Justiça, Cidadania e Direito na História do Espírito Santo | Revista do Arquivo Público do Estado do Espirito Santo | 2020

Justiça, Cidadania e Direito são temas de longa tradição no campo da História que contemplam fenômenos jurídicos e políticos numa perspectiva ampla e interdisciplinar. Recentes estudos e abordagens têm evidenciado o papel relevante das culturas jurídicas e políticas para a compreensão das ideias, instituições, comportamentos e relações de poder nos mais variados contextos históricos. Em consonância com as tendências historiográficas dos últimos decênios, que indagam as interpretações generalizantes e, por vezes, reducionistas, o dossiê objetivou congregar estudos que se dedicam ao exame das práticas e do pensamento no âmbito político-jurídico e suas transformações ao longo da História. Abre-se, assim, uma série de problemas ligados às práticas judiciárias e políticas, construção da cidadania, garantia de direitos, acesso à justiça e à informação. Para essa edição da Revista do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, o dossiê procurou incorporar pesquisas que tratam a temática no âmbito do Espírito Santo, perpassando os diversos regimes políticos e jurídicos, desde o processo de independência do Brasil até a República e suas diversas temporalidades. Leia Mais

História, cidadania e direitos humanos | Diálogos | 2019       

Com alegria, queremos agradecer a revista Diálogos, por aceitar a proposta de realizar um dossiê com o tema “História, cidadania e direitos humanos”.

A história da América Latina e, especialmente, dos países do Cone Sul, é eivada de traços autoritários e de desrespeito aos direitos humanos. Mas, diante deste histórico autoritário, com lutas e resistências, as sociedades latino-americanas vão construindo a sua cidadania, consolidando e ampliando os seus direitos fundamentais e fortalecendo a democracia. Não, sem solavancos, evidentemente. Vejam o caso do Brasil atual. E são esses solavancos que nos impelem a problematizar e pesquisar o tema da cidadania e dos direitos humanos. Estudar e defender os direitos humanos são uma vital necessidade da sociedade atual, como também o é defender o Estado Democrático de Direito, nesta luta incessante pela democracia e pela cidadania. Leia Mais

História – cidadania – direitos humanos / Diálogos / 2019        

Com alegria, queremos agradecer a revista Diálogos, por aceitar a proposta de realizar um dossiê com o tema “História, cidadania e direitos humanos”.

A história da América Latina e, especialmente, dos países do Cone Sul, é eivada de traços autoritários e de desrespeito aos direitos humanos. Mas, diante deste histórico autoritário, com lutas e resistências, as sociedades latino-americanas vão construindo a sua cidadania, consolidando e ampliando os seus direitos fundamentais e fortalecendo a democracia. Não, sem solavancos, evidentemente. Vejam o caso do Brasil atual. E são esses solavancos que nos impelem a problematizar e pesquisar o tema da cidadania e dos direitos humanos. Estudar e defender os direitos humanos são uma vital necessidade da sociedade atual, como também o é defender o Estado Democrático de Direito, nesta luta incessante pela democracia e pela cidadania.

As pesquisas aqui apresentadas vão ao encontro destas inquietações. Neste dossiê são dez artigos. Três de pesquisadores argentinos e sete de pesquisadores brasileiros. Mas todos dialogando entre os temas e as questões apresentadas. A ordem dos artigos, quando possível, foi organizada cronologicamente.

No primeiro artigo, intitulado “Regulaciones sobre filiación y familia en la definición de los derechos ciudadanos entre fines de siglo XIX y principios de siglo XX (Argentina, Chile, Uruguay)” de Florencia Paz Landeira e Valeria Llobet, as autoras fazem uma revisão explicativa da literatura sobre os debates acerca da família, casamento e filiação na Argentina, Chile e Uruguai, na temporalidade especificada no título do artigo. E com densa reflexão, questionam os diferentes mecanismos legais – e os argumentos em que se baseiam – através dos quais as demarcações entre o público e o privado, o político e o íntimo, o natural e o social foram estabelecidos e regulados.

No artigo “Cultura e política no Brasil republicano: uma reflexão sobre as permanências autoritárias”, Carla Reis Longhi, preocupada com a onda conservadora que atualmente vem assolando diferentes países e regiões do mundo contemporâneo, faz importantes ponderações sobre as práticas culturais e suas permanências, principalmente as permanências autoritárias, no contexto da realidade brasileira. Como a própria autora destacou, refletir sobre a cultura é “sempre difícil em função de sua enorme abrangência, temporal e temática”, sendo assim, ela tomou como referência analisar a visão que estratos da intelectualidade brasileira apresentaram sobre as camadas populares ao longo da história republicana brasileira, tomando como recorte cronológico os anos 1920-2000. No percurso analítico deste período histórico, Longhi identificou o conceito de cultura que prevaleceu em cada período e como este afetou o olhar da intelectualidade sobre a produção cultural popular.

No artigo seguinte, de Márcio José Pereira e David de Castro Netto, “A ‘constitucionalização da violência’ em tempos de autoritarismo: violência de Estado e direitos humanos no Brasil”, os autores analisam o tratamento dos direitos humanos nos dois momentos de autoritarismo vividos no Brasil, na ditadura do Estado Novo (1937-1945) e durante a ditadura militar (1964-1985). Durante estes dois períodos históricos foram estabelecidos regimes políticos de exceção e uma das aproximações entre essas duas ditaduras foi que os regimes arquitetaram um conjunto jurídico que visava garantir a ação repressiva do Estado (as Constituições de 1934, 1937, 1967 e os Atos Institucionais) mantendo um conjunto significativo da população sob vigilância. Esta legislação procurou legalizar atos de exceção que aconteciam ao arrepio da lei (torturas, mortes, desaparecimentos, sequestros), fornecendo uma “maquiagem” que procurava manter a ação do Estado “dentro da lei”.

Já Marion Brepohl, em seu artigo intitulado “Ernesto Kroch e a memória do exílio: entre Uruguai e Alemanha (1934-1984)” analisa a trajetória de Ernesto Kroch (1917-2012), um ativista político judeualemão que se exilou no Uruguai a partir de 1938, logo após ter sido preso pelos nazistas no campo de concentração de Lichtenburg. Desde sua chegada ao Uruguai, Kroch trabalhou como metalúrgico e atuou no Partido Comunista. Com o golpe de 1973, viveu um período na clandestinidade, mas se viu obrigado a deixar sua segunda pátria e retornar à Alemanha, por um período de quatro anos. Regressando ao Uruguai, voltou a trabalhar como metalúrgico e como tradutor. Tomando como referência o livro de memórias escrito por Kroch, Marion Brepohl analisa as duas experiências de exílio do ativista, destacando os processos de construção da memória no exílio.

No artigo “Acción colectiva frente a la violencia estatal argentina (1976-2001). Derechos Humanos, estrategias repertoriales y tácticas de visibilización”, os autores Marianela Scocco e Sebastián Godoy analisam um conjunto de movimentos sociais artísticos que se organizaram para lutar por direitos humanos e protestar contra a violência do estado. Tomaram como referência de suas análises a cidade de Rosário, na Argentina, em dois momentos específicos: a) a década de 1980, onde vários movimentos sociais se organizaram na luta por direitos humanos, com destaque para um movimento conhecido como siluetazo, que se tratava de vários desenhos artísticos realizados nas ruas e em muros, com as siluetas dos corpos de desaparecidos políticos; e b) a década de 1990, a partir da experiência de atuação do grupo HIJOS (Hijos e Hijas por la Identidad y la Justicia contra el Olvido y el Silencio). Este grupo se mobilizou diante da sensação de retrocesso durante a tentativa de aplicação das leis do Punto Final (1986) e da Obediencia Devida (1987) e dos indultos outorgados pelo presidente Carlos Menen (1989-1990). Em resposta a tudo isto, organizaram algumas manifestações midiáticas contra o estado de violência, como por exemplo os chamados “show del horror” e “show de la impunidad”, que geraram diversas controversias na opinião pública e um “grande mal estar para alguns agrupamentos de direitos humanos”, como enfatizam os autores.

Reginaldo B. Dias, no artigo “A Ação Popular (AP) nos processos judiciais reunidos pelo Projeto ‘Brasil: Nunca Mais’” analisou os processos judiciais (Inquéritos Policiais Militares – IPMs) patrocinados pelo Estado brasileiro após a instauração da ditadura militar de 1964 e conduzidos pela Justiça Militar, que atingiram a organização política Ação Popular (AP) nas décadas de 1960 e 1970. Na análise destes processos o autor desvela o modus operandi da organização política (AP), bem como a complexidade do sistema judiciário constituído para tramitação dos processos gerados por supostos crimes contra a segurança nacional. Neste sentido, Dias ressalta que esses processos permitem entrever o “complexo jogo entre a dimensão formal do sistema judiciário e as práticas de terror de Estado”, o que proporciona ao leitor compreender a lógica e as diferentes dimensões do sistema autoritário brasileiro durante a Ditadura Militar.

Também analisando um Inquérito Policial Militar (IPM), Leandro Brunelo e Angelo Priori, no artigo “Mecanismos jurídicos e repressão política do Estado, durante a ditadura militar brasileira: o caso do IPM 745 no Paraná e o desrespeito aos direitos individuais”, buscaram compreender como o Estado brasileiro, durante a Ditadura Militar (1964-1985), se apropriou de dispositivos legais para legitimar as suas ações punitivas e jurídicas contra a oposição política, em especial, contra os militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Neste sentido, esmiuçaram o Inquérito Policial-Militar 745 (IPM 745), que apurou o envolvimento dos comunistas na reorganização do partido no Estado do Paraná, sul do Brasil. Além do IPM citado, os autores também utilizaram como fonte de pesquisa o Relatório Especial de Informações 1/75, da Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS), para destacar a importância dos trabalhos da polícia política, no afã de combater o avanço do comunismo.

Por conseguinte, Luciano Alonso, em “Clases sociales y movilización pro derechos humanos en la historia Argentina reciente” traz importantes reflexões sobre a luta por direitos humanos na Argentina atual. Neste artigo o autor propõe uma abordagem para a identificação de atribuições de classe dos membros dos movimentos de direitos humanos naquele país do Cone Sul. Observa, neste sentido, que há uma integração poli-classista do movimento social, que se concentra no domínio de sua liderança e na composição de membros da classe média e, às vezes, mais especificamente das classes de serviço. Partindo desta observação, são discutidas algumas dimensões subjacentes do conceito de “classe social”, para depois, tomando como referências diversas pesquisas atuais, descrever a composição de diferentes organizações de direitos humanos. Finaliza o artigo destacando que embora a atribuição de classe não tenha sido decisiva para a composição do movimento por direitos humanos, lançou as bases para uma cultura política compartilhada e para a adoção de repertórios de discurso e ação.

Ozias Paese Neves, no artigo intitulado “A trajetória dos primeiros embates do Movimento PróParticipação Popular na Constituinte — MPPC (1985-1988): afetos e temores na ‘transição política’”, analisa a atuação do Movimento Pró-Participação Popular na Constituinte (MPPC), durante os trabalhos do Congresso Nacional para a elaboração da Constituição Federal de 1988, atualmente em vigor no Brasil. Para este texto, tomou como referência as cartilhas elaboradas por diferentes grupos sociais durante o período da constituinte, para analisá-las sob o prisma da História Cultural da Política de Thomas Mergel e dos estudos sobre os sentimentos na história de Pierre Ansart. Assim sendo, revelou o conflito discursivo e as disputas políticas numa época conhecida no Brasil como “de transição” e que representou a passagem da Ditadura Militar para um regime democrático e constitucional.

O último artigo do dossiê foi escrito por Charles Monteiro e Carolina Martins Etcheverry e se intitula Fotografia e cultura visual nas ditaduras latino-americanas (1960-1980). Neste artigo os autores analisam o modo como o campo fotográfico se formou na América Latina, entre os anos 1960 e 1980, em especial nos países que passaram por golpes militares. Especificamente, centram seus esforços de análise no Brasil, na Argentina e no Chile, procurando compreender a relação entre fotografia e memória a partir dos variados papeis que a imagem assume. Como os leitores poderão observar, a fotografia pode funcionar como denúncia ou como instrumento político, sendo engajada socialmente, formando tanto um espaço público contrário à Ditadura como, quando operada por órgãos oficiais do governo, forjando uma imagem positiva deste ou servindo como dispositivo de vigilância.

Como se pode perceber, os artigos do dossiê abordam uma variedade de facetas e evidências relacionadas com o tema que nos ocupa. No momento em que a região registra fortes retrocessos nos direitos sociais e nas políticas de memória, verdade e justiça em relação às graves violações de direitos ocorridas na história recente, é conveniente fortalecer o conhecimento das lutas pela preservação e pela consciência de que os direitos humanos são construções sociais sempre instáveis e, por isso mesmo, necessita de defesa.

Queremos agradecer aos editores, aos pareceristas brasileiros e estrangeiros e aos autores, fundamentais para a realização deste dossiê e deste número da revista Diálogos. E desejamos boa leitura aos nossos leitores!

Angelo Priori –  Universidade Estadual de Maringá, UEM, Brasil. E-mail: [email protected].

Luciano Alonso –  Universidad Nacional del Litoral, UNL, Argentina. E-mail: [email protected] .

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Cidadania, política e história do trabalho | Mundos do Trabalho | 2017

A revista Mundos do Trabalho é fruto do empenho de pesquisadoras e pesquisadores do GT Mundos do Trabalho, da Associação Nacional de História (ANPUH), em construir um espaço de divulgação e diálogo em torno desse campo de estudos. O projeto editorial colocado em prática desde o segundo número, lançado em 2009, previa a publicação semestral de dossiês, artigos livres e resenhas, afora entrevistas e comentários críticos sobre fontes e acervos documentais. Assim, o desaio assumido pelas equipes que conduziram os trabalhos editoriais ao longo de quase uma década foi o de contemplar a diversidade de problemas de investigação que atualmente pautam a produção acadêmica nessa área. A revista conseguiu reunir contribuições de autores nacionais e estrangeiros sobre relações de gênero; mundo urbano; experiências indígenas; mutualismo operário; embates entre trabalhadores e o poder municipal; processos e condições de trabalho; medicina e a saúde dos trabalhadores na América Latina; conlitos em torno do trabalho e da terra; trabalhadores em mineração; trabalhadores e a ditadura militar; biograia; perspectivas em torno da obra de E. P. Thompson; história social do trabalho na Amazônia; e trabalhadores livres no Atlântico oitocentista. Leia Mais

Estado, nação e cidadania no oitocentos (1850-1889) -parte 2 / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2016

A Revista Clio abre este volume com a segunda parte do dossiê Estado, nação e cidadania no oitocentos (1850-1889), que versa sobre instituições, atores e processos políticos no Brasil império, no período de 1850 a 1889. Sua abordagem procura compreender o campo da política, ultrapassando as fronteiras restritas do Estado, em suas dimensões e articulações com a sociedade e a cultura. Também privilegia a atuação, individual e coletiva, de pessoas anônimas, para além da figura dos “grandes” lideres. Seu corte cronológico se estende da consolidação ao fim do estado imperial. Um período de afirmação do poder central sobre os locais, rearticulações políticas nas províncias, de férteis debates em torno da construção do estado. É o tempo compreendido entre o fim do tráfico e o da escravidão, assinalado ainda por movimentos sociais e políticos, como o abolicionista e o republicano. Cidadania, Estado, elites políticas, eleições, movimentos sociais são os principais temas que este dossiê se propõe a discutir.

Os dois primeiros artigos tratam do recrutamento e da Guarda Nacional no Ceará. O trabalho de Maria Regina Santos de Souza, A implacável surdez das autoridades do império: as súplicas dos veteranos da Guerra do Paraguai (1870-1889)analisa, no período posterior a Guerra do Paraguai, a (des)atenção do governo brasileiro com os direitos concedidos aos excombatentes, tais como pensões, empregos públicos, terras e compensação financeira. Souza mostra os problemas gerados para os veteranos. Parte significativa deles enfrentou a desorganização e a falta de conhecimento jurídico da burocracia do Estado. Este artigo aborda a luta dos veteranos do Ceará pelos direitos de guerra.

O artigo de Ana Sara Cortez Irffi, “O cidadão não encontra garantia senão na própria força” – Recrutamento, milícias privadas, quadrilhas de „cabras‟ e a propriedade privada (Cariri Cearense, século XIX), analisa o processo de construção do Estado brasileiro em meados do Oitocentos, o recrutamento para a Guarda Nacional e a formação de milícias privadas no sertão das chamadas províncias do Norte. A análise se volta às milícias surgidas a partir das relações estabelecidas dos senhores com agregados e moradores, mas também, no bojo desse processo, à formação de grupos alheios aos senhores que ficaram conhecidos como „quadrilhas de cabras‟.

