Teoria social: um guia para entender a sociedade contemporânea / William Outhwaite

Willian Outwaite atuou, por 34 anos, como professor de sociologia, coordenador do Programa de Pensamento Político e diretor do Centro de Teoria e Crítica Social na Universidade de Sussex. Autor de extensa obra sobre teoria social, é professor emérito de sociologia na Universidade de Newcastle, desde 2015.

Com o intuito de apresentar uma síntese da teoria social e o quanto essa ciência pode contribuir para a compreensão das grandes questões do mundo contemporâneo, a obra resenhada divide-se em oito capítulos. No primeiro, intitulado Origens, o autor promove uma reflexão sobre as origens das desigualdades sociais e os ideais, tão presentes hoje, que levaram às revoluções. Em Capitalismo, retoma o pensamento de Marx e Engels para analisar essa controversa forma social e econômica que, na atualidade, molda a vida da maior parte dos seres humanos. Em Sociedade, Outhwaite, objetivando examinar o desenvolvimento das sociedades – das formas simples às modernas – recorre a Herbert Spencer e Émile Durkheim. No quarto capítulo, Origens do capitalismo e teorias da ação social, o autor focaliza as precondições e consequências culturais do capitalismo.

Para introduzir o quinto capítulo e responder à pergunta “Como a sociedade é possível?”, o autor recupera o pensamento de Georg Simmel, cujo interesse por fenômenos culturais inspirou e inspira trabalhos em sociologia sobre a teoria “pós-moderna”. Em A descoberta do inconsciente, Outhwaite discorre sobre como a análise da psique de Freud moldou a compreensão da realidade, delineando as implicações desses estudos na cultura contemporânea. No capítulo Teoria social e política, a maneira pela qual alguns teóricos sociais tentaram explicar a política moderna recebe destaque. Por fim, em Questão pendente, temas relevantes na contemporaneidade que, até pouco tempo, eram negligenciados na teoria social são abordados, tais como gênero, relações internacionais e guerra, raça, colonialismo e crise ambiental.

O primeiro capítulo, concentra-se nas questões propostas por Rousseau e Montesquieu, no século XVIII, sobre a origem das desigualdades nas sociedades e a distinção entre moral e crítica social. Recorrendo a exemplos, o autor ilustra como esses temas permearam debates posteriores. Estabelece, desse modo, um paralelo entre as relações de poder, a histórica e crescente desigualdade social e, em se tratando de desigualdade natural, como nas sociedades capitalistas os olhares se voltaram à equidade. Nesse sentido, ressalta-se como as críticas de Rousseau ao excesso e ao luxo ou, nas palavras desse filósofo do iluminismo, a distinção entre a vontade conectada ao bem público e a vontade relacionada aos interesses individuais é extremamente relevante para a compreensão da política moderna.

Ainda sobre a política moderna, o autor retoma o pensamento de Montesquieu que, em O espírito das leis (1748), enfatiza a necessidade de um legislador, tanto quanto um arquiteto, conhecer bem o terreno antes de elaborar projetos, visto que o terreno pode não suportar o peso do que foi planejado. Em outras palavras, regimes políticos encontrarão solo seguro quando adequados à sociedade, não impostos. A aguda percepção de Montesquieu acerca da interação entre eventos acidentais e causas estruturais de longo prazo é, portanto, um bom ponto de partida para estudos que tem por fim compreender a relação entre o papel dos indivíduos e as estruturas mais amplas da história.

O autor finaliza este capítulo retomando a ideia de Montesquieu acerca do “espírito geral” e sinalizando como a mesma, além de encontrar eco no que Durkheim chamou de “consciência coletiva”, se mostra nuclear nos dias atuais para analisar-se as desigualdades, a democracia e os perigos do conformismo ou, numa expressão de Tocqueville, da tirania de uma maioria.

No segundo capítulo, Outhwaite, promove uma incursão na obra de Marx e Engels. De acordo com esse professor de sociologia, as análises realizadas por esses dois teóricos germânicos sobre os antagonismos das classes e as formas de produção são, até hoje, a forma mais consiste para pensar-se a estrutura social e econômica vigente na maior parte do globo terrestre: o capitalismo.

Começando com conceitos presentes em O capital (1867), é-se apresentado ao que Marx chamou de “valor de uso”, valor de troca”, “fator sensação”, “equivalente universal” e “mais valia”. Outhwaite assinala que a exploração do trabalho assalariado é tão intrínseca ao processo capitalista quanto os conflitos entre os que detêm os meios de produção e os que dispõe da força de trabalho. Lembrando que o lucro decorre do fato dos trabalhadores receberem em seus salários um valor bem distante do equivalente à produção por eles realizada, e os conflitos, por sua vez, resultam desse valor recebido mal suprir as necessidades de sobrevivência de quem detém a força de trabalho.

