menos não em toda a sua extensão, pois o PCdoB continua existindo como o legatário de uma aventura alucinante, pouco conhecida pela maioria da população, mas em relação à qual ele ainda pretende classificar como exemplo de “resistência popular” contra a “ditadura militar”, quando tudo não passou de uma tragédia dispensável.

Como se pode concluir da leitura da obra de Hugo Studart, apoiada em profunda pesquisa nos documentos e em depoimentos de sobreviventes e familiares das vítimas, um tribunal da História ainda aguarda o PCdoB.

O livro, magnificamente construído segundo as melhores técnicas da história oral, e que adota o rigor metodológico dos melhores manuais da historiografia, focaliza cada etapa dessa tragédia brasileira, segue o itinerário individual de cada um dos embrenhados na selva, conversa com seus familiares e amigos, e desvenda o comportamento indigno, a ação irresponsável e até hoje desprovido de uma avaliação independente, dos dirigentes do PCdoB que montaram o cenário de uma aventura de antemão condenada ao fracasso e depois se escafederam nos desvãos do drama.

Paulo Roberto de Almeida – Acadêmico, ocupante da Cadeira 4, patroneada por Tobias Barreto. Diplomata; professor no Centro Unversitário de Brasília–Uniceub. É profundo conhecedor da historiografia das relações internacionais do Brasil.


STUDART, Hugo. Borboletas e Lobisomens: Vidas, sonhos e Mortes dos guerrilheiros do Araguaia. Brasília: Francisco Alves, 2020. Resenha de: ALMEIDA, Paulo Roberto de. A Guerrilha do Araguaia por um experiente jornalista. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, Brasília, n.10, p.259-262, 2010. Acessar publicação original. [IF].

D. Leopoldina, Imperatriz e Maria do Brasil / José T. M. Mencke

Dentro do contexto de preparação das efemérides do Bicentenário da Independência do Brasil, cujo ápice dar-se-à em 2022, a Câmara dos Deputados vem lançando, gradualmente, uma série de livros de autoria do nosso confrade Acadêmico José Theodoro Mascarenhas Menck, referentes aos duzentos anos de alguns episódios que terminaram por conduzir o Brasil à sua plena emancipação política.

O projeto editorial foi concebido em 2008, sob a presidência do Deputado Arlindo Chinaglia, quando a Câmara dos Deputados comemorou o Bicentenário da Transmigração da Família Real Portuguesa para o Brasil.

Evento único na história e que indubitavelmente catalisou a série de acontecimentos que nos levariam, alguns anos depois, à nossa independência.

Entre as realizações, houve o lançamento da publicação 2º centenário da vinda da Corte Portuguesa para o Brasil: registros da visita oficial do Presidente da Assembleia da República de Portugal à Câmara dos Deputados, coordenada e revisada por nosso acadêmico, recordando o desembarque de D. João em território brasileiro.

Em 2017, já sobre a presidência do Deputado Rodrigo Maia, iniciou-se a publicação da série relacionada aos Duzentos Anos da Independência. O primeiro volume, D. Leopoldina: Imperatriz e Maria do Brasil, recorda os duzentos anos do desembarque de D. Maria Leopoldina na então sede do Reino Unido Portugal, Brasil e Algarves, a cidade do Rio de Janeiro. Nesse livro, nosso colega acadêmico Menck, a par de escrever uma breve biografia de nossa primeira Imperatriz, recorda sua conversão à causa do Brasil, bem como toda sua enorme e determinante contribuição para a Independência de nossa pátria. O texto esboça um retrato psicológico da princesa austríaca, revelado por suas cartas, e esmera-se em detalhar o processo político subsequente ao retorno de D. Joao VI a Portugal, dando justo destaque ao arguto papel de D. Leopoldina nos bastidores da construção da nossa Independência. Retrata, enfim, seus últimos meses de vida e as tristíssimas circunstâncias de seu falecimento, com apenas 29 anos.

No ano seguinte, 2018, a Câmara dos Deputados lançou o livro D. João VI e a Construção das Bases do Estado Nacional, também assinado por Menck, que recorda os duzentos anos da Aclamação de D. João VI como Rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Nunca é demais recordarmos que a Aclamação de D. João VI, ocorrida no Rio de Janeiro em 1819, foi um evento singular na história: um monarca europeu sendo aclamado na América. Menck aproveitou a ocasião para recordar em seu livro o amor de D. João pelo Brasil, bem como a sua ingente obra legislativa e administrativa, fundamental para a construção das bases do Estado Nacional brasileiro.

Em 2019, por ocasião dos duzentos anos do retorno ao Brasil do Conselheiro José Bonifácio de Andrada e Silva, Menck preparou mais um volume da série, dedicado à biografia da singular personagem que era o Patriarca de nossa Independência. José Bonifácio de Andrada: Patriarca da Nacionalidade objetivou recordar a imprescindível contribuição do grande brasileiro para a consolidação de nossa emancipação política, bem como de nossa integridade territorial. Aspectos menos conhecidos da sua vida, como sua carreira acadêmica e suas contribuições à mineralogia, surpreenderão alguns leitores.