Rafael Sancho Carvalho da Silva analisa os aspectos políticos do banditismo no sertão baiano em seu artigo Antonio José Guimarães: banditismo e disputas políticas no sertão baiano Oitocentista. Rafael discute a relação do banditismo com as disputas políticas no sertão baiano, usando o caso de Antonio José Guimarães que atuou entre 1849 e 1854 pelos sertões da Bahia e de Goiás. Mostra também que podemos analisar o banditismo como um fenômeno da história política.

Em seguida temos o artigo Práticas docentes no Recife e Olinda na segunda metade do século XIX de Dayana Raquel Pereira de Lima e Yan Soares Santos. Partindo da metodologia da microanálise, analisam as trajetórias e demandas dos membros da Sociedade Propagadora da Instrução Pública de 1872, e as petições feitas pelos professores aos poderes públicos dos principais expedientes práticos do trabalho docente. Mostram que a docência foi marcada por práticas individuais de cidadania, quando os professores desenvolviam estratégias pessoais, de acordo com privilégios conquistados ao longo da carreira, os quais, na prática, afastavam a possibilidade de constituírem uma identidade docente.

Os próximos três artigos se dedicam a história agrária do Brasil oitocentista. O artigo A política de acesso à terra no Brasil Imperial e a compra de terras devolutas no planalto da Província de Santa Catarina, de Paulo Pinheiro Machado e Flávia Paula Darossi, analisa a aplicação da Lei de Terras na Província de Santa Catarina, com ênfase no município de Lages. O estudo foi realizado com base em requerimentos de compra de terras devolutas, lavrados entre 1850 e 1889, previstos na legislação como a única forma legal de acesso à terra. Machado e Darossi mostram que, por tratar-se de uma fronteira agrícola e de povoamento em expansão, o planalto catarinense foi ocupado de diferentes maneiras – que ultrapassavam as disposições da própria Lei -, o que repercutiu em complexas estratégias de regulamentação da propriedade.

Em seguida Francivaldo Alves Nunes contribui ao Dossiê com o estudo da questão agrária na Amazônia em seu artigo Entre outras estratégias de controle e dominação: Estado, agricultura e colonização na Amazônia Oitocentista. Nunes analisa a relação entre os discursos construídos em torno da agricultura e colonização, caracterizados pela moralização da sociedade e a atuação do Estado imperial. Baseado em relatórios governamentais, mostra como esses valores, associados à atividade agrícola, exigiram do Estado um desempenho não apenas de manutenção da ordem, mas como instituição promotora de políticas que elevassem os hábitos das populações na Amazônia. A afirmação do Estado também se deu, no interior das províncias do Pará e Amazonas, através de ações revestidas de um discurso de promoção da ordem, da modernidade e da civilização.

O artigo Formação do ambiente rural sul-mato-grossense (1829-1892), de Maria do Carmo Brazil e Elaine Cancian, discute a organização da sociedade agropastoril nos campos sulinos de Mato Grosso. Partindo principalmente de relatos memorialísticos e inventários post-mortem, as autoras analisam o peso da pecuária nos municípios de Santana de Paranaíba, Rio Brilhante, Coxim, Corumbá, Campo Grande e Miranda,entre os anos de 1829 e 1892, na expansão da fronteira fundiária do centro-oeste brasileiro. Brazil e Cancian mostram a concentração fundiária, e a exclusão social nela inscrita e dela decorrente, e a montagem de um aparato político repressivo e autoritárioinscritos no processo de ocupação das terras sulmato-grossenses.

O Dossiê é encerrado com o artigo Índios / as, negros / as, mestiços / as, para além da paisagem amazônica: a construção de experiências locais em notas etnográficas da obra de Alfred Russel Wallace (1850-1852) de Victor R. L. Silva e José O. Aguiar. O artigo tece considerações sobre as viagens científicas no Brasil Imperial, com destaque para a trajetória de Alfred Russel Wallace pelos rios e matas equatoriais da Amazônia e para os mais variados encontros culturais que tiveram espaço nessa jornada coletora. Ganha relevo o destaque à descrição de índios / as, negro / as e mestiços / as na ótica do naturalista-viajante e a análise das características e recorrências de seu olhar tanto em sentido de continuidade quanto à base do pensamento oitocentista, quanto em sentido de ruptura, dissensão e criatividade.

A parte dedicada aos artigos livres conta, neste volume, com sete textos referentes à abordagens diversas no tempo e no espaço. O primeiro deles é de autoria de Grasiela Florêncio de Morais e enfoca as relações de subordinação e controle entre as autoridades do Recife e a população pobre da cidade no período 1830-1850. A autora aponta como os projetos de melhoramentos materiais redundavam na vigilância cotidiana das camadas despossuídas da capital pernambucana. Martha Victor Vieira discute em seu texto como a circulação de ideias liberais na imprensa da província de Goiás se insere no processo de consolidação da consciência nacional brasileira no período regencial. Gustavo Magno Barbosa Alencar também trabalha a década de 1830, mas sua abordagem se dirige para a província do Ceará. Utilizando os periódicos e manuscritos de época, o autor procura analisar as concepções do pensamento liberal com atenção para a compreensão dos usos do vocabulário político da época.

Continuando nos estudos sobre o século XIX, Thiago Broni de Mesquita e João Victor da Silva Furtado nos apresentam o processo de estabelecimento de prisões na província do Grão-Pará nos tempos da Cabanagem. Os autores discutem a criação das cadeias no contexto das medidas de coerção postas em prática pelas autoridades daquela província. De volta ao Ceará, nos deparamos no texto de Antônio José de Oliveira com a análise sobre o processo de invisibilização dos índios Kariri na historiografia que se dedicou ao estudo da segunda metade do século XIX naquela província.

Passando para o século XX, encontramos aqui dois textos relativos à história cultural de Pernambuco e Ceará. Lucas Victor Silva nos traz sua abordagem da atuação da Federação Carnavalesca Pernambucana durante os anos 1930. O autor aponta como essa instituição procurou controlar as manifestações carnavalescas no estado como forma de manifestar a coesão nacional em consonância com as aspirações políticas do regime pós-1930. Fechando o volume, contamos com o texto de Anderson de Sousa Silva sobre as políticas de cultura e artes nos anos 1960 no Ceará. O pesquisador reflete sobre as relações entre Estado e cultura e também dedica atenção ao processo de inserção do Ceará no panorama artístico brasileiro.

Os organizadores deste número da Revista Clio desejam que os estudos aqui publicados possam estimular debates e novas contribuições à historiografia brasileira.

Boa leitura!

Suzana Cavani Rosas e Cristiano Luís Christillino

Organizadores do Dossiê

George F. Cabral de Souza

Editor

Suzana Cavani Rosas – Organizadora do Dossiê. Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Pós-graduação em História. E-mail: [email protected]

Cristiano Luís Christillino – Organizador do Dossiê. Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Pós-graduação em História. E-mail: [email protected]

George Felix Cabral – Editor da Revista. Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Pós-graduação em História. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: [email protected]


ROSAS, Suzana Cavani; CHRISTILLINO, Cristiano Luís; CABRAL, George Felix. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.34, n.2, jul / dez, 2016. Acessar publicação original [DR]

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Estado, nação e cidadania no oitocentos (1850-1889) (1) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2016

O dossiê Estado, nação e cidadania no oitocentos (1850-1889) abre este número da revista e versa sobre instituições, atores e processos políticos no Brasil Império, no período de 1850 a 1889. Sua abordagem procura compreender o campo da política, ultrapassando as fronteiras restritas do Estado, em suas dimensões e articulações com a sociedade e a cultura. Também privilegia a atuação, individual e coletiva, de pessoas anônimas, para além da figura dos “grandes” líderes. Seu corte cronológico se estende da consolidação ao fim do Estado imperial. Um período de afirmação do poder central sobre os locais, rearticulações políticas nas províncias, de férteis debates em torno da construção do Estado e de crise do regime. É o tempo compreendido entre o fim do tráfico e o da escravidão, assinalado ainda por movimentos sociais e políticos, como o abolicionista e o republicano. Cidadania, Estado, elites, movimentos sociais e cultura política são alguns dos principais temas que o dossiê se propõe a discutir. Em vista do grande número de trabalhos inscritos e aprovados para publicação, os seus organizadores e o editor da revista CLIO optaram por dividi-lo em duas partes, contemplando-se a primeira neste número da revista, ficando a segunda para o próximo, a sair no segundo semestre do presente ano.

O seu primeiro artigo, “Notícias d´além-mar: o tema do sufrágio e da cidadania das mulheres na imprensa brasileira oitocentista”, de Priscila Salvaia, se debruça sobre um tema destacado da história cultural, a imprensa e as experiências de leitura, procurando discutir, através do jornal O Globo, as ideias e possíveis reações do público brasileiro sobre o nascente movimento feminista e suas lutas pela cidadania e o voto das mulheres.

Os três trabalhos que se seguem, “De repente ‘povo’: maneiras de pensar a participação política a partir da campanha abolicionista de 1884”, “Monarquia federativa e democrática: o congresso liberal de 1889” e “Os sentidos do reformismo nos momentos finais do império”, estão direcionados para história política no “ocaso” do Império e buscam compreender o caminho trilhado pelo Partido Liberal diante das novas demandas da sociedade por reformas, cada vez mais frequentes no final do Império. O primeiro artigo acima referido, de Felipe Azevedo Souza, analisa a concepção de Joaquim Nabuco sobre o povo e sua defesa da ampliação da cidadania política no país. O autor ainda realça o lugar dos segmentos populares nas eleições de 1884, procurando descortinar sua condição de cidadão ativo na política, embora dela formalmente estivessem excluídos, por não possuírem o direito de votar, especialmente após a promulgação da Lei Saraiva. Já o segundo artigo, de Felipe Niciletti Ribeiro, está centrado nos liberais e seu Congresso de 1889, ocorrido na Corte. O referido congresso buscava adequar o Partido a uma nova pauta de reivindicações da sociedade à época, sobressaindo-se entre elas a reforma do Estado, a expansão do sufrágio e da educação, sem esquecer também das novas demandas por autonomia provincial, como no caso da proposta da elegibilidade dos presidentes de província. No plano social, o destaque ficava para a continuidade da pauta reformista abolicionista que passava pelo combate ao latifúndio. Ressalta-se no artigo a perspectiva de um Partido Liberal nada resignado a ameaça da República, disposto a reinventar-se como força política identificada com a Monarquia e também mais aberto aos novos anseios e inquietações da população por mudanças.

Duas instituições, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Colégio D. Pedro II, são objetos de estudo do artigo “Fronteira e integração territorial na escrita da história “didática” oitocentista”, realizado por Luís César Castrillon Mendes e Renildo Rosa Ribeiro. Na sua leitura nos deparamos com as construções discursiva e pedagógica sobre as fronteiras do país difundidas nos manuais escolares do período, associados ao Colégio Pedro II e ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Valendo-se da narrativa histórica dos feitos de brasileiros e portugueses, o artigo revela o quanto os representantes de ambas as instituições, patrocinadas pelo Estado imperial, contribuíram para definição, consolidação e preservação do território brasileiro.

O poder judiciário e seus agentes são o alvo da atenção do artigo de Jonas Moreira Vargas, intitulado “Magistrados imperiais: atuação política e perfil social e de carreira dos juízes de direito no Rio Grande do Sul (1833-1889)”. Direcionado para abordagem dos magistrados que atuaram nessa província, encontramos nas suas páginas, primeiramente, um trabalho de perfil prosopográfico que, como a maioria das pesquisas orientadas por este viés, muito elucida sobre uma fração privilegiada de um segmento desse corpo de funcionários. Todavia, os autores vão mais além em sua pesquisa, ao explorarem a relação entre o exercício do judiciário e o da política , atentando para as redes clientelistas locais nas quais estas autoridades estavam envolvidas e o papel que lhes eram reservadas especialmente no processo eleitoral.

A Literatura é o tema do artigo de Alexsandro da Rosa Menez em seu artigo intitulado “Entre a literatura e a História: a formulação da literatura e identidade brasileira na crítica literária de José de Alencar (1856 – 1865)”. Menez analisa o desenvolvimento da ideia de identidade brasileira elaborada no campo literário. Seu artigo examina a obra do escritor José de Alencar, demonstrando sua importante contribuição para a concretização da nacionalidade brasileira que vinha sendo gestada desde os primeiros escritores românticos, como os literatos em torno da revista Nitheroy, lançada em Paris no ano de 1836.

Em seguida temos o artigo Wellington Barbosa da Silva, que analisa a segurança no Recife oitocentista. Seu trabalho intitulado “‘Vivemos sob o império do punhal do assassino…’: polícia e criminalidade no Recife do século XIX (1860-1889)”, resulta da pesquisa, em diversos documentos, produzidos tanto pela burocracia administrativa e policial, como também pelos cidadãos comuns. Estas fontes davam a impressão de que o Recife vivia às voltas com um renitente e crescente quadro de criminalidade. Os furtos, roubos e homicídios seriam constantes e a polícia não conseguia controlar ou pelo menos limitar a ação dos facinorosos. Em seu artigo, Wellington discute esse contexto histórico de uma “onipresente criminalidade” e a constante requisição, feita por diversos segmentos da sociedade, de um policiamento regular e eficiente – visto como o antídoto certo para a coibição dos delitos e a instauração da segurança pública.

A discussão sobre a cidade e suas representações está presente no artigo de Bruno Miranda Vargas, intitulado “A cidade e suas representações: Manaus no século XIX (1850-1883)”. A partir das práticas cotidianas da cidade, Bruno analisa Manaus na segunda metade do século XIX, que se tornara um local de sociabilidades múltiplas. A visão dos “de fora” sobre Manaus se distancia e muito da elite local, para a qual a cidade ostentava o “orgulho da civilização”. O artigo parte da análise iconográfica do álbum souvenir da Exposição de Chicago de 1883, na qual Manaus foi apresentada como um lugar de riqueza e civilização e o entorno da Província, um lugar de ruralismo e natureza extensa.

O Dossiê é encerrado com o artigo de Rosilene Gomes Farias, “Saúde e poder no Recife Imperial”. Farias mostra que em 1856, durante a epidemia de cólera que atingiu o Recife, foram implantadas medidas de prevenção à doença, que pressupunham o controle social das camadas mais pobres da população. O artigo discute como essas medidas demonstram as relações de poder que envolveram autoridades públicas e médicos, no Recife do século XIX.

Para além do dossiê temático, este número da revista apresenta sete artigos livres. No primeiro deles, Bruno Kawai Souto Maior de Melo, a partir do estudo da trajetória de Domingos Loreto Couto, analisa as estruturas de poder dentro da Igreja na América Portuguesa e as relações entre as dioceses ultramarinas e os poderes centrais da cristandade católica em meados do século XVIII. Thiago de Souza Júnior analisa, à luz das inovações teórico-metodológicas da segunda metade do século XX, a formação da Maçonaria na França do Antigo Regime, a recepção de suas ideias no Brasil e a sua influência na secularização da política brasileira no século XIX. Em seu artigo, Williams Andrade de Souza buscou nos debates parlamentares sobre a administração municipal os elementos de análise para compreender o papel das elites políticas locais no processo de institucionalização do liberalismo no Império do Brasil.

Passando para o período republicano, chegamos ao artigo de Júlio César da Rosa que enfoca a sociabilidade das populações afrodescendentes na cidade de Laguna (SC) na primeira metade do século XX, mormente nos clubes sociais negros União Operária e Clube Literário Cruz e Souza. Luís Cláudio Machado dos Santos nos traz em seu texto uma análise da atuação de Alvaro Lins como embaixador do Brasil em Portugal entre 1956 e 1959 e a influência de suas posições na construção da política externa brasileira no pós-guerra. Márcio Ananias Ferreira Vilela dedica seu artigo à análise da trajetória de Paulo Stuart Wright, membro da Igreja Presbiteriana do Brasil e deputado estadual em Santa Catarina, que foi perseguido e assassinado pelos órgãos de repressão do regime militar após o golpe de 1964. Fechando este número da Revista Clio, temos o artigo de Augusto Neves da Silva, que em seu texto nos remete ao carnaval do Recife de 1985, quando a Mãe-de-Santo Badia foi a homenageada da festa. A partir deste fato, o autor analisa questões referentes à tradição, religiosidade popular e identidade e cultura negras no Recife.

Os organizadores deste número da Revista Clio, bem como o seu editor desejam que os estudos aqui publicados possam estimular debates e novas contribuições à historiografia brasileira. Boa leitura!

