5º Centenário da Primeira Volta ao Mundo: a estadia da frota no Rio de Janeiro | Paulo Roberto Pereira

Paulo Roberto Pereira 2 Primeira Volta ao Mundo
Paulo Roberto Pereira | Imagem: Jornal da PUC, 2017

Em celebração aos 500 anos da viagem de Fernão de Magalhães e Juan Sebastián Elcano, foi realizado, nos dias 12 e 13 de dezembro de 2019, nas dependências do Museu Histórico Nacional, na cidade do Rio de Janeiro, o seminário internacional intitulado 5º Centenário da Primeira Volta ao Mundo: a estadia da frota no Rio de Janeiro. O evento resultou no desenvolvimento do livro homônimo, organizado por Paulo Roberto Pereira (doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor na Universidade Federal Fluminense) e publicado pela Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, em 2021.

A obra, uma coletânea de 14 artigos elaborados a partir das comunicações apresentadas durante o seminário, contou com a participação de pesquisadores brasileiros e de outros países envolvidos na primeira circum-navegação, como: Espanha, Portugal, Argentina, Chile, Peru e Uruguai. A presente resenha se debruça sobre os primeiros sete artigos que compõem a obra. Leia Mais

Fatos da história naval – ALBUQUERQUE; FONSECA e SILVA (MB-P)

ALBUQUERQUE, Antônio Luiz Porto; FONSECA e SILVA, Léo Fonseca. Fatos da história naval. 2.ed. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, 2006. 184p. Resenha de: [Autoria não identificada]. A importância do poder naval no curso da história. Marinha do Brasil/Proleitura, 2016/2017.

A importância do poder naval no curso da história Em Fatos da História Naval, os autores afirmam que “(…) no passado o uso correto do mar – incluindo o emprego eficaz do poder naval – determinou a prosperidade de nações”; permitindo, assim, um estudo mais profundo das atividades marítimas no curso da história, demonstrando a importância dessas atividades no desenvolvimento e na manutenção da soberania das civilizações.

Nos três primeiros capítulos é traçada uma narrativa da utilização dos mares e rios pelos povos da antiguidade, fosse para o comércio ou para o ataque e logística durante os combates. Passa pela utilização do mar Mediterrâneo pelos povos ocidentais, até a navegação pelo oceano Atlântico, iniciando as grandes navegações; demonstrando o processo de evolução das embarcações, a busca por novas fontes de riquezas, e a alternância no domínio dos mares, pois, o fato de Portugal ter sido o precursor nas grandes navegações, não garantiu a sua hegemonia permanente nas novas rotas comerciais e colônias conquistadas, apontando, assim, a importância do poder naval, que é parte do poder marítimo, na consecução e manutenção dos objetivos e da soberania dos estados.

Nos quatro últimos capítulos, verifica-se que países, com poder militar tradicionalmente terrestre, pode alcançar um excelente poderio naval. A França, por exemplo, combateu, embora sem sucesso, com a Inglaterra, potência tradicionalmente marítima, na “(…) Batalha de Trafalgar, em 1805, a mais célebre batalha naval da marinha de velas, quando a Inglaterra derrotou, no mar, as pretensões de Napoleão I”. Aborda a Revolução Industrial, mencionando a utilização de máquinas a vapor na propulsão dos navios, a criação de encouraçados com canhões cada vez mais potentes, o “(…) advento do submarino. Surgido já na Guerra da Revolução Americana (1776-1783)”, e usado nas duas Grandes Guerras Mundiais; evidenciando, assim, a constante busca por inovações e suas aplicações nos meios navais, como posteriormente, o surgimento do porta aviões, do submarino nuclear, posicionando as nações em patamares diferentes. Cita o Brasil, com seu extenso litoral, apontando o surgimento da sua esquadra, a fim de consolidar a proclamação da independência por D. Pedro I, em 1822, comandada por oficiais ingleses, como “(…) Cochrane, assistido por outros oficiais oriundos da Royal Navy, como Taylor e Grenfell.” Destaca a utilização de navios a vapor e encouraçados na Guerra do Paraguai, a participação nas duas Guerras Mundiais, o teatro de operações navais; demonstrando a necessidade de adequação dos meios para cada momento dos conflitos, a importância do poder naval no desenrolar dos fatos, a renovação dos meios navais no pós-guerra e o incentivo ao desenvolvimento da indústria naval.

