Brasil-Alemanha: Imigração, Cidadania e Cooperação / Textos de História / 2008

Apresentação

Os temas imigração, cidadania e cooperação entre povos e nações vêm adquirindo renovada relevância na historiografia acompanhando a tendência de outras disciplinas como a sociologia, a antropologia e a geografia, em primeira linha em face das novas dimensões colocadas por esses fenômenos em um mundo globalizado.

O presente número da revista Textos de História enfoca esses três temas a partir do aspecto bilateral teuto-brasileiro; melhor dizendo, do ângulo brasileiro sobre a imigração alemã, a luta pela cidadania desses imigrantes e seus descendentes na terra receptora e da cooperação no sentido Alemanha- Brasil.

Alemães no Brasil aportaram desde Cabral, haja vista o piloto Mestre João. Não obstante, os textos do presente Dossiê tratam, preponderantemente, da emigração alemã no período que corresponde à grande onda migratória na época da revolução industrial do século XIX.

Os anos de 1840 a 1890 correlacionam-se à aludida fase da migração em massa motivada por busca de melhores condições de vida, fuga de anos de fome, revoluções, mecanização do campo. Tudo isso em um contexto marcado pelas novas condições de deslocamento proporcionadas pelas novas tecnologias nos meios de transporte de massa – navios a vapor fabricados com placas de aço, trens de ferro que transportavam os migrantes para os portos de embarque ou para o interior dos países de destino. Não obstante, outras experiências que extrapolam esse período são também abordadas.

Os fluxos migratórios dirigiam-se majoritariamente aos Estados do Sul, mas, em pequena escala, espalharam-se por pontos de praticamente todo o território brasileiro, em especial, nas cidades portuárias.

Facetas dessa imigração são abordadas por Mercedes Gassen Kothe, que mostra a situação que os imigrantes alemães encontraram em São Paulo, nas fazendas de café e nos núcleos coloniais nas primeiras décadas da Primeira República.

A tentativa de assentar imigrantes alemães no sul da Bahia, nos anos 1920, é tema narrado por Albene Miriam Menezes em uma abordagem fundamentada no contexto histórico da questão migratória no mundo do pós Primeira Guerra Mundial e das especificidades daquele Estado.

A inserção desses imigrantes e seus descendentes nas respectivas comunidades possui características diferenciadas na dependência direta do desenvolvimento econômico, social e político das regiões nas quais se localizavam os seus núcleos populacionais.

Desse modo, a luta pela construção da cidadania encontra-se, assim, diretamente condicionada à uma gama multifacetada de vetores formais, legais, políticos, sociais econômicos e autárquicos.

Aspectos desse processo são tratados no texto de Ryan de Sousa Oliveira, que traz reflexão sobre o exercício da cidadania política entre os teutobrasileiros no Rio Grande do Sul, ao longo do século XIX, e busca contribuir para o debate de algumas questões controversas sobre o processo de integração do grupo dos teuto-brasileiros no jogo político brasileiro. Silvana Krause avalia a diversidade do comportamento político das zonas coloniais alemãs no sul do Brasil sob uma perspectiva histórica, além de fazer uma reflexão sobre identidade étnica e como esta se relaciona e se situa em outras esferas da construção de identidades.

E por fim, René Gertz analisa a possível influência positiva e negativa da presença de descendentes de alemães no Brasil sobre as relações com a Alemanha, no decorrer do tempo. Essa abordagem estende-se da segunda metade do século XIX até a Segunda Guerra Mundial, compreendendo também a tentativa de verificar como esse tema foi visto pela historiografia pertinente.

Outra dimensão desses entrelaçamentos teuto-brasileiros é a da cooperação, que por si só tem largo escopo; ela pode ser identificada, por exemplo, no âmbito das próprias comunidades de alemães e seus descendentes.

Sem embargo, ao longo dos dois séculos em tela, a cooperação adquire muitos aspectos. Nesse sentido, as diferentes modalidades de cooperação da Alemanha com o Brasil ocorrem ao longo do período, desde o envio de livros didáticos, instrumentos musicais e implementos agrícolas até excursões de cientistas para observar as lavoras brasileiras e propor soluções para alguns de seus problemas. Essa cooperação dá-se tanto no nível dos atores sociais como dos governos. No campo do saber, a exemplo das áreas filosófica, jurídica, técnica, artística e científica, observa-se uma clara influência alemã no Brasil.

Assim, Cláudia de Rezende Machado de Araújo analisa a influência do direito alemão no direito brasileiro. Fato esse observável desde o tempo colonial, haja vista a influência daquele nas Ordenações portuguesas. Destaque é dado para a influência do constitucionalismo alemão, em particular da Constituição da República de Weimar (1919), sobre as Constituições brasileiras de 1935 e 1988.

Por seu turno, Marina Helena Silva aborda a situação do Brasil na conjuntura econômica internacional, no período anterior à Segunda Guerra Mundial, demonstrando sua inter-relação com o mercado interno e baiano.

Trazendo para o debate aspectos dos dias atuais, Carla Miranda enfoca o tema da cooperação técnica entre os dois países; seu estudo identifica uma mudança nessa cooperação a qual, a partir da década de 1980, volta a centrar a cooperação técnica à capacitação para o desenvolvimento, partindo de uma dimensão político-estratégica alemã.

Além das reflexões explicitadas nos textos, uma das contribuições subjacentes, até onde os estudos aqui apresentados podem permitir, vem a ser a identificação da necessidade de enfoques desses temas em uma perspectiva comparada. Certamente, o cotejamento da problematização dos temas em uma dimensão de reciprocidade aprofundaria a abordagem dos mesmos. Ilustrativamente, o tema da cidadania urge estudos que abordem os problemas a ele relacionados tanto no Brasil, país de destino dos migrantes, como na Alemanha, terra de origem do fluxo migratório.

Desse modo, o presente dossiê, longe de esgotar os assuntos tratados, pretende de alguma forma contribuir com informações e abordagens específicas para o debate na seara histórica acerca da imigração, cidadania e cooperação entre povos e países de um modo geral e mais especificamente ao que reporta os aspectos relacionados com os alemães e seus descendentes no Brasil, assim como ao que se consubstancia no contexto da cooperação entre o Brasil e a Alemanha, particularmente ao que diz respeito à faceta da cooperação técnica.

A todas as autoras e autores o agradecimento cordial da Textos de História e particularmente da organizadora do presente dossiê, com a esperança de que suas contribuições possam animar o debate acadêmico, mesmo que de forma pontual, e ser útil de alguma forma para o leitor interessado em História.

Albene Miriam F. Menezes

Organizadora

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