Suzana Cavani Rosas e Cristiano Luís Christillino

Organizadores do Dossiê

George F. Cabral de Souza Editor

Suzana Cavani Rosas – Organizadora do Dossiê. Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Pós-graduação em História. E-mail: [email protected]

Cristiano Luís Christillino – Organizador do Dossiê. Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Pós-graduação em História. E-mail: [email protected]

George Felix Cabral – Editor da Revista. Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Pós-graduação em História. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: [email protected]


ROSAS, Suzana Cavani; CHRISTILLINO, Cristiano Luís; CABRAL, George Felix. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.34, n.1, jan / jun, 2016. Acessar publicação original [DR]

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Estado, nação e cidadania no oitocentos (1850-1889) -parte 1 / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2016

O dossiê Estado, nação e cidadania no oitocentos (1850-1889) abre este número da revista e versa sobre instituições, atores e processos políticos no Brasil Império, no período de 1850 a 1889. Sua abordagem procura compreender o campo da política, ultrapassando as fronteiras restritas do Estado, em suas dimensões e articulações com a sociedade e a cultura. Também privilegia a atuação, individual e coletiva, de pessoas anônimas, para além da figura dos “grandes” líderes. Seu corte cronológico se estende da consolidação ao fim do Estado imperial. Um período de afirmação do poder central sobre os locais, rearticulações políticas nas províncias, de férteis debates em torno da construção do Estado e de crise do regime. É o tempo compreendido entre o fim do tráfico e o da escravidão, assinalado ainda por movimentos sociais e políticos, como o abolicionista e o republicano. Cidadania, Estado, elites, movimentos sociais e cultura política são alguns dos principais temas que o dossiê se propõe a discutir. Em vista do grande número de trabalhos inscritos e aprovados para publicação, os seus organizadores e o editor da revista CLIO optaram por dividi-lo em duas partes, contemplando-se a primeira neste número da revista, ficando a segunda para o próximo, a sair no segundo semestre do presente ano.

O seu primeiro artigo, “Notícias d´além-mar: o tema do sufrágio e da cidadania das mulheres na imprensa brasileira oitocentista”, de Priscila Salvaia, se debruça sobre um tema destacado da história cultural, a imprensa e as experiências de leitura, procurando discutir, através do jornal O Globo, as ideias e possíveis reações do público brasileiro sobre o nascente movimento feminista e suas lutas pela cidadania e o voto das mulheres.

Os três trabalhos que se seguem, “De repente ‘povo’: maneiras de pensar a participação política a partir da campanha abolicionista de 1884”, “Monarquia federativa e democrática: o congresso liberal de 1889” e “Os sentidos do reformismo nos momentos finais do império”, estão direcionados para história política no “ocaso” do Império e buscam compreender o caminho trilhado pelo Partido Liberal diante das novas demandas da sociedade por reformas, cada vez mais frequentes no final do Império. O primeiro artigo acima referido, de Felipe Azevedo Souza, analisa a concepção de Joaquim Nabuco sobre o povo e sua defesa da ampliação da cidadania política no país. O autor ainda realça o lugar dos segmentos populares nas eleições de 1884, procurando descortinar sua condição de cidadão ativo na política, embora dela formalmente estivessem excluídos, por não possuírem o direito de votar, especialmente após a promulgação da Lei Saraiva. Já o segundo artigo, de Felipe Niciletti Ribeiro, está centrado nos liberais e seu Congresso de 1889, ocorrido na Corte. O referido congresso buscava adequar o Partido a uma nova pauta de reivindicações da sociedade à época, sobressaindo-se entre elas a reforma do Estado, a expansão do sufrágio e da educação, sem esquecer também das novas demandas por autonomia provincial, como no caso da proposta da elegibilidade dos presidentes de província. No plano social, o destaque ficava para a continuidade da pauta reformista abolicionista que passava pelo combate ao latifúndio. Ressalta-se no artigo a perspectiva de um Partido Liberal nada resignado a ameaça da República, disposto a reinventar-se como força política identificada com a Monarquia e também mais aberto aos novos anseios e inquietações da população por mudanças.

Duas instituições, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Colégio D. Pedro II, são objetos de estudo do artigo “Fronteira e integração territorial na escrita da história “didática” oitocentista”, realizado por Luís César Castrillon Mendes e Renildo Rosa Ribeiro. Na sua leitura nos deparamos com as construções discursiva e pedagógica sobre as fronteiras do país difundidas nos manuais escolares do período, associados ao Colégio Pedro II e ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Valendo-se da narrativa histórica dos feitos de brasileiros e portugueses, o artigo revela o quanto os representantes de ambas as instituições, patrocinadas pelo Estado imperial, contribuíram para definição, consolidação e preservação do território brasileiro.

O poder judiciário e seus agentes são o alvo da atenção do artigo de Jonas Moreira Vargas, intitulado “Magistrados imperiais: atuação política e perfil social e de carreira dos juízes de direito no Rio Grande do Sul (1833-1889)”. Direcionado para abordagem dos magistrados que atuaram nessa província, encontramos nas suas páginas, primeiramente, um trabalho de perfil prosopográfico que, como a maioria das pesquisas orientadas por este viés, muito elucida sobre uma fração privilegiada de um segmento desse corpo de funcionários. Todavia, os autores vão mais além em sua pesquisa, ao explorarem a relação entre o exercício do judiciário e o da política , atentando para as redes clientelistas locais nas quais estas autoridades estavam envolvidas e o papel que lhes eram reservadas especialmente no processo eleitoral.

A Literatura é o tema do artigo de Alexsandro da Rosa Menez em seu artigo intitulado “Entre a literatura e a História: a formulação da literatura e identidade brasileira na crítica literária de José de Alencar (1856 – 1865)”. Menez analisa o desenvolvimento da ideia de identidade brasileira elaborada no campo literário. Seu artigo examina a obra do escritor José de Alencar, demonstrando sua importante contribuição para a concretização da nacionalidade brasileira que vinha sendo gestada desde os primeiros escritores românticos, como os literatos em torno da revista Nitheroy, lançada em Paris no ano de 1836.

Em seguida temos o artigo Wellington Barbosa da Silva, que analisa a segurança no Recife oitocentista. Seu trabalho intitulado “‘Vivemos sob o império do punhal do assassino…’: polícia e criminalidade no Recife do século XIX (1860-1889)”, resulta da pesquisa, em diversos documentos, produzidos tanto pela burocracia administrativa e policial, como também pelos cidadãos comuns. Estas fontes davam a impressão de que o Recife vivia às voltas com um renitente e crescente quadro de criminalidade. Os furtos, roubos e homicídios seriam constantes e a polícia não conseguia controlar ou pelo menos limitar a ação dos facinorosos. Em seu artigo, Wellington discute esse contexto histórico de uma “onipresente criminalidade” e a constante requisição, feita por diversos segmentos da sociedade, de um policiamento regular e eficiente – visto como o antídoto certo para a coibição dos delitos e a instauração da segurança pública.

A discussão sobre a cidade e suas representações está presente no artigo de Bruno Miranda Vargas, intitulado “A cidade e suas representações: Manaus no século XIX (1850-1883)”. A partir das práticas cotidianas da cidade, Bruno analisa Manaus na segunda metade do século XIX, que se tornara um local de sociabilidades múltiplas. A visão dos “de fora” sobre Manaus se distancia e muito da elite local, para a qual a cidade ostentava o “orgulho da civilização”. O artigo parte da análise iconográfica do álbum souvenir da Exposição de Chicago de 1883, na qual Manaus foi apresentada como um lugar de riqueza e civilização e o entorno da Província, um lugar de ruralismo e natureza extensa.

O Dossiê é encerrado com o artigo de Rosilene Gomes Farias, “Saúde e poder no Recife Imperial”. Farias mostra que em 1856, durante a epidemia de cólera que atingiu o Recife, foram implantadas medidas de prevenção à doença, que pressupunham o controle social das camadas mais pobres da população. O artigo discute como essas medidas demonstram as relações de poder que envolveram autoridades públicas e médicos, no Recife do século XIX.

Para além do dossiê temático, este número da revista apresenta sete artigos livres. No primeiro deles, Bruno Kawai Souto Maior de Melo, a partir do estudo da trajetória de Domingos Loreto Couto, analisa as estruturas de poder dentro da Igreja na América Portuguesa e as relações entre as dioceses ultramarinas e os poderes centrais da cristandade católica em meados do século XVIII. Thiago de Souza Júnior analisa, à luz das inovações teórico-metodológicas da segunda metade do século XX, a formação da Maçonaria na França do Antigo Regime, a recepção de suas ideias no Brasil e a sua influência na secularização da política brasileira no século XIX. Em seu artigo, Williams Andrade de Souza buscou nos debates parlamentares sobre a administração municipal os elementos de análise para compreender o papel das elites políticas locais no processo de institucionalização do liberalismo no Império do Brasil.

Passando para o período republicano, chegamos ao artigo de Júlio César da Rosa que enfoca a sociabilidade das populações afrodescendentes na cidade de Laguna (SC) na primeira metade do século XX, mormente nos clubes sociais negros União Operária e Clube Literário Cruz e Souza. Luís Cláudio Machado dos Santos nos traz em seu texto uma análise da atuação de Alvaro Lins como embaixador do Brasil em Portugal entre 1956 e 1959 e a influência de suas posições na construção da política externa brasileira no pós-guerra. Márcio Ananias Ferreira Vilela dedica seu artigo à análise da trajetória de Paulo Stuart Wright, membro da Igreja Presbiteriana do Brasil e deputado estadual em Santa Catarina, que foi perseguido e assassinado pelos órgãos de repressão do regime militar após o golpe de 1964. Fechando este número da Revista Clio, temos o artigo de Augusto Neves da Silva, que em seu texto nos remete ao carnaval do Recife de 1985, quando a Mãe-de-Santo Badia foi a homenageada da festa. A partir deste fato, o autor analisa questões referentes à tradição, religiosidade popular e identidade e cultura negras no Recife.

Os organizadores deste número da Revista Clio, bem como o seu editor desejam que os estudos aqui publicados possam estimular debates e novas contribuições à historiografia brasileira. Boa leitura!

Suzana Cavani Rosas e Cristiano Luís Christillino

Organizadores do Dossiê

George F. Cabral de Souza Editor

Suzana Cavani Rosas – Organizadora do Dossiê. Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Pós-graduação em História. E-mail: [email protected]

Cristiano Luís Christillino – Organizador do Dossiê. Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Pós-graduação em História. E-mail: [email protected]

George Felix Cabral – Editor da Revista. Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Pós-graduação em História. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: [email protected]


ROSAS, Suzana Cavani; CHRISTILLINO, Cristiano Luís; CABRAL, George Felix. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.34, n.1, jan / jun, 2016. Acessar publicação original [DR]

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Estado, nação e cidadania no oitocentos (1850-1889) -parte 2 / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2016

A Revista Clio abre este volume com a segunda parte do dossiê Estado, nação e cidadania no oitocentos (1850-1889), que versa sobre instituições, atores e processos políticos no Brasil império, no período de 1850 a 1889. Sua abordagem procura compreender o campo da política, ultrapassando as fronteiras restritas do Estado, em suas dimensões e articulações com a sociedade e a cultura. Também privilegia a atuação, individual e coletiva, de pessoas anônimas, para além da figura dos “grandes” lideres. Seu corte cronológico se estende da consolidação ao fim do estado imperial. Um período de afirmação do poder central sobre os locais, rearticulações políticas nas províncias, de férteis debates em torno da construção do estado. É o tempo compreendido entre o fim do tráfico e o da escravidão, assinalado ainda por movimentos sociais e políticos, como o abolicionista e o republicano. Cidadania, Estado, elites políticas, eleições, movimentos sociais são os principais temas que este dossiê se propõe a discutir.

Os dois primeiros artigos tratam do recrutamento e da Guarda Nacional no Ceará. O trabalho de Maria Regina Santos de Souza, A implacável surdez das autoridades do império: as súplicas dos veteranos da Guerra do Paraguai (1870-1889)analisa, no período posterior a Guerra do Paraguai, a (des)atenção do governo brasileiro com os direitos concedidos aos excombatentes, tais como pensões, empregos públicos, terras e compensação financeira. Souza mostra os problemas gerados para os veteranos. Parte significativa deles enfrentou a desorganização e a falta de conhecimento jurídico da burocracia do Estado. Este artigo aborda a luta dos veteranos do Ceará pelos direitos de guerra.

O artigo de Ana Sara Cortez Irffi, “O cidadão não encontra garantia senão na própria força” – Recrutamento, milícias privadas, quadrilhas de „cabras‟ e a propriedade privada (Cariri Cearense, século XIX), analisa o processo de construção do Estado brasileiro em meados do Oitocentos, o recrutamento para a Guarda Nacional e a formação de milícias privadas no sertão das chamadas províncias do Norte. A análise se volta às milícias surgidas a partir das relações estabelecidas dos senhores com agregados e moradores, mas também, no bojo desse processo, à formação de grupos alheios aos senhores que ficaram conhecidos como „quadrilhas de cabras‟.

Rafael Sancho Carvalho da Silva analisa os aspectos políticos do banditismo no sertão baiano em seu artigo Antonio José Guimarães: banditismo e disputas políticas no sertão baiano Oitocentista. Rafael discute a relação do banditismo com as disputas políticas no sertão baiano, usando o caso de Antonio José Guimarães que atuou entre 1849 e 1854 pelos sertões da Bahia e de Goiás. Mostra também que podemos analisar o banditismo como um fenômeno da história política.

Em seguida temos o artigo Práticas docentes no Recife e Olinda na segunda metade do século XIX de Dayana Raquel Pereira de Lima e Yan Soares Santos. Partindo da metodologia da microanálise, analisam as trajetórias e demandas dos membros da Sociedade Propagadora da Instrução Pública de 1872, e as petições feitas pelos professores aos poderes públicos dos principais expedientes práticos do trabalho docente. Mostram que a docência foi marcada por práticas individuais de cidadania, quando os professores desenvolviam estratégias pessoais, de acordo com privilégios conquistados ao longo da carreira, os quais, na prática, afastavam a possibilidade de constituírem uma identidade docente.

Os próximos três artigos se dedicam a história agrária do Brasil oitocentista. O artigo A política de acesso à terra no Brasil Imperial e a compra de terras devolutas no planalto da Província de Santa Catarina, de Paulo Pinheiro Machado e Flávia Paula Darossi, analisa a aplicação da Lei de Terras na Província de Santa Catarina, com ênfase no município de Lages. O estudo foi realizado com base em requerimentos de compra de terras devolutas, lavrados entre 1850 e 1889, previstos na legislação como a única forma legal de acesso à terra. Machado e Darossi mostram que, por tratar-se de uma fronteira agrícola e de povoamento em expansão, o planalto catarinense foi ocupado de diferentes maneiras – que ultrapassavam as disposições da própria Lei -, o que repercutiu em complexas estratégias de regulamentação da propriedade.

Em seguida Francivaldo Alves Nunes contribui ao Dossiê com o estudo da questão agrária na Amazônia em seu artigo Entre outras estratégias de controle e dominação: Estado, agricultura e colonização na Amazônia Oitocentista. Nunes analisa a relação entre os discursos construídos em torno da agricultura e colonização, caracterizados pela moralização da sociedade e a atuação do Estado imperial. Baseado em relatórios governamentais, mostra como esses valores, associados à atividade agrícola, exigiram do Estado um desempenho não apenas de manutenção da ordem, mas como instituição promotora de políticas que elevassem os hábitos das populações na Amazônia. A afirmação do Estado também se deu, no interior das províncias do Pará e Amazonas, através de ações revestidas de um discurso de promoção da ordem, da modernidade e da civilização.

O artigo Formação do ambiente rural sul-mato-grossense (1829-1892), de Maria do Carmo Brazil e Elaine Cancian, discute a organização da sociedade agropastoril nos campos sulinos de Mato Grosso. Partindo principalmente de relatos memorialísticos e inventários post-mortem, as autoras analisam o peso da pecuária nos municípios de Santana de Paranaíba, Rio Brilhante, Coxim, Corumbá, Campo Grande e Miranda,entre os anos de 1829 e 1892, na expansão da fronteira fundiária do centro-oeste brasileiro. Brazil e Cancian mostram a concentração fundiária, e a exclusão social nela inscrita e dela decorrente, e a montagem de um aparato político repressivo e autoritárioinscritos no processo de ocupação das terras sulmato-grossenses.

O Dossiê é encerrado com o artigo Índios / as, negros / as, mestiços / as, para além da paisagem amazônica: a construção de experiências locais em notas etnográficas da obra de Alfred Russel Wallace (1850-1852) de Victor R. L. Silva e José O. Aguiar. O artigo tece considerações sobre as viagens científicas no Brasil Imperial, com destaque para a trajetória de Alfred Russel Wallace pelos rios e matas equatoriais da Amazônia e para os mais variados encontros culturais que tiveram espaço nessa jornada coletora. Ganha relevo o destaque à descrição de índios / as, negro / as e mestiços / as na ótica do naturalista-viajante e a análise das características e recorrências de seu olhar tanto em sentido de continuidade quanto à base do pensamento oitocentista, quanto em sentido de ruptura, dissensão e criatividade.

