Riqueza e miséria do trabalho no Brasil III – ANTUNES (TES)

ANTUNES, Ricardo (Org.). Riqueza emiséria do trabalho no Brasil III. São Paulo: Boitempo Editorial, 2014,464 p.p. Resenha de: CHINELLI, Filippina. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.14, n.1, jan./mar. 2016.

Lançado em 2014, em meio à crise socioeconômica, política e moral que o país atravessa, o terceiro volume de Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil, organizado por Ricardo Antunes, demonstra que a dinâmica do capitalismo contemporâneo analisada nos volumes anteriores da obra se aprofundou: o trabalho segue central na produção de valor, ao mesmo tempo em que continua se esfacelando como direito e se acentuam os processos de terceirização, precarização, informalização, ou seja, de vulnerabilização das condições de vida que afetam, em graus variados, os trabalhadores do mundo.

O livro constitui mais uma importante contribuição para a análise do que Antunes denomina de ‘laboratório capitalista’, realizada através de 25 artigos de autoria de pesquisadores tanto em início de formação quanto de reconhecimento nacional e internacional, combinando, “pesquisas coletivas, reflexões conjuntas, mas preservando o decisivo espaço de autonomia de cada pesquisador” (p. 9).

Tendo como fio condutor a compreensão das “heranças oriundas do padrão taylorianofordista de produção” e as “emergências decorrentes dos novos experimentos produtivos que resultam da acumulação flexível e presentes de modo expressivo no universo produtivo brasileiro” (p. 9), os autores se detêm nas transformações do mundo do trabalho e suas repercussões materiais e subjetivas sobre os trabalhadores, com olhos postos no Brasil, mas considerando as configurações que o capitalismo vem assumindo nos países centrais.

Santana assinala na orelha do livro que não se trata mais de analisar essas metamorfoses e transformações no Brasil da última década “como um ente em transição geral de um modo a outro, mas em mudança dentro de um estado já definido que precisa ser conhecido, interpretado e transformado”. Cabe agora tentar apreender os resultados desse processo, intenção que se revela pela leitura em conjunto dos artigos da coletânea.

Ao contrário das interpretações laudatórias que prometeram um quase paraíso aos trabalhadores do mundo, o que une os textos é uma perspectiva teórica profundamente crítica do mundo do trabalho, assentada no materialismo histórico, conforme delineado logo na primeira parte, cujos artigos apresentam discussões de caráter eminentemente conceitual que articulam, de forma explícita ou não, as interpretações do material empírico no qual se baseiam. Nela, denominada “Sistema global do capital e a corrosão do trabalho”, autores como Antunes e Druck, Mézáros, Bihr, Linhart, Alves, entre outros, tratam, de forma rigorosa, de temas como terceirização, trabalho abstrato, precarização, imigração, subjetividade, trabalho imaterial, estranhamento, alienação etc, relacionando-os aos processos que, em escala mundial, produziram o capitalismo flexível, o que vem se dando à custa da segurança material e subjetiva dos trabalhadores e da crescente fragmentação do tecido social, tanto no centro quanto na periferia do sistema, atingindo inclusive aqueles antes protegidos de suas intempéries.

As implicações subjetivas do regime flexível de organização do trabalho são abordadas em vários destes artigos, o que demonstra o interesse crescente da sociologia do trabalho contemporânea pelo tema. É preciso tentar apreender e analisar como o capitalismo flexível se justifica, como também quais são, como funcionam e quais os efeitos sobre os trabalhadores e as sociedades dos insidiosos dispositivos que objetivam o controle e a adesão ativa de todos aos objetivos das empresas.