A obra busca transmitir ao leitor a importância do poder naval nos conflitos ao longo da história da humanidade; que se faz necessário um desenvolvimento constante do país, e em especial, dos meios navais; que o fato de o Brasil possuir um litoral com cerca de 7.000 km, há de possuir os meios navais necessários para dissuadir qualquer intento contra a sua soberania. Sendo assim, Fatos da História Naval cumpre um papel, não apenas informativo, mas esclarecedor e incentivador do desenvolvimento e manutenção do poder naval, disponibilizando as informações necessárias para forjar uma consciência marítima nos cidadãos desta nação, com grande potencial, que é o Brasil.

Sem autoria identificada.

Acessar publicação original

Diário da Campanha Naval do Paraguai / Manuel C. Rocha

O diário cuja resenha ora apresentamos, o qual abrange o período de 08 de fevereiro a 31 de dezembro de 1866, é de autoria do Capitão-Tenente Manuel Carneiro da Rocha, que pertenceu ao Estado-Maior do Vice-Almirante Joaquim Marques Lisboa, conhecido como Visconde de Tamandaré; ambos foram combatentes na Guerra do Paraguai (1864-1870), evento que envolveu Brasil, Argentina e Uruguai contra o Paraguai.

A Guerra do Paraguai foi um momento específico da história nacional no qual um inimigo externo, mas também forjado, colaborou em certa medida para a valorização de qualidades e atributos, tais como: coragem, bravura e heroísmo. Os estímulos para a luta foram criados em função do embate contra um adversário que se mostrava aos olhos do governo imperial como desumano e cruel.

Os diários e memórias escritos durante a Guerra do Paraguai (1865- 1870) são ricas fontes para a interpretação da identidade nacional brasileira no século XIX, revelando condutas e comportamentos dos homens da Esquadra brasileira em luta contra o Paraguai. Ao investigá-los, nos deparamos com a instigante discussão sobre as múltiplas manifestações, representações e apropriações do conceito tempo. As fontes informam não somente o desenrolar do tempo histórico (cronológico), mas, também, atrelam o tempo da natureza à lógica e ao desenrolar dos combates.

Manuel Carneiro da Rocha nasceu na Bahia em 1833. No ano de 1865 é nomeado ajudante-de-ordens do comandante em Chefe da esquadra em operações no Rio do Prata. É destacado para o comando da embarcação Itajaí, em 1866, sua missão: organizar expedições de reconhecimento ao Alto do Rio Paraná. Em 1889, é promovido ao posto de Contra-Almirante, dirigindo a Escola Naval no anos de 1890 a 1892; vinculado ao Quartel-General da Marinha com o posto de Vice-Almirante. Seu falecimento deu-se em 1894.

O Diário de Campanha Naval do Paraguai: 1866 apresenta uma introdução e algumas anotações do Capitão-de-Mar-e-Guerra, Lauro Nogueira Furtado de Mendonça, que sintetiza os temas e os objetivos de Manuel Carneiro da Rocha ao descrever os acontecimentos vistos durante as contendas navais do conflito platino.

Lauro Nogueira ressalta a importância destas memórias para o estudo da guerra: as idas e vindas das embarcações; o tratamento nem sempre eficaz aos enfermos e feridos; a luta feroz dos homens contra as intempéries da natureza. Manuel Carneiro evidencia as tensões e as angústias dos combates, a ansiedade das esperas e o desencontro das informações; reforçando o combate às chatas paraguaias, espetáculo nem sempre tranqüilo do estrondar dos canhões, a tristeza pela perda de amigos e companheiros de guerra. Ou seja, seu Diário colabora para a enunciação dos elementos cotidianos do conflito, se convertendo em rica documentação para a análise dos encaminhamentos históricos da Guerra do Paraguai.

