A reprodução do racismo: fazendeiros/negros e imigrantes no oeste paulista/1880-1914 | Karl Monsma

Domingo de carnaval de 1894. Na Fazenda Sant’Anna, município de São Carlos, no Oeste paulista, cinco colonos italianos festejavam no terreiro da fazenda a folia de momo, embalados pela música, dança e bebida. Num determinado momento, o grupo decidiu ir para uma estação ferroviária, onde, em frente a uma venda, continuou a pândega em meio a transeuntes que circulavam pelo local. O “crioulo” Narciso, de aproximadamente 30 anos, fazia uma visita de cortesia ao proprietário da venda, o brasileiro branco Guilherme Hopp. Por volta das seis horas da tarde, Guilherme, com a ajuda de Narciso, começou a fechar a venda. Os italianos pediram mais vinho, e Narciso transmitiu o pedido a Guilherme, mas este se negou, dizendo que a venda estava fechada. Quando o “crioulo” comunicou a recusa aos italianos, obstruindo a porta do estabelecimento, pelo menos quatro deles o atacaram, dando-lhe “tapas e ponta-pés”. Guilherme socorreu Narciso para dentro da casa e fechou a porta. No entanto, os italianos arrombaram a porta e novamente agrediram o “crioulo” com socos e facadas, “sendo que duas foram bem visíveis, pois que a faca entrando enroscou-se, demorando o assassino em tirá-la’’. Guilherme conseguiu puxar Narciso para o interior da casa novamente e o aconselhou que se escondesse na roça de milho, afim de que pudesse escapar da fúria dos italianos. Narciso não resistiu. No dia seguinte, foi encontrado morto no milharal. Os italianos sabiam que Guilherme era quem não queria lhes vender mais vinho, mas atacaram o mensageiro “crioulo”. Algumas semanas depois, Antonio Augusto, um jovem branco brasileiro, deu pancadas num “preto” porque faltou ao trabalho na fazenda onde Antonio atuava como mestre. Em resposta, o “preto” matou Antonio com uma facada. Leia Mais

A reprodução do racismo: fazendeiros/negros/ e imigrantes no oeste paulista/ 1880-1914 | Karl Monsma

Com A reprodução do racismo, o professor Karl Monsma (Sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul) oferece uma abordagem inovadora das relações cotidianas entre imigrantes, negros e fazendeiros no período da abolição até a primeira década do século XX. No erudito livro, Monsma busca entender os processos humanos que não só produzem, mas reproduzem o racismo, apesar de grandes mudanças institucionais e/ou sociais ao longo do tempo. Ele usa o duplo contexto de abolição e imigração para mostrar um habitus racial em mudança e como os diferentes negociaram essa nova realidade, procurando as melhores condições e resultados possíveis, tanto para o indivíduo quanto para os grupos. Apesar do enfoque geográfico no oeste paulista – principalmente no município de São Carlos – a contribuição tanto historiográfica quanto metodológica do livro vai muito além desse contexto.

O livro se divide em duas partes principais. Monsma começa com uma análise teórica e hemisférica do racismo como fenômeno histórico. Primeiramente, ele navega em uma vasta literatura sociológica, antropológica e histórica para teorizar os conceitos “raça,” “racialização,” e “racismo.” Para Monsma, abordagens do conceito bourdieusiano habitus, que tomam em conta as contradições e inconsistências presentes no próprio habitus, parecem as mais produtivas, abrindo novos caminhos para combinar o conceito abstrato com observações históricas do cotidiano. Mudanças sociais ou estruturais desestabilizam o habitus racial numa sociedade—mas por que a persistência da dominação racial? Para Monsma, o racismo se reproduz em tais contextos dada a intersecionalidade do habitus racial com outros contextos humanos: redes socais, instituições, ideologias, etc. Desconsiderando o resto do livro, esse capítulo teórico já seria de leitura importante para qualquer estudante ou pesquisador interessado em tais aspectos da sociedade. Leia Mais