Hermeneutics, Politics and History of Religions | Christian Wedemeyer e Wendy Doniger

Assim como na área da Sociologia, da Arquitetura, da Economia e da Crítica Literária, pode-se dizer que existe uma “Escola de Chicago”, no estudo da história das religiões. Seus fundadores foram exilados europeus que trabalharam e permaneceram nos Estados Unidos até o final de suas vidas.

O primeiro deles, o alemão Joachim Wach, é pouco conhecido no Brasil, tendo sido publicada aqui apenas sua obra de Sociologia da Religião. São Paulo: Paulinas, 1990. O segundo, o romeno Mircea Eliade, foi um escritor profícuo, com suas obras editadas por várias editoras do país. Ambos possuem histórias bem distintas, peso acadêmico diferente, o que se reflete, inclusive, na organização do livro em apreço, são duas partes dedicadas a Eliade e uma para Wach. A importância do legado deixado por esses pesquisadores é enfatizado pelos dezesseis autores reunidos, mas a principal contribuição é a avaliação crítica feita através de diversos ângulos e perspectivas.

Carlo Ginzburg inicia seu artigo comentando, exatamente, a ambivalência de visões e apropriações da vasta obra eladiana (p.307), mas isso pode ser estendido igualmente para a vertente teórica lançada por Wach. Afinal, a herança deixada por esses estudiosos criou um grupo, uma “escola”, o que já indica tanto a relevância de suas investigações quanto a riqueza das trilhas metodologicamente abertas.

O que caracterizaria essa “escola”? O livro não aprofunda tal questão, visando muito mais avaliar a contribuição desses pioneiros na organização da História das Religiões dentro do ambiente acadêmico norte-americano. Entretanto, podemos detectar alguns traços em comum. Primeiro, a influência da fenomenologia na abordagem das manifestações religiosas. Em segundo lugar, a caracterização do sagrado enquanto campo específico do estudo das religiões. Em terceiro, destaca-se uma perspectiva compreensiva, até vivencial, propondo a hermenêutica como método básico das ciências das religiões. No mais, existem várias diferenças entre os dois, mesmo que fossem muito amigos e admiradores mútuos.

Joachim Wach era bastante influenciado pelos sociólogos alemães dos fins do século XIX e início do XX, a exemplo de Simmel, Troeltsch e Weber. Com o último, travou bons debates acerca do método para o estudo das religiões. Hans G. Kippenberg aponta algumas divergências. A abordagem weberiana, por exemplo, partiria de certa contradição entre religiosidade e mundo, entre indivíduo e sociedade; já na ótica de Wach o principal problema seria justamente entender como o sujeito pode encantar o mundo e como a experiência com o sagrado cria laços coletivos (p.11). Há ainda a questão da racionalidade das ações tão ressaltada por Max Weber e que Wach considerava empobrecedor para a compreensão dos aspectos “irracionais” pertinentes às crenças religiosas (p.13).

Dentre as abordagens propostas por aqueles autores, Wach possuía uma abertura maior para as contribuições científicas da Teologia. Ela deveria compor a religionswissenchaft, aprofundando e valorizando a experiência significativa do crer. Por isso, os tipos construídos pelo autor se afastam dos tiposideais weberianos. Como indica Gregory Alles, sua busca era pelo essencial do fenômeno, por uma compreensão internalista, aproximando-se das visões de mundo tipificadas por Dilthey (p.54). Weber (p. 60)teria desprezado esse elemento, mas é ele que fundamenta as religiões: uma experiência subjetiva com a “realidade última” da vida.

A promissora carreira de Wach, na universidade de Leipzig, foi interrompida em 1935 por causa de sua origem judia. Ele teve, inclusive, irmãos mortos nos campos de concentração. Nessa época, obteve o convite para realizar Lectures na Universidade de Chicago e acabou conseguindo tornar-se professor. Daquele novo centro acadêmico norte-americano – criado em 1909 – difundiu sua concepção de História das Religiões.

A preocupação com a base metodológica foi uma constante de seus estudos, em ambas as universidades. Nesse ponto, sua obra é bem distinta da produzida por Mircea Eliade, basicamente descritiva e pouco aprofundada nos aspectos teóricos. Joachim Wach buscava tecer uma dialética entre o contexto social e a experiência religiosa, sem reduzir um ao outro, como descreve o artigo de Charles Preston (p.82). Ele buscou superar a influência da tradição judaico-cristã no campo epistemológico (o que Weber não fez), sem defender um relativismo absoluto. O perspectivismo atinge basicamente os dados, a descrição, como convém ao bom método historicista, isso não o leva, todavia, a igualar todas as tradições. Para Preston, seu método aproxima-o do “relativismo moderado”, semelhante ao da antropologia de Geertz (p.96).