Além da descrição e comentários das fainas executadas nos rios paraguaios, Rocha apresenta alguns dados estatísticos relativos aos alcances de alguns tipos de canhões utilizados pelos navios brasileiros, três mapas com o número de combatentes mortos, feridos e extraviados durante a primeira quinzena do mês de abril de 1866. Há também uma listagem das embarcações utilizadas durante o período de sua atuação na guerra.1 O diário descreve a atuação da Marinha na guerra durante o período de 08 de fevereiro a 31 de dezembro de 1866. Os escritos de Manuel Carneiro contêm informações de cunho privado, detalhes sobre a composição e organização da Esquadra, além da descrição minuciosa do cotidiano naval no decorrer do período relatado. Sendo assim, esta fonte apresenta uma série significativa de elementos sociais, econômicos, políticos e culturais pertinentes para o entendimento de alguns rumos históricos da Guerra do Paraguai (1864-1870).

Vale ressaltar que a interpretação desta fonte se apóia sobre dois patamares analíticos. Em primeiro lugar, tentar perceber a fronteira que sugere a união entre duas dimensões temporais: do tempo histórico e do tempo natu relações sociais cotidianas que pareciam fomentar atitudes e comportamentos específicos.

Ao indicar a convivência entre o tempo cronológico (guiado pela história) e o tempo natural (orientado pela ação da natureza), devemos considerar as facetas das experiências que envolvem o próprio conceito de tempo e como a fonte pesquisada apresenta a relação entre estas dimensões e como os atores sociais as recepcionaram.

Manuel Carneiro da Rocha indica a importância que as manifestações da natureza tinham para a tripulação dos navios em guerra. O autor não parece dissociar os acontecimentos históricos da lógica natural, indicando a possível força com que a natureza interferia nas experiências vividas no front.

O tempo histórico desenrolava-se e incidia sobre a vida dos combatentes, direcionando condutas a partir dos sentidos e ações que a guerra ia ganhando.

A longa duração do embate competiu para a adoção de comportamentos e atitudes no interior dos navios. Como exemplo, as reclamações contra a longevidade e insalubridade dos combates e a presença constante de doenças geravam certo desânimo entre os embarcados.

A descrição do quadro natural e dos significados que a natureza atribuía à vida dos tripulantes foi preocupação constante do capitão Rocha. As condições climáticas e a relação que os combatentes navais estabeleciam diariamente com a natureza se transformaram em tema presente em quase todos os dias relatados pelo autor do diário.

A natureza parecia interferir de maneira significativa sobre o dia-a-dia dos embarcados. Manuel da Rocha utiliza-se de linguagem metafórica para descrever as condições climáticas da noite de 21 de fevereiro de 1866, comparando as alterações do tempo natural a uma rajada de balas, no prenúncio, considerado perigoso, de chuva intensa. Para tanto, os combatentes colocaramse de prontidão em posições de luta, pois as intempéries naturais, de acordo com Rocha, eram consideradas inimigas dignas de respeito.

Nossa fonte foi elaborada a partir do uso de linguagem específica e recorrente entre os pares da Marinha brasileira durante o conflito. A linguagem se convertia em fator de comunicação e parecia agregar alguns homens em torno de elementos comuns e da construção de espaços compartilhados.

A linguagem cotidiana utilizada pelos combatentes navais foi constitutiva das relações sociais estabelecidas a bordo dos navios. As “maneiras de falar” acumulavam experiências históricas elaboradas com o intuito de diferenciar aspectos da corporação Marinha de outros segmentos sociais. A linguagem maruja fornecia arcabouços concretos para a possível construção de uma identidade marinheira que se fazia considerando um corpo lingüístico peculiar.

A especificidade da linguagem usada pelos profissionais da Marinha brasileira no front evidencia-se ainda mais com os vocábulos que serviam para caracterizar o meio ambiente e a natureza que os circundava. O relacionamento dos homens da Esquadra com o tempo natural mostrava-se marcante e freqüente.

As relações sociais estabelecidas nos espaços cotidianos também pareciam considerar a proximidade dos homens do mar com as lógicas naturais.

Tal cenário aparece nos escritos de Manuel Carneiro da Rocha quando descreve as bruscas mudanças climáticas ocorrida nos rios platinos. Num primeiro momento, tendemos a direcionar as análises afirmando que o clima se converteu em empecilho dificultador das ações a bordo, pois parecia abater os ânimos dos embarcados. O autor do Diário não apresenta indícios claros de que as reviravoltas naturais realmente pudessem ocasionar grandes perdas e derrotas.

