Infâncias, Direitos e Vulnerabilidades | Fronteiras – Revista catarinense de História | 2021

Sobre os Direitos Humanos ou ainda sobre João, Bilú e tantas outras crianças…

Nas Ciências Humanas, quando levantamos a bandeira dos Direitos Humanos, em diversas oportunidades, no tempo presente, estamos convencidos e convencidas de que nossos pares, que são também em parte nossos interlocutores, compreendem perfeitamente do que estamos falando. Direitos Humanos são direitos inerentes à vida humana, gestados a partir da noção de inviolabilidade de um corpo que é único, provido de uma dignidade que não pode ser alijada do ser a qual pertence, de um sentimento de empatia de um ser, a outro, que é o seu igual. Estes sentimentos que nos unem como gênero humano, e que foram construídos, nunca é demais dizer, trouxeram junto ao ideal de igualdade o seu oposto, que não é, paradoxalmente, a sua negação: a noção de diferente, cuja promoção à igualdade consiste num dos pilares daqueles Direitos Humanos em que acreditamos. A História dirá se essa noção, tão cara a nós, corresponderá a uma conquista permanente.

Ao narrar a história dos Direitos Humanos, a história de como foram “inventados” ao longo dos 150 anos que separam a Declaração de Direitos dos Estados Unidos da América (1776), e a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1948), Lynn Hunt1 assim definiu sua trajetória: uma cascata. De uma concepção limitada de cidadão, gestada no curso do Iluminismo francês, o que era do âmbito dos Direitos Humanos não deixou de ampliar-se: aos homens não católicos, aos não proprietários, aos não livres. Depois, abrangeu os (ainda) não capazes, como as crianças e os jovens, e finalmente, os não homens, as mulheres. Como se sabe, as demandas de grupos sociais por sua incorporação à lógica dos Direitos Humanos (do direito à diferença entre iguais) não cessou com a inclusão das crianças, dos jovens e das mulheres na perspectiva da cidadania. Continua, por exemplo, nas reivindicações das populações negras periféricas, ou naquelas oriundas do público LGBTQIA+, cujos direitos são sistemática e cotidianamente violados.

No ínterim de que tratamos, no interior daquilo que nos faz iguais, nossas diferenças foram sendo consideradas: religiosas, biológicas, étnicas, dentre outros pertencimentos que nos qualificam. As crianças e os adolescentes, incapazes momentâneos segundo a lógica dos direitos universais, saíram da névoa para se consolidar como público cuja violação dos direitos representa o inaceitável em seu maior expoente. Como expresso por Hunt (2009, p. 25) “temos muita certeza de que um direito humano está em questão quando nos sentimos horrorizados pela sua violação”. Nada mais preciso do que isso: a gravidade da violação dos direitos é inversamente proporcional aos direitos consolidados, e ao pleno exercício das nossas capacidades (civis, políticas, econômicas, jurídicas, etc.). Quer dizer, se alguém se encontra numa fase da vida marcada pela condição peculiar de desenvolvimento, sob os cuidados e encaminhamentos de instituições como a família, a escola, a sociedade civil, os agentes de segurança pública, ou as entidades de proteção, a exemplo das crianças, maior e mais notável será nosso sentimento de que uma violação de direitos, nestas condições, é inaceitável.

Exemplos nos saltam aos olhos a cada esquina, como naquela da dramaturgia de Kátia Lund2, onde encontramos Bilú e João. Duas crianças que brincavam cada qual a sua maneira; Bilú descia o morro de bicicleta e João jogava fliperama. Duas crianças que se divertiam antes de se tornarem invisíveis no mundo do trabalho urbano e das violências silenciosas, a primeira delas, a naturalização do seu pertencimento a um universo de privações. Em situação semelhante à de Bilú e João encontramos muitas outras crianças e adolescentes que são tantas vezes invisíveis. Invisibilidade que consiste no viver em situação de rua, de ser abusada/o sexualmente, em permanecer institucionalizado por anos ou não acessar seus direitos básicos: à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, bem como sua salvaguarda de quaisquer formas de negligência, de discriminação, de exploração, de violência. Consolidar o paradigma da proteção integral, descrito no conjunto de direitos mencionados, consiste em reverter a invisibilidade destas crianças e adolescentes. Em diferentes tempos e contextos geográficos a invisibilidade dessa parcela populacional resulta diretamente na ausência de empatia – motor dos Direitos Humanos – por essas infâncias entrecortadas por abandonos, negligências e violências.

