The Rock Basins of Serra do Cume: Azores megalithic rocks and enigmatic inscriptions rearrange the old Atlantic geography / Maria Antonieta Costa

A formação vulcânica do arquipélago dos Açores apresenta uma admirável variedade de litologias (composições rochosas) com propriedades mineralógicas interessantes – assim começa o Abstract introdutório do livro. E continua: no que respeita à formação geológica da ilha Terceira encontram-se presentes quantidades notáveis de sílica, elemento que parece ser fundamental também na composição das construções megalíticas do continente europeu. Seja ou não uma coincidência esse fato dá a impressão de ser ele a razão explicativa segundo a qual os indícios (sinais) encontrados na ilha Terceira, tais como marcas em forma de cortes e de taças, construções megalíticas, “inscrições”, sugerindo que intercâmbios semelhantes entre seres humanos e seu ambiente, que se sabe ocorrerem no continente, podem surgir em lugares mais improváveis, como no meio do Oceano Atlântico. A escolha de tais rochas para construir as ocorrências descritas também implica a existência de um “plano” anterior à sua implantação.

Até aqui o Abstract. O projeto desta investigação faz parte das atividades da Autora na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde atua em estágio de pós-doutorado, e onde conta com o apoio da Professora Doutora Alice Duarte, tutora do projeto. Embora a presença de formações rochosas de configuração incomum, e em grande quantidade, desde longa data tenha despertado a atenção de moradores e visitantes da ilha Terceira nunca um estudo sistemático fora empreendido, até que Maria Antonieta Costa, pesquisadora de História da Cultura, resolveu dedicar-se ao tema. Para levar a cabo uma investigação detalhada, cuidadosa, e em larga escala, ela convidou geólogos e arqueólogos, e pesquisadores de áreas afins, e com eles fez o levantamento completo de todo o conjunto. Uma vez que não se encontraram (ainda) vestígios de ocupação humana anteriores à presença portuguesa a atenção voltou-se para definir a sua maior probabilidade através de dois caminhos: comparação com sítios arqueológicos similares em outros locais da Europa (quase todos na Escandinávia), e a análise/interpretação do conjunto em termos de Antropologia do Espaço, ou Antropologia da paisagem cultural. Segundo este ponto de vista certas configurações do ambiente natural (flora, geologia) oferecem à observação um potencial de imaginário cultural que atraem a presença humana, ou, quando menos, a suspeita fundamentada dessa presença.

Uma das questões mais destacadas pela autora é a forte presença de sílica na composição rochosa da Serra do Cume: essa presença não existe em outros locais dos Açores, mas é conhecida em rochas de outros lugares do mundo, onde as propriedades “mágicas” (curativas) da sílica fazem as populações atribuir poderes sobrenaturais às formações rochosas. Há ainda outros aspectos (sinais) destacados no texto e muitos deles fotografados: os riscos e sulcos nas rochas, as formações que lembram animais, ou humanos, as construções de pedras sobrepostas em muros, as taças aparentemente esculpidas na pedra, e o conjunto todo dessas rochas, algumas das quais dificilmente se podem imaginar sem a ação humana, que parece demonstrar uma intencionalidade na sua disposição.

Redigindo a conclusão do livro (agosto de 2014) a Autora afirma que as taças na rocha (rock basins), que foram o pretexto inicial para conduzir a pesquisa, passaram a segundo plano perante a importância que entretanto se revelou no conjunto. Ao preparar uma nova etapa da pesquisa, com o apoio de mais especialistas, e ampliando o campo de ação, Costa já estava também iniciando outras abordagens e consolidações do projeto: o convite a antropólogos europeus para visitarem a Serra do Cume, e a publicação de crônicas em jornais locais – em ambos os casos com a intenção de captar a atenção e o interesse do público, estudiosos, e autoridades, e garantir meios de investigação e credibilidade aos seus resultados.

