Livros, bibliotecas e intelectuais no mundo ibero-americano (séculos XVI ao XX) / História (Unesp) / 2017

O passado esquecido e o presente trágico

O presente número da revista História (São Paulo) está constituído por dois dossiês, vários artigos livres e resenhas de importância inequívoca para o enriquecimento da discussão historiográfica do Brasil e também no âmbito internacional.

O dossiê 1, foi organizado pelo professor Paulo Gonçalves da UNESP – Campus de Assis, sobre o título Movimentos migratórios no mundo Atlântico, séculos XIX e XX. É evidente a atualidade do fenômeno migratório, cada vez mais desafiador, dos grandes deslocamentos populacionais, vítimas de graves crises econômicas, guerras ou genocídio étnico em seus países. Não é preciso retroceder aos horrores do genocídio étnico realizado pelo Império Turco Otomano aos armênios ocorrido durante a Primeira Grande Guerra e nem mesmo ao massacre de Ruanda ocorrido em 1994 (PRUNER, 1999) ou ao holocausto ocorrido na Alemanha Nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Basta atentarmos para o conflito interno da Síria iniciado em 2011 que tem gerado uma enorme onda migratória de sírios e árabes, sem paralelo na história do Continente, desde a Segunda Guerra Mundial. Ou para o genocídio étnico dos rohingya em Myanmar, país budista liderado pela Nobel da Paz Suu Kyi que se escancara aos olhos dos organismos internacionais sem que nada de significativo aconteça. O presente dossiê propõe uma volta ao passado, discutindo os movimentos migratórios dos séculos XIX e XX com vistas à compreensão das catástrofes que estamos vivendo no século XXI. O passado tem que ser sempre lembrado para que os dramas contemporâneos não se transformem em banalidades que não afetam a sensibilidade dos governos, dos organismos internacionais e de nós mesmos. É assim que entendemos Hobsbawm quando diz que o ofício dos historiadores é cada vez mais importante, pois cabe a ele lembrar o que os outros esquecem (HOBSBAWM, p. 13).

É sob esta perspectiva que foram reunidos aqui artigos que discutem diferentes aspectos de grupos e indivíduos e suas experiências no plano das migrações transoceânicas. Os artigos aqui elencados evocam temas bastante atuais de investigação através enfoques teóricos e metodológicos diversos. Aqui são tratados temas relativos às desesperanças e frustrações de imigrantes das mais diversas partes do mundo ao chegarem ao Brasil e em outros países, e constatarem que nada do que lhes foi prometido era realidade. Em suas sociedades de adoção tiveram que se submeter à condição de trabalhadores semelhantes aos escravos africanos, enfrentando preconceitos e imensas dificuldades de inserção social. O tráfico de mulheres brancas para fins de prostituição também compõe este quadro de degradação humana. Um dos artigos aqui apresentado discute tal fenômeno delimitando o espaço temporal de fins do século XIX a inícios do século XX, mas sua autora adverte que experiências dessa natureza não se encerram no passado, mas se fazem sempre presente nos deslocamentos de massa que caracterizam a época contemporânea.

O professor André Figueiredo Rodrigues, da UNESP – Campus de Assis e o professor Germán A. de la Reza, da Universidade Autônoma Metropolitana do México foram os organizadores do dossiê 2, que abrigou artigos abordando o tema Livros, bibliotecas e intelectuais no mundo ibero-americano (séculos XVI ao XX). A temática proposta pelo dossiê atraiu a atenção de estudiosos nacionais e internacionais que abordam o assunto sob os mais variados aspectos. Recebemos artigos sobre a história, a posse de livros e as práticas de leitura no mundo Ibero-Americano que circularam nos dois lados do Atlântico e mesmo dentro do continente americano entre os séculos XVI e XIX.