É disso que se ocupam, por exemplo, Danielle Linhart, Giovanni Alves e Caio Antunes. Na opinião de Linhart, nem mesmo os empregados estáveis das grandes empresas estão a salvo das consequências psicológicas – e também físicas – consequentes aos novos modelos de gestão que produzem o que denomina ‘precariedade subjetiva’ caracterizada por sentimentos de isolamento, insegurança, angústia experimentados pelos trabalhadores. Em suas palavras, os “assalariados têm medo de não ser capazes, quer ocupem postos altos ou subalternos. Eles sabem que são continuamente avaliados, comparados, julgados; sabem que são explicitamente exigidas pela administração moderna a excelência e a capacidade permanente de ir além, de provar que merecem o lugar que têm e se convencerem do próprio merecimento (p. 51)”. “Desses dois pontos de vista”, acrescenta a autora, “o fracasso torna-se catastrófico, e o medo de enfrentá-lo causa uma angústia real” (p. 51).

Alves, também tendo como preocupação as estratégias gerenciais mobilizadas pela atual organização do trabalho, afirma que o “capitalismo manipulatório”, expressão que toma emprestado de Luckács, se esmera na disputa pela captura da subjetividade, processo produzido pela “disseminação de uma pletora de valoresfetiche, expectativas e utopias de mercado que constituem o que denominamos de inovações sociometabólicas, que perpassam não apenas os espaços de produção, mas também o espaço da reprodução social” (p. 55).

Procedendo a uma análise eminentemente teórica com base em Marx e Luckács, Caio Antunes trata da subjetividade em relação ao conceito de alienação. O autor afirma que a alienação sob o capitalismo repercute em graus diferenciados nos aspectos coletivos e privados, objetivos e subjetivos de todas as esferas da vida contemporânea. Nessa perspectiva e com base em Mészáros, ele ressalta que a alienação, “para além de interpor-se na relação direta que se estabelece entre o homem e a natureza, (…) sobrepõe-se, condiciona, conforma historicamente a categoria trabalho” (p. 127), não permitindo o desenvolvimento pleno da subjetividade humana.

A segunda parte do livro, intitulada “As formas de ser da reestruturação produtiva no Brasil e a nova morfologia do trabalho”, traz artigos que se debruçam sobre a configuração atual de diferentes setores produtivos da economia do país. A referência aos textos se limitará aos temas neles analisados, alguns dos quais estreantes quando considerados os volumes anteriores. Abordam-se nesta seção tópicos como construção civil e intelecto coletivo; telemarketing, telecomunicações e a nova divisão internacional do trabalho; prestação de serviços e situação do trabalho no telemarketing e nas telecomunicações brasileiras nos anos 2000; trabalho docente voluntário; trabalho de rua e informalidade; trabalho precarizado de trabalhadores de apoio técnico das artes; divisão sexual e condições de trabalho de vida de mulheres e homens inseridos no segmento avícola no contexto de integração de uma grande empresa no setor; trabalho na agricultura canavieira; trabalho das ‘caixas’ em hipermercados ligados a multinacionais do setor; trabalho degradante dos cortadores de cana.

“Os sindicatos na encruzilhada: ação e resistência dos trabalhadores” é o título da última parte da obra que se ocupa de questões do sindicalismo brasileiro atual. Sória, por exemplo, analisa as relações ambíguas e contraditórias entre a elite do sindicalismo de caráter propositivista e os fundos de pensão, no contexto de refluxo do movimento sindical e dos governos lulistas. Articula as dimensões político-conjuntural e teórico-ideológica para explicar o envolvimento ativo de lideranças sindicais nesse processo sob a justificativa de que, para lutar contra o capitalismo e proteger os interesses dos trabalhadores, era necessário que a gerência dos fundos passasse para as mãos de sindicalistas, o que acabou por promover forte – e, acrescente-se, perigosa – aproximação com o empresariado do país.

Nogueira trata das relações entre trabalhadores, sindicatos e uma empresa multinacional do setor automobilístico paulista, mostrando suas ambiguidades e contradições. Considera que na atualidade elas se caracterizam pelo “paradigma negocial e participativo”, mas também conflitivo, “o que indica a formação de um novo corporativismo de tipo societário, legitimado pela própria base operária na fábrica, diferentemente do padrão do sindicalismo corporativista estatal existente no Brasil” (p. 370).

