Mulheres e Poder – histórias, ideias e indicadores – MELO (S-RH)

MELO, Hildete Pereira de; THOMÉ, Débora. Mulheres e Poder – histórias, ideias e indicadores. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018.  Resenha de: SILVA, Tamy Amorim. Mulheres, feminismos e poder: caminhos de lutas. SAECULUM – Revista de Hhistória, João Pessoa, v.40, p.461-466, jan./jun. 2009.

Mulheres e poder – histórias, ideias e indicadores é uma obra necessária em momentos atuais. Publicado no ano de 2018 pela editora Fundação Getúlio Vargas, o livro nos traz relevantes discussões para aprendermos sobre a longa duração das lutas das mulheres pelo acesso à educação, ao trabalho, ao voto, entre outras, esboçadas durante os capítulos, e procura nos fazer refletir sobre o quanto ainda falta para lograr a equidade de gênero.

Uma das autoras, Débora Thomé, é doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense. Entre outras publicações suas estão os livros O Bolsa Família e a social democracia e 50 brasileiras incríveis para conhecer antes de crescer – este último voltada para o publico infantil. Atualmente, suas pesquisas se destinam a explorar a participação política de mulheres no Brasil. A outra autora é Hildete Pereira de Melo, professora associada da Universidade Federal Fluminense, doutora em Economia. Seu currículo se expande em número de publicações, orientações e experiências de pesquisa, sendo que um dos temas aos quais dedicou suas investigações diz respeito às assimetrias de gênero no campo do trabalho doméstico. Na apresentação do livro fica evidente que militância e pesquisa acadêmica estão imbricadas e é relevante mencionar que Hildete Pereira indica sua articulação com os feminismos desde meados de 1976, sendo, nesse livro, uma “testemunha desta história” escrita (Melo; Thomé, 2018, p. 191).

A proposta para tal obra nasceu de um seminário promovido pela Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres em 2016, com o qual as autoras estiveram envolvidas e que visava aportar 900 futuras candidatas a prefeitas e a vereadoras. Da reunião de materiais para conduzir o evento, sinalizaram o pouco que se tinha de informações sistematizadas sobre as mulheres. Portanto, o livro é resultado de um esforço de síntese de diversas discussões e dados atuais sobre a participação de mulheres em vários âmbitos. Um dos objetivos dessa obra é o de levar ao conhecimento do público em geral reflexões acerca das brechas de gênero que distanciam as mulheres das esferas de poder (Melo; Thomé, 2018, p. 9).

O livro está dividido em oito capítulos e possui uma linguagem de fácil entendimento, tornando-o interessante para quem está iniciando suas leituras sobre gênero e feminismos, mas também para quem necessita de informações e dados contextualizados sobre o tema. Ao passar os olhos pelo sumário, percebe-se a ousadia da proposta e o tortuoso caminho percorrido pelas autoras.

O primeiro capítulo “Mulheres, poder e feminismos” tem início com a pergunta: O que é feminismo? As autoras indicam que pode ser entendido como “uma teoria sobre o poder e sua distribuição desigual nas sociedades humanas”, um “conjunto de movimentos políticos, sociais, filosofias” que buscam construir direitos iguais (Melo; Thomé, 2018, p. 19).

No decorrer do capítulo, Thomé e Melo ressaltam algumas das vertentes do feminismo: liberal, radical, marxista, negro, interseccional e cultural, apresentando suas principais linhas de pensamento e as diferenças entre si. Contudo, advertem que, de forma geral, “todos entendem que existe uma situação de vulnerabilidade e de subalternidade pela qual o fato de ser mulher implica desde tempos imemoriais” (Melo; Thomé, 2018, p. 31).

Gênero – categoria de análise bastante anunciada e deturpada na atualidade por movimentos conservadores – é apresentado como um elemento que emergiu em meados das décadas de 1970 e 1980, mediante a busca de se compreender a opressão das mulheres, assim como desnaturalizar o sexo biológico como destino; entendendo com isso que as características e papéis imputados às pessoas são construções histórico-sociais baseadas em diferenças percebidas sobre o corpo sexuado e que, portanto, não podem ser consideradas como fixas e universais.

Na esteira de teóricas brevemente apresentadas, como Gayle Rubin, Joan Scott, Linda Nicholson e Donna Haraway, as autoras propõe que gênero é um campo teórico com inúmeros debates dentro e fora da academia, e possui a potência de questionar e demonstrar que as relações entre humanos e instituições são atravessadas por poder e que elas são mutáveis.