Neste ano de 2020 temos a comemoração dos duzentos anos da eclosão da Revolução Constitucionalista do Porto. Por conseguinte nova publicação da série está no prelo das Edições Câmara, desta vez um livro que agrega contribuições de vários autores, sob a coordenação do nosso colega acadêmico.

Antecipando alguns elementos desse novo volume, lembremos que a Revolução Constitucionalista do Porto de 1820, ainda que ocorrida na Europa e pouco lembrada no Brasil, é, sim, parte integrante da nossa história. Os eventos que levaram à explosão do movimento revolucionário em Portugal é, também, parte da história do Brasil. Éramos integrantes de um mesmo reino e o caminho escolhido pelos portugueses, de buscar a prosperidade pretérita pela retomada de uma política colonial, em detrimento do Brasil, terminou por desatar os vínculos que nos mantinham unidos a Portugal.

A série representa uma importante contribuição para a já rica literatura a respeito da nossa Independência. Da leitura desses textos depreende-se a visão de Menck sobre o caráter cumulativo das contribuições de diversas personagens para a construção da nossa emancipação. A Independência foi fruto de uma série de atos que foram se somando ao longo do tempo e que terminaram por convencer os portugueses nascidos na América da inviabilidade da manutenção dos vínculos com a porção europeia da monarquia dos Bragança. A complexidade do processo histórico é revelada, passo a passo, esses textos agradáveis e informativos, registrando não apenas os dilemas vividos pela população e pela elite do país que então se formava, mas também os méritos de mulheres e homens extraordinários que, chamados à linha de frente do embate político, construíram de modo deliberado a nação que chamamos de pátria.

A série convida o leitor a se aprofundar no conhecimento da nossa História e a constatar que um país é obra não apenas coletiva, mas, igualmente, fruto do labor, das aspirações e das lutas de várias gerações de pessoas destacadas.

A Câmara dos Deputados tem realizado, a cada ano, exposições sobre os mesmos temas dos livros e o lançamento de uma série postal que comemora as efemérides correspondentes. Em um momento de profundas clivagens ideológicas e de questionamentos que afetam nossa percepção de soberania e de união nacional, é uma contribuição particularmente bem-vinda.

Bernardo Felipe Estellita Lins – Acadêmico ocupante da Cadeira 43, patroneada por Roberto Simonsen, na qual tomou posse em 11 de março de 2019.


MENCK, José Teodoro Mascarenhas. D. Leopoldina, Imperatriz e Maria do Brasil. Brasília: Edições Câmara, 2017; MENCK, José Teodoro Mascarenhas. D. João VI e a construção das bases do Estado Nacional. Brasília: Edições Câmara, 2018. MENCK, Teodoro Mascarenhas. José Bonifácio de Andrada: patriarca da nacionalidade. Brasília: Edições Câmara, 2019. Resenha de: LINS, Bernardo Felipe Estellita. Série: Duzentos anos da Independência do Brasil. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, Brasília, n.10, p.243-246, 2020. Acessar publicação original. [IF].

O Sertão Anárquico de Lampião / Luiz Serra

Já lá se vão 25 séculos – desde que Heródoto foi renegado por seu discípulo Tucídides – que perdura a velha discussão teórica sobre como devem ser, afinal, os limites entre a escrita literária e a narrativa histórica. Heródoto, considerado o Pai da História, interpretava, opinava, e se posicionava no contexto, deixava fluir suas próprias impressões. Escrevia com paixão e apresentava, sem qualquer pudor, sua visão pessoal sobre gregos e persas. Esmerava-se ele em tecer uma narrativa inspirada, literária, e considerava as crônicas e os mitos épicos fontes históricas dignas de consideração, ecos de um passado a ser estudado. Heródoto foi o primeiro a ver o passado dentro da perspectiva filosófica, histórica e política, não apenas factual.

Tucídides, por sua vez, autor do clássico História da Guerra do Peloponeso, denunciava a fragilidade da memória, tanto a sua quanto a de terceiros. Para ele, lembranças e testemunhos devem ser condenados à relatividade da memória e à subjetividade das opiniões pessoais. Rejeitava, com veemência, sobretudo, as crônicas, as lendas e os mitos forjados pelo imaginário popular em torno de determinados personagens históricos. Mutatis mutandis, para Tucídides, como rege hoje a máxima do jogo do bicho, só vale o que está escrito. Ele defendia a ideia de que os fatos falavam por si e o resto seria logro. Por isso, o discípulo acusou de imprecisa a obra do próprio mestre. Ficou com a última palavra por mais de dois milênios.

Essa velha discussão retornou no século XIX, o Século das Ciências, quando Augusto Comte e seus positivistas rejeitaram a Filosofia da História proposta por Hegel e os historiadores pensaram que poderiam transformar a História numa ciência tão precisa e previsível quanto a Física e a Matemática.

A ordem do dia passou a ser construir uma História meramente factual, com nomes, datas e acontecimentos precisos. Obviamente calcada em documentos oficiais. O marxismo apareceu um pouco depois, mas ascendeu quase simultaneamente, e buscou igualmente ressignificar a Filosofia da História hegeliana.