O mote Infâncias, Direitos e Vulnerabilidades dialoga com esta lógica que imbrica direitos universais e direitos específicos, e, sobretudo, com uma lógica cidadã que está, em especial no Brasil, em processo de consolidar-se, mas que enfrenta desafios significativos na ordem sociopolítica, jurídica e institucional. Tendo em vista o espaço de experiência anterior – os mais de 20 anos de ditadura militar e de uma política penal/punitiva e assistencialista voltada às infâncias e juventudes – foi em meio aos debates da chamada Nova República, nos anos 1980, que se incorporou no país os preceitos da Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), que instituem estes Direitos Humanos específicos do qual gozam crianças, adolescentes e jovens. Afinal, a partir da tensão de um passado ditatorial ainda latente e na expectativa de um horizonte que se afastasse dessa realidade se construiu um panorama que permitiu aos direitos das crianças e dos adolescentes tornar-se um eixo matriz na busca por Direitos Humanos em nosso país. Estes princípios e direitos estão expressos na Constituição Federal brasileira (1988), no Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (2012) e no Estatuto da Juventude (2013), por exemplo.

Como população tutelada, as infâncias e as juventudes são vulneráveis dadas as suas condições desiguais de acessar oportunidades, pelo ainda não pleno desenvolvimento de suas capacidades emocionais, materiais, civis etc. Em razão desta condição peculiar, crianças são frequentes vítimas de privações e violências a cargo de indivíduos, coletivos e/ou estruturas. Com adultos, jovens ou entre si, as crianças compartilham relações de poder desiguais, em uma perspectiva verticalizada, o que fica patente na descrição, a seguir, dos textos que compõem este dossiê.

A proposta do dossiê Infâncias, Direitos e Vulnerabilidades surge no interior do Grupo de Trabalho História da Infância e da Juventude da Anpuh/Seção Santa Catarina3. Os textos recebidos e selecionados para esta edição n. 38 da Revista Fronteiras corroboram, grosso modo, o que afirmamos anteriormente: a maior parte da produção em História das Infâncias e das Juventudes, no Brasil, versa sobre experiências temporais que circundam a promulgação das normativas nacionais e internacionais. Isto significa que sobressaem as experiências infantojuvenis posteriores à promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990. É também neste momento, mais precisamente nos anos finais da década de 1980, que vemos emergir a História das Infâncias e das Juventudes como um campo de estudos no interior da disciplina de História. Ainda quando versam sobre outras temporalidades, prevalecem nos estudos a perspectiva da ausência/exclusão de direitos.

Na abertura do dossiê, reproduzimos uma homenagem do historiador Humberto Miranda à professora Esmeralda B. Blanco de Moura. Ao historiar os inícios do campo, Miranda demonstra como ele se confunde com a própria trajetória de Esmeralda, uma das principais referências dos estudos historiográficos sobre infâncias no Brasil, e que nos deixou neste ano de 2021. O artigo intitula-se Por que as infâncias? Uma homenagem à Esmeralda Blanco Moura e os(as) “Caçadores(as)” de Histórias. Para o autor, a contribuição de Esmeralda ao Grupo de Trabalho História da Infância e da Juventude da Anpuh/Brasil, e mais recentemente, à Red de Estudios de Historia de las Infancias en América Latina foi marcada por uma “caça” às crianças. Primeiro, porque foi preciso “caçá-las” no interior de uma disciplina – seus documentos, teorias e métodos – na qual elas figuravam como personagens coadjuvantes dos processos sócio-históricos. A caçada consistiu, em segundo lugar, na busca por consolidar o campo, destacando sua relevância social e seu pertencimento aos estudos históricos. As supracitadas redes são provas inquestionáveis dos seus esforços e logros.