No penúltimo artigo desta parte e também da coletânea, com base em material empírico sobre o trabalho dos teleoperadores paulistanos, Braga analisa as relações que vigem no país entre Estado e sindicatos, com ênfase nos governos lulistas. Em perspectiva semelhante à de Sória, afirma que os sindicatos se tornaram importantes atores no que se refere ao investimento capitalista no país por meio da gestão de fundos salariais e de pensão. O autor ressalta que essa configuração começa a dar sinais de esgotamento, expresso na recente onda de manifestações que se verificou em todo o país. Contudo, embora alguns desses movimentos expressem tendências progressistas, ele reconhece que a “evolução da luta de classe no país é, fundamentalmente, reprodutivista e, em consequência, conservadora” (p. 399).

Fechando a coletânea, Marcelino se ocupa da atuação sindical de trabalhadores terceirizados de Campinas. Em sua opinião, embora a terceirização resulte em limites às possibilidades de ação dos sindicatos devido à “precariedade das condições de trabalho e da fragmentação das categorias” (p. 401), as dificuldades não são intransponíveis, visto que vários deles conseguem empreender um trabalho combativo e reivindicativo, caso do Sindicato da Construção Civil, diferentemente do Sindicato dos Comerciários, cuja atuação se caracteriza pela conciliação. Sobre as experiências analisadas, Marcelino ressalta que o caráter da ação “não é dada (…) apenas pela composição da base, mas é resultado de uma combinação entre esse elemento e as condições políticas, sociais e econômicas, o peso da estrutura sindical corporativa, o papel desempenhado pelas direções sindicais, o histórico de luta de cada categoria e o desenrolar de enfrentamentos exteriores às empresas e cruciais para a construção de uma atmosfera de embates classistas” (p. 417).

Finalmente cabe ressaltar que Riqueza e miséria do trabalho no Brasil III amplia e enriquece o objetivo da série: dar ao conhecimento dos interessados, sejam alunos e professores da área de humanas, seja o público em geral, as faces atuais do capitalismo brasileiro, constituindo-se em leitura indispensável para todos aqueles que acreditam em sua superação.

Filippina Chinelli – Fundação Oswaldo Cruz, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Laboratório do Trabalho e da Edu-cação Profissional em Saúde, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected]>

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Riqueza e miséria do trabalho no Brasil III – ANTUNES (CCRH)

Ricardo ANTUNES, Riqueza e miséria do trabalho no Brasil III. São Paulo: Boitempo, 2014. Resenha de: FESTI, Ricardo Colturato. Cadernos CRH, v.28 no.75 Salvador Sept./Dec. 2015.

O terceiro volume de Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil deu continuidade a um ousado projeto de pesquisa e reflexão realizado por dezenas de pesquisadores e estudantes e foi organizado e dirigido pelo sociólogo e professor da UNICAMP, Ricardo Antunes. Inicialmente intitulado “Para onde vai o mundo do trabalho? As formas diferenciadas da reestruturação produtiva no Brasil”, o projeto consolidou-se enquanto um trabalho coletivo de investigação teórica e empírica que, nestas duas últimas décadas, produziu inúmeras dissertações e teses acadêmicas, além de um amplo diálogo entre pesquisadores nacionais e estrangeiros, e resultou numa coleção que já publicou dois volumes.

O livro em questão está divido em três partes. A primeira, “O sistema global do capital e a corrosão do trabalho”, é dedicada às reflexões mais globais sobre as novas modalidades do trabalho no Brasil e no mundo. A segunda, “As formas de ser da reestruturação produtiva no Brasil e a nova morfologia do trabalho”, apresenta os resultados das pesquisas empíricas e analíticas sobre os vários ramos da economia, num esforço de compreender as particularidades da reestruturação produtiva do capital e suas consequências para o mundo do trabalho brasileiro. Já a terceira parte, “Os sindicatos na encruzilhada: ação e resistência dos trabalhadores”, reúne os artigos relacionados ao mundo sindical, aos movimentos dos trabalhadores e às suas reações a essas mudanças.