Ainda na atualidade, a ideia de receber o “valor total de seu trabalho” permanece tão incompatível com a manutenção do sistema capitalista que, em 1995, Tony Blair retirou do verso das carteiras dos trabalhadores a famosa clausula quatro do estatuto do Partido Trabalhista, que reconhecia como justo “Assegurar aos trabalhadores braçais ou intelectuais os plenos frutos de sua indústria e a mais equitativa distribuição possível deles, com base na propriedade comum dos meios de produção, distribuição e troca” (OUTHWAITE, 2017, p. 31).

Outra questão que merece destaque é a crítica de Marx à religião, por promover reflexões sobre a estreita relação entre os antagonismos de classes nas sociedades modernas e as ideologias. Para Marx, a insatisfação com as condições políticas e sociais levava o povo a refugiar-se nas ilusões da religião. Sob esse prisma, ao puxar o fio da religião, desmancham-se as bases que legitimam ideologicamente as desigualdades e a exploração.

Antes de encerrar o segundo capítulo, a autor ressalta como pode-se observar, no pensamento de Marx e Engels, a importância de uma relação harmônica entre seres humanos e, indubitavelmente, como essa necessidade de harmonia deve ser estendida a toda a natureza. Esses elementos abrem espaço para argumentar-se que a obra desses dois teóricos da filosofia e da sociologia, implicitamente, oferece bases para reflexões sobre desenvolvimento sustentável nas sociedades humanas. Tanto que, perto do final do século XX, na esteira do pensamento desses revolucionários socialistas, emergem movimentos anticapitalistas combinados a novos movimentos sociais, abordando temas como a desigualdade de gênero, a exploração baseada na etnicidade e a crise ambiental.

Em Sociedade, ao analisar o pensamento de Herbert Spencer – pioneiro da teoria social evolucionista –, o autor ilustra a problemática presente na ideia de “sobrevivência dos mais aptos”. Desta forma, sugere que para realizar-se um exame, por exemplo, do esgotamento do comunismo, tem-se que considerar um feixe de elementos que perpassam por questões econômicas, ideológicas e culturais.

Ao avaliar o contraste entre o que os teóricos marxistas chamam de ideologia e o que Durkheim nomeia como sistemas de valores compartilhados, Outhwaite lembra que Durkheim, no final do século XIX, em sua obra O suicídio (1897), analisou as diferentes taxas de suicídio e promoveu reflexões sobre o valor das crenças compartilhadas, bem como sugeriu a importância dos laços sociais. Esses estudos instigam questionamentos sobre o modelo globalizado e fragmentado da sociedade em que vivemos.

No quarto capítulo, é apresentado o pensamento contido na obra de Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo (1904-05). Destaca-se a análise sobre o modelo da ética econômica protestante e os quatro tipos principais de ação identificadas por Weber: a ação tradicional, a ação guiada pela emoção, a ação irracional em relação aos fins e a ação racional em relação aos valores.

O autor finaliza o quarto capítulo focalizando no trabalho de Georg Lukács, Theodor Adorno e Habermas as conexões entre as formas de ação social, no nível mais básico, e os processos mais amplos de desenvolvimento social e histórico.

Em como a sociedade é possível, Outhwaite descreve ligações entre comportamentos cotidianos e processos estruturais mais amplos, tendo como base o pensamento de Georg Simmel, Erving Goffman, Harold Garfinkel, e a obra de Norbert Elias, O processo civilizador (1939). Nas palavras do autor, em razão do extenso exame que Simmel realiza das precondições e das consequências intelectuais, culturais e psicológicas da economia monetária em A filosofia do dinheiro (1900), essa obra poderia, sem dúvida, ter por título “sociologia do dinheiro”. Para esse sociólogo alemão, individualismo, nervosismo e economia monetária se relacionam estreitamente com a vida urbana, sendo o desgaste compensado pela atitude blasé.

A obra de Goffman, por sua vez, tem como foco a dimensão da representação no desempenho de papeis sociais, ou seja, de acordo com esse sociólogo norte americano, as pessoas se adequam aos papeis prescritos pela sociedade para não serem excluídas. O pensamento de Harold Garfinkel se aproxima da abordagem de Goffman, já que para o primeiro a manutenção da ordem é produto do trabalho interpretativo dos atores sociais.

Após destacar o paralelo estabelecido por Norbert Elias entre as transformações, nos primórdios da Europa moderna, das estruturas de personalidade e dos comportamentos individuais e a origem do Estado moderno, Outhwaite, recorre a Zygmunt Bauman e Luc Boltanski para expor a magnitude dos desafios da sociedade contemporânea.