No rastro desse caminho aberto, o segundo capítulo intitulado “As mulheres na história mundial” se move em direção à história das mulheres, alcançando trajetórias conhecidas na luta contra diversas formas de opressão. Nessa parte, dedicam-se em reforçar a crítica já realizada à História, indicando que pouco se sabe sobre as mulheres na história do mundo antigo, tanto no que diz respeito ao apagamento de suas vidas, quanto aos parcos registros sobre suas participações individuais e coletivas. O foco dessa parte está em apresentar o cenário em que emergiram mulheres feministas, ou as que deixaram escritos de seus pensamentos acerca da busca por educação e direito ao voto. Além disso, também apontaram brevemente para os primeiros países em que se logrou sufrágio, como Nova Zelândia, Inglaterra e Estados Unidos.

O terceiro capítulo se chama “Mulheres na história do Brasil” e nele se aborda a história do feminismo, focalizando o sufragismo no século XIX até meados da década 1980. As autoras são enfáticas em afirmar que as origens da opressão feminina remontam o direito romano e canônico e, para o Brasil, a colonização. De modo geral, pincelam diversas insurreições, revoltas e resistências em que mulheres negras e indígenas participaram com afinco, mas que não foram contadas pela história oficial. Sendo o principal mote desse capítulo o direito à educação – ainda que limitado para mulheres – em meados do século XIX e o voto.

No quarto capítulo, após a narrativa que propõe exibir algumas pautas dos feminismos e seus cenários de emergência, apresentam indicadores para fornecer dados importantes acerca das mudanças ocorridas nessas décadas, no que tange à luta pela igualdade. Nessa seção, designada “As mulheres e a demografia”, frisam principalmente as questões voltadas à diminuição dos níveis de fecundidade. No Brasil, entre as décadas de 1940 e 1960, a taxa de fecundidade era de 6.3 filhos por mulher e em 2015 a estimativa é de 1.72. Essa história da queda no número de filhos começou a ser percebida a partir dos anos 1970 e está relacionada, entre outros motivos, ao aumento dos anos de estudo, ao advento da pílula anticoncepcional e ao aborto (Melo; Thomé, 2018, p. 79-80).

Nesse cenário, é importante destacar que saúde sexual e reprodutiva só foi alvo de políticas públicas nas últimas décadas, que o aborto ainda é crime e tabu, salvo algumas exceções, e que a mortalidade materna alcança, assustadoramente, mais mulheres negras e pardas, causando a morte de milhares de mulheres por ano.

A passos lentos ocorreram diversas transformações, tanto no Brasil quanto no mundo, dentre outros fatores devido ao aumento do nível de escolaridade das mulheres, e este é o assunto do quinto capítulo do livro intitulado “As mulheres e a educação”. Nesse tópico, as autoras evidenciram os distintos caminhos na formação educacional quando se focaliza gênero, classe e raça, e ainda apresentaram os diversos níveis de desigualdade no que diz respeito ao mercado de trabalho, ao salário e à escolha e continuidade das carreiras.

As autoras destacaram que, se no final do século XIX 80% da população feminina do Brasil era analfabeta, somente em meados de 1960 o analfabetismo começou a ser reduzido (Melo; Thomé, 2018, p. 93-94). Na década 1990 a média de estudo entre mulheres e homens brancas/os era semelhante, porém, quando visualizada a população negra, os dados demonstravam que a defasagem permanecia. Outro ponto assinalado é o Censo de 2010, pois ele evidenciou que “O avanço educacional das mulheres não confirmou uma ‘revolução nas carreiras’”. Embora, as mulheres possuam hoje maior nível escolar do que homens, ainda estão concentradas na área da saúde, da educação e das humanidades (Melo; Thomé, 2018, p. 101).

Discussão iniciada em meados das décadas de 1960 e 1970, a divisão sexual do trabalho é o mote do sexto capítulo do livro, denominado “As mulheres e o mundo do trabalho”. As autoras reivindicam que a reprodução da vida e o trabalho doméstico são muitas vezes ignorados na literatura econômica, mas, segundo elas, “o conceito de trabalho é uma variável significativa para entender o papel das mulheres nas nossas sociedades” (Melo; Thomé, 2018, p. 109). A exemplo disso, no Brasil, seguimos ocupando 94% da mão de obra dos serviços domésticos remunerados; em contrapartida, a construção civil é ocupada por 96% de homens e é vista como reduto masculino. Para Melo e Thomé, a justificativa para a continuidade do emprego doméstico remunerado é o desiquilíbrio de renda e a labuta exigida pela reprodução da vida, além de marcar a discriminação a que estão submetidas as mulheres, já que, apesar dos avanços, as sociedades de modo geral, ainda vinculam os trabalhos domésticos às mulheres (Melo; Thomé, 2018, p. 116).