No artigo intitulado Violações de Direitos Humanos em uma instituição para adolescentes em conflito com a lei (Santa Catarina/Brasil, 1984-2010), Silvia Maria Fávero Arend e Otoniel Rodrigues Silva – historiadora e pedagogo, respectivamente – apresentam os resultados de uma pesquisa documental extensa, que tem como objeto de investigação as violações de Direitos Humanos ocorridas no interior do hoje extinto Centro Educacional São Lucas, localizado na região da Grande Florianópolis. Analisando documentos oriundos do Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina, as autorias sustentam que as modificações operadas nos sentidos de infância e juventude, que se fazem notar a partir da redemocratização brasileira – fortemente influenciada pelas normativas internacionais – não lograram êxito equânime para a totalidade dos infantojuvenis. Para os adolescentes autores de infração penal, público central da narrativa, as práticas evidenciadas, no plano operacional do meio jurídico e também no “disciplinar”, permaneceram durante o período analisado apegadas às doutrinas menoristas historicamente verificadas de exclusão social desses sujeitos.

Daniel Alves Boeira é autor do artigo intitulado O Sistema do Menor e O Projeto Dom Bosco: propostas da CPI do Menor (1975-1976), no qual apresenta um dos encaminhamentos de uma Comissão Parlamentar de Inquérito realizada entre 1975 e 1976, no Brasil. Esta comissão, que ficou conhecida como CPI do Menor, teve origem em denúncias de violações de Direitos Humanos contra crianças e adolescentes sob responsabilidade da entidade que geria nacionalmente as políticas sociais para esse público, a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor – Funabem. Com a proposta, pela CPI, de criação do Sistema do Menor que sobrepujaria a Funabem e, dentro dele, do Projeto Dom Bosco, criava-se uma iniciativa público-privada voltada às infâncias e às famílias pobres. Para o historiador, embora o projeto não tenha se efetivado, dadas as condições históricas que se apresentavam desfavoráveis aos “redirecionamentos” operados pela Ditadura Militar, o projeto foi relevante por fomentar o debate público sobre a questão da marginalização social e, sobretudo, por colocar o “menor” num contexto social, cultural e econômico, que deveria ser incluído nas propostas de políticas sociais.

José María Vitaliti e Karen Noel Castillo nos oferecem um olhar interdisciplinar sobre a incorporação dos preceitos da Convenção sobre os Direitos da Criança no contexto argentino, em especial, na província de Mendoza. No artigo intitulado El proceso de producción de la primera ley argentina de infancia después de la Convención de los Derechos del Niño en Mendoza (1993-1995): la autora, los fundamentos y los magistrados, as autorias discorrem sobre a Lei Provincial n. 6.354/1995, proposta pela senadora María Teresa Oldrá de Berchessi e sancionada cinco anos após a Convenção ter sido ratificada pelo estado Argentino por meio da Lei Nacional n. 23.849. No centro da discussão de Vitaliti e Castillo, pautada em documentação jurídica e institucional, estão os atores sociais e os debates em torno da construção da lei n. 6.354, a primeira no país a modificar substancialmente as normativas vigentes tendo em vista a perspectiva dos Direitos Humanos para crianças e adolescentes. Em que pese o pioneirismo da legislação de Mendoza, a referida lei encontrou diversos entraves à sua implementação, sobretudo oriundos dos operadores do Direito.

