States of Exception in American History | Gary Gerstle e Joel Isaac

O termo “estado de exceção” possui longeva historicidade e tem se tornado cada vez mais recorrente na linguagem contemporânea. Recorre-se a ele frequentemente para se apontar condições da vida política e jurídica atual ressaltando-se um fato ou um processo excepcional que aparenta estar se naturalizando na sociedade. De certo modo, essa perspectiva possui elos com uma noção teórica e prática mais precisa de estado de exceção, mas não se resume a isso. Historicamente, a exceção é o meio pelo qual se busca defender a soberania ameaçada do Estado e de suas instituições, possibilitando, inclusive, a suspensão de alguns direitos e garantias. De tal modo, o estado de exceção está no limiar entre uma crise e práticas duradouras de governo, que podem, em última instância, se tornar ditaduras.

O estado de exceção, contudo, é fruto de um Estado de direito, que formula suas previsões de emergência para os momentos mais críticos de sua comunidade. Logo, ele deve ser uma situação temporária de restrição de direitos e de concentração de poderes. Por conta disso, o estado de exceção é distinto de ditaduras e de Estados totalitários, uma vez que a restrição de direitos e a concentração de poderes são inerentes a essas situações. Leia Mais

A Fistful of Shells: West Africa from the Rise of the Slave Trade to the Age of Revolutions | Toby Green

A campanha da Nigéria pela restituição das esculturas de bronze depositadas em museus europeus colocou o passado pré-colonial africano nas recentes manchetes internacionais. Com sua longa história de comércio global, o reino do Benim era um dos estados na África Ocidental mais bem conhecidos e bem conectados com o mundo durante o período medieval.1 No contexto da conquista colonial de finais do século XIX, os britânicos saquearam Edo, sua capital. Dos muros do palácio, retiraram as esculturas de bronze que retratavam a história do reino. Os ingleses colocaram essas crônicas visuais em museus e as usaram para criar célebres coleções de arte “primitiva”. Centenas dos artefatos saqueados permanecem trancados em museus ao redor do mundo, e estão apenas começando a serem devolvidos aos lugares a que por direito pertencem. Leia Mais

Creatively Undecided: Toward a History and Philosophy of Scientific Agency | Menachem Fisch

The history of science according to Menachem Fisch goes as follows: Scientists work both within Frameworks that are constitutive of the Normative Standards for the Frameworks, and also with Critical Rationalism where those Frameworks are revised through criticism. This creates a dilemma: since rational criticism depends on Frameworks, rational criticism is inherently limited. Hence, there will always be uncriticised areas. However, science as a fully rational endeavour cannot function without Frameworks. How then can Frameworks be fully rationally criticised and changed when rationally required? Solution (according to Fisch): the rational change of Frameworks and their normative standards of rationality occurs through a psychological process of seeking out new Frameworks and modifying one’s belief-systems by use of rational criticism from alternative Frameworks or belief-systems; by creating new hybrid Frameworks partially composed of the old Framework, and an alternative Framework – done for the reason of getting the best of both “worlds” (Frameworks as constitutive of normative systems) and ridding both “worlds” (or Normative systems) of their worst components. Leia Mais

Hélio Oiticica: folding the frame | Irene Small

Na História da Arte do século XX, Hélio Oiticica ocupa uma posição crucial, sendo indispensável para as versões transnacionais da (neo)vanguarda e para as narrativas pós-coloniais que buscam desafiar dos modelos de transmissão artística baseados na noção de centro-periferia. Uma vez que a carreira de Oiticica encarnou uma transição do modernismo tardio para o contexto contemporâneo globalizado, suas práticas heterogêneas figuraram em exposições recentes e em relatos históricos da arte que buscavam compreender as geografias mais abrangentes da arte moderna e contemporânea. Entre essas iniciativas, vale destacar a Documenta X (1997), de Catherine David, a exposição “Out of actions: between performance and the object, 1949-1979”, no Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles (LA MoCA) e Contemporary artworld currents, livro de Terry Smith (Pearson, 2011). Embora sejam esforços admiráveis, existe ainda o risco de que esse tipo de abordagem incorra em um tipo de tokenização. De fato, a arte de Oiticica pode ser imbuída de certo exotismo, em virtude de suas origens não euro-americanas, de um imaginário erótico do Brasil. E, ao mesmo tempo, suas inovações formais são perfeitamente incorporadas a um cânone contemporâneo ampliado como construtivismo do pós-guerra (Zelevansky, 2004), arte conceitual (Alberro e Stimson, 1999), cinema expandido (Michalka, 2004), performance (Jones e Heathfield, 2012) ou participação (Bishop, 2006).