Eliade possui bem menos influência do historicismo. O ambiente do cristianismo oriental foi que marcou sua juventude. Autores como Bryen Rennie chegam a dizer que foi a teologia dos ícones que serviu de modelo para seu famoso conceito de hierofania (p.197 e 211). A tradição ortodoxa é bem menos historicizante que a latina, valorizando o contato místico, direto, litúrgico, da adoração, o que é enfatizado nos estudos eliadianos.

Tal relação com a história é discutida por diversos autores do livro. A reflexão ocorre em dois níveis básicos: a relação do autor com o contexto histórico romeno e como a história é considerada na sua abordagem do sagrado. Acerca das questões pessoais, um tema que volta sempre é a adesão juvenil de Eliade ao fascismo, sua filiação à Guarda de Ferro romena. Interessante que nenhum dos artigos relaciona esse engajamento com a criação rígida de Eliade e com a tradição militar de sua família. A maioria trata somente da vontade pessoal de esconder esse passado, como afirma o conterrâneo Matei Calinescu (p.115), explorando as decepções que o erudito estudioso teve com a própria história pátria. A Romênia tornou-se socialista no pós-guerra e Mircea Eliade, além de ficar exilado, teve suas obras proibidas.

Isso torna Mircea Eliade um reacionário? Não necessariamente. Anne Mocko (p. 298) estuda o “anti-comunismo” do autor, expresso de forma mais evidente nas obras literárias. Há diversas críticas à política partidária, à ditadura estatal e aos mecanismos de censura criados nos regimes soviéticos. Na verdade, trata-se de uma suspeita geral a respeito dos movimentos políticos, que ao buscarem utopias, acabam gerando violências. Outra vertente das críticas pode ser encontrada na rejeição do reducionismo marxista, mas Eliade (p. 288) criticava qualquer teoria que “explicasse” o religioso.

O trauma do exílio e as decepções políticas levaram o autor a se afastar cada vez mais da história? Difícil afirmar claramente, pois qualquer teoria sobre a “influência” desses ou outros fatores é uma questão de interpretação pessoal. O contexto das grandes guerras, claro, afirma Ginzburg (p.316) contrariamente ao método eliadiano, foi que possibilitou a elaboração das obras que projetaram internacionalmente seu nome.

A rejeição do histórico, de qualquer modo, foi uma tendência comum entre os intelectuais da época. Florin Tucanu (p. 256) localiza a preocupação com o mítico, o simbólico, com o homem antigo, na verdade, já nos textos escritos na adolescência, bem antes dos traumas políticos. O “antihistoricismo” de suas categorias adviria de certo encanto com o ambiente rural dos Balkans e com seu folclore. Isso marca, inclusive, o estilo retórico de Eliade, como demonstra Daniel Dubuisson (p. 140). Ele utiliza poucos recursos metalingüísticos, evita os debates e as citações, fazendo suas assertivas centrais de modo abstrato. Sua forma de exposição acaba exigindo certa confiança do leitor.

Esse estilo meio vago e “misterioso” relaciona-se ao sagrado, como é concebido pelo estudioso romeno, ao mesmo tempo transhistórico e interno à consciência humana. Essa, talvez, tenha sido sua maior originalidade, afirma Elaine Fisher (p. 278): “encontrar nas religiões o código pan-cultural para o Novo Humanismo que intentava construir”.

Os resultados da proposta podem ser avaliados nessa obra, que reuniu palestras dadas na Terceira Conferência Internacional de História das Religiões, promovida pela Universidade de Chicago, em novembro de 2006. A ambivalência da herança intelectual de Joachim Wach e de Mircea Eliade, hoje, torna-se um rico veio a ser explorado intensamente e, na perspectiva dos autores, hermeneuticamente.


Resenhista

Eduardo Gusmão de Quadros – Doutor em História pela Universidade de Brasília. Professor do departamento de História da Universidade Estadual de Goiás e da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

WEDEMEYER, Christian K.; DONIGER, Wendy (Ed.). Hermeneutics, Politics and History of Religions. New York: Oxford University Press, 2010. Resenha de: QUADROS, Eduardo Gusmão de. Um Projeto Hermenêutico de História das Religiões: Mircea Eliade, Joachim Wach e a criação da escola de Chicago. História Revista. Goiânia, v.15, n.2, p. 457-460, jul./dez.2010. Acessar publicação original [DR]

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