Marx também pregava uma História “científica”, só que baseada na indefectível luta de classes. Em conclusão, nos finais do século XIX tentou-se consolidar a autonomia da historiografia em face à filosofia (e à teologia) e afirmar o seu cariz científico, através de um método crítico, apto a estabelecer a objetividade dos fatos e a tornar o autor “ausente” da sua narração.

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Saltemos no tempo e no espaço para apresentar aos senhores, prezados leitores, a obra O Sertão Anárquico de Lampião, do professor Luiz Serra. Seria ele um escritor ou um historiador? Em outras palavras, sua obra seria literatura ou história? Trata-se de um livro escrito com paixão, na qual o autor apresenta, sem qualquer pudor, sua visão pessoal sobre o sertão de Lampião, “anárquico”, de acordo com sua interpretação.

A narrativa está ambientada no início do Século XX, em um Brasil imerso nas brumas de um atraso ancestral, em que a república nascente pouco tinha de iluminista e os poderes, antigos e novos, se digladiavam em busca de consolidação, segundo apresentação da editora Clara Arreguy. No Nordeste, um mundo ensolarado, sem lei e sem Estado, coronelismo e cangaço ora se abraçavam, ora se engalfinhavam. Ecoava por toda parte o messianismo – sob as bênçãos do Conselheiro e de Padre Cícero ou sob as botas da Coluna Prestes.

Em O Sertão Anárquico de Lampião, Luiz Serra costura esses acontecimentos, retratando muitas histórias em uma e traçando o painel de um tempo de personagens míticos da história do país.

O autor esmera-se em tecer uma narrativa inspirada, literária, considerando as crônicas e os mitos épicos sobre Lampião e seu bando de cangaceiros, fontes históricas dignas de consideração, espera de um bom discípulo do mestre Heródoto, consegue nesta obra ver o passado dentro da perspectiva filosófica, histórica e política, não apenas factual.

Serra tenta encontrar no cipoal da História o espírito desse protagonista que resolvia as desavenças no braço e na bala. Os sertanejos daquele tempo, como bem lembra Maurício Melo Júnior na orelha da obra:

“eram homens embrutecidos pelo meio, um fenômeno que não se apegava apenas aos cangaceiros e aos soldados, mas também aos oficiais supostamente bem treinados pelas linhas do positivismo republicano, que o digam Moreira César em Canudos ou os revoltosos da Coluna Prestes”.

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A construção narrativa de Luiz Serra está fundamentada, ontológica e epistemologicamente, na escola historiográfica dos Estudos da Cultura, cujos pressupostos começaram a ser formulados na década de 1920, na França, com a École des Annales, sob a liderança de Lucien Febvre e Marc Bloch. A partir dos Annales, a historiografia começou a ser reinventada com vertentes mais flexíveis de análise, como a Nova História, a História das Ideias, e a das Mentalidades. A Nova História também passou a defender a relevância dos perdedores, dos pobres, dos personagens anônimos e dos anti-heróis. Os cangaceiros, por exemplo, encontram-se nesse escopo.

Se faço essa ligeira panorâmica preliminar sobre a transição da História monológica para a explicativa, é para ressaltar o fato de que recentemente, nos últimos trinta anos, a História vem dando uma grande guinada.

Influenciados pela Antropologia Cultural, historiadores ingleses e franceses reinventaram aquela Nova História imaginada nos primórdios do século XX, tão ofuscada pelo estruturalismo marxista, e lançaram os pressupostos para a criação de uma História Cultural.

Buscaram inspiração nos historiadores Febvre e Bloch, entre outros precursores. Também resgataram o pensador alemão Walter Benjamin, que já nas décadas de 1920 e 1930 – naqueles tempos de Lampião – andando na contramão do cientificismo, escrevia que memória, ficção, poesia, pintura, fotografia ou quaisquer formas de arte, incluindo o cinema, que ainda engatinhava, são relevantes fontes de estudo da realidade.

Assim como os Annales, Benjamin foi crítico ácido do historicismo positivista do século XIX e do modelo de escrita da História que privilegiava os documentos criados pelo aparato do Estado. Essencialmente, ele negou as possibilidades de uma História segundo a concepção historicista-positivista, representada pela célebre frase de Ranke – a tarefa do historiador seria, simplesmente, apresentar o passado “tal como ele propriamente foi”. Sua proposta é a de tecer uma narrativa histórica inspirada na crônica cotidiana, que busca valorizar os pequenos e os vencidos.

A outra contribuição de Benjamin é a tessitura da trama, na qual propõe entrelaçar todas as fontes históricas disponíveis – tanto documentos oficiais quanto cartas, poesias, canções e narrativas orais que, algumas vezes, tangenciam a ficção. Benjamin, como Heródoto, defendia a narrativa oral e a crônica pessoal, fundamentando, assim, os pressupostos da História narrativa.

“O cronista é o narrador da História”, ensinou Benjamin. Luiz Serra, tal qual o cronista benjaminiano, é um narrador da História.

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Registro, ainda, que os historiadores da Cultura buscam o diálogo permanente com as narrativas, as tradições, os mitos e os símbolos, em especial com os estudos das Representações e do Imaginário. Como aquelas representações sobre Lampião e seu bando registradas nos cordéis populares tão recitados nas feiras do sertão nordestino.