Sir Barry Cunliffe, professor em Oxford, é um dos antropólogos europeus mais respeitados da atualidade;nos últimos anos ele vem defendendo a hipótese da existência de uma cultura megalítica atlântica muito anterior (nove mil anos a.C.) à suposta “chegada” dos celtas ao extremo ocidente europeu. Pelo contrário, segundo ele – no que é secundado, senão antecipado, por investigadores espanhóis como Ramon Sainero – teria sido nesse extremo ocidente que se teria originado a cultura depois conhecida como celta. Não é pois de admirar que Sir Barry Cunliffe atendesse prontamente o convite, visitasse a Serra do Cume, e no dia 15 de outubro de 2014, ao proferir palestra na Câmara de Vereadores de Angra do Heroísmo (Terceira) se mostrasse muito favorável à continuação das pesquisas. Além disso indicou o antropólogo George Nash para também ele visitar a ilha Terceira, o que o professor britânico aceitou, permanecendo na ilha de 15 a 25 de fevereiro de 2015, e apresentando relatório com suas conclusões.

George Nash percorreu os locais e observou as evidências rochosas mais destacadas: grutas, petroglifos, muros de pedra, rochas zoomórficas, sulcos nas lajes do solo, e concluiu que há possibilidade de serem sinais de ação humana. Constatou, porém, que não há nenhuma prova concreta da presença humanas na ilha anterior aos europeus (portugueses e flamengos); e que o pote de moedas fenícias e cartaginesas encontrado na ilha do Corvo (distante da Terceira) em 1749 só por si não garante que os fenícios tenham visitado as ilhas – as moedas podem ter sido um trote, colocado lá intencionalmente. Por isso ele recomenda que se realize um amplo projeto paleoambiental, procurando, por exemplo, sinais de pólen exótico, ou indícios de corte de floresta; mas aceita a viabilidade de resultados positivos, ao concluir pelo seu engajamento nesse futuro projeto.

As crônicas, onde a autora traduz e detalha diversos aspetos do livro, foram iniciadas no final de novembro de 2014, e no início de abril de 2015 somavam 17 textos publicados, quase todos de cerca de uma página, e sempre com o mesmo título: “Crónicas de uma causa mal-amada” – mal amada porque tem sido rejeitada, ou pelo menos desconsiderada pelo público açoriano. Pelos moradores, que dizem: “Quem gostaria de vir de longe, ver pedras?” (Crónica 9); pelas autoridades, particularmente do Geoparque dos Açores, que se mostram “relutantes” e mesmo “irredutíveis” a propor a candidatura do local investigado para ser classificado de forma diferenciada (Crónica 10); e pelos especialistas, nomeadamente arqueólogos, que têm sido “cegos” (Crónica 11) para as evidências que contrariam a história oficial: a de que o arquipélago era desabitado e não tinha recebido presença humana antes da chegada dos portugueses. Mas, tanto as crônicas como o livro destacam a colaboração que a A. tem recebido de profissionais e especialistas, não só no levantamento completo do sítio (mapas, fotografias, descrições) como na análise e interpretação de alguns aspetos e no seu enquadramento teórico mais amplo. Contudo essas colaborações voluntárias, e os esforços da autora – apresentando-se em congressos, fazendo palestras, e seriados na televisão – não alcançaram ainda um objetivo fundamental do projeto: o de ter aprovada a realização de uma pesquisa arqueológica profunda e vasta, e com ela o reconhecimento da importância do sítio pelas autoridades e público interessados. É notável, porém, que uma obra composta numa ilha no meio do Atlântico, com pouco mais de cinqüenta páginas de texto, e 90 fotografias, tenha despertado a atenção de uma editora alemã e o interesse de dois importantes antropólogos europeus. Há nele certamente mais do que uma ingênua curiosidade, duas qualidades que fazem de Maria Antonieta uma descobridora de mundos novos, ou de novas maneiras de ver o mundo.

João Lupi – Docente do Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: [email protected].


COSTA, Maria Antonieta. The Rock Basins of Serra do Cume: Azores megalithic rocks and enigmatic inscriptions rearrange the old Atlantic geography. Saarbrücken: LAP/Lambert Publ., 2014, 73p. Resenha de: Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luis, v.15, n.2, 2015. Acessar publicação original. [IF]

Kakupacal e Kukulcán: iconografia e contexto espacial de dois reis-guerreiros maias em Chichén Itzá – NAVARRO (RAP)

NAVARRO, Alexandre Guida. Kakupacal e Kukulcán: iconografia e contexto espacial de dois reis-guerreiros maias em Chichén Itzá. São Luís: Café & Lápis; EDUFMA, 2012, 96 p. Resenha de: FERNANDES, Luiz Estevam de Oliveira; KALIL, Luis Guilherme Assis. Revista de Arqueologia Pública, Campinas, n.7, julho 2013.