Enquanto primeira monografia em inglês sobre o artista, Hélio Oiticica: dobrar a moldura, de Irene V. Small (University of Chicago Press, 2016), enfrenta, portanto, um desafio triplo: narrar uma mini-história do Brasil e de sua arte em meados do século XX, analisar as inovações formais de Oiticica em relação às vanguardas históricas e a um reconhecido cânone euro-americano da arte do pós-guerra, além de propor uma metodologia para o estabelecimento de uma História da Arte no contexto contemporâneo da globalização. Leia Mais

The fire ant wars: nature, science and public policy in twentieth-century America – BUHS (RBH)

BUHS, Joshua Blu. The fire ant wars: nature, science and public policy in twentieth-century America. Chicago: The University of Chicago Press, 2004. 216p. Resenha de: DRUMMOND, José Augusto. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.28, n.55  jan./jun. 2008.

Este livro instigante narra a vitoriosa invasão dos Estados Unidos da América pela América do Sul, ocorrida na década de 1930. Da Flórida à Califórnia, chegando ate à Virgínia ao norte, a ocupação sul-americana afetou quase a metade do território continental norte-americano. No entanto, essa invasão não foi feita por um exército profissional ou irregular de um país ou grupo de países, mas por um bem organizado e belicoso exército de formigas da espécie Solenopsis invicta (cujos nomes populares em português e inglês são respectivamente ‘formiga-de-fogo’ e fire ant), nativa de vários países sul-americanos.

O texto foi adaptado da tese de doutorado do autor (graduado em zoologia) na área de história e sociologia da ciência, defendida em 2003 na University of Pennsylvania. Buhs é atualmente pesquisador independente, trabalhando na Califórnia. A temática e a abordagem se enquadram na história ambiental, com foco mais forte (1) nas trocas biológicas entre regiões e continentes — tema do conhecido livro do historiador ambiental Alfred Crosby, Ecological imperialism: the biological expansion of Europe, 900-1900. Cambridge, Cambridge University Press, 1986 — e (2) nas relações entre ciência e tecnologia e as políticas públicas de combate à formiga-de-fogo. Os cinco capítulos são muito bem escritos, organizados e documentados, compondo um volume compacto e repleto de informação detalhada e sólida, análise aguda, discussão teórica e conceitual avançada e conclusões desafiadoras.

Buhs inicia o livro com uma torrente de informações sobre a origem geográfica, a ecologia e a biologia da formiga-de-fogo, uma entre muitas centenas de espécies de formigas nativas da América tropical e subtropical. Poucas décadas depois de a sua vanguarda invadir os Estados Unidos, no início da década de 1930, provavelmente pelo porto marítimo de Mobile (Alabama), a formiga-de-fogo se reproduziu e se espalhou vigorosamente. Chegou ao ponto de se tornar uma espécie ‘típica’ do Sul dos Estados Unidos, tanto que muitos residentes chegaram a considerá-la uma espécie nativa. No entanto, logo se percebeu que era uma invasora, pois virou grave praga em parques, praças e quintais urbanos, em beiras de estradas e em terras dedicadas à agropecuária — embora menos presente em áreas densamente florestadas. Por causa disso ela foi exaustivamente estudada e tornou-se alvo de campanhas caríssimas (todas fracassadas) de controle e erradicação. Transformou-se até em ‘personagem’ da cultura sulista dos Estados Unidos, homenageada por músicas, festivais e narrativas de folclore, sendo até adotada como mascote de times esportivos. No contexto anticomunista da Guerra Fria, conservadores menos tolerantes e mais mal-humorados chegaram ao extremo de comparar as formigas do fogo a invasores ‘comunistas’.

No entanto, ainda há incertezas fascinantes sobre a invasora. Por exemplo, não se sabe ao certo de onde ela veio — se da Argentina, do Paraguai ou do Brasil, países nos quais é nativa. Estudos genéticos indicam que as populações de formigas do fogo dos Estados Unidos são mais fortemente aparentadas com as do médio rio Paraguai. Outra incerteza é sobre o modo da invasão — uma ou mais rainhas grávidas teriam sido transportadas em cargas de frutas e madeiras? Ou teria uma colônia inteira sido transportada nas terras usadas como lastro nos navios? Talvez nunca se descubra o modo de invasão, mas ela certamente teve a ajuda involuntária dos humanos. Por que a formiga-de-fogo se tornou a espécie de formiga dominante em alguns lugares, e em outros ficou em plano secundário?