Umas das qualidades dessa coleção está na proximidade teórica encontrada na multiplicidade de textos, teses e opiniões, criando um fio condutor entre os autores e seus capítulos. Essa coerência teórica, nem sempre comum em coletâneas de textos, reflete uma posição metodológica e epistemológica frente à realidade concreta, entendida, não enquanto um caos incognoscível e explicável por tipologias externas à própria realidade, mas enquanto um movimento do real concreto, que pode ser explicado pelo cientista social a partir da abstração das totalidades parciais e dos complexos que compõem o todo, no caso, a própria sociedade capitalista. As determinações e mediações que compõem esse metabolismo social nem sempre são evidentes e, por isso, a teoria se confronta sempre com essa realidade na busca de sua afirmação/atualização.

Esse é o esforço de István Mészáros em “Marx, nosso contemporâneo, e seu conceito de globalização”, na primeira parte do volume III. O autor analisa, em seu artigo, alguns aspectos centrais do capitalismo contemporâneo, ressaltando a atualidade da teoria marxista. Também encontramos nos artigos de Alain Bihr, Jesus Ranieri, Patrícia Collado, Giovanni Alves e Caio Antunes um esforço em atualizar e problematizar alguns conceitos marxianos, tais como “trabalho abstrato”, “trabalho imaterial”, “fetichização”, “alienação” e “estranhamento”, a partir das novas questões postas pelo atual estágio da sociedade do capital.

Segundo Mészáros, há mais de três décadas o sistema capitalista tem-se mostrado incapaz de resolver (ou adiar) as suas próprias crises e contradições, tornando-as acumulativas e, portanto, estruturais. Essa crise não se resume à esfera econômica, mas “revela-se, certamente, como verdadeira crise de dominação em geral” (p. 29). A queda crescente da produtividade global e o aumento espantoso do desperdício, para a obtenção de maior acumulação de capital, são alguns aspectos da manifestação dessa crise estrutural. No mundo do trabalho, as consequências são devastadoras: a intensificação crescente do trabalho, o reaparecimento do “mais-valor absoluto” em países que incluem as “democracias ocidentais” (para não falar das periferias), o aumento das jornadas de trabalho (principalmente em países como Japão, Alemanha e Itália), o aumento do desemprego e da informalidade, a flexibilização das leis trabalhistas, a terceirização etc.

Nessa sociedade da “produção destrutiva”, o italiano Pietro Basso, em “A jornada de trabalho no início do século”, destaca e analisa os fenômenos do prolongamento das jornadas médias de trabalho e da emergência daquilo que Nilo Netto, outro coautor do livro, denomina de walmartização. Segundo Basso, se, nos anos 1990, o prolongamento da jornada média de trabalho ocorria por meio do recurso das horas extras – muitas vezes com o consentimento dos próprios trabalhadores e/ou seus sindicatos –, a partir dos anos 2000, passou a ocorrer, nos países de capitalismo avançado, como é o caso da França e da Alemanha, um aumento efetivo da jornada de trabalho.

walmartização, nome advindo das formas de relação de trabalho e gestão inauguradas pelo hipermercado Walmart, é uma combinação entre os elementos do velho taylorismo (altos investimentos tecnológicos e parcelamento das funções) e do toyotismo (o just in time e a obsessão do desperdício zero), acrescidos por um componente novo, que não estava presente em seus modelos genuínos: a baixíssima remuneração salarial dos empregados do hipermercado e de toda a cadeia de produtores e fornecedores. O mais dramático desse “modelo de gestão” walmartizado é que a precariedade de seus empregados se sustenta com a precariedade do conjunto da classe trabalhadora, pois esta, devido aos seus baixos salários, é a principal consumidora do Walmart.