Outros, como o francês Paul Ricoeur – este, uma estrela maior do pensamento do século XX –, vão buscar as fontes de informação na memória e nos símbolos, e apontam uma aproximação entre história e literatura. Ricoeur, como Benjamin, abandona a concepção da história dita “científica” para defender a narrativa poética e ficcionista.

Ricoeur também lembra que os historiadores, tal qual os narradores orais medievais, tecem uma trama de acordo com a sua visão pessoal do que venham a ser a realidade e os fatos. Ao fazer a defesa da narrativa para a tessitura da história, Ricoeur propõe rever a concepção do que sejam “verdade” e “realidade” para poder ver o que está por trás das narrativas ficcionais. Assim, as narrativas passariam a oferecer possibilidades de experiências do tempo que não resistem à linearidade.

O filósofo defende a ideia de que o entrecruzamento da narrativa histórica com a ficção configura nossa própria experiência, ou seja, constitui nossa própria “identidade narrativa”, que tem uma dimensão que não é estritamente veraz, mas a dimensão de elementos fictícios e de construção poética.

Assim, história e literatura se aproximam, pois ambas emergem da memória e trabalham com a narrativa. Mas o pensador faz uma distinção entre os dois campos:

“A ficção é quase histórica, tanto quanto a história é quase fictícia. (…) O grande historiador é aquele que consegue tornar aceitável uma nova maneira de seguir a história”.

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Isso posto, torna-se possível asseverar que estamos diante de um “grande historiador”, segundo o conceito de Ricoeur, pois Luiz Serra “consegue tornar aceitável uma nova maneira de seguir a história”.

Confiram os senhores, prezados leitores, com os seus próprios olhos.

Hugo Studart – Ocupante da Cadeira 47 [IHGDF], patroneada por José Ludovico de Almeida; é membro, também, da Academia de Letras de Brasília; jornalista, professor universitário, mestre e doutor em História.


SERRA, Luiz. O Sertão Anárquico de Lampião. Brasília: Outubro Edições, 2016. Resenha de: STUDART, Hugo.Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, Brasília, n.10, p.247-252, 2020. Acessar publicação original. [IF].

Macunaíma, Ropicapnefma… Estranhezas na língua portuguesa e outros assuntos / Tarcízio D. Medeiros

Tomo como pressuposto, líquido e certo, que todos os senhores, prezados leitores, já conhecem a expressão “homem cordial”, conceito formulado pelo mestre Sérgio Buarque de Holanda na obra Raízes do Brasil, um dos clássicos da História do Brasil, cuja primeira edição foi lançada em 1936. Este conceito, esclareça-se, já provocou por demais polêmica em nossa historiografia. Isso porque, logo após a publicação daquele livro, o poeta e ensaísta Cassiano Ricardo, ícone dos modernistas de tendência nacionalista, interpretou o conceito como sendo do homem bom, cortês, polido, gentil, afável, avesso a soluções bélicas e sangrentas – que se contrapõe ao homem mau, violento e indisciplinado. Tal interpretação terminou por ser reproduzida em inúmeros livros didáticos, por décadas, criando uma autoimagem decerto reducionista do brasileiro.

Somente em 1948, mais de uma década depois da publicação de Raízes, Sérgio Buarque de Holanda publicou carta ao colega retificando tal interpretação, iniciando um debate com o poeta Cassiano, em missiva virulenta, “esgrima literária”, como o próprio protagonista definiu. Sérgio acusou o colega de “preguiça ou inépcia”, e sugeriu retratação. Explicou que, em verdade, não acreditava muito na “tal bondade fundamental dos brasileiros”, e que usou termo “cordial” não associado à palavra bondade, mas ao coração:

Nem falei em bondade como excluindo inimizade, mas como antítese de ódio. Ora, bondade, de fato, não exclui inimizade, mas tem como antítese a maldade e não o ódio. E este, por sua vez, pode contrapor-se ao amor, não à bondade. Mas justamente neste ponto será preciso ultrapassarem-se as fronteiras da ética (…)

Precisarei recorrer ao dicionário para lembrar que essa palavra – cordial –, em seu verdadeiro sentido, e não apenas no sentido etimológico, como você quer presumir; se relaciona a coração e exprime justamente o que eu pretendi dizer. Como além disso se acreditou, mal ou bem, que o coração é sede dos sentimentos,

Mesmo depois de tamanhas explicações, setores do pensamento brasileiro, tanto à direita quanto à esquerda, continuaram a interpretar o conceito de Sérgio Buarque de modo diverso. Talvez por mero equívoco, talvez por apropriação indébita. É verdade que a ideia do “homem cordial” é passível de acolher as mais variadas interpretações. Mas para o pai da ideia, “cordial” é, essencialmente, a pouca recorrência à racionalidade. Cordial porque coloca o sentimento no lugar da razão nas suas visões de mundo, das relações sociais, econômicas e de poder.