A parte dedicada aos artigos livres conta, neste volume, com sete textos referentes à abordagens diversas no tempo e no espaço. O primeiro deles é de autoria de Grasiela Florêncio de Morais e enfoca as relações de subordinação e controle entre as autoridades do Recife e a população pobre da cidade no período 1830-1850. A autora aponta como os projetos de melhoramentos materiais redundavam na vigilância cotidiana das camadas despossuídas da capital pernambucana. Martha Victor Vieira discute em seu texto como a circulação de ideias liberais na imprensa da província de Goiás se insere no processo de consolidação da consciência nacional brasileira no período regencial. Gustavo Magno Barbosa Alencar também trabalha a década de 1830, mas sua abordagem se dirige para a província do Ceará. Utilizando os periódicos e manuscritos de época, o autor procura analisar as concepções do pensamento liberal com atenção para a compreensão dos usos do vocabulário político da época.

Continuando nos estudos sobre o século XIX, Thiago Broni de Mesquita e João Victor da Silva Furtado nos apresentam o processo de estabelecimento de prisões na província do Grão-Pará nos tempos da Cabanagem. Os autores discutem a criação das cadeias no contexto das medidas de coerção postas em prática pelas autoridades daquela província. De volta ao Ceará, nos deparamos no texto de Antônio José de Oliveira com a análise sobre o processo de invisibilização dos índios Kariri na historiografia que se dedicou ao estudo da segunda metade do século XIX naquela província.

Passando para o século XX, encontramos aqui dois textos relativos à história cultural de Pernambuco e Ceará. Lucas Victor Silva nos traz sua abordagem da atuação da Federação Carnavalesca Pernambucana durante os anos 1930. O autor aponta como essa instituição procurou controlar as manifestações carnavalescas no estado como forma de manifestar a coesão nacional em consonância com as aspirações políticas do regime pós-1930. Fechando o volume, contamos com o texto de Anderson de Sousa Silva sobre as políticas de cultura e artes nos anos 1960 no Ceará. O pesquisador reflete sobre as relações entre Estado e cultura e também dedica atenção ao processo de inserção do Ceará no panorama artístico brasileiro.

Os organizadores deste número da Revista Clio desejam que os estudos aqui publicados possam estimular debates e novas contribuições à historiografia brasileira.

Boa leitura!

Suzana Cavani Rosas e Cristiano Luís Christillino

Organizadores do Dossiê

George F. Cabral de Souza

Editor

Suzana Cavani Rosas – Organizadora do Dossiê. Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Pós-graduação em História. E-mail: [email protected]

Cristiano Luís Christillino – Organizador do Dossiê. Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Pós-graduação em História. E-mail: [email protected]

George Felix Cabral – Editor da Revista. Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Pós-graduação em História. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: [email protected]


ROSAS, Suzana Cavani; CHRISTILLINO, Cristiano Luís; CABRAL, George Felix. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.34, n.2, jul / dez, 2016. Acessar publicação original [DR]

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Ensino de História, Cidadania, Cultura e Identidades / História e Diversidade / 2015

História e Diversidade: Ensino de História, Cidadania, Cultura e Identidades

É com grande satisfação que apresentamos o sétimo volume da Revista História e Diversidade, do curso de Licenciatura em História da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT – Campus de Cáceres que tem como objetivo a constituição de um espaço de divulgação de pesquisas e reflexões sobre História e Diversidade, priorizando a publicação de artigos que versam sobre História, Ensino de História, Diversidade Cultural, Formação e Prática Docente.

Este volume apresenta o Dossiê intitulado História e Diversidade: Ensino de História, Cidadania, Cultura e Identidades que é composto por duas seções: 1) Ensino de História, Patrimônio e Diversidade, que tem como foco principal a dinâmica entre o ensino de história, diversidade, e direitos sociais; e 2) Teoria da História, Capital e Diversidade, que articula artigos com reflexões sobre a construção do conhecimento histórico, o setor elétrico brasileiro, e uma discussão de gênero a partir da personagem Laura de Vison.

O artigo de abertura intitulado “Entre muitos ‘outros’: ensino de história e integração latino-americana”, de autoria de Juliana Pirola da Conceição, Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp, tem como objetivo analisar de que maneira o ensino de história influencia a prática cotidiana dos indivíduos, em especial a relação entre o ensino da América Latina e a integração entre os latinos americanos. Para tanto, teve como objeto de estudo específico um conjunto de entrevistas realizada com 73 jovens, de duas escolas públicas da região central da cidade de São Paulo, desse universo de jovens, 6 eram bolivianos, o que potencializa a contribuição do seu recorte analítico.

O segundo artigo “As decisões do Tribunal Superior do Trabalho como instrumento para o ensino dos Direitos Sociais: a formação de um banco de dados”, elaborado por Alisson Droppa (Doutor em História pela Unicamp) e Magda Barros Biavaschi (Doutora em Economia pela Unicamp), tem como objetivo apresentar o banco de dados das decisões do Tribunal Superior do Trabalho, que teve como área de jurisprudência a terceirização, com o propósito de pensar na constituição de documentos para o ensino dos direitos sociais e da luta pela construção do direito e da cidadania no Brasil.

O terceiro artigo “A importância do ensino de história para a reflexão do tempo presente: o conceito de estranhamento e seu potencial para um inconformismo sadio” de Filipe Cambraia do Canto, graduado em História, é um relato e uma reflexão sobre a prática docente, a partir da experiência com o desenvolvimento do estágio, em que ministrou 24 aulas para o Ensino Médio. Os questionamentos e interesses dos estudantes possibilitaram indagações, procurando estabelecer conexões com o tempo presente, o ensino de história, e a desnaturalização dos objetos, possibilitando a problematização da realidade dos alunos do Ensino Médio, como ponto de partida para o fazer histórico em sala de aula.

O quarto artigo “Territórios negros: patrimônio, diáspora e tempo” elaborado por Gabriel Gonzaga, estudante da licenciatura em História da UFRGS, teve como objetivo questionar a noção temporal que norteou a construção de algumas práticas no interior do projeto patrimonial “Territórios Negros: Afro-brasileiros em Porto Alegre”, procurando estabelecer relações transversais entre a cultura afro-brasileira e o ensino de história.

O quinto artigo, o primeiro da segunda seção desse dossiê, intitulado “O sentido da História: entre metanarrativas e particularidades”, de Paulo Robério Ferreira Silva, Mestre em Ciências Sociais pela PUC Minas, propôs reflexões sobre o fazer histórico, sobretudo sobre os questionamentos provenientes da consideração de que o conhecimento histórico é uma modalidade do discurso. Diante desse questionamento, procurou estabelecer conexões para o conhecimento histórico, em que se destaca os elos da generalização e da especificidade.

O sexto artigo, “A “ética” da concorrência: concentração de capital no setor elétrico brasileiro – 1900 / 1950”, de Marcelo Squinca da Silva, Doutor em História pela PUC São Paulo, discutiu a postura de alguns empresários frente ao processo de urbanização do Brasil, em especial a superação da demanda da energia elétrica, o que evidenciou a postura conservadora da burguesia empresarial, que foi gestada dependente e subordinado ao Estado.

O sétimo artigo, “Laura de Vison: um(a) artista de nossos tempos de discussão sobre gênero”, de Walace Rodrigues, Doutor em Humanidades pela Universiteit Leiden (Holanda), a partir da apresentação da personagem Laura de Vison, sobre o seu trabalho performático nos anos 1980 e 1990, no cenário gay do Rio de Janeiro. O autor propõe uma historiografia das personalidades históricas LGBT brasileiras. Além do dossiê, este número da Revista História e Diversidade, publica ainda cinco artigos extras e uma resenha.

O primeiro artigo intitulado “Entre guerras “justas” e “injustas”: jogos de interesses no hinterland de Benguela e a produção de cativos (século XVIII), de Bruno Pinheiro Rodrigues, Doutor em História pela Universidade Federal de Mato Grosso, apresenta uma análise do quadro de alianças formado no hinterland de Benguela, um dos maiores portos exportadores de cativos para a América portuguesa durante o século XVIII e início do XIX, e uma reflexão sobre a construção da legitimidade de uma guerra “justa”, a partir dos arranjos políticos e alianças com chefes locais.

O segundo artigo, “Relações entre Museus e Cidades: experiências de professores de história no Museu de Artes e Ofícios em Belo Horizonte- MG”, de Jesulino Lucio Mendes Braga, Doutor em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais, aborda a relação entre o Museu de Artes e Ofícios (MAO) e a cidade de Belo Horizonte a partir de uma pesquisa feita com professores de história que fazem uso educativo da exposição museal. A análise considera as experiências e as narrativas que os docentes produzem no contato com a exposição. Os docentes elaboram significados para as ações de ensino com o uso da exposição do MAO e apontam as potencialidades de usos dos espaços da cidade para a educação.

O terceiro artigo, “As cadeias no Mato Grosso do século XIX: um olhar sobre o cárcere”, de autoria de Patrícia Figueiredo Aguiar, doutoranda em História pela Universidade Federal de Uberlândia, realiza uma análise sobre as circunstâncias em que se estabeleciam as cadeias na primeira metade do século XIX na província de Mato Grosso.

O quarto artigo denominado “Práticas de esporte, educação física e educação moral e cívica na Ditadura Militar: uma higiene moral e do corpo”, de Reginaldo Cerqueira Sousa, doutorando em História pela Universidade Federal do Paraná, analisa as formas de legitimação do regime autoritário por meio da análise dos manuais e Educação Moral e Cívica e das práticas esportivas nos espaços de educação de jovens e o processo de constituição de uma espécie de pedagogia moral e do corpo viabilizado, principalmente, pela reestruturação do ensino por meio de reformas na educação, de programas e de projetos educacionais em fi ns dos anos de 1960 e durante a década de 1970.

O quinto artigo, “O efeito Cólera em meio às mutações ideológicas do Punk brasileiro”, de Tiago de Jesus Vieira, doutorando em História pela Universidade Federal de Mato Grosso, analisa dois álbuns da banda Cólera, como elementos interlocutores para explicitar o conturbado contexto da produção das identidades punk no decurso da década de 1980. A partir da análise dos álbuns, o estudo visa compreender como estes se inseriram no processo de “composição ideológica punk” no Brasil.

Por fim, a resenha organizada por Valdeci da Silva Cunha, doutorando em História pela Universidade Federal de Minas Gerais, apresenta a obra de RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. 1ª edição. Trad. Ivone C. Benedetti. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.

Desejamos que as leitoras e os leitores apreciem os artigos que compõem esse volume da revista História e Diversidade, se sintam encorajados a participar dos debates propostos e enviem contribuições para os próximos volumes.

Boa leitura!

Caroline Pacievitch

Halferd Carlos Ribeiro Júnior

Osvaldo Mariotto Cerezer


PACIEVITCH, Caroline; RIBEIRO JÚNIOR, Halferd Carlos; CEREZER, Osvaldo Mariotto. Apresentação. História e Diversidade. Cáceres, v.7, n.2, 2015. Acessar publicação original [DR]

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Nação, cidadania, insurgências e práticas políticas, 1817-1848 (II) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2015

Esta segunda parte do dossiê Nação, cidadania, insurgência e práticas políticas, 1817- 1848, mais uma vez, aborda a história social e política daquele momento-chave da formação da nacionalidade e da consolidação do império do Brasil, que costumava ser chamado pela historiografia tradicional de “Ciclo das Insurreições Liberais do Nordeste”. Mesmo tendo esse vínculo comum, os artigos abordam objetos diversos, enriquecendo assim nossa compreensão sobre o período e sobre a temática do dossiê. Nas páginas seguintes, estudaremos: a constituição de uma família que tinha um projeto de ascensão à elite política do Império; o conturbado processo de independência nas “províncias do norte”; a participação de índios aldeados nas lutas da Confederação do Equador; o jogo político das primeiras celebrações do Sete de Setembro, e, finalmente, os confrontos armados envolvendo as populações florestais nas matas de Jacuípe na primeira metade do dezenove.

Abre o dossiê o instigante artigo de Paulo Henrique Fontes Cadena, que desvenda a trajetória política e financeira dos Cavalcanti de Albuquerque desde 1801, quando os irmãos Francisco, Luís e José protagonizaram a trama conhecida como Conspiração dos Suassuna (nome do engenho da família). Em 1817, Francisco (o Coronel Suassuna), e seus filhos participaram da revolução que estourou no Nordeste. O autor analisa os problemas financeiros que rondavam o cotidiano dos Cavalcanti, levando-os a tomar posições opostas ao governo. Todos os seis filhos do Coronel envolveram-se na política brasileira. O mais destacado deles, Antonio Francisco de Paula e Hollanda Cavalcanti de Albuquerque, o Hollanda dos anais do parlamento brasileiro, quase foi regente em 1835 ao concorrer com Feijó. Depois dos arroubos de 1808 e 1817, a família trilhou um caminho mais conservador, apoiando Pedro I contra a Confederação do Equador (1824) e dali foram tecendo alianças e ocupando espaços políticos que, explica Paulo Cadena, tiveram correspondência direta com o sucesso econômico dos anos seguintes. Os Cavalcanti e seus aliados ocuparam imensos cargos e posições constituindo-se numa oligarquia sem par na história de Pernambuco.

A história de formação de potentados locais e da elite política no Brasil Império é fascinante, sobretudo quando associada a processos mais amplos, como a Independência do Brasil, que, nas províncias, não foi um processo homogêneo, unidirecional. No Piauí, o anochave foi 1823, quando as tropas leais a Portugal foram definitivamente expulsas por um exército patriota, articulado pelas elites locais, com intensa participação dos grupos populares. Gente que, em sua maioria, era motivada por um discurso de nacionalidade construído ali mesmo em meio aos acontecimentos. É isso que nos mostra em detalhe o artigo de Johny Santana de Araújo, ao fazer um estudo de caso sobre a Independência, no qual evidencia a posição estratégica do Piauí, como uma “região de fronteira” entre o novo Império do Brasil e a nova Colônia portuguesa no norte. Menos de um ano depois dos eventos de 1823, as lideranças políticas que haviam tomado parte no processo de independência no Piauí, estavam divididas entre jurar a nova Constituição, promulgada por Pedro I, ou aderir à “república pernambucana”: a Confederação do Equador.

Nesses processos, a violenta cisão entre as elites locais, abria espaço para que outros protagonistas atuassem de forma mais incisiva na cena política maior, esgarçando ou mesmo rompendo relações clientelistas consolidadas pelas contingências locais. Na Confederação do Equador estava em debate (e em conflito) projetos políticos divergentes, conferindo outras dimensões ao jogo político entre os potentados locias e as demais camadas e estratos da sociedade. Assim, em Pernambuco e Alagoas, os acontecimentos de 1824 atingiram e envolveram também a população indígena. É este o tema do artigo de Mariana Albuquerque Dantas, que analisa com precisão a participação dos aldeamentos de Barreiros e Cimbres (em Pernambuco) e Jacuípe (em Alagoas) nos conflitos armados daquele ano. A partir de suas próprias demandas – a defesa da terra das aldeias, a administração desses espaços e a oposição ao recrutamento – a população indígena posicionou-se diante dos debates sobre projetos políticos coevos. Mesmo que enleados nas malhas do clientelismo local, os índios aldeados foram protagonistas de sua própria história naquele momento crucial do processo de formação do Estado nacional brasileiro.

O artigo seguinte é de autoria de Lídia Rafaela Nascimento dos Santos que contempla o leitor com um estudo sobre as festas comemorativas do Sete de Setembro no Recife em 1829. Embora tenha sido uma tradição inventada em 1826 por uma lei que definiu as datas cívicas da nova nação, esta foi a primeira vez que aquela celebração foi registrada e debatida pela imprensa de Pernambuco. O texto apresenta um repertório de interpretações coevas sobre aquele momento, quando a cidade inteira viu-se envolvida nas solenidades que contou com cortejos, carros alegóricos, ruas e praças apinhadas de gente. Mas nada era linear, unívoco. Cada detalhe era significado à sua maneira pelos diferentes agentes enredados nas tramas das festas. As diferentes facções políticas manifestavam-se através da imprensa e participavam, ou não, dos diversos eventos programados, conforme seus poderes relativos, suas opiniões e lealdades. A cidade ainda vivia o rescaldo dos movimentos de 1817 e 1824. Eram muitas as discordâncias, veladas ou não, expressas nos periódicos, que posicionavam-se de forma crítica sobre o que ocorria na cidade. A festa não era apenas uma festa, era muito mais.