A materialidade e a discursividade de autores e suas obras, acervos bibliográficos e documentais, a historiografia do livro no universo colonial, hábitos de leitura e informações e discussões sobre as fontes disponíveis foram alguns dos temas explorados pelos artigos publicados no dossiê. Ressalte-se a discussão sobre a metodologia de análise e interpretação de fontes documentais sobre os participantes do Movimento da Inconfidência Mineira e da Insurreição Pernambucana de 1817, desenvolvidas em seus artigos pelos professores André Figueiredo e Luiz Carlos Villalta,respectivamente. Mas estes são apenas dois exemplos dos trabalhos que discutiram com densidade e profundidade a proposta do dossiê.

Enfim, nas leituras dos artigos do dossiê 2 podemos encontrar discussões instigantes a respeito das práticas de leituras em suas diversas modalidades, ou seja, podemos constatar uma coleção indefinida de experiências de leitura enquanto liberdade interpretativa e enquanto prática criativa autônoma dos indivíduos (CHARTIER, p. 121-139).

Por fim, os artigos livres publicados por esta revista neste número são variados em seus tratos teóricos, metodológicos e temáticos. Deixamos aos leitores fazer sua própria apreciação ao invés de falarmos sobre cada um deles.

Queremos tributar nossos sinceros agradecimentos aos professores que organizaram os dossiês, aos pareceristas que não hesitaram em dar suas contribuições para que a revista preserve a boa qualidade oferecida aos leitores e aos autores que deram preferência à revista História (São Paulo) para a divulgação de seus trabalhos.

Referências

CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa, Difel, 1990. [ Links ]

PRUNER, Gérard. The Rwanda Crisis History of a Genocide. 2. Ed. Kamplala Fountain Publishers Limited, 1999. [ Links ]

HOBSBAWM, Eric. A Era dos extremos. O breve século XX, 1914-1991. São Paulo, Companhia das Letras, 1995. [ Links ]

José Carlos Barreiro 

Ricardo Alexandre Ferreira

Editores 


BARREIRO, José Carlos; FERREIRA, Ricardo Alexandre. Apresentação [O passado esquecido e o presente trágico]. História (São Paulo), Franca, v.36, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Bibliotecas, leitura e educação / Revista do Arquivo Público Mineiro/2012

Cinco artigos compõem o dossiê Bibliotecas, leitura e educação. São eles: “Escrever, ler e rezar”, de Leila Mezan Algranti; “Humanamente indispensável”, de Christianni Cardoso Morais; “O ouro das estantes”, de Laura de Mello e Souza; “Do impresso à pintura”, de Camila Fernanda Guimarães Santiago; e “Leituras libertinas”, de minha autoria.

Em comum a esses artigos, há primeiramente a referência central ao espaço de Minas Gerais e aos marcos cronológicos que se estendem do século XVIII a parte do século XIX, sendo exceções os artigos de Leila Mezan Algranti, que se concentra no Setecentos, e de Christianni Cardoso Morais, que se volta para o conjunto da América portuguesa, focalizando Minas Gerais em seu interior. Há em comum, ainda, o objeto sobre o qual se debruçam, objeto ao mesmo tempo único e múltiplo: a cultura luso-brasileira, ora focalizada sob o prisma da educação no lato sensu, ora tomada no sentido estrito (isto é, como processo desenvolvido no interior de instituições educativas). Versam, contudo, de qualquer forma, de modo direto ou indireto, sobre os livros e as relações com eles estabelecidas por seus proprietários, individuais ou institucionais (caso do Recolhimento das Macaúbas), e leitores, ou ainda pelos órgãos que procuravam controlar sua circulação (a Inquisição, o supracitado Recolhimento ou a monarquia portuguesa, por exemplo). Entre os leitores e/ou proprietários de livros, figuram tanto personagens mais ou menos célebres – como o contratador Manuel Teixeira Queiroga, os irmãos Vieira Couto, o pintor Manoel da Costa Ataíde e o professor régio e poeta mineiro Manuel Inácio Silva Alvarenga – quanto figuras anônimas ou relegadas ao esquecimento, como Joaquina Teodora, a mulher do pintor Francisco Xavier Carneiro, ou Maria Magdalena Salvada, amante de José Joaquim Vieira Couto. Leia Mais