Um conjunto de prontuários e um olhar sensível resultaram no artigo intitulado Exploração sexual comercial e Histórias de vida: um estudo a partir dos prontuários de meninas assistidas pelo Programa Social Sentinela (Florianópolis, 1990-2010). Camila Serafim Daminelli apresentou as histórias de vida de Valentina, Mariana e Ana Carolina e por meio delas analisou experiências relacionadas ao atendimento de abuso, violência e exploração sexual pelo Programa Social Sentinela, na cidade de Florianópolis, entre 1990 e 2010. A historiadora evidenciou que o Programa Social Sentinela – que nasceu a partir da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente – trabalhou em duas frentes: primeiro, um frágil empoderamento familiar para lidar com as violências sofridas; e, segundo, o abrigamento, quando da impossibilidade do convívio familiar. No período analisado, a autora constata que a atuação do referido programa social se restringiu a um atendimento emergencial que garantiu a sobrevivência das meninas, mas não logrou promover a sua autonomia e a superação das violências sofridas.

O que é pedofilia? Seria um crime ou uma doença? Estas são perguntas que nos interpelam cotidianamente, principalmente pelo fato de ser um assunto que se faz presente em diferentes mídias. Estas indagações também serviram de eixo central para a historiadora Elisangela da Silva Machieski, na redação do artigo intitulado: Pedofilia, entre o real e a ficção: possibilidade de diálogo entre a revista Veja e o cinema (1996 – 2010). A autora buscou compreender como o termo pedofilia foi entendido e, consequentemente, utilizado na revista Veja e no cinema, entre 1996 e 2010. Os resultados da análise dialogam com a perspectiva de que o conceito de pedofilia foi/é utilizado de maneira errônea/confusa no cinema, na Revista Veja e, também, no senso comum. O artigo Mediação pedagógica para crianças em situação de vulnerabilidade social: a extensão universitária em tempos de pandemia, de autoria da pedagoga Aline Fátima Lazarotto, compartilha o relato de uma experiência em extensão universitária junto ao curso de Pedagogia da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (UNOCHAPECÓ), em Santa Catarina, durante a Pandemia da Covid-19. Um dos projetos narrados no texto consiste no “Pedagogia na rua”, ofertado para crianças em situação de vulnerabilidade por meio de atividades remotas síncronas, com mediações lúdicas permeadas pelo brincar. Com base nos resultados das referidas práticas pedagógicas a autora sinaliza a necessidade de ampliação das políticas públicas educativas para se minimizem os efeitos provocados pelo fechamento das escolas e pelo agravamento das condições socioeconômicas vivenciadas pelo público infantojuvenil e suas famílias, no contexto pandêmico ainda atual.

Claudia Regina Nichnig entrelaça infâncias e maternidades para refletir sobre as vulnerabilidades e a ausência de direitos de crianças e mães indígenas. O artigo “Pensa numa dor dolorosa”: colonialidade, infâncias e maternidades indígenas Guarani e Kaiowá demonstra que há sobre as mães e as crianças indígenas Guarani e Kaiowá um olhar colonial que sugere uma maneira correta de cuidar e de ser criança, inclusive rechaçando as formas tradicionais de cuidados que perpassam gerações e conhecimentos tradicionais. A historiadora apresenta casos de intervenção estatal que resultaram na institucionalização das crianças como medida protetiva, quando foram retiradas não somente do seu convívio familiar, mas da sua cultura e modo de viver Guarani e Kaiowá. “Pensa numa dor dolorosa”, segundo o relato de Claudia, era o grito de desespero de uma das mães cujos filhos foram retirados do seu convívio, ecoando também no grito de outros grupos populacionais que perderam/perdem suas crianças em razão da ausência ou da negligência das políticas públicas instituídas.