A extensão dessa precariedade objetiva para uma precariedade que envolve a esfera da subjetividade é analisada pela socióloga francesa Danièle Linhart em “Modernização e precarização da vida no trabalho”. A autora elabora o conceito de precariedade subjetiva para explicar o fenômeno de mal-estar, sofrimento e insegurança verificados em trabalhadores assalariados de empregos estáveis, como é o caso dos funcionários públicos. Na sociedade contemporânea, afirma a autora, “o assalariado é um indivíduo, uma pessoa sozinha, sem ajuda, confrontado com imposições e ideais não ajustados às realidades concretas do trabalho” (p. 52). A precariedade subjetiva está, portanto, relacionada tanto com a perda de uma identidade de classe entre os trabalhadores quanto com o enfraquecimento da ação coletiva e sindical. Esses dois processos deram lugar, nas últimas décadas, a uma complexa relação em que o capital passou a mobilizar, canalizar e formatar, a seu favor, a subjetividade dos assalariados.

Por fim, ainda na primeira parte do livro, o texto de Patrícia Villen, inspirado nos trabalhos de Basso, recoloca o problema da imigração no Brasil a partir de uma perspectiva do trabalho. Sua preocupação expressa uma opção metodológica presente nesses três volumes: a necessidade de uma intersecção entre os estudos sobre o mundo do trabalho com outras áreas das ciências sociais, tais como gênero, raça-etnia, sexualidade, geração-juventude etc.

A segunda parte do livro, composta por dez artigos, constitui um mapeamento das formas de ser da reestruturação produtiva e da nova morfologia do trabalho no Brasil. Os textos expressam pesquisas empíricas feitas nos setores da construção civil, telemarketing e telecomunicações, educação, trabalho informal, trabalhadores da arte, agroindústria e hipermercados.

Sávio Cavalcante e Selma Venco nos conduzem a uma reflexão sobre os ramos de telemarketing e telecomunicações. O primeiro autor, em seu artigo “O setor de telecomunicações no Brasil: tendências da prestação de serviços e da situação do trabalho na década de 2000”, oferece-nos uma caracterização e um mapeamento dos estudos publicados ao longo da década de 2000 sobre as telecomunicações. Já Selma Venco, em “Novos contornos da divisão internacional do trabalho: um jogo de xadrez no planeta?”, analisa como as empresas de telemarketing, de desenvolvimento de softwares e de telerradiologia utilizam-se de uma força de trabalho qualificada e barata, encontrada em países da periferia, como são os casos do Brasil e da Argentina, para impulsionar seus lucros, criando, assim, novas formas de divisão internacional do trabalho.

O trabalho informal de rua é analisado por Bruno Durães num artigo resultante de uma pesquisa de fôlego realizada conjuntamente com as professoras da Universidade Federal da Bahia, Graça Druck e Iracema Guimarães. Entrevistando 191 trabalhadores de rua, a pesquisa abrangeu vendedores ambulantes, camelôs, taxistas, vendedoras de acarajé, motoristas de transporte escolar e trabalhadores autônomos. Esses trabalhadores se inserem, segundo Durães, “quase sempre em uma imediaticidade exorbitante”, tendo que vender algo hoje para comer amanhã, ou, simplesmente, vender hoje para pagar o que comeu ontem. A conclusão do autor é que esses trabalhadores de rua não são autônomos (como muitos deles se reconhecem), pois estão inseridos na condição de funcionalidade e subsunção ao capital, “na condição de trabalhador gratuito e de exército de reserva”.

O mundo rural, em particular a agroindústria, é objeto de estudos de três autoras. Maria A. de Moraes Silva reflete sobre a nova morfologia do trabalho nos canaviais paulistas, enquanto Maira Augusta Tavares expõe as consequências da intensificação e do prolongamento da jornada de trabalho nesse setor. Num terceiro artigo, Claudia Mazzei Nogueira analisa as condições de trabalho da Sadia/Brasil Foods no segmento avícola, no Oeste Catarinense. Ela demostra como a intensificação do processo de trabalho ocorre nesse setor, numa articulação das dimensões de gênero com a exploração do trabalho, numa evidente piora das condições de vida das mulheres.