Maria Luiza Ferreira de Oliveira inova estudando as guerras nas matas entre Alagoas e Pernambuco na década de 1840, construindo uma nova periodização e uma narrativa singular daqueles eventos. Seu texto mostra que os cabanos não foram totalmente derrotados em 1835, pois a luta ainda iria continuar na década seguinte até a prisão final de Vicente de Paula e de Pedro Ivo, em 1850, e a fundação de duas colônias militares na região, uma em cada província. A gente das matas agia dentro de uma lógica própria. É preciso perscrutá-la para entender suas motivações, seu envolvimento numa guerra sem fim. Mas além dos combates corpo a corpo, das incontáveis mortes, a autora percebe uma outra luta na imprensa e no debate político partidário pela construção de uma memória daqueles acontecimentos e das pessoas envolvidas. Os conservadores tentaram despolitizar o debate público, mostra a autora, celebrando os “melhoramentos materiais” dos anos 1850 em confronto com o que seria um Brasil selvagem, incivilizado. Pedro Ivo desponta como o personagem mais disputado, apontado como herói ou bandido, como símbolo de um liberalismo purista ou um reles desertor das tropas imperiais. Essa luta pela memória foi, principalmente, política, indo além do que permite entender uma cronologia estática dos fatos. É essa a trama tecida nesse instigante texto.

Só resta aos organizadores deste dossiê agradecer aos autores que possibilitaram manter acesa a discussão sobre o tema Nação, cidadania, insurgência e práticas políticas, 1817-1848.

Marcus J. M. de Carvalho – UFPE.

Bruno Augusto Dornelas Câmara – UPE.


CARVALHO, Marcus J. M. de; CÂMARA, Bruno Augusto Dornelas. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.33, n.2, jul / dez, 2015. Acessar publicação original [DR]

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Patrimônio, pesquisa e cidadania / Revista do Arquivo Público Mineiro / 2015

O Dossiê deste volume celebra os 120 anos do Arquivo Público Mineiro (APM). Essa comemoração não só destaca os múltiplos significados dos arquivos públicos na sociedade contemporânea, como também propõe um momento de reflexão a respeito dos desafios enfrentados e a forma de superá-los. São quatro os textos que remetem a esses tópicos.

O primeiro artigo aborda, em seus desdobramentos, a construção da atual sede do APM e do prédio anexo. A história custodial do acervo, como costuma ocorrer, não foi linear. Recolhido em 1895, o acervo da instituição permaneceu alguns anos na casa de seu criador, José Pedro Xavier da Veiga, sendo, depois, deslocado para Belo Horizonte, nova capital mineira desde 1897. Nesta cidade, vários foram os locais que serviram de sede para o APM, sempre enfrentando o desafio – como revela Mariana Bracarense, autora desse texto – de ampliar os espaços para o depósito dos valiosos fundos e coleções. Leia Mais

Nação, cidadania, insurgências e práticas políticas, 1817-1848-parte 2 / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2015

Esta segunda parte do dossiê Nação, cidadania, insurgência e práticas políticas, 1817- 1848, mais uma vez, aborda a história social e política daquele momento-chave da formação da nacionalidade e da consolidação do império do Brasil, que costumava ser chamado pela historiografia tradicional de “Ciclo das Insurreições Liberais do Nordeste”. Mesmo tendo esse vínculo comum, os artigos abordam objetos diversos, enriquecendo assim nossa compreensão sobre o período e sobre a temática do dossiê. Nas páginas seguintes, estudaremos: a constituição de uma família que tinha um projeto de ascensão à elite política do Império; o conturbado processo de independência nas “províncias do norte”; a participação de índios aldeados nas lutas da Confederação do Equador; o jogo político das primeiras celebrações do Sete de Setembro, e, finalmente, os confrontos armados envolvendo as populações florestais nas matas de Jacuípe na primeira metade do dezenove.

Abre o dossiê o instigante artigo de Paulo Henrique Fontes Cadena, que desvenda a trajetória política e financeira dos Cavalcanti de Albuquerque desde 1801, quando os irmãos Francisco, Luís e José protagonizaram a trama conhecida como Conspiração dos Suassuna (nome do engenho da família). Em 1817, Francisco (o Coronel Suassuna), e seus filhos participaram da revolução que estourou no Nordeste. O autor analisa os problemas financeiros que rondavam o cotidiano dos Cavalcanti, levando-os a tomar posições opostas ao governo. Todos os seis filhos do Coronel envolveram-se na política brasileira. O mais destacado deles, Antonio Francisco de Paula e Hollanda Cavalcanti de Albuquerque, o Hollanda dos anais do parlamento brasileiro, quase foi regente em 1835 ao concorrer com Feijó. Depois dos arroubos de 1808 e 1817, a família trilhou um caminho mais conservador, apoiando Pedro I contra a Confederação do Equador (1824) e dali foram tecendo alianças e ocupando espaços políticos que, explica Paulo Cadena, tiveram correspondência direta com o sucesso econômico dos anos seguintes. Os Cavalcanti e seus aliados ocuparam imensos cargos e posições constituindo-se numa oligarquia sem par na história de Pernambuco.

A história de formação de potentados locais e da elite política no Brasil Império é fascinante, sobretudo quando associada a processos mais amplos, como a Independência do Brasil, que, nas províncias, não foi um processo homogêneo, unidirecional. No Piauí, o anochave foi 1823, quando as tropas leais a Portugal foram definitivamente expulsas por um exército patriota, articulado pelas elites locais, com intensa participação dos grupos populares. Gente que, em sua maioria, era motivada por um discurso de nacionalidade construído ali mesmo em meio aos acontecimentos. É isso que nos mostra em detalhe o artigo de Johny Santana de Araújo, ao fazer um estudo de caso sobre a Independência, no qual evidencia a posição estratégica do Piauí, como uma “região de fronteira” entre o novo Império do Brasil e a nova Colônia portuguesa no norte. Menos de um ano depois dos eventos de 1823, as lideranças políticas que haviam tomado parte no processo de independência no Piauí, estavam divididas entre jurar a nova Constituição, promulgada por Pedro I, ou aderir à “república pernambucana”: a Confederação do Equador.

Nesses processos, a violenta cisão entre as elites locais, abria espaço para que outros protagonistas atuassem de forma mais incisiva na cena política maior, esgarçando ou mesmo rompendo relações clientelistas consolidadas pelas contingências locais. Na Confederação do Equador estava em debate (e em conflito) projetos políticos divergentes, conferindo outras dimensões ao jogo político entre os potentados locias e as demais camadas e estratos da sociedade. Assim, em Pernambuco e Alagoas, os acontecimentos de 1824 atingiram e envolveram também a população indígena. É este o tema do artigo de Mariana Albuquerque Dantas, que analisa com precisão a participação dos aldeamentos de Barreiros e Cimbres (em Pernambuco) e Jacuípe (em Alagoas) nos conflitos armados daquele ano. A partir de suas próprias demandas – a defesa da terra das aldeias, a administração desses espaços e a oposição ao recrutamento – a população indígena posicionou-se diante dos debates sobre projetos políticos coevos. Mesmo que enleados nas malhas do clientelismo local, os índios aldeados foram protagonistas de sua própria história naquele momento crucial do processo de formação do Estado nacional brasileiro.

O artigo seguinte é de autoria de Lídia Rafaela Nascimento dos Santos que contempla o leitor com um estudo sobre as festas comemorativas do Sete de Setembro no Recife em 1829. Embora tenha sido uma tradição inventada em 1826 por uma lei que definiu as datas cívicas da nova nação, esta foi a primeira vez que aquela celebração foi registrada e debatida pela imprensa de Pernambuco. O texto apresenta um repertório de interpretações coevas sobre aquele momento, quando a cidade inteira viu-se envolvida nas solenidades que contou com cortejos, carros alegóricos, ruas e praças apinhadas de gente. Mas nada era linear, unívoco. Cada detalhe era significado à sua maneira pelos diferentes agentes enredados nas tramas das festas. As diferentes facções políticas manifestavam-se através da imprensa e participavam, ou não, dos diversos eventos programados, conforme seus poderes relativos, suas opiniões e lealdades. A cidade ainda vivia o rescaldo dos movimentos de 1817 e 1824. Eram muitas as discordâncias, veladas ou não, expressas nos periódicos, que posicionavam-se de forma crítica sobre o que ocorria na cidade. A festa não era apenas uma festa, era muito mais.

Maria Luiza Ferreira de Oliveira inova estudando as guerras nas matas entre Alagoas e Pernambuco na década de 1840, construindo uma nova periodização e uma narrativa singular daqueles eventos. Seu texto mostra que os cabanos não foram totalmente derrotados em 1835, pois a luta ainda iria continuar na década seguinte até a prisão final de Vicente de Paula e de Pedro Ivo, em 1850, e a fundação de duas colônias militares na região, uma em cada província. A gente das matas agia dentro de uma lógica própria. É preciso perscrutá-la para entender suas motivações, seu envolvimento numa guerra sem fim. Mas além dos combates corpo a corpo, das incontáveis mortes, a autora percebe uma outra luta na imprensa e no debate político partidário pela construção de uma memória daqueles acontecimentos e das pessoas envolvidas. Os conservadores tentaram despolitizar o debate público, mostra a autora, celebrando os “melhoramentos materiais” dos anos 1850 em confronto com o que seria um Brasil selvagem, incivilizado. Pedro Ivo desponta como o personagem mais disputado, apontado como herói ou bandido, como símbolo de um liberalismo purista ou um reles desertor das tropas imperiais. Essa luta pela memória foi, principalmente, política, indo além do que permite entender uma cronologia estática dos fatos. É essa a trama tecida nesse instigante texto.

Só resta aos organizadores deste dossiê agradecer aos autores que possibilitaram manter acesa a discussão sobre o tema Nação, cidadania, insurgência e práticas políticas, 1817-1848.

Marcus J. M. de Carvalho – UFPE.

Bruno Augusto Dornelas Câmara – UPE.


CARVALHO, Marcus J. M. de; CÂMARA, Bruno Augusto Dornelas. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.33, n.2, jul / dez, 2015. Acessar publicação original [DR]

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Nação, cidadania, insurgências e práticas políticas, 1817-1848 (I) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2015

Foi na primeira metade do dezenove que ocorreu uma série de eventos, que a historiografia tradicional costumava chamar de forma um tanto quanto acrítica de “Ciclo das Insurreições Liberais do Nordeste”. Longe de se limitar apenas a esse pedaço do Brasil, aquele foi um momento marcante para a formação política e social da Nação em seus primeiros e decisivos anos de construção. Anos esses de fundação (para não dizer também de descolonização), organização, afirmação e consolidação do Estado Nação. Aqueles acontecimentos em suas múltiplas articulações são ainda reveladores das noções de nacionalidade e cidadania que foram se constituindo entre a chegada da família real e a década de 1850, a melhor década de Pedro II, segundo o monarquista Joaquim Nabuco. Ficaram claros processos políticos e sociais complexos, que sem a explosão de violência, sem a panfletagem, sem a repressão brutal, talvez tivessem ficado abafados pelas paredes dos centros de decisão nas províncias e na corte.

Não surpreende, portanto, que esse período e temática tenham sempre atraído a atenção de tantos historiadores brasileiros e estrangeiros. Entender esse tal “Ciclo das Insurreições Liberais do Nordeste” – que nem sempre foi liberal e raramente tão limitado geograficamente – é uma boa chave para perscrutar processos mais amplos de formação de uma cultura política singular, moldada em meio a contradições e conflitos – tendo a escravidão como um pano de fundo que se espalhava por todo o palco da ação. Para além dos aspectos políticos e da violência desses movimentos insurrecionais que tanto chamaram a atenção dos observadores mais imediatistas, a historiografia vem se dedicando a outras nuances, a outros processos que ocorreram dentro ou de forma paralela aos grandes acontecimentos políticos da primeira metade do século XIX. As balizas cronológicas desse dossiê englobam, portanto, momentos cruciais da construção da nacionalidade, da consolidação da monarquia bragantina, do apogeu do contrabando de cativos da África, ao transitar e buscar entender vários movimentos contestatórios que envolveram distintas camadas sociais em turbilhões explicáveis, desde que admitido o debate, a discordância, a pesquisa sempre inconclusa porque está sempre a recomeçar.

Atualmente, a já anunciada efeméride dos 200 anos da Revolução de 1817 constitui-se um poderoso fator de aglutinação de pesquisas sobre esses acontecimentos, “momentos de perigo” como dizia a historiografia mais antiga, da primeira metade do século XIX. Longe das comemorações oficiais e dos discursos laudatórios que estão por vir, a intenção deste dossiê, intitulado Nação, cidadania, insurgências e práticas políticas, 1817-1848, é justamente abordar o que realmente interessa para a comunidade acadêmica e para a sociedade em geral: fazer público e acessível a todos os novos estudos sobre esse período. O que o leitor apreciará aqui é um panorama do estado da discussão, do avanço das pesquisas a partir da compreensão mais ampla da história das insurreições, da cultura política e da cidadania no Brasil Império. Esses trabalhos, frutos da consolidação dos programas de Pós-Graduação no país, contribuem para uma melhor compreensão da história política e social do Brasil e abrem janelas para outros estudos, sucessivamente, avançando o debate, como deve ocorrer na aventura da busca pelo conhecimento histórico.

Sendo muitos os artigos, foi decidido dividir o dossiê em dois volumes. Neste primeiro volume, abre o dossiê o artigo de um veterano historiador dos movimentos sociais e políticos da primeira metade do século XIX. Flávio Cabral levará o leitor a percorrer os caminhos da minuciosa atuação diplomática nos Estados Unidos do comerciante Antônio Gonçalves da Cruz, o Cabugá, como emissário do governo revolucionário de 1817. Contrariando a historiografia que diminuía a importância dessa e de outras missões diplomáticas promovidas pelo governo revolucionário, Flávio discute o legado dessa missão, que esteve longe de ser frustrada, insignificante ou sem uma visão política mais ampla. Segundo o autor, Cabugá teve trânsito livre entre políticos e autoridades norteamericanos: celebrou tratados de comércio, acordos diplomáticos, fez articulações com pessoas influentes e com militares franceses exilados naquele país que serviram a Napoleão Bonaparte, comprou armamentos, munições e alimentos. Fez ainda propaganda positiva da revolução e da jovem república instalada no Nordeste do Brasil. Como ressalta Flávio, mil oitocentos e dezessete diverge de outros movimentos brasileiros, pois talvez nenhum outro tenha tido tanta repercussão no exterior.

Se Flávio faz um retrato preciso da experiência diplomática de uma das figuras mais emblemáticas de 1817, este dossiê não ficaria completo sem um estudo da gente comum que se envolveu nas querelas políticas daqueles tempos. O artigo do jovem historiador Wanderson Édipo de França, fruto de sua recém-defendida dissertação de mestrado, busca entender a participação do povo na política nacional, tendo como pano de fundo os acontecimentos de 1817 e da Confederação do Equador, em 1824. A própria expressão “povo”, escrita entre aspas, é um conceito que o autor vai tentar delinear no contexto da época. São objeto de sua pesquisa as práticas políticas das pessoas mais simples, suas condutas, questionamentos e incertezas. Essas pessoas, que se constituíam no “povo de Pernambuco”, não se curvaram às convenções e lutaram à sua maneira para construir suas próprias noções de pátria e cidadania.

O processo de construção da Nação foi marcado por inúmeros embates entre autoridades locais e agentes do governo central. Em 1831, com a abdicação de Pedro I e a implantação da Regência, outros pontos e detalhes dessa relação foram se constituindo. Porém, longe de ser um processo pacífico e cordato, o que se viu foi o aumento das tensões. Entender esse processo é o que propõe Manoel Nunes Cavalcanti Junior, em um artigo em que revisita as Carneiradas, uma sucessão de motins orquestrados pelos irmãos Francisco Carneiro Machado Rios e Antônio Carneiro Machado Rios. Ocorrida nas ruas do Recife no tumultuado ano de 1835, as Carneiradas um reflexo da disputa entre as facções políticas que lutavam pelo poder local. Um processo bipolar que tinha ressonância na Corte do Rio de Janeiro e era influenciado pelo que ocorria lá. As intrínsecas relações entre poder local e política partidária ganhavam novos contornos naqueles embates.

Na década de 1840, liberais e conservadores vivenciaram suas divergências na imprensa que mobilizou inúmeros escritores públicos. Ariel Feldman analisa a imprensa que antecede a Insurreição Praieira (1848 / 49), estudando produção jornalística do Padre Lopes Gama, entre 1845 e 1846. Os jornais e pasquins serviam para mobilizar votantes e não votantes, atingindo até as paróquias do interior. Mas era no Recife que estava o maior colégio eleitoral, o palco de inúmeras disputas e onde a pena afinada de Lopes Gama atuava com mais precisão. Ariel destaca a grande dificuldade do partido que não era situação para chegar ao poder, já que a máquina eleitoral era controlada pela presidência da província e seus representantes nas localidades. Diante das dificuldades, a oposição usava várias estratégias para arregimentar votantes. A imprensa de caráter popular era uma delas. Em seus escritos, Lopes Gama conclama o povo a participar mais da vida política da província, assumindo um jornalismo mais popular visando atingir setores mais amplos da população. Uma de suas estratégias era o uso de versos rimados para discutir política. Versos que mexiam com os sentimentos e imaginário popular.