O objetivo desta breve história preliminar é ressaltar a relevância do amor ao estudo da linguagem em fontes escritas, aquilo que a Academia conceitua como Filologia. Essencial na linguística, a busca pela compreensão do real sentido das palavras é igualmente importante para a Literatura, como também para todas as demais

ciências, sobretudo as Humanas, a começar pela Filosofia e pela História. No caso do conceito supracitado, “homem cordial”, a polêmica se deu quando mestre Sérgio fez uso da Filologia na fundamentação de um novo conceito para a interpretação de nossas raízes históricas – enquanto o mestre Cassiano, tomado de entusiasmo cordial (de cor, coração), enveredou por interpretações ideológicas, que muito convinham ao Movimento Modernista, do qual fazia parte.

Em outra obra que ora lhes apresento, uma coletânea de ensaios sobre algumas “estranhezas na língua portuguesa e outros assuntos”, o filólogo Tarcízio Dinoá Medeiros adentra-se em um fascinante “entrelugar” – conceito este cunhado pelo filósofo indo-britânico Hommi Bhabha para definir um local onde diferentes culturas disputam seus espaços; algumas se impondo e deixando seus valores disseminados, outras, resistindo, sem, contudo, jamais haver total hegemonia.

Em outras palavras, ao nos adentrarmos pelas próximas páginas, ora pensamos estar diante de uma obra de Filologia; ora, de um livro de História; por vezes, de um ensaio filosófico; em outros momentos, temos a certeza de estar diante de uma narrativa literária de primeira. Todos os textos, contudo, são de um rigoroso conteúdo pedagógico. A título de exemplo, cito o seu “Gallus: surgimento e evolução das línguas românicas..

Originalmente um estudo de Filologia, o autor acabou por produzir um entrelugar histórico, teológico e até épico sobre essas aves há milênios disseminadas nos quintais da humanidade: os galos e as galinhas – que ele levou, pessoalmente, para doar aos índios ianomâmis, nas margens do rio Catrimâni, em Roraima.

O mesmo pode se afirmar sobre os demais ensaios adiante expostos, a começar por aqueles que dão título a outra obra, “Macunaíma”, no qual relata como e porque Mário de Andrade acabou por errar na grafia do nome de um mito indígena de Roraima, Macunaima (pronuncia-se sem acento agudo, como Roraima); e, ainda, “Ropicapnefma”, título original de uma obra de João de Barros, considerado o Pai da História de Portugal e, simultaneamente, um dos primeiros gramáticos da nossa língua.

“Ropicapnefma” é um composição inventada por Barros a partir de duas palavras gregas: ropikón (miudeza, ninharia) e pneuma (espírito, sopro). Trata-se de uma obra no qual sugere pequenos hábitos e rituais cotidianos para a prática espiritual. O próprio Barros traduziu “Ropicapnefma” como sendo “mercadoria espiritual”. Pois nosso filólogo, tal qual um aspersor de ácido sulfúrico, não se constrange em criticar o gramático lusitano, informando que ele “embaralhou plural com singular e neutro com masculino”, e criou um título “inestético, esdrúxulo”, um “monstrengo”, um “completo disparate”.

Os demais ensaios são igualmente curiosos, como aquele que trata da ubiquidade, expressão derivada do advérbio latino ubi, tratada por leigos como onipresença. Ao entrelaçar sua erudição clássica com o talento narrativo, Tarcízio nos presenteia com um ensaio teológico que decerto Agostinho, caso tivesse usufruído da sorte grande de ser um de seus leitores, incluiria entre os tais Mistérios Gozosos.

* * *

Tal qual sua trajetória de vida, toda a obra de Tarcízio Dinoá Medeiros trafega entre o sagrado e o profano. Nascido em 1939, em Patos, sertão da Paraíba, com doze anos entrou para o seminário. Foi então iniciado nos mistérios da disciplina, da gramática, do latim, do grego e, obviamente, da Filosofia.

Queria ser monge. Aos 18 anos, foi ungido com um chamado para o Mosteiro Cisterciense de Santa Cruz, em Itaporanga, São Paulo. O noviço recebeu sua tonsura e, por dois anos, manteve seus votos de castidade, pobreza, conversão dos costumes e estabilidade monacal. Estudou Filosofia, dentro da linha aristotélico-tomista, em livros escritos em latim.

Até que um dia, aos 21 anos, um chamado à vida profana levou-o a trocar o monastério pelo curso de Economia na Universidade Católica de Recife. Logo passaria no concurso para Agente Fiscal, transformado depois para Auditor da Receita Federal. Foi assim que o ex-monge, discípulo da lógica desconcertante de Tomás de Aquino, acabou tributarista. Trata-se, há de se ressaltar, de um executivo e estudioso da administração tributária de mão cheia, autor de livros, artigos e conferências sobre o tema, representante do Brasil em 28 encontros internacionais em países como Alemanha, Argentina, Bélgica, Canadá, Chile, Equador, Espanha, Holanda, Jamaica, Japão, Panamá, Peru, Portugal, República Dominicana, Taiwan, e até Venezuela – em vários deles esteve mais de uma vez.

Tarcízio teve uma carreira brilhante como administrador tributário. Chegou a ser Secretário-adjunto da Receita Federal, cargo máximo que se pode almejar, posto que o de Secretário é função eminentemente política. O Adjunto é aquele que de fato e de direito administra toda a estrutura do órgão no Brasil. Assim, do fim da década de 1980 até a metade da década de 1990, quando se aposentou, ele foi adjunto de nada menos que de seis Secretários da Receita Federal.