O artigo intitulado O papel do espaço nas memórias da infância traz uma contribuição para a historiografia das infâncias e juventudes brasileiras a partir de memórias de infâncias vividas durante o processo de urbanização da cidade de Maringá, entre 1970 e 1990. A partir de fontes orais o historiador Ailton José Morelli tece uma análise acerca das relações entre a criança e o processo de urbanização da cidade. O artigo constitui importante registro para os estudos da infância ao ressignificar, no tempo presente, as relações entre adultos e crianças e os impactos deste processo nas memórias dos primeiros. Além disto, a tessitura enfatiza a riqueza das experiências infantis para a reconstrução do passado, apresentando também a repercussão destas investigações nos diferentes espaços de circulação e atendimento à infância.

Os espaços da cidade também foram tema e objeto de análise do artigo Una ciudad para los niños. Los espacios de diversión para la infancia en el Distrito Federal, 1928-1940 que aborda os espaços lúdicos construídos para as infâncias na capital mexicana, na primeira metade do século XX. A autora, Daniela Lechuga Herrero, busca identificar as mudanças e, principalmente, apresentar como a construção dos espaços foram direcionados, ora para todas as crianças, ora apenas para as crianças pertencentes às classes médias. Utilizando fontes hemerográficas e documentos de planejamento urbano, a autora descreve as alterações dos espaços urbanos e sua ocupação pelas crianças. Lechuga problematiza a mobilidade e a visibilidade social dada à infância no período do narrado remodelamento urbano, temas centrais do texto e que instigam a pensar como os espaços são atravessados por interesses e intencionalidades que afetam os modos de socialização das crianças na cidade.

A pesquisa em fontes bibliográficas pautou a redação do artigo A construção social do conceito infância no sistema capitalista: um levantamento bibliográfico, de autoria de Idelvani da Conceição Bezerra Thiago e Maria Nilvane Fernandes. A análise problematiza a construção ideológica da concepção de infância a partir da perspectiva histórico-crítica. O estudo traça um percurso histórico da construção do conceito de infância e de seus significados, que, no transcurso do tempo, legitimaram uma dada concepção hegemônica de infância no contexto do capitalismo contemporâneo. Para a caracterização dos conceitos de criança e infância, as autorias realizam um inventário das produções acadêmicas a partir do repositório da Capes. A investigação traz à tona os principais teóricos e campos de estudo que têm contribuído para a compreensão do conceito de infância e interpelam a uma ampliação das representações e perspectivas que considerem as diversas infâncias e a criança como sujeito histórico e social para além de concepções abstratas que fortalecem uma visão hegemônica e romantizada acerca destas duas categorias.

A narrativa Memórias do debate sobre gênero e sexualidade da Escola de Aplicação da FEUSP (1990-2020) nos permite acessar a experiência de professores/as que atuaram/atuam num projeto – criado na década de 1990 e ainda em execução – que discute junto a adolescentes temas que envolvem gênero, sexualidade, saúde e gravidez na adolescência. A partir de um conjunto de diversas fontes tais como narrativas bibliográficas, planos escolares, relatos, reportagens e fotografias, o artigo busca reconstituir aspectos da cultura escolar para caracterizar as experiências dos diferentes sujeitos e destacar os desafios, transformações e avanços que o projeto vem realizando em aproximadamente três décadas. A pesquisa apresentada é parte integrante de um projeto amplo que investiga a circulação de sujeitos, artefatos, saberes e práticas educacionais no Brasil desde o século XIX até o XXI. Renata Guedes Mourão Macedo, Gabriel Delatin de Toledo e Vivian Batista da Silva, que assinam o texto, instigam a pensar como ao longo do período estudado as transformações sociais implicaram modos de pensar e temas em destaque, e questionam, também, como é possível avançar na direção de uma escola menos excludente e que atenda a pluralidade dos sujeitos.