Partindo da premissa de que a análise que Sigmund Freud fez da psique moldou totalmente a compreensão que tem-se da humanidade e, consequentemente, da cultura e da sociedade, Outhwaite inicia o sexto capítulo ponderando acerca do papel do recalcamento de pulsões conscientes e inconscientes na construção da cultura humana. Para defender sua tese, recorre às teorias de Freud, Erich Fromm, Herbert Marcuse, Theodor Adorno e Louis Althusser.

Ainda nesse capítulo, o autor estabelece associações entre e as ideias de Freud e as de Marx; entre o modelo de autoridade carismática de Weber e os sentimentos inconscientes – estudados por Freud – de quem segue essa espécie de liderança; e, por fim, entre a ênfase de Freud na regulação e o que Durkheim denominou ausência de normas na sociedade moderna. Destaca-se o impacto da psicanálise na interpretação de textos literários e na análise de produções cinematográficas, em especial, as análises de Hanns Sachs, Gilles Deleuze e Slavoj Žižek.

No capítulo intitulado Teoria social e política, Werner Sombart, Robert Michels e Norbert Elias são referências para o debate sobre o quanto uma concepção do social ou de sociedade pode ter potencial para promover a compreensão de problemas que a abordagem política não consegue alcançar. Outhwaite lembra que esses teóricos sociais propuseram análises significativas da política e, para ilustrar, retoma suas ideias sobre a permanente oposição entre a teoria das elites e a teoria da sociedade de massas; a exposição das massas urbanas às elites demagógicas; a abertura da teoria crítica às questões culturais e à teoria freudiana; a oposição entre as explicações centradas no Estado e centradas na sociedade; bem como sobre as teorias da globalização e suas dimensões econômica, social e cultural.

Sobre as teorias da globalização, finaliza esse capítulo lembrando que essas não podem se deter aos aspectos econômicos, pois envolvem dimensões sociais e culturais mais amplas. Nesse sentido, o autor propõe a reflexão sobre as formas atuais de política democrática em meio a relativa imobilidade das estruturas políticas e os avanços das técnicas de manipulação das massas, destacando o controle exercido pela televisão e ascensão de partidos populistas.

Outhwaite, em Questão pendente, avalia que, apesar da relevância da teoria social, algumas áreas foram tardiamente tratadas pela sociologia, como, por exemplo, as relações internacionais e a guerra. De acordo com pesquisas realizadas por esse autor, a palavra conflito – relacionada à conflito internacional e guerra – pouco aparece nas produções acadêmicas do final do século XX. Além disso, pouca atenção foi dada às noções grosseiras de competição evolutiva aplicadas ao social e aos movimentos “verdes” que, nas palavras do autor, não podem continuar sendo negligenciados pela sociologia.

A teoria pós-colonial tem se mostrado mais forte nos estudos literários que nas ciências sociais e, sobre essa sociologia que emergiu de uma cultura imperialista e desconsiderou o mundo colonizado, o autor afirma ser urgente sua revisão. Considera, também, que os debates em torno da modernidade e pós-modernidade não podem mais ignorar os modos como a democracia foi transformada em algo próximo a um teatro, no qual a política é protagonizada pelos que controlam as finanças e os meios de comunicação.

Para além de proporcionar uma viagem panorâmica pelos tópicos que interessam à teoria social e uma breve abordagem das análises realizadas pelos seus principais pensadores, nesse livro, pode-se avaliar o papel da teoria social e sua possibilidade de iluminar, em conjunto com as ciências sociais e a filosofia, questões latentes no século XXI.

Considera-se que, em um cenário contraditório, de aumento de pobreza, desemprego e exclusão, de violência urbana e de inquestionável expectativa de pertencimento ao mundo, tem-se como escolha a negação de acondicionamento ao existente. Nesse sentido, o conhecimento que advém desse livro pode ser uma excelente contribuição para instigar reflexões sobre e ações direcionadas às possibilidades de construção de, como coloca Gohn e Hamel (2003, p. 118), um “(…) novo modelo civilizatório, em que a cidadania, a ética, a justiça e a igualdade social sejam imperativos, prioritários e inegociáveis”.

Referências

GOHN, Maria da Glória; HAMEL, Pierre. Movimentos sociais e mudanças na democracia. In: ROMÃO, José Eustáquio; SANTOS, José Eduardo de O. Questões do Século XXI, tomo I. São Paulo: Cortez, 2003.

Régia Vidal Santos – Doutoranda em Educação na Universidade Nove de Julho (UNINOVE).


OUTHWAITE, William. Teoria social: um guia para entender a sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar, 2017. 142p. Resenha de: SANTOS, Régia Vidal. Em Tempo de Histórias, Brasília, n.32, p.126-131, jan./jul., 2018. Acessar publicação original. [IF].