A primeira parte deste dossiê fecha com um artigo de Renata Saavedra sobre a Guerra dos Maribondos, uma série de revoltas populares contra o registro civil e o censo geral do Império, entre dezembro de 1851 e janeiro de 1852, envolvendo povoações do interior de Pernambuco, Paraíba, Sergipe, Alagoas e Ceará. O governo imperial não imaginou que a população rural pobre interpretasse aquelas medidas como uma tentativa de (re)escravizar a população não branca. Além da destruição dos papéis com esses editais, houve depredações nos povoados, engenhos foram atacados, autoridades presas e pelo menos um juiz de paz morreu nos conflitos. Para além da violência desses motins, a autora faz uma sucinta descrição do repertório de mobilização e luta dos homens livres pobres, discutindo as noções de justiça coevas, contrárias a uma cidadania imposta “de cima para baixo”, que não respeitava os costumes e os valores tradicionais daquela população. Rediscutindo a historiografia sobre a gente livre pobre no Brasil imperial, a autora busca entender as dimensões políticas dessa revolta popular.

Só resta aos organizadores deste dossiê agradecer aos autores que possibilitaram acender tantas discussões neste número da Clio.

Marcus J. M. de Carvalho – UFPE.

Bruno Augusto Dornelas Câmara – UPE.


CARVALHO, Marcus J. M. de; CÂMARA, Bruno Augusto Dornelas. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.33, n.1, jan / jun, 2015. Acessar publicação original [DR]

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Nação, cidadania, insurgências e práticas políticas, 1817-1848 (Parte 1) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2015

Foi na primeira metade do dezenove que ocorreu uma série de eventos, que a historiografia tradicional costumava chamar de forma um tanto quanto acrítica de “Ciclo das Insurreições Liberais do Nordeste”. Longe de se limitar apenas a esse pedaço do Brasil, aquele foi um momento marcante para a formação política e social da Nação em seus primeiros e decisivos anos de construção. Anos esses de fundação (para não dizer também de descolonização), organização, afirmação e consolidação do Estado Nação. Aqueles acontecimentos em suas múltiplas articulações são ainda reveladores das noções de nacionalidade e cidadania que foram se constituindo entre a chegada da família real e a década de 1850, a melhor década de Pedro II, segundo o monarquista Joaquim Nabuco. Ficaram claros processos políticos e sociais complexos, que sem a explosão de violência, sem a panfletagem, sem a repressão brutal, talvez tivessem ficado abafados pelas paredes dos centros de decisão nas províncias e na corte.

Não surpreende, portanto, que esse período e temática tenham sempre atraído a atenção de tantos historiadores brasileiros e estrangeiros. Entender esse tal “Ciclo das Insurreições Liberais do Nordeste” – que nem sempre foi liberal e raramente tão limitado geograficamente – é uma boa chave para perscrutar processos mais amplos de formação de uma cultura política singular, moldada em meio a contradições e conflitos – tendo a escravidão como um pano de fundo que se espalhava por todo o palco da ação. Para além dos aspectos políticos e da violência desses movimentos insurrecionais que tanto chamaram a atenção dos observadores mais imediatistas, a historiografia vem se dedicando a outras nuances, a outros processos que ocorreram dentro ou de forma paralela aos grandes acontecimentos políticos da primeira metade do século XIX. As balizas cronológicas desse dossiê englobam, portanto, momentos cruciais da construção da nacionalidade, da consolidação da monarquia bragantina, do apogeu do contrabando de cativos da África, ao transitar e buscar entender vários movimentos contestatórios que envolveram distintas camadas sociais em turbilhões explicáveis, desde que admitido o debate, a discordância, a pesquisa sempre inconclusa porque está sempre a recomeçar.

Atualmente, a já anunciada efeméride dos 200 anos da Revolução de 1817 constitui-se um poderoso fator de aglutinação de pesquisas sobre esses acontecimentos, “momentos de perigo” como dizia a historiografia mais antiga, da primeira metade do século XIX. Longe das comemorações oficiais e dos discursos laudatórios que estão por vir, a intenção deste dossiê, intitulado Nação, cidadania, insurgências e práticas políticas, 1817-1848, é justamente abordar o que realmente interessa para a comunidade acadêmica e para a sociedade em geral: fazer público e acessível a todos os novos estudos sobre esse período. O que o leitor apreciará aqui é um panorama do estado da discussão, do avanço das pesquisas a partir da compreensão mais ampla da história das insurreições, da cultura política e da cidadania no Brasil Império. Esses trabalhos, frutos da consolidação dos programas de Pós-Graduação no país, contribuem para uma melhor compreensão da história política e social do Brasil e abrem janelas para outros estudos, sucessivamente, avançando o debate, como deve ocorrer na aventura da busca pelo conhecimento histórico.

Sendo muitos os artigos, foi decidido dividir o dossiê em dois volumes.

Neste primeiro volume, abre o dossiê o artigo de um veterano historiador dos movimentos sociais e políticos da primeira metade do século XIX. Flávio Cabral levará o leitor a percorrer os caminhos da minuciosa atuação diplomática nos Estados Unidos do comerciante Antônio Gonçalves da Cruz, o Cabugá, como emissário do governo revolucionário de 1817. Contrariando a historiografia que diminuía a importância dessa e de outras missões diplomáticas promovidas pelo governo revolucionário, Flávio discute o legado dessa missão, que esteve longe de ser frustrada, insignificante ou sem uma visão política mais ampla. Segundo o autor, Cabugá teve trânsito livre entre políticos e autoridades norteamericanos: celebrou tratados de comércio, acordos diplomáticos, fez articulações com pessoas influentes e com militares franceses exilados naquele país que serviram a Napoleão Bonaparte, comprou armamentos, munições e alimentos. Fez ainda propaganda positiva da revolução e da jovem república instalada no Nordeste do Brasil. Como ressalta Flávio, mil oitocentos e dezessete diverge de outros movimentos brasileiros, pois talvez nenhum outro tenha tido tanta repercussão no exterior.

Se Flávio faz um retrato preciso da experiência diplomática de uma das figuras mais emblemáticas de 1817, este dossiê não ficaria completo sem um estudo da gente comum que se envolveu nas querelas políticas daqueles tempos. O artigo do jovem historiador Wanderson Édipo de França, fruto de sua recém-defendida dissertação de mestrado, busca entender a participação do povo na política nacional, tendo como pano de fundo os acontecimentos de 1817 e da Confederação do Equador, em 1824. A própria expressão “povo”, escrita entre aspas, é um conceito que o autor vai tentar delinear no contexto da época. São objeto de sua pesquisa as práticas políticas das pessoas mais simples, suas condutas, questionamentos e incertezas. Essas pessoas, que se constituíam no “povo de Pernambuco”, não se curvaram às convenções e lutaram à sua maneira para construir suas próprias noções de pátria e cidadania.

O processo de construção da Nação foi marcado por inúmeros embates entre autoridades locais e agentes do governo central. Em 1831, com a abdicação de Pedro I e a implantação da Regência, outros pontos e detalhes dessa relação foram se constituindo. Porém, longe de ser um processo pacífico e cordato, o que se viu foi o aumento das tensões. Entender esse processo é o que propõe Manoel Nunes Cavalcanti Junior, em um artigo em que revisita as Carneiradas, uma sucessão de motins orquestrados pelos irmãos Francisco Carneiro Machado Rios e Antônio Carneiro Machado Rios. Ocorrida nas ruas do Recife no tumultuado ano de 1835, as Carneiradas um reflexo da disputa entre as facções políticas que lutavam pelo poder local. Um processo bipolar que tinha ressonância na Corte do Rio de Janeiro e era influenciado pelo que ocorria lá. As intrínsecas relações entre poder local e política partidária ganhavam novos contornos naqueles embates.

Na década de 1840, liberais e conservadores vivenciaram suas divergências na imprensa que mobilizou inúmeros escritores públicos. Ariel Feldman analisa a imprensa que antecede a Insurreição Praieira (1848 / 49), estudando produção jornalística do Padre Lopes Gama, entre 1845 e 1846. Os jornais e pasquins serviam para mobilizar votantes e não votantes, atingindo até as paróquias do interior. Mas era no Recife que estava o maior colégio eleitoral, o palco de inúmeras disputas e onde a pena afinada de Lopes Gama atuava com mais precisão. Ariel destaca a grande dificuldade do partido que não era situação para chegar ao poder, já que a máquina eleitoral era controlada pela presidência da província e seus representantes nas localidades. Diante das dificuldades, a oposição usava várias estratégias para arregimentar votantes. A imprensa de caráter popular era uma delas. Em seus escritos, Lopes Gama conclama o povo a participar mais da vida política da província, assumindo um jornalismo mais popular visando atingir setores mais amplos da população. Uma de suas estratégias era o uso de versos rimados para discutir política. Versos que mexiam com os sentimentos e imaginário popular.

A primeira parte deste dossiê fecha com um artigo de Renata Saavedra sobre a Guerra dos Maribondos, uma série de revoltas populares contra o registro civil e o censo geral do Império, entre dezembro de 1851 e janeiro de 1852, envolvendo povoações do interior de Pernambuco, Paraíba, Sergipe, Alagoas e Ceará. O governo imperial não imaginou que a população rural pobre interpretasse aquelas medidas como uma tentativa de (re)escravizar a população não branca. Além da destruição dos papéis com esses editais, houve depredações nos povoados, engenhos foram atacados, autoridades presas e pelo menos um juiz de paz morreu nos conflitos. Para além da violência desses motins, a autora faz uma sucinta descrição do repertório de mobilização e luta dos homens livres pobres, discutindo as noções de justiça coevas, contrárias a uma cidadania imposta “de cima para baixo”, que não respeitava os costumes e os valores tradicionais daquela população. Rediscutindo a historiografia sobre a gente livre pobre no Brasil imperial, a autora busca entender as dimensões políticas dessa revolta popular.

Só resta aos organizadores deste dossiê agradecer aos autores que possibilitaram acender tantas discussões neste número da Clio.

Marcus J. M. de Carvalho – UFPE.

Bruno Augusto Dornelas Câmara – UPE.


CARVALHO, Marcus J. M. de; CÂMARA, Bruno Augusto Dornelas. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.33, n.1, jan / jun, 2015. Acessar publicação original [DR]

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Direitos Humanos, História e Cidadania / Projeto História / 2014

A discussão sobre os Direitos Humanos é vasta e pode ser proposta por diferentes caminhos e áreas do conhecimento. Podemos tomar os Direitos Humanos em sua dimensão conceitual, buscando compreender o que lhe definiu em sua formação; podemos tomar os direitos em seu percurso histórico, analisando diferentes contextos, buscando compreendê-los na relação com as questões próprias da condição humana no tempo / espaço recortados refletindo, assim, não só sobre as especificidades de cada tempo, bem como, sobre as problemáticas do mesmo tempo em diferentes espaços. Podemos, ainda, analisar como os diferentes Estados articularam a questão dos direitos em seu aparato jurídico-legal ou como foram apropriados por suas populações na vivência cotidiana, na ponderação sobre costumes e direitos. Estes encaminhamentos, entre muitos outros, demonstram a riqueza, complexidade e atualidade do tema.

Fábio Konder Comparato (2010), ao ponderar sobre a ‘afirmação histórica dos direitos humanos’ foi buscar na antiguidade clássica o nascimento desta ideia, em seu entendimento conceitual, identificando-a com a construção da noção de pessoa. Apropriamo-nos de sua citação de Ésquilo ao se referir a Prometeu:

Ouça agora as misérias dos mortais e perceba como, de crianças que eram, eu os fiz seres de razão, capazes de pensar. Quero dizê-lo aqui, não para denegrir os homens, mas para lhe mostrar minha bondade para com eles. No início eles enxergavam sem ver, ouviam sem compreender, e, semelhantes às formas oníricas, viviam sua longa existência na desordem e na confusão(…). Faziam tudo sem recorrer à razão, até o momento em que eu lhes ensinei a árdua ciência do nascente e do poente dos astros. Depois, foi a vez da ciência dos números, a primeira de todas, que inventei para eles, assim como a das letras combinadas, memória de todas as coisas, labor que engendra as artes. (Ésquilo apud COMPARATO, 2010, p.14).

O trecho elucida a visão mítico-religiosa sobre a pessoa, aspecto este fundamental mas que aqui não será aprofundado e elucida, também, a passagem para a visão filosófica, destacando o momento de diferenciação humana, pela apropriação do conhecimento e a capacidade de elaboração racional. Vemos que a reflexão era cara aos gregos e base para a discussão sobre a condição humana, moldada pela articulação entre o percurso de construção da autonomia humana e sua condição racional. Esta associação calcada, então, no princípio da racionalidade, instituiu a ideia de uma essência comum à pessoa, um fundamento igualitário, que se mostrou uma base segura para a posterior construção da noção de direitos. Assim, os seres humanos, através da razão que lhes possibilita autonomia, se diferenciam dos outros seres e se equivalem entre si. O princípio da igualdade é definido e sobre este aspecto nos interessa, fundamentalmente, a unidade possibilitada pela razão, independentemente das celeumas criadas a partir da discussão sobre as características da mesma, que gerou as vertentes dos inatistas e empiristas e a posterior crítica de Immanuel Kant a ambos.

Ao mesmo tempo, a condição de autonomia pressupõe a vontade e, logo, a liberdade, dois outros aspectos constituintes da condição humana, anunciando assim, a demarcação do princípio da liberdade. Temos aqui, inicialmente, a liberdade proposta por Aristóteles calcada na ideia da autodeterminação pois, livre de constrangimento e atuação isenta da pressão da necessidade, assim vinculada à vontade; mesmo se considerarmos as divergências em relação à este conceito, a associação entre liberdade e vontade possibilitou a construção de um sistema valorativo que, associado à razão, viabilizaria a noção dos direitos como valores essenciais.

Esta foi a base para a conceituação dos direitos naturais, referindo-se à pessoa humana na sua universalidade e anterior à definição em lei. Neste sentido, como dito, os direitos humanos são universais e naturais; contudo, são também históricos, já que compreendidos e delimitados historicamente, o que explica sua reelaboração, por exemplo, no séc. XVII, pelos teóricos do ‘jusnaturalismo’ ou Teoria dos Direitos Naturais e as perspectivas dos contratualistas. Esta elaboração teórica é uma seara complexa que não pretendemos alongar e apenas indicamos que, apesar de composta por diferentes teóricos, com visões muitas vezes contrapostas entre si, como serão os casos de Locke e Hobbes ao ponderar sobre o contrato social e o papel do Estado, ainda assim, vemos a permanência do eixo central da reflexão sobre a condição humana e seus direitos.

O século XVIII trouxe, essencialmente, a preocupação com o poder, ponderando sobre as melhores formas de exercê-lo, no respeito à liberdade do cidadão. Observemos aqui o debate sobre as formas de organização do Estado, tendo como base o princípio dos direitos naturais. Contudo, devemos lembrar que direitos naturais e direitos de cidadania são distintos. Enquanto os primeiros são entendidos como universais e naturais, os segundos estão atrelados à organização específica de cada Estado, em seu arcabouço jurídico-político e em sua constituição histórica. Assim, apesar de em muitos momentos, os direitos humanos e os direitos de cidadão poderem se equiparar, eles não são necessariamente sempre iguais e justapostos.

Vemos que o debate perpassa a história da humanidade e o percurso histórico nos mostra a complexidade do tema, em suas historicizações e suas dificuldades pois estes direitos naturais ou fundamentais foram continuamente alienados. Até o século XX esta discussão não estava disseminada como política de Estado, apesar de já presente em importantes momentos, como na Independência Americana em 1776 e na Revolução Francesa em 1789, momentos estes que reafirmaram a importância dos direitos essenciais do homem, alçando-os ao debate político.

O século XX ou suas grandes tragédias pressionarão o aprofundamento da questão. Como colocou Arendt “Os dias que antecedem e os que se seguem à Primeira Guerra Mundial não são como o fim de um velho período e o começo de um novo, mas como a véspera de uma explosão e o dia seguinte” (Arendt, 1989, p. 300). Nesta obra a autora discute o período das duas grandes guerras, justamente analisando o processo de desmontagem dos direitos e a deformação da condição humana, a partir do assombro em relação às diferentes formas de destruição desta condição impostas neste contexto de guerras e entre guerras.

Não foi por acaso que 1948 se tornou muito significativo para esta questão. A Declaração dos Direitos Humanos de 1948 mostrou-se um importante marco, ao reforçar os princípios essenciais dos direitos humanos, já destacados em seu artigo 1º. ‘‘Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade” (2009), e, também por aprofundar a reflexão sobre os direitos, buscando garantir a universalidade dos direitos civis e direitos políticos pois, ao internacionalizar o debate, viabilizou ‘à pessoa física a qualidade de sujeito do Direito além das jurisdições domésticas’ (ALVES, s / d, p. 1).