Casado desde 1965 com a roraimense, administradora e fazendária Ana Tereza de Oliveira Medeiros, dona Teca, pai de duas filhas lindas e de um filho bem sucedido, nosso filólogo é um fiel representante do homem-cordial – mas na interpretação popular do poeta Cassiano Ricardo.

Curiosamente, tem um jeitão sertanejo e tende a um cacto, seco e áspero – parafraseando Manuel Bandeira.

Contudo é bom, cortês, polido, gentil, afável – conforme as palavras de Cassiano.

No tempo presente, Tarcízio tem uma forte tendência ao sagrado, muito mais do que ao profano. Para começar, foi o Presidente da Associação dos Cavaleiros da Ordem Soberana de Malta de Brasília e Brasil Setentrional – a Ordem é a mais antiga instituição filantrópica do mundo, fundada nos tempos das Cruzadas para dar assistência médica aos soldados, e diretamente ligada ao Vaticano. Também foi presidente da Academia de Letras de Brasília, função que lhe emprestou forte ascendência sobre os principais nomes das letras e da cultura da capital. É, ainda, um dos mais antigos e influentes acadêmicos do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal. Por fim, filólogo, escritor, ensaísta – tudo em uma só pessoa.

* * *

Reza a lenda, cantada em verso e prosa entre as famílias da região do sopé da Serra da Borborema, que um pouco antes de deixar o sertão rumo ao vasto mundo amazônico, Tarcízio Dinoá Medeiros foi chamado por uma sua tia. Ela queria dar-lhe relevantes conselhos.

Primeiro, que nunca ele cobiçasse a mulher alheia. Também, que jamais brigasse com soldado de polícia. Por fim, aconselhou a sábia senhora, aonde chegasse nunca dissesse logo que era da Paraíba.

– Ora, por quê?

– Para que ninguém sinta inveja ou fique humilhado.

E assim, prezados leitores, apresento-lhes um filósofo, um filólogo, um administrador tributário, um escritor, um homem cordial e paraibano – tudo em uma só pessoa. Mas, por favor, não sintam inveja.

Hugo Studart – Ocupante da Cadeira 47 [IHGDF], patroneada por José Ludovico de Almeida; é membro, também, da Academia de Letras de Brasília; jornalista, professor universitário, mestre e doutor em História.


MEDEIROS, Tarcízio Dinoá. Macunaíma, Ropicapnefma… Estranhezas na língua portuguesa e outros assuntos. 2017. Resenha de: STUDART, Hugo. Macunaíma, ropicapnefma. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, Brasília, n.10, p.2253-258, 2020. Acessar publicação original. [IF].

 

Filosofia e Direito – Direito e Filosofia / Ronaldo Poletti

No ano passado, foi lançado por Ronaldo Poletti, presidente do nosso Instituto Histórico e Geográfico, o livro com o título acima indicado e que classifico de excelente.

Conhecido, lido e admirado nos meios jurídico e universitário, não só do Brasil, mas, também, em outros países, o Professor Doutor Ronaldo Poletti não é noviço nem iniciante na arte de bem escrever, com precisão, fôlego e talento sobre assuntos que têm, como fundo, o Direito, sob vários aspectos, mas sempre visto sob o prisma de pregação da Verdade.

Efetivamente, ele tornou-se conhecido no meio jurídico pela qualidade de sua dezena de livros (alguns com mais de uma edição) e de, pelo menos, três dezenas de artigos e palestras sobre aspectos do Direito, não só proferidas no Brasil como também no exterior.

O seu abrangente e perfeito Filosofia e Direito – Direito e Filosofia, tenho certeza, está destinado a ser utilizado como fonte de informação e de aprimoramento para obtenção da melhor e mais completa formação intelectual filosófico-jurídica de professores e estudantes de Direito ou de Filosofia, ou, simplesmente, para alargamento e embasamento da cultura dita humanística.

E, claro, esse é um livro, também, utilíssimo para os observadores e os estudiosos de mente isenta que analisam os sistemas políticos quanto a suas tendências para fins realmente democráticos ou que, tão somente, visam a disseminar e cultuar o pseudopopulismo, com o objetivo de conseguir o real domínio da sociedade ou de vastos grupos e classes de pessoas.

Observa-se, pelas matérias que compõem o índice deste livro, que o autor concatenou a visão geral do direito e da filosofia, digamos não em ordem cronológica a partir dos helenos, mas pela ordem dos aspectos mais importantes que possam haver influenciado as tendências do Direito e do seu ensino nas universidades.

Ao longo do desenvolvimento, o leitor encontrará descrições e análises minuciosas dos antigos sistemas filosóficos, como o socrático, o platônico, o aristotélico, passando pelo estoicismo e pelo epicurismo, seguidos pelo surgimento e pela expansão do cristianismo, com os sábios Paulo de Tarso, Agostinho, Tomás de Aquino e muitos outros mais.