Os leitores encontrarão, também, nesta segunda parte do livro, um artigo de Fábio Villela sobre o trabalho na construção civil e uma reflexão acerca do “intelecto coletivo”, conceito extraído dos Grundrisse de Karl Marx. Na área da educação superior, Maria Izabel da Silva, em colaboração com Nogueira, analisa o trabalho docente voluntário. E, por fim, Maria Aparecida Alves apresenta sua reflexão sobre a precarização do trabalho na área de apoio técnico aos espetáculos do Theatro Municipal de São Paulo.

Na terceira parte do livro, dedicada às ações e resistências dos trabalhadores, encontraremos artigos que analisam tanto os setores mais estáveis e tradicionais, de forte barganha sindical, quanto os novos e precários do mundo do trabalho e as suas dificuldades na impulsão das lutas sindicais no Brasil.

O artigo de Sidartha Sória, “Sindicalismo e fundos de pensão no governo Lula…”, aborda a formação de uma elite sindical que, desde o final do segundo governo de FHC, passou a defender ideologicamente e a gerir fundos de pensão como uma extensão das atividades sindicais no mundo financeiro. Advindos da burocracia dos sindicatos do setor bancário, mas, também, de telecomunicações e urbanitário, dentre outros, essa elite sindical se consolidou e se expandiu nos dois mandatos presidenciais de Lula, compondo, inclusive, parte significativa dos núcleos de decisões desses governos. O estudo de Sória contribui para uma reflexão mais ampla sobre os caminhos percorridos por um amplo grupo de militantes, que, no passado, compuseram o novo sindicalismo, mas que se tornaram, ao passar dos anos, similar ao que ocorreu com a direção majoritária do PT, em “serviçais qualificados do capital”.

Porém, se uma parte do sindicalismo se converteu, durante o lulismo, em acionistas do mercado financeiro, através dos fundos de pensão, encontramos, justamente nos setores mais precarizados e fragmentados da classe trabalhadora brasileira, novos potenciais de luta e resistência. Esse é o tema que tanto Ruy Braga como Paula Marcelino tratam em seus textos. Em “A formação do precariado pós-fordista no Brasil: limites do atual modelo de desenvolvimento periférico”, Braga, com seu conceito de precariado, busca compreender a forma de ser e agir da fração mais precarizada do operariado brasileiro, que, desde os anos 1950, tem como característica a sua inquietação social e política.

Por fim, vale ressaltar a importância política do artigo que abre o terceiro volume desta coleção, escrito por Ricardo Antunes e Graça Druck e intitulado “A epidemia da terceirização”. No momento em que o livro é lançado, em meio à maior crise política do governo Dilma Rousseff e de uma significativa ofensiva ideológica dos setores reacionários, o projeto do ex-deputado federal Sandro Mabel (PMDB), o PL 4330/2004, era aprovado na Câmara dos Deputados e seguia para apreciação do Senado. O artigo faz uma análise crítica ao projeto e alerta para o fato de que, caso ele seja sancionado, a precarização do trabalho no Brasil dará um salto significativo, com um aumento exponencial da terceirização em todos os níveis e setores. A escolha desse texto como abertura do livro revela o comprometimento político e social dos intelectuais que participam deste projeto acadêmico e sua clara opção por uma sociologia comprometida com a classe trabalhadora.

Ricardo Colturato Festi – Doutorando em sociologia. Professor de Sociologia do COTIL-UNICAMP. Pesquisa sobre movimento operário brasileiro e a problemática da consciência de classe. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em sociologia do trabalho, atuando principalmente nos seguintes temas: movimento operário, controle operário, marxismo, pensamento social. E-mail: [email protected].