Vemos que a questão dos direitos se tornou uma discussão jurídica, perpassando as relações entre Estados e, devemos lembrar que a declaração foi uma carta recomendatória e apesar de ratificada por muitos países não garantiu o reconhecimento dos pactos que a compõe. Segundo Alves (s / d), o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos só foi aprovado na ONU em 1966 e o Pacto Internacional sobre os direitos Econômicos só foi aprovado em 1976, ambos não receberam a adesão de todos os países, situação esta que explicita a continuidade das restrições aos direitos humanos em diferentes países.

A expressão mais visível deste processo se dá na conformação dos Estados autoritários que cerceiam os direitos pelo aparato legal – jurídico do Estado. O Brasil foi exemplo disto, durante a ditadura civil-militar, contexto este posterior à aprovação da Declaração de Direitos Humanos de 1948 e no contexto da aprovação do primeiro pacto citado. Ainda no mês de abril de 1964, através do Ato Institucional no. 1, restringiu os direitos políticos de seus cidadãos a partir das cassações de mandatos; expurgos de militares e funcionários públicos e suspensão de direitos políticos por até dez anos. A continuidade da ditadura, com os outros Atos Institucionais, estendeu a repressão com a tessitura de um forte aparato repressivo, calcado em dois claros pilares, a tortura e a censura como formas de vigilância e controle e definindo na forma da lei o Estatuto do Cassado, condição esta que tirava os direitos políticos dos cidadãos; proibia a participação em manifestações públicas e estruturava uma condição de liberdade vigiada, demonstrando a fragilidade dos direitos fundamentais, pós 1948, situação esta não restrita ao Brasil pois, se considerarmos apenas a América Latina, veremos outros caso de ditaduras no mesmo período (Argentina – 1966; Peru e Panamá- 1968; Equador- 1972; Chile- 1973; Uruguai- 1976).

Mas, como dito, a lei e a ação do Estado são a expressão mais visível do desrespeito aos direitos humanos. Marx demonstrou o contínuo processo de reificação do ser humano, no modo como as relações produtivas se estabeleceram com o capitalismo, demonstrando a enorme distância entre os princípios filosóficos e a práxis. Assim, considerar os direitos humanos em seus aspectos essenciais e naturais, relacionados à dignidade humana e associá-los à discussão sobre os modelos econômicos e sobre os direitos do cidadão, diretamente vinculados ao corpo-jurídico de cada Estado, nos ajuda a compreender a extensão e complexidade do debate. Há controvérsias quanto à anterioridade dos direitos naturais em sua relação com o Estado e no modo como se corporificam nos aparatos jurídicos dos mesmos. Esta complexidade aparece também na identificação de uma classificação dos direitos no corpo da lei.

Quando retomamos a carta constitucional brasileira de 1988, por exemplo, vemos que sua organização parte do entendimento de que os direitos humanos se constituem em âmbitos distintos e demarcados. Em seu Titulo II ‘Dos Direitos e Garantias Fundamentais’, temos a existência de três ordens de direitos, arroladas no texto constitucional, ordens essas também assumidas pelo Dicionário de Política (Bobbio, 1999) ao ponderar sobre o conceito de direitos humanos: os direitos civis, relativos aos direitos individuais; os direitos políticos, que como o próprio nome indica, são os direitos da prática política, da condição de cidadania, direitos estes que estabelecem as relações cidadão-Estado e os direitos sociais, relacionados ao direito ao trabalho e suas condições, ao direito à assistência em seus diferentes aspectos. É interessante observarmos as fraturas existentes ao se pensar sobre os direitos, esfacelando o ser humano em parcelas realizáveis isoladamente.

Partindo da reflexão sobre as condições dos Estados constituídos identificamos desrespeitos contínuos e explícitos aos direitos humanos, seguidos de conflitos e enfrentamentos na luta pelos mesmos. Partindo, por sua vez, das relações entre Estados e culturas, questões estas exacerbadas na lógica da globalização, observamos os enfrentamentos no intuito do alargamento deste mesmo debate. A questão parece nova, mas já estava contida em seus pressupostos iniciais. Como discutido por Benevides Soares:

Partimos da premissa de que a igualdade não significa uniformidade, homogeneidade. Daí, o direito à igualdade pressupõe -e não é uma contradição- o direito à diferença. Diferença não é sinônimo de desigualdade, assim como igualdade não é sinônimo de homogeneidade e de uniformidade. A desigualdade pressupõe uma valoração de inferior e superior; pressupõe uma valorização positiva ou negativa (…). a diferença é uma relação horizontal, nós podemos ser muito diferentes (já nascemos homens ou mulheres, o que é uma diferença fundamental, mas não é uma desigualdade; será uma desigualdade se essa diferença for valorizada no sentido de que os homens são superiores às mulheres, ou vice-versa, que os brancos são superiores aos negros, ou vice-versa, que os europeus são superiores aos latino-americanos e assim por diante). (BENEVIDES SOARES, 1998, p. 46).

Anterior em seus pressupostos, mas recentes em seus enfrentamentos estão as discussões que perpassam as relações entre igualdade e respeito à diversidade, discussão esta presente em diferentes movimentos sociais. Estas são questões abordadas neste número da Revista Projeto História, questões propostas dentro da amplitude que o próprio tema possibilita.

Tomamos inicialmente as questões de Estado, considerando que ela nos remete, por um lado, às condições de cidadania, articulando os direitos civis e sociais aos direitos políticos, já que propostos na relação com o Estado. Esta relação requer ponderações pois, por um lado, é difícil imaginarmos, hoje, direitos instituídos que não passem pelo Estado, em sua normatização e aparato jurídico-legal; por outro lado, duas questões se colocam. Primeiro, como ponderar sobre direitos humanos tratados, como visto inicialmente, como direitos universais e naturais, se nos referimos a direitos que ao final são políticos, propostos em cartas constitucionais, que são locais? Segundo, em continuidade à questão colocada, como ponderar sobre direitos políticos numa lógica contemporânea que se propõe globalizada e que em termos econômicos dissemina o modelo neoliberal?

Os artigos propostos neste número da Revista Projeto História dialogam com estas questões. O artigo inicial de Danilo Fonseca articula dois importantes aspectos: o processo de transição de um Estado autoritário para uma lógica democrática, num modelo claramente neoliberal, logo, de perfil globalizado. Ao problematizar a questão dos direitos humanos na África do Sul pós-Apartheid demonstra a permanência de violações no percurso de inserção do país no Estado democrático de modelo neoliberal. Para estabelecer esta reflexão, retoma o período do Apartheid (e devemos lembrar que a África do Sul foi um dos oito países que se absteve na votação da Declaração dos Direitos Humanos em 1948), analisando as lógicas de violações, percorrendo o período de negociações da transição para o período democrático, analisando suas transformações e permanência. Aqui se articula, então, o debate sobre o processo histórico e sobre as modificações das relações Estado-cidadão.

Ponderar sobre a relação cidadão-Estado nas lutas pelo alargamento dos direitos humanos é, como visto, antever um processo contínuo de enfrentamentos. O artigo ‘A NOSSA LUTA É POLÍTICA’: um percurso dos movimentos comunitários brasileiros nos anos 1970-1980’, como o próprio título indica, foca no processo de luta, analisando as características dos enfrentamentos dos anos 1970 / 80 no Brasil, corporificados como movimentos sociais, demonstrando a riqueza, fluidez e fragmentação próprias destes tipos de movimentos que se buscaram políticos mas não inseridos no diálogo partidário. É interessante que o primeiro alargamento do debate, neste caso, se dá pela configuração do espaço de luta, o cotidiano, espaço este também fragmentado e muitas vezes lido como o lugar da passividade.

Justamente o espaço do cotidiano expõe os maiores conflitos, relativizando por um lado, a efetivação dos princípios reafirmados na Declaração dos Direitos Humanos e sedimentando, por outro lado, a complexidade do tema presente na relação direitos universais-diversidade cultural. Considerando o primeiro aspecto, a efetivação dos direitos humanos, apresentamos o artigo ‘Tráfico de drogas, brigas de gangues e homicídios em série: biografia de um jovem em conflito com a lei’, que desnuda as entranhas de nossa sociedade no trato aos direitos humanos através da biografia e história oral de um jovem rendido ao tráfico no Rio de Janeiro. Apesar do ator central do artigo ser o sujeito da quebra de direitos, participando do tráfico, roubando e assassinando, é também, claramente, o sujeitado do sistema, explicitando as perversidades desta lógica capitalista neoliberal, que intensifica a exclusão e o lugar e papel do Estado nestas dinâmicas.

Considerando, por outro lado, a relação direitos humanos naturais e universais e diversidade cultural, propomos outros artigos que refletem sobre problemáticas culturais, que passam ou não como demandas para o Estado e que indicam a importante reflexão sobre a correlação de direitos humanos e costumes, cultura e memória. Este é o caso do artigo de Helvio Alexandre Mariano que discute os processos de exclusão, exílio e resistências culturais através da obra de Edward Said.

Mesmo os artigos da seção ‘Diversos’ que não precisam estar diretamente relacionados com a temática do Dossiê, refletem sobre questões que dialogam com nossa temática central, em abordagens que passam pela discussão sobre o direito à construção da identidade como forma de humanidade, ou o direito ao acesso ao conhecimento como efetivação da cidadania ou o oposto disto, nas ações de censura e cerceamento à produção cultural.

Referências

ALVES, J. A. L. A Declaração dos Direitos Humanos na Pós-Modernidade. Disponível em: http: / / www.dhnet.org.br / direitos / militantes / lindgrenalves / lindgren. Acesso: 06 / 2015.

ARENDT, H. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

BENEVIDES SOARES, M. Cidadania e Direitos Humanos. CP Cadernos de Pesquisa, n° 104, 1998.

BOBBIO, N. et al. Dicionário de Política. Brasília: Editora UNB, 1999. [12ª Ed.]

COMPARATO, F. K. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2010. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 2009. Disponível em http: / / www.dudh.org.br / wpcontent / uploads / 2014 / 12 / dudh.pdf. Acesso: 06 / 2015.

Carla Reis Longhi


LONGHI, Carla Reis. [ Direitos Humanos, História e Cidadania]. Projeto História, São Paulo, v.51, 2014. Acessar publicação original [DR]

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Brasil-Alemanha: Imigração, Cidadania e Cooperação / Textos de História / 2008

Apresentação

Os temas imigração, cidadania e cooperação entre povos e nações vêm adquirindo renovada relevância na historiografia acompanhando a tendência de outras disciplinas como a sociologia, a antropologia e a geografia, em primeira linha em face das novas dimensões colocadas por esses fenômenos em um mundo globalizado.

O presente número da revista Textos de História enfoca esses três temas a partir do aspecto bilateral teuto-brasileiro; melhor dizendo, do ângulo brasileiro sobre a imigração alemã, a luta pela cidadania desses imigrantes e seus descendentes na terra receptora e da cooperação no sentido Alemanha- Brasil.

Alemães no Brasil aportaram desde Cabral, haja vista o piloto Mestre João. Não obstante, os textos do presente Dossiê tratam, preponderantemente, da emigração alemã no período que corresponde à grande onda migratória na época da revolução industrial do século XIX.

Os anos de 1840 a 1890 correlacionam-se à aludida fase da migração em massa motivada por busca de melhores condições de vida, fuga de anos de fome, revoluções, mecanização do campo. Tudo isso em um contexto marcado pelas novas condições de deslocamento proporcionadas pelas novas tecnologias nos meios de transporte de massa – navios a vapor fabricados com placas de aço, trens de ferro que transportavam os migrantes para os portos de embarque ou para o interior dos países de destino. Não obstante, outras experiências que extrapolam esse período são também abordadas.

Os fluxos migratórios dirigiam-se majoritariamente aos Estados do Sul, mas, em pequena escala, espalharam-se por pontos de praticamente todo o território brasileiro, em especial, nas cidades portuárias.

Facetas dessa imigração são abordadas por Mercedes Gassen Kothe, que mostra a situação que os imigrantes alemães encontraram em São Paulo, nas fazendas de café e nos núcleos coloniais nas primeiras décadas da Primeira República.

A tentativa de assentar imigrantes alemães no sul da Bahia, nos anos 1920, é tema narrado por Albene Miriam Menezes em uma abordagem fundamentada no contexto histórico da questão migratória no mundo do pós Primeira Guerra Mundial e das especificidades daquele Estado.

A inserção desses imigrantes e seus descendentes nas respectivas comunidades possui características diferenciadas na dependência direta do desenvolvimento econômico, social e político das regiões nas quais se localizavam os seus núcleos populacionais.

Desse modo, a luta pela construção da cidadania encontra-se, assim, diretamente condicionada à uma gama multifacetada de vetores formais, legais, políticos, sociais econômicos e autárquicos.

Aspectos desse processo são tratados no texto de Ryan de Sousa Oliveira, que traz reflexão sobre o exercício da cidadania política entre os teutobrasileiros no Rio Grande do Sul, ao longo do século XIX, e busca contribuir para o debate de algumas questões controversas sobre o processo de integração do grupo dos teuto-brasileiros no jogo político brasileiro. Silvana Krause avalia a diversidade do comportamento político das zonas coloniais alemãs no sul do Brasil sob uma perspectiva histórica, além de fazer uma reflexão sobre identidade étnica e como esta se relaciona e se situa em outras esferas da construção de identidades.

E por fim, René Gertz analisa a possível influência positiva e negativa da presença de descendentes de alemães no Brasil sobre as relações com a Alemanha, no decorrer do tempo. Essa abordagem estende-se da segunda metade do século XIX até a Segunda Guerra Mundial, compreendendo também a tentativa de verificar como esse tema foi visto pela historiografia pertinente.

Outra dimensão desses entrelaçamentos teuto-brasileiros é a da cooperação, que por si só tem largo escopo; ela pode ser identificada, por exemplo, no âmbito das próprias comunidades de alemães e seus descendentes.

Sem embargo, ao longo dos dois séculos em tela, a cooperação adquire muitos aspectos. Nesse sentido, as diferentes modalidades de cooperação da Alemanha com o Brasil ocorrem ao longo do período, desde o envio de livros didáticos, instrumentos musicais e implementos agrícolas até excursões de cientistas para observar as lavoras brasileiras e propor soluções para alguns de seus problemas. Essa cooperação dá-se tanto no nível dos atores sociais como dos governos. No campo do saber, a exemplo das áreas filosófica, jurídica, técnica, artística e científica, observa-se uma clara influência alemã no Brasil.

Assim, Cláudia de Rezende Machado de Araújo analisa a influência do direito alemão no direito brasileiro. Fato esse observável desde o tempo colonial, haja vista a influência daquele nas Ordenações portuguesas. Destaque é dado para a influência do constitucionalismo alemão, em particular da Constituição da República de Weimar (1919), sobre as Constituições brasileiras de 1935 e 1988.

Por seu turno, Marina Helena Silva aborda a situação do Brasil na conjuntura econômica internacional, no período anterior à Segunda Guerra Mundial, demonstrando sua inter-relação com o mercado interno e baiano.

Trazendo para o debate aspectos dos dias atuais, Carla Miranda enfoca o tema da cooperação técnica entre os dois países; seu estudo identifica uma mudança nessa cooperação a qual, a partir da década de 1980, volta a centrar a cooperação técnica à capacitação para o desenvolvimento, partindo de uma dimensão político-estratégica alemã.

Além das reflexões explicitadas nos textos, uma das contribuições subjacentes, até onde os estudos aqui apresentados podem permitir, vem a ser a identificação da necessidade de enfoques desses temas em uma perspectiva comparada. Certamente, o cotejamento da problematização dos temas em uma dimensão de reciprocidade aprofundaria a abordagem dos mesmos. Ilustrativamente, o tema da cidadania urge estudos que abordem os problemas a ele relacionados tanto no Brasil, país de destino dos migrantes, como na Alemanha, terra de origem do fluxo migratório.

Desse modo, o presente dossiê, longe de esgotar os assuntos tratados, pretende de alguma forma contribuir com informações e abordagens específicas para o debate na seara histórica acerca da imigração, cidadania e cooperação entre povos e países de um modo geral e mais especificamente ao que reporta os aspectos relacionados com os alemães e seus descendentes no Brasil, assim como ao que se consubstancia no contexto da cooperação entre o Brasil e a Alemanha, particularmente ao que diz respeito à faceta da cooperação técnica.

A todas as autoras e autores o agradecimento cordial da Textos de História e particularmente da organizadora do presente dossiê, com a esperança de que suas contribuições possam animar o debate acadêmico, mesmo que de forma pontual, e ser útil de alguma forma para o leitor interessado em História.