Depois, vêm o renascimento, as declarações dos direitos do homem – algumas seguidas e observadas, outras teóricas e vãs – a Declaração da Revolução de 1789 foi, teoricamente, aplicada à própria França, mas não a suas colônias.

Baseadas teoricamente em frase de Paulo de Tarso (quem trabalha come, quem não trabalha não come), e no lema somos todos iguais, o leninismo-marxismo implantou o socialismo comunista na União Soviética (que se estendeu para seus países satélites) e, depois, foram implantados o conceito de nação e raça sobre os valores individuais, chamado fascismo, na Itália, bem como o nacional-socialismo na Alemanha – em todos os três exemplos citados, o poder era igualmente enfaixado e exercido por governos autocráticos e ditatoriais, todos classificáveis como de “esquerda”.

Ao final, para fechar com chave de ouro, o autor apresenta dois Apêndices que dizem respeito exclusivo ao Brasil atual: I – Filosofia do Direito no Brasil; e

II – Pseudoalternatividade Jurídica.

Nos acima mencionados Apêndices, o Professor Doutor Ronaldo Poletti apresenta tanto algumas tendências corretas do ensino do Direito quanto algumas apreensões com o rumo que se quer dar ao mesmo Direito, verbi gratia, ausência do estudo do Direito Romano, avanço do sociologismo e do chamado Common Law, o direito alternativo e o direito achado na rua e, pasme o leitor, a adoção da denominação “operadores do direito”.

Ressalto um aspecto que me parece importante em qualquer livro ou publicação: a correta forma do uso que o autor faz da nossa querida língua, sem qualquer intenção de querer mostrar-se sofisticado no linguajar ou mais culto que o leitor e, ainda mais, felizmente, a ausência do estranhíssimo dialeto juridiquês.

Os apreciadores de literatura de cunho jurídico ou filosófico, bem como de ciências humanas, têm, a seu dispor, mais uma obra de verdadeiro mestre.

Obras de Ronaldo Poletti

O Poder Legislativo. Legislativo e Executivo. Brasília: Fundações Petrônio Portela e Milton Campos, 1981; 2ª. ed. 1983.

O Decreto-lei na Constituição. Palermo e São Paulo: Renzo Mazzone Editor, 1986.

Pareceres da Consultoria Geral da República, agosto de 1984 a março de 1985.

Controle da Constitucionalidade das Leis. Rio de Janeiro: Forense, 1985; 2ª. ed., 1988; 3ª. tiragem, 1995; 4ª. e 5ª. tiragens, 1998.

Da Constituição à Constituinte. Rio de Janeiro: Forense, 1986.

A Constituição de 1934. Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia / Centro de Estudos Estratégicos, 1999.

Constituição Anotada. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

Conceito Jurídico de Império. Brasília: Consulex, 2009.

Introdução ao Direito. São Paulo: Saraiva, 1991; 2ª ed. 1994; 3ª ed. 1996; 4ª ed. 2010.

Elementos de Direito Romano. Público e Privado. Brasília: Brasília Jurídica, 1996; 2ª. ed. Brasília: Editora Consulex, 2014.

Filosofia e Direito – Direito e Filosofia. Brasília: Zakarewicz Editora, 2019.

Tarcízio Dinoá Medeiros – Acadêmico, ocupante da Cadeira 6 [IHGDF], patroneada por José Bonifácio de Andrada e Silva.


POLETTI, Ronaldo. Filosofia e Direito – Direito e Filosofia. Brasília: Zakarewicz Editora, 2019. Resenha de: MEDEIROS, Tarcízio Dinoá. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, Brasília, n.10, p.263-266, 2020. Acessar publicação original. [IF].

Enciclopédia Brasília 60 Anos

O momento tão significativo para Brasília da passagem dos seus 60 Anos, em 2020, eu quis celebrá-lo com um acontecimento marcante nos salões do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, de cuja fundação participei e, ao longo dos anos, exerci sua Presidência por três mandatos. Seria o lançamento da Enciclopédia Brasília 60 Anos.

Um livro com 790 páginas, editado pela Kelps. Recordando todos os principais momentos de Brasília, do Brasil e do Mundo, ao longo dos anos 1960 a 2020.

O lançamento seria em 15 de abril de 2020, na sede do Instituto, cujo Patrono é o Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, fundador de Brasília. Um acontecimento que reuniria acadêmicas, acadêmicos, pioneiros amantes de Brasília e membros da sociedade desta Capital brasileira, incluindo muitas autoridades, a partir das 15 horas, no prédio monumental que simboliza Uma Nave Pousando e é a sede arquitetônica da augusta Casa de JK. Convite já impresso e pronto para a expedição. Arte de Agnês de Lima Leite e assinatura do presidente Ronaldo Poletti.

Todavia, nos primeiros dias de março de 2020, cerca de um mês antes da data comemorativa da Sessentona Brasília, 21 de abril, uma peste, um vírus devastador assombrava o mundo – o Coronavírus, que os cientistas classificaram de COVID-19.

E, logo, ele se propagou por todas as partes do mundo. Alcançou o Brasil e sua Capital Brasília. E até regiões remotas ocupadas por tribos indígenas.

Originário da China, onde primeiro afetou o ser humano. E, dali, rapidamente se propagou por todo o universo.