O México tem mais de 32 mil sítios arqueológicos catalogados. Dentre eles, Chichén Itzá é um dos três mais visitados. Patrimônio Cultural da Humanidade, foi eleita em 2007 uma das novas Sete Maravilhas do Mundo. A antiga cidade maia, por situar-se a meros 200 km de Cancún, principal destino turístico do país, recebe milhares de turistas por ano, que, por sua vez, atraem algumas centenas de “guias locais”, vendedores de artesanato “maia” e toda sorte de pessoas tentando ganhar a vida à custa dos visitantes, quase sempre boquiabertos diante da magnificência do local.

O interesse dos turistas, inclusive brasileiros (cerca de 130 mil visitaram o país em média anual, desde 2010), entretanto, não encontra equivalente entre os nossos pesquisadores.

Chichén Itzá permanece ainda pouco estudada em nosso país. Por isso, a obra de Alexandre Guida Navarro já seria de suma importância. Uma publicação acadêmica escrita em português por um especialista que passou anos estudando in loco a grande cidade maia já representaria um avanço pelo simples motivo de chamar a atenção para o tema e o período.

Prefaciado pelo arqueólogo e historiador Pedro Paulo Funari, Kakupacal e Kukulcán é um desdobramento das reflexões apresentadas no doutorado de Navarro, defendido na Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM). No livro, o especialista apresenta sua hipótese de trabalho logo nas primeiras páginas. A partir da constatação de que os dois personagens-guerreiros do título estão representados apenas na iconografia do conjunto arquitetônico conhecido como “Grande Nivelação”, e não em toda a cidade de Chichén Itzá, o autor busca demonstrar como as representações de Kakupacal e Kukulcán fazem referência, na realidade, não apenas a deuses do panteão maia, mas a dois indivíduos reais, os Capitães Serpente e Disco Solar, dois guerreiros que teriam governado a cidade durante algum momento do Clássico Terminal (800-1000 d.C.): “nossa hipótese é que a construção da Grande Nivelação está estritamente relacionada com as realizações políticas destes guerreirosgovernantes como um espaço de legitimação de poder através da construção de arquitetura monumental” (p. 14).

Nesse sentido, Navarro expõe o conceito central de seu trabalho, o de humanização do espaço: “partimos do pressuposto de que os espaços arquitetônicos representam uma visão simbólica da composição social dos grupos humanos em relação com sua própria identidade, do meio que o rodeia e seu esforço para humanizá-la” (p. 14). Partindo de tal premissa, demonstra como a região da Grande Nivelação tem uma arquitetura com símbolos e representações em formas de imagens bastante distintas da do restante do sítio arqueológico.

Em um estudo essencialmente de distribuição espacial e de análise iconográfica, o autor argumenta que a construção deste complexo arquitetônico foi feita dentro de um complexo programa de estratégia política que envolvia propaganda proselitista dos governantes, direcionada aos habitantes da cidade e àqueles que a visitavam (p. 31).

Nos capítulos do livro, à maneira de um cuidadoso relatório de campo, o estudioso expõe-nos seus objetivos, a bibliografia existente sobre o tema, a metodologia que embasou seu trabalho, os dados obtidos e sua interpretação. Por meio do texto, ficamos sabendo de pelo menos três mensagens simbólicas expressas através da cultura material estudada: um esquema cognitivo de códigos e regras culturais, para demonstrar a ideia de transição de poder; que estas regras envolviam certo grau de controle pelos indivíduos ou grupos que aludiam a um controle do comportamento (por parte dos governantes da cidade); e que o espaço é uma forma de comunicação de diferentes naturezas e serve para a manifestação de aspectos específicos, como o culto a Kukulcán.