Seja como for, a formiga-de-fogo, adaptada a terras sujeitas a perturbações naturais periódicas, ligadas às cheias e vazantes de corpos de água, coloniza facilmente terras perturbadas, tanto naturalmente quanto pela atividade humana. Essa qualidade ajudou no seu rápido espalhamento do litoral do Alabama para os demais estados do Sul e Sudeste dos Estados Unidos, pois eles passavam por uma fase de intensa modernização agrícola. Os novos, numerosos e extensos campos de cultivo e pastos, o desmatamento, a introdução de maquinário pesado (tratores e bulldozers) e de pesticidas, além de obras diversas (estradas, canais, drenagem etc.), criaram territórios ideais para a proliferação da cuiabana. Ou seja, a disseminação das formigas-de-fogo também teve a ajuda humana involuntária. Porém, dois outros fatores de ordem estritamente natural ajudaram nessa proliferação: a falta de um predador ou competidor na fauna nativa e os invernos brandos. Porém, um outro fator natural — invernos rigorosos — ajudou a controlar a sua progressão mais para o norte dos Estados Unidos.

Em contraste com as primeiras seções do livro, onde predominam as abordagens e fatos da ecologia, zoologia, história natural e geografia física, as demais focalizam ações e atitudes humanas em relação às formigas-de-fogo, principalmente de cientistas, técnicos governamentais, políticos locais, estaduais e federais e fabricantes de pesticidas. As ‘guerras’ mencionadas no titulo não se deram, portanto, apenas entre os humanos em geral e os invasores invertebrados, mas entre diferentes segmentos da sociedade civil e do aparelho governamental. Eles discordavam entre si quanto à identificação, aos perigos e às vulnerabilidades da formiga-de-fogo e quanto aos modos de combatê-la. Não havia consenso sobre a sua periculosidade, por exemplo. As guerras entre humanos se explicitaram nas diferentes campanhas de erradicação e controle da formiga-de-fogo, em que se enfrentaram portadores de diferentes conceitos sobre a natureza e sobre a sociedade, correspondentes a coalizões políticas mais ou menos fortes e duradouras que reuniam atores desde o nível estritamente local ao nacional.

O autor demonstra esperança de que o melhor conhecimento sobre essas guerras e sobre o fracasso generalizado do combate às invasoras contenha uma “lição de humildade” (p.172) para os humanos confrontados com outros problemas naturais. Ele sustenta que natureza e sociedade são muito mais complexas internamente e nas suas relações mútuas do que supunha a maioria dos que estiveram nas trincheiras humanas das guerras. Técnicos e cientistas, por exemplo, saíram chamuscados, pois a sua credibilidade junto aos cidadãos foi seriamente abalada. O seu engajamento nas guerras os colocou na companhia um tanto incômoda de políticos e lobistas oportunistas, especialmente aqueles ligados à ainda nascente indústria de pesticidas sintéticos. Esse ainda jovem ramo industrial viu no combate às formigas-de-fogo uma grande oportunidade de vender os seus produtos e de convencer o público sobre as suas virtudes.

As fontes usadas são variadas e amplas. Materiais primários (cartas, memorandos, planos e relatórios) vieram de arquivos históricos e administrativos locais, estaduais e nacionais. Papers e relatórios científicos inéditos foram pesquisados em arquivos e bibliotecas universitárias e em arquivos particulares de cientistas. O autor usou ainda uma extensa relação de livros e teses universitárias de muitas áreas de saber e dezenas de artigos científicos (publicados em revistas especializadas de história natural, ecologia, zoologia, geografia, agronomia, química, história da ciência e história ambiental, ciência política etc.), ilustrando bem o caráter multidisciplinar da pesquisa. As bem selecionadas ilustrações (mapas, desenhos, charges e fotografias) enriquecem o texto.

O livro é de alta qualidade e será de interesse e proveito para pesquisadores, estudantes e cidadãos interessados nas relações entre humanos e não-humanos, em especial no tocante a introduções intencionais ou acidentais de seres vivos em locais distintos dos seus habitats ou áreas de ocorrência naturais. No entanto, cabe destacar dois pontos. Primeiro, trata-se de uma temática que, embora relevante para a realidade brasileira — diversa da norte-americana —, é um tanto avançada para o estado atual das ciências biológicas e sociais no Brasil. Segundo, a abordagem é avançada, e não introdutória. É mais recomendável, portanto, o seu uso em centros de pesquisa e pós-graduação, e não em cursos de graduação.

José Augusto Drummond – Centro de Desenvolvimento Sustentável – Universidade de Brasília (UnB), SAS Quadra 05, bloco H, n. 50, 2º and., zona central. 70070-914 Brasília – DF – Brasil. E-mail: [email protected]

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