Uma pandemia! A pandemia provocada pelo Coronavírus. A Pandemia COVID-19.

Uma crise sanitária sem precedentes. Autoridades da saúde cuidam da ampliação de hospitais e a adequação de tratamentos ante os efeitos desconhecidos pela ciência com grandes taxas de mortalidade.

Aconselhamentos das equipes médicas recomendam o isolamento social, já que a transmissão do vírus ocorre entre pessoas. Hospitais e emergências abarrotados de doentes, muitos terminais com insuficiências respiratórias. Cientistas tentam experiências e protocolos para a descoberta de uma vacina.

A ciência impotente ante o desconhecido e o inimigo invisível. Populações, pelo mundo todo, inseguras e em pânico. Governos, especialmente.

Ante a gravidade da crise sanitária, a Pandemia da Covid-19 e o isolamento social determinado pelas autoridades médicas, o Projeto da Enciclopédia dos 60 Anos de Brasília, torna-se inviável, já que estão proibidas as reuniões públicas. Impossível comemorar-se em abril ou mesmo noutros meses de 2020, a data aniversária de Brasília Sessentona. O lançamento seria, como anunciado, na sede do IHG/DF. Mas, tornou-se impensável.

Uma inspiração divina nos conduziu a uma solução paliativa, já que a Kelps havia concluído a impressão da obra, nos primeiros dias de abril de 2020, com 790 páginas. Um trabalho documental e memorialístico de alta valia e uma apresentação gráfica primorosa.

Agora, então, o que fazer para chegar à comunidade brasiliense aquela preciosidade de Brasília, nas celebrações dos seus 60 Anos?!

Dois alvos a serem lançados:

Primeiro, uma seleção de endereços dos brasilienses à altura e potencialmente dignos de receberem a obra.

Segundo, a possibilidade de entrega dos volumes, pelos Correios, aos destinatários, com segurança.

Vencidos os dois obstáculos, a celebração dos 60 Anos de Brasília pode ocorrer com a entrega, domiciliar, a quem de direito, do livro enciclopédico comemorativo. A cada um dos eleitos, enviei este bilhete fraternal:

Com este Livro Monumento sobre Os 60 Anos de Brasília, neste abril de 2020, quero celebrar com o amigo ou a amiga e familiares, este momento tão significativo de nossa cidade-Capital, construída pelo Presidente Juscelino Kubitschek, em 21 de abril de 1960.

Passo, com muito agrado, às suas mãos, a Enciclopédia dos 60 Anos de Brasília (790 páginas), com um relato anual e completo de todos os fatos mais importantes de Brasília, do Brasil e do Mundo, de 1960 a 2019, ano a ano.

Gostaria de fazê-lo num lançamento nos salões do IHGDF; todavia, as restrições face à pandemia do coronavírus que proíbem reuniões públicas, uso este recurso do encontro via correspondência e remessa pelos Correios (EBC).

Uma repercussão compensadora. Alegria, felicidade e gestos celebrativos de todos os leitores da Enciclopédia. Manifestações pessoais, pelo telefone, pela internet ou pessoalmente. Um clima de bem-estar e felicidade!

Em conclusão, uma palavra final, em resumo, sobre o tempo de 60 Anos de Brasília e a Enciclopédia que sintetiza este tempo, que é o mesmo tempo de uma geração – 60 anos.

Esta síntese de tempo e de vida, que é minha e de Brasília, eu lhes ofereço neste pequeno trecho da Página de Abertura da Enciclopédia dos 60 Anos de Brasília:

No princípio, era o ermo! …

Assim, o poeta viu, no primeiro momento, o local escolhido para ser a futura Capital do Brasil no Planalto Central de Goiás. Idos da Década de 1950. Século XX. Assim, também o vi, o local, pela primeira vez, na mesma época. No entanto, encantei-me com o NADA!

… Um céu azul, muito azul! De lindas nuvens brancas. Muito brancas! Um chão agreste, de vegetação rasteira e árvores retorcidas. Talvez, vítimas das intempéries do tempo ou do próprio homem.

Um horizonte sem-fim ao longo de 360 graus, de Norte a Sul, de Leste a Oeste.

Um sol nascente, lá longe, bem longe, no Oriente. Raios fortes, muito fortes, até ofuscantes. Aqueceram-me o corpo e, num passo de mágica, invadiram-me a alma, com intensidade. Algo inusitado, extasiante, ao longo dos então vinte anos de vida.

Até hoje, em 2020: 60 ANOS de Brasília, Capital do Brasil e do Milênio.

Vivi o TUDO!…

Adirson Vasconcelos – Ocupante da Cadeira 27 [IHGDF], patroneada por Francisco Adolfo de Varnhagen, é sócio fundador do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, tendo exercido a Presidência por três mandatos. È Membro Emérito da Academia de Letras de Brasília e membro da Academia Brasiliense de Letras.


Enciclopédia Brasília 60 Anos. [Brasília]: Kelps, 2020. 790p. Resenha de: VASCONCELOS, Adirson. 2020 e a Enciclopédia dos 60 anos de Brasília. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, Brasília, n.10, p.233-236, 2020. Acessar publicação original. [IF].