Tais associações, entre arquitetura e poder, são pensadas a partir de Michel Foucault e Gilles Deleuze. Sendo assim, Navarro conclui que as mudanças políticas ocorridas em Chichén Itzá estão relacionadas com os complexos arquitetônicos construídos no período bem como com o calendário maia: “Pensamos que Kakupacal foi um importante governante de Chichén Itzá quando a cidade alcançou seu poder construindo o setor sul do centro urbano. O seu governo coincide com um fim de ciclo maia ou Katún Ahau (período de 20 anos), que é quando o grupo no poder é substituído por outro […] Esta evidência calendárica demonstra que houve uma mudança de governo na cidade, que culmina com o controle da cidade por parte de um novo grupo social, que parece ser o Capitão Serpente”. Além disso, o arqueólogo insinua que estas mudanças representam transformações ainda mais profundas dentro de Chichén Itzá. Abrindo caminho para novas pesquisas, afirma que as imagens dos capitães captaria o momento de transformação social entre uma sociedade de cacicado (o setor sul do sítio) em direção à formação de um Estado (a Grande Nivelação) e da própria sociedade maia (p. 76).

Além da demonstração de sua tese principal, o livro também fornece um panorama sobre a civilização maia e qual o papel de Chichén Itzá no emaranhado de cidades-estados da época (cf. Capítulo 1). Dessa forma, ficamos sabendo que, entre os anos 800 e 900 d.C., a cidade controlava a rota de sal em toda a área maia, além das rotas marinhas e impostos, bem como servia de centro de peregrinação, “cujos vários edifícios foram usados para o culto de divindades como Kukulcán, a serpente emplumada, e Chaac, o deus da chuva” (p. 16).

Também encontramos no livro uma ampla revisão bibliográfica sobre os maias (cf.

Capitulo 2) além de várias fotografias, mapas, desenhos e um glossário de termos arquitetônicos que se tornam fundamentais para a compreensão da obra por parte dos leitores não especializados que procuram uma primeira leitura sobre os maias.

Como ressalva a esta importante publicação, apontamos o fato do autor não explicar mais detidamente quais foram os critérios adotados por ele para selecionar as representações das ruínas de Chichén Itzá que seriam utilizadas em sua pesquisa. Navarro afirma que, devido à deterioração de algumas edificações, optou por utilizar desenhos feitos por estudiosos que visitaram a cidade no século XIX: “Utilizamos, portanto, aquelas que acreditamos serem mais fieis à pintura mural original” (p. 38). Porém, não ficam claros para o leitor que elementos levaram o autor a fazer afirmações como a de que alguns desenhos “são muito importantes pois estão livres de todo o excesso artístico e fantasioso que prevalecia nessa época” (p. 18).

Processo semelhante ocorre em outro momento da obra. Ao descrever seu trabalho de campo, Navarro afirma que ignorou representações que poderiam ser consideradas como alusões ao Capitão Disco Solar por não estarem com os símbolos recorrentes (capa de jaguar, toucados elaborados, associação com Chaac) (p. 38). Contudo, páginas depois, analisa nova imagem do Capitão sem um de seus símbolos, mas cuja ligação com a divindade não é questionada: “O Capitão Disco Solar está desprovido de seu disco e parece estar representado, metaforicamente, pelos raios de sol” (p. 47). Seria interessante que houvesse, especialmente para o leitor leigo, uma explicação mais detalhada dos papeis exercidos por estes símbolos dentro das imagens e os possíveis significados de suas ausências ou substituições.

Há, também, pouca análise da relação entre relatos coloniais sobre os maias (citados, em vários momentos, como base de sua interpretação de etno-história) e a cultura material estudada. O autor chega a citar passagens de autores como Diego de Landa e outros, mas numa sequência que reforça seu caráter ilustrativo.

Para além disso, o livro torna-se uma bem vinda literatura sobre uma cidade tão visitada e, ao mesmo tempo, tão pouco conhecida.

Luiz Estevam de Oliveira Fernandes – Professor Adjunto do departamento de História do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), pesquisador do Núcleo de Estudos de História da Historiografia e Modernidade, e líder do Grupo de Estudos “História das Américas: fontes e historiografia”, ambos do CNPq.

Luis Guilherme Assis Kalil – Doutorando do programa de História Cultural do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Grupo de Estudos “História das Américas: fontes e historiografia”, do CNPq.

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