O capítulo sete, designado “Mulheres e política”, se destina a tratar da participação das mulheres na política e se conecta a todos os outros capítulos, pois retoma discussões anteriores. Alicerçadas em Pierre Bourdieu, discorrem sobre a dominação masculina no âmbito político, a ideia desse ponto é apresentar uma resposta à exclusão das mulheres, compreendendo que a dominação patriarcal entende o homem como superiores às mulheres, e, ao adentrarem no nicho da política, estariam subvertendo a ordem.

Apesar de em muitos países as mulheres constituírem metade da população, continuam sub-representadas nos parlamentos. O caso concreto do Brasil é sintomático, pois em 2014 o relatório da União Internacional de Parlamentos apresentou a posição 154º de 193 países do mundo, um dos piores índices na América Latina e Caribe (Melo; Thomé, 2018, p. 173). Passados 80 anos (1934-2014), o percentual de mulheres no Congresso é de apenas 10% (p.134-135), demonstrando que, apesar do logro das cotas, o sistema reinante nos partidos, entre outras variáveis, faz com que seja dificultosa tanto a candidatura quanto a eleição de mulheres.

O último capítulo, intitulado “Políticas públicas e legislação”, retorna à história do Brasil levando em consideração desde o período do império até os dias atuais, contextualizando, assim, como emergiram políticas públicas com viés de gênero. Nele, destacam o curto período em que Bertha Lutz foi Deputada Federal, indicando que em seu mandato ocorreu o primeiro projeto do Departamento Nacional da Mulher, esse foi interrompido mediante ao golpe de 1937 (Melo; Thomé, 2018, p. 150). Nessa parte, é ressaltado o Estatuto da Mulher Casada, em 1962, e a Lei do Divórcio, em 1972, e, na década seguinte, com o fim do período de ditadura (1964-1985), o movimento de mulheres e feministas que se mobilizaram em torno do processo da Constituinte. Salientando que a Constituição Federal de 1988 “teve um papel crucial na atuação do Estado brasileiro nas décadas seguintes, tanto na gestão, quanto na elaboração de políticas públicas mais igualitárias” (Melo; Thomé, 2018, p. 155).

As autoras ainda destacam as décadas 1990-2002 como períodos “turbulentos” no que diz respeito a políticas públicas de gênero, porém, indicaram os anos de 2003-2010 como a “melhor” época, com destaque para a Lei Maria da Penha e para as extintas Secretarias de Políticas para as Mulheres (SPM) e a Secretaria de Políticas de Promoção de Igualdade Racial (Seppir), encerradas no processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff e da substituição de seu posto.

As últimas páginas do livro dedicam-se a encorajar mulheres a buscar mais conhecimento e a se associarem a grupos de pressão, esperando que o livro “tenha servido como uma chama para aquelas e aqueles que começaram a se interessar pelo debate” (Melo; Thomé, 2018, p. 177). A obra, embora seja introdutória na parte teórica, revisa e apresenta dados importantes sobre a inserção das mulheres na política, no mercado de trabalho, na educação, e discute temas caros aos feminismos, como violência de gênero e divisão sexual do trabalho. Quanto à abordagem das autoras sobre gênero, feminismos e história das mulheres, é importante destacar que apresentam-se configuradas às discussões norte-americanas e europeias (Melo; Thomé, 2018, p. 11), ficando explícita essa conexão durante a leitura do primeiro e do segundo capítulos. Nesse sentido, um ponto que talvez possa ser incorporado em outras edições do livro são indicações de leituras outras, para além da bibliografia referenciada, podendo evidenciar temáticas e vertentes teóricas, facilitando assim, para as/os leitoras/es caminhos distintos dos percorridos na obra.

Referências

MELO, Hildete Pereira de; THOMÉ, Débora. Mulheres e Poder – histórias, ideias e indicadores. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018.  THOMÉ, Débora. O Bolsa Família e a social democracia. Rio de Janeiro: FGV, 2013.

THOMÉ, Débora. 50 brasileiras incríveis para conhecer antes de crescer. Rio de Janeiro: Galera Record, 2018.

Tamy Amorim Silva – Doutoranda em História pelo Programa de Pós-Graduação em História na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001, sob orientação da professora Dra. Cristina Scheibe Wolff. E-mail: [email protected].

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