Manuel Carneiro da Rocha descreve a necessidade de uma embarcação buscar carne em terra como o objetivo de alimentar a guarnição do navio.

Apesar da “trovoada”, os tripulantes ignoraram os avisos da natureza e procuraram cumprir a missão que lhes foi atribuída, apesar do espanto revelado pelo autor que por vezes estranhava a escuridão do céu e a quantidade significativa de chuvas que acometiam a região.

Importante notar que as dificuldades impostas pelas ações da natureza no ambiente de luta chegam a gerar no autor uma predileção pelos estampidos dos canhões e pelo tilintar dos fuzis em detrimento aos sons causados por raios e trovões. Neste momento, Manuel Carneiro indica uma dose de pessimismo com relação aos rumos que a guerra ia trilhando.

Além dos altos índices de chuvas, o diário de guerra apresenta a preocupação de seu autor com a hidrografia da região platina. O espaço fluvial paraguaio se mostrava inadequado à navegação dos navios brasileiros; os mesmos possuíam grande calado e não foram bem adaptados para atuarem em rios. Novamente, nosso narrador aponta algumas queixas com relação ao cenário natural durante os combates. Desta vez, o motivo registrado gira ao redor das poucas condições de navegabilidade dos rios do Prata.

Além dos altos índices de chuvas, o diário de guerra apresenta a preocu pação do seu autor com as características dos rios platinos. O espaço fluvial paraguaio se mostrava inadequado à navegação dos navios brasileiros, pois os mesmos possuíam grande calado e não foram bem adaptados para atuarem em rios. O narrador reitera queixas com relação ao cenário natural durante os combates. Desta vez, o motivo apresentado gira ao redor das baixas condições de navegabilidade dos rios platinos.

O diário analisado informa um detalhe logístico considerado por seu autor como imprescindível para o alcance do sucesso nas batalhas: a boa navegabilidade na região do conflito. Sendo assim, Manuel Carneiro da Rocha desejava que as chuvas aumentassem o volume das águas nos rios platinos, ma parecia torcer contra o excesso das precipitações climáticas que poderiam trazer problemas para os embarcados.

Vale reafirmar que os entrelaçamentos das manifestações naturais e dos comportamentos verificados a bordo dos navios podem ser refletidos a partir das relações sociais cotidianas, ou seja, diuturnamente eram criadas e/ou recriadas convivências, reciprocidades, desligamentos e afastamentos, considerando o ritmo diário que o evento guerra ia pouco a pouco adquirindo.

Nosso intuito com estas reflexões é contribuir para a análise da Guerra do Paraguai pautado no reconhecimento que o tempo da natureza e o tempo histórico andavam de mãos dadas e atuavam decisivamente nas tomadas de decisões de alguns atores históricos como é o caso do próprio Manuel Carneiro da Rocha.

Ao aventar o entrelaçamento do tempo natural com o tempo histórico na fonte analisada, gostaríamos de sinalizar para a construção de entendimentos específicos com relação à lógica temporal. O autor do diário insiste em comunicar a força com a qual a natureza orientava os feitos dos atores envolvidos nos embates. Na fonte pesquisada, natureza e história confundem-se, os guarnecidos percebem o desenrolar dos dias e das noites orientados pelos desígnios e “caprichos” naturais.

A tentativa deste labor foi alvitar reflexões sobre a Guerra do Paraguai (1864-1870) que possam contemplar matizes históricas múltiplas e variadas, não se atendo somente às descrições minuciosas de feitos militares e de batalhas.

A faina se faz em torno da exigência não menos audaciosa de vociferarmos o passado, de fornecer visibilidades aqueles ou aquelas que outrora foram silenciados e/ou emudecidos, numa atividade igualmente complexa de construção discursiva e plausível sobre a história, na qual apontamos nossas próprias e mais íntimas visões e apreciações sobre as experiências um dia vivenciadas.

Thiago Gomes de Araújo – Doutorando em História na UnB. Professor-Coordenador nas Faculdades IESA – DF.


ROCHA, Manuel Carneiro da. Diário da Campanha Naval do Paraguai: 1866. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, 1999. 351p. Resenha de: ARAÚJO, Thiago Gomes de. Textos de História, Brasília, v.17, n.1, p.191-196, 2009. Acessar publicação original. [IF]