Ígora Dácio e Joice Ribeiro discutem o tema da participação infantil na escola no artigo intitulado Do direito a ser criança: educação infantil participativa como prática de liberdade. Na defesa de uma educação como direito, as autorias analisam práticas educativas que compõem o cenário de uma instituição de educação infantil para problematizar os modos através dos quais a escola organiza suas práticas, bem como a relação que as crianças estabelecem neste espaço, questionando se elas são consideradas protagonistas do processo educativo. Ao reafirmar a criança como sujeito de direitos e a escola como espaço privilegiado para a garantia do direito de “ser criança”, o texto apresenta aspectos do cotidiano de uma escola infantil que demonstra a permanência de práticas de disciplinarização dos corpos infantis e a negligência de seus direitos garantidos por lei. A pesquisa sinaliza, por meio da escuta sensível, manifestações nas quais crianças, desde bem pequenas, buscam se desviar destas práticas, resistindo e criando estratégias para demarcar os seus lugares na instituição.

No encerramento do dossiê reproduzimos um compilado de duas entrevistas realizadas com as representantes do México e do Brasil na Red de Estudios de Historia de las Infancias en América Latina – REHIAL entre os anos de 2013 e 2021, respectivamente, as professoras doutoras Susana Sosenski e Silvia Maria Fávero Arend. A convite das organizadoras do dossiê, as entrevistadas constroem um panorama sobre a História das Infâncias e das Juventudes em seus respectivos países, falam sobre os desafios teórico-metodológicos do campo e comentam o significativo processo de integração latino-americano evidenciado atualmente entre os e as pesquisadores/as desta área de estudos. As entrevistas são um convite a conhecer uma categoria historiográfica em expansão, mas ainda jovem, pelo olhar de duas de suas maiores referências no tempo presente.

Além dos textos que compõem o referido dossiê, este número traz o artigo Os ingleses e o tráfico interno de escravos no Brasil: o caso da Imperial Brazilian Mining Association (1809-1833), de autoria de João Daniel Carvalho que analisou a atuação da mineradora inglesa Imperial Brazilian Mining Association e fez um levantamento dos súditos de Sua Majestade Britânica que atuavam nesse tráfico interno. O tráfico de escravos africanos foi uma das principais instituições que se desenvolveram desde o fim da Idade Média, alcançando seu apogeu no século XIX, num momento muito singular.

Aos colegas e às colegas que contribuíram na confecção deste dossiê – que nos ajudaram a pensar a proposta, que enviaram textos, que concederam entrevistas ou àqueles que realizaram os pareceres – nosso fraterno agradecimento. Agradecemos também aos pareceristas que nos concederam avaliação dos demais textos que compõem este número.

Aos leitores e às leitoras, investigadores/as do campo e interessados/as nas questões relacionadas aos direitos das infâncias, adolescências e juventudes brasileiras e latino-americanas, fica nosso convite à apreciação do presente número.

Notas

1 HUNT, Lynn. A invenção dos Direitos Humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

2 Bilú e João. Dir. Kátia Lund. 15min., Color, 35mm, Itália, 2005. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9IpfZuCdq6s.

3 A gestão do Grupo de Trabalho História da Infância e da Juventude da Anpuh/Seção Santa Catarina, no binômio 2020-2022 está composto pelas professoras doutoras Camila Serafim Daminelli (IFES) e Elisangela da Silva Machieski (UENP), e pelo professor doutor Ismael Gonçalves Alves (UNESC).


Organizadores

Camila Serafim Daminelli – Doutora em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Professora de História do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico junto ao Instituto Federal do Espírito Santo – IFES/Campus Aracruz. Coordenadora do Grupo de Trabalho História da Infância e da Juventude da Anpuh/Seção Santa Catarina, no binômio 2020/2022. Brasil. E-mail: [email protected]  https://orcid.org/0000-0003-1893-1543

Elisangela da Silva Machieski – Doutora em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. Professora na Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP. Brasil. Contato: [email protected]  https://orcid.org/0000-0002- 1394-5180


Referências desta apresentação

DAMINELLI, Camila Serafim; MACHIESKI, Elisangela da Silva; MORETTO, Samira Peruchi. Apresentação. Fronteiras – Revista catarinense de História, n. 38, p. 9-17, jul./dez. 2021. Acessar publicação original [DR]

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