Albene Miriam F. Menezes

Organizadora

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Cidadania e Pobreza / Tempo / 2007

Ao apresentarmos a proposta do dossiê “Cidadania e Pobreza” para a revista Tempo nº 22, do Departamento de História da UFF, pretendíamos, àquela altura, montar uma revista que contribuísse para o tema do projeto do CEO (Centro de Estudos do Oitocentos) / PRONEX – CNPq-FAPERJ 2003, intitulado “Nação e cidadania no Império: novos horizontes” (coordenado academicamente por José Murilo de Carvalho e, executivamente, por Gladys Sabina Ribeiro). Os convites foram feitos a colegas que trabalhassem sobre o tema em diferentes latitudes do Brasil e que tivessem igual inserção geográfica variada no meio acadêmico e de pesquisa.

Assim, o dossiê proposto objetiva discutir as relações entre “cidadania e pobreza” em suas múltiplas dimensões e horizontes. Neste sentido, os textos dos autores que compõem este dossiê buscaram, a partir da análise de novas fontes e conceituações da relação do Estado ou de outras agências de poder – tais como os literatos, a justiça, as associações políticas e os movimentos sociais rurais e urbanos –, retratar e estabelecer uma visão específica sobre as estratégias de vida e de sobrevivência de indivíduos ou de grupos sociais que possamos designar como pobres, ou que fossem genericamente designados de povo, tal qual a linguagem do século XIX.

Foi deste modo que eles enfrentaram o desafio de escrever sobre aspectos que conjugassem cidadania e pobreza (os pobres, a plebe, in limine, o povo) a partir de suas pesquisas. Pretendeu-se, então, alargar os horizontes do que se entende por cidadania, ao incluir neste conceito formas de participação externas aos mecanismos previstos pela Constituição, tais como a atuação de intelectuais e a sua função na formação de uma determinada visão e percepções sobre os segmentos mais pobres, bem como os próprios atos desses indivíduos excluídos, que procuraram na lei e na justiça caminhos para garantir direitos que entendiam possuir.

Dentro destas perspectivas, estariam incluídas as revoltas, os protestos, os quebra-quebras e as experiências alternativas de inclusão e de participação nos espaços coletivos, tanto no âmbito social quanto em níveis políticos não formais. Assim, o artigo de Magda Ricci analisa, com rara sensibilidade, a construção da identidade da Amazônia em sua relação com a revolução social dos cabanos. Em um primeiro momento, a autora assume a tarefa de revisitar a historiografia sobre a Cabanagem, na intenção de discutir as leituras consagradas sobre esse movimento social. A partir daí, oferece ao leitor uma rápida e instigante biografia dos líderes para destacar a relação entre eles e a ampliação do foco de luta. Ao operar com o conceito de patriota, a autora ressalta a maneira pela qual a revolução construiu uma identidade comum entre povos de etnias e culturas diferentes. Tal identidade era calcada no ódio pelo branco e na luta por direitos e liberdades.

O artigo de Marcello Basile discute a chamada Revolução de 7 de Abril (Abdicação), entrecruzando-a não somente com as três facções que disputavam o poder – os liberais moderados, os liberais exaltados e os caramurus – como também e, “principalmente, com os vários movimentos de protesto e de revolta ocorridos na Corte entre 1831 e 1833”. O autor nos oferece uma interessante discussão sobre as medidas preventivas adotadas pelo governo para desencorajar as sedições. Ainda nessa conjuntura, analisa a revolta do teatro São Pedro de Alcântara, ponto habitual de reunião dos exaltados, local de agitação política e de pequenos tumultos. Ao apoiar-se num cuidadoso cruzamento de informações oriundas da imprensa, rastreando suas interpretações sobre o ocorrido, destaca o caráter político da ação, desnudando a composição social do movimento e indicando a participação inclusive de cativos.

Como contraponto aos movimentos políticos ensejados pela plebe na cidade, como no caso do Rio de Janeiro, ou que acabaram eclodindo com força na urbe ou aí manifestando a sua face mais violenta, como foi o caso da Cabanagem, do Grão-Pará, temos os que se deram ao redor especificamente da questão da terra e das suas demarcações, bem como a atuação da literatura na criação de uma imagem sobre o campo e sobre o homem do campo, no caso do Ceará, devastado pela seca.

Elione Silva Guimarães aborda a luta pela terra em Benfica, Juiz de Fora (Zona da Mata Mineira), e contempla a discussão do direito de propriedade e do quanto a lei valia ou não para todos. Reconstitui a história de Balbino de Mattos e a trajetória da sua família e dos Sobreira, revelando estratégias de vida, relações parentais e clientelares, cumplicidades e desafetos, reciprocidades e conflitos, que revelam conquistas ou derrotas à luz das demandas judiciais no jogo de poder pelo direito à terra. Ao fazer isto, desnuda as estratégias tanto de proprietários livres e ricos como de cativos e ex-cativos, assim como mostra o quanto a justiça era cara e como, na prática, havia uma dissociação entre direitos, leis e justiça. Revela também a ação dos operadores da lei, o funcionamento do júri, as apelações ao Supremo Tribunal Federal – já na Primeira República – e os acórdãos, com seus arrazoados. Mapeia as ações desses indivíduos e da Justiça e deixa-nos perceber a ficção jurídica da igualdade, quando está em jogo a propriedade. Nas palavras da própria autora,

(…) as questões apresentadas deixam entrever as diversas formas de violência empreendidas no exercício da dominação (física e simbólica); o peso das relações pessoais e de poder, as diferentes versões de cada um dos envolvidos; o “revelado” e o “silenciado” nas argumentações judiciais, as justiças e as injustiças nas relações sociais e legais.

Frederico de Castro Neves brinda-nos com uma exposição sobre a miséria na literatura através do olhar de José do Patrocínio. No seu texto, faz uma arguta análise de como homens da boa sociedade viam a seca e os retirantes, que se espalhavam pelas províncias do Ceará, Pernambuco, Paraíba e Bahia. Mostra que a preocupação do escritor em tela era menos com a fome e a miséria e mais com a vulnerabilidade social dos sertanejos, que viviam a degradação dos costumes tradicionais e dos valores morais, esteios da nacionalidade. Segundo Patrocínio, a desagregação dos valores dos retirantes se dava pelo choque cultural entre o mundo rural tradicional e o mundo urbano moderno, onde imperava a liberdade individual. Articulava, então, uma crítica ao Império e aos seus valores morais a partir de duas linhas de raciocínio: “1. os problemas gerados na estrutura social por um fenômeno climático de intensa gravidade; 2. o aviltamento moral próprio do processo de urbanização”. Nessa crítica que fazia ao Estado, exigia o cumprimento da Constituição, no que tangia ao socorro como um dever e a retomada de mecanismos tradicionais de proteção aos necessitados. Como outros escritores do seu tempo, Patrocínio fez da literatura uma missão. Como outros homens das letras, narrava e envolvia o público em estratégias realistas, pois julgava que o romance tinha a capacidade de convencimento do público e divulgava as idéias modernas do liberalismo, do positivismo e do evolucionismo.

Gladys Sabina Ribeiro – Professora Adjunta do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense. E-mail: [email protected]

Márcia Motta – Professora Adjunta do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense. E-mail: [email protected]


RIBEIRO, Gladys Sabina; MOTTA, Márcia. Apresentação. Tempo. Niterói, v.11, n.22, 2007. Acessar publicação original [DR]

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Direitos e Cidadania / Estudos Históricos / 2006

Este número da revista Estudos Históricos é dedicado ao tema “Direitos e cidadania”. Trata-se de um número especial, pois reúne textos produzidos no bojo de um Projeto Pronex de mesmo nome, financiado pelo CNPq e pela Faperj desde 2004. Tal projeto, sediado no CPDOC / FGV, conta com a participação de pesquisadores do próprio CPDOC e também de outras instituições, como a Universidade Federal Fluminense, a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Fundação Casa de Rui Barbosa. Exatamente por essa razão, todos esses textos foram discutidos no I Seminário Pronex Direitos e Cidadania, realizado na Fundação Getúlio Vargas, entre 4 e 6 de agosto de 2005, com o objetivo de apresentar e debater os primeiros resultados das pesquisas em curso.

O projeto “Direitos e cidadania” tem como foco a investigação do processo histórico de construção da cidadania no Brasil, na chave do acesso a direitos (civis, políticos, sociais, culturais, de gênero etc.) e da efetivação de controles democráticos capazes de garantir e expandir esses direitos. O tema da construção da cidadania, nesse sentido, está sendo compreendido como um longo e permanente processo de interação político-cultural, que envolve tanto as instituições formais do Estado como as entidades da sociedade civil, e inclui uma grande diversidade de atores sociais, mesmo não organizados. Com tal tema de fundo, ele se volta para um amplo recorte cronológico, utilizando fontes de caráter variado e trabalhando-as com metodologias diversas, a partir de uma perspectiva interdisciplinar. Sua natureza multifacetada guarda relação com a formação diversificada de seus pesquisadores, cujos olhares são conformados a partir das disciplinas da história, da sociologia, da antropologia e da ciência política. O projeto se estrutura em quatro grandes linhas de investigação, todas elas contempladas com artigos neste número de Estudos Históricos: I – Políticas de inclusão e movimentos pela expansão dos direitos de cidadania; II – Controles democráticos e instâncias de efetivação de direitos de cidadania; III – Cidadania, participação, representação e cultura política; IV – Cidadania cultural: memória, patrimônio e espaço urbano.

Dessa forma, o texto que abre a revista, de Daniel Aarão Reis, intitulado “Os intelectuais russos e a formulação de modernidades alternativas: um caso paradigmático?”, revisita uma questão clássica do pensamento social brasileiro- o debate entre projetos de modernização em sociedades “atrasadas” -, trabalhando em perspectiva comparada e utilizando o exemplo dos intelectuais russos, pouco contemplados na literatura de ciências sociais. A seguir, dois artigos, o de Regina Moraes Morei e Elina da Fonte Pessanha, intitulado “Magistrados do trabalho no Brasil: entre a tradição e a mudança”, e o de Angela de Castro Gomes, “Retrato falado: a Justiça do Trabalho na visão de seus magistrados”, concentram-se no estudo da história e da memória de uma das instituições mais importantes no mundo do trabalho a partir dos anos 1940. A Justiça do Trabalho, que recentemente teve sua competência ampliada pela Reforma do Judiciário, é o foco para se pensar em uma das dimensões mais visíveis e consistentes da cidadania no Brasil: os direitos do trabalho. Seguem-se então três textos que discutem a questão da cultura na história recente do país, fazendo cada um deles uma abordagem tão particular quanto original. Lia Calabre analisa a atuação do Conselho Federal de Cultura nos tempos do regime militar; Fernando Weltman acompanha a construção do que vem sendo chamado de jornalismo comunitário, tomando como exemplo a experiência da Rede Globo e do RJTV; e Mônica Almeida Kornis, ainda no universo televisivo, analisa as “aventuras urbanas” da série Cidade dos Homens, pontuando a questão da construção de estratégias de inclusão social.

Esse é o gancho para o tratamento de uma das dimensões mais significativas dos direitos e da cidadania no Brasil republicano, qual seja, a questão da “raça”. Verena Alberti e Amilcar Araujo Pereira privilegiam, entre os temas does) movimento(s) negro(s), a discussão polêmica e atual sobre as cotas nas universidades; e Hebe Mattos destaca a trajetória de um jovem líder de uma comunidade de quilombo: Antônio Nascimento Fernandes, morador da Fazenda São José, no estado do Rio de Janeiro. Seguindo a linha das trajetórias e estudos de textos memorialísticos, finalizam o número os artigos de Denise Rollemberg, “Uma vida, duas autobiografias”, e de Célia Costa e Juliana Gagliardi, “Lysâneas, um autêntico do MDB”.

Como se pode verificar, são muitas as possibilidades de leitura e de articulação entre esses textos, ressaltando-se a existência de exemplos de trabalhos com a história do tempo presente, com fontes-objetos, como programas de televisão, e com trajetórias de indivíduos, movimentos sociais e instituições. Finalmente, todos os artigos procuram apresentar contribuições sobre aspectos ainda pouco contemplados de temas e questões muito tratadas nas áreas da história e das ciências sociais. Embora sendo textos preliminares, acreditamos que o leitor poderá construir, com eles, seu próprio mosaico de achados, chegando satisfeito ao final deste número “especial”.


GOMES, Angela de Castro. Apresentação. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.1, n.37, jan. / jun. 2006. Acessar publicação original [DR]

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Justiça e Cidadania / Estudos Históricos / 1996

Vários fenômenos deste fim de século contribuíram, e continuam a contribuir, para recolocar o problema da cidadania na ordem do dia, tanto nas novas democracias como nas antigas. A redemocratização de vários países na América Latina e na Europa, sobretudo do Leste, fez com que a preocupação com os direitos políticos e com a maneira de exercê-los voltasse com toda a força. A crise fiscal do Estado, que atinge indiscriminadamente países ricos e pobres, colocou em cheque o Estado de bem-estar e, conseqüentemente, a amplitude e o alcance dos direitos sociais. O processo de globalização econômica, por sua vez, atingiu ao mesmo tempo direitos civis, políticos e sociais. Atingiu negativamente os direitos políticos ao provocar profundas alterações na concepção e na prática do Estado-nação, agora enfraquecido diante do deslocamento de decisões para organismos multinacionais. Atingiu positivamente os direitos civis ao deslocar para a participação social a ênfase antes colocada na participação política. Atingiu um direito social básico, o emprego, ao exacerbar a competividade internacional e o avanço tecnológico, geradores estruturais de desemprego.

Não terminam aí as mudanças. A diversificação da problemática social (etnias, minorias, ecologia), acompanhada (e promovida) por novos movimentos sociais, sobretudo as organizações não governamentais, trouxe à consciência coletiva novos direitos antes não cogitados. Além dos três direitos clássicos sistematizados por Marshall, chamados de primeira e segunda geração, foram propostos, e incorporados a códigos legais, outros como os direitos civis coletivos e os chamados direitos difusos, ligados à preservação do meio ambiente. Pode-se ainda acrescentar o impacto sobre direitos políticos e civis provocado pela sociedade de consumo que transforma cidadãos em consumidores e pela globalização da informação via mídia eletrônica que, se rompe a barreira do controle estatal, também invade a privacidade do indivíduo.

Diante desse quadro, não é de admirar a explosão de estudos, teóricos e empíricos, sobre a problemática da cidadania. Como se viu, não se trata de uma problemática de democracias jovens e imaturas mas de uma questão universal com modulações nacionais. Não deixa de ser um consolo, embora triste consolo, o fato de descobrimos, os latino-americanos, que europeus e americanos do noite estão às voltas com problemas semelhantes, guardadas as especificidades locais. É na verdade uma vantagem o rato de podemos pensar e agir tendo o benefício da informação sobre o que se está passando nos países considerados avançados. Não se trata também de um tema que se possa abranger com o instrumental teórico de uma ou outra disciplina acadêmica apenas. Ele atinge todas as esferas da vida social e exige abordagens diversificadas e inovadoras. Um tratamento compreensivo seria impossível dentro do espaço aqui disponível.

Deu-se ênfase na seleção dos artigos deste número especial de Estudos Históricos ao tema da garantia dos direitos civis, tratando-se secundariamente dos direitos políticos e sociais. A escolha exige justificativa. Como quase todas as análises se referem ao Brasil, país recém-saído de um governo militar e marcado pelas imensas desigualdades sociais, poder-se-ia perguntar se a ênfase não deveria ser posta nos direitos políticos e sociais. Antes de responder, cabe observar que, do ponto de vista da legislação, todos os direitos estão garantidos aos brasileiros. A Constituição de 1988, chamada com razão de cidadã, esmerou-se em incluir todos os avanços atuais na área. Nosso problema se verifica no campo da consciência e da garantia dos direitos. Quanto a isto, não será polêmico dizer que há um conhecimento razoável dos direitos políticos e que seu exercício está razoavelmente garantido pelo sistema eleitoral e partidário. Há, sem dúvida, enormes problemas no gerenciamento do sistema de saúde e previdenciário, mas há igualmente boa noção dos direitos sociais e há uma Justiça do Trabalho a que se tem acesso com celta facilidade. O mesmo não se pode dizer dos direitos civis. O grau de conhecimento desses direitos é mais precário e sua garantia, baseada sobretudo no sistema policial e judiciário, é de longe a mais deficiente.

Além dessa situação desvantajosa dos direitos civis, cabe observar que eles são os direitos fundamentais numa democracia liberal, como é a em que vivemos. Vida, integridade física, propriedade, segurança, liberdade, são direitos básicos que constituem o alicerce de direitos políticos e sociais. São eles que garantem a conquista de outros direitos e sua preservação. Sem segurança pessoal e liberdade de opinião e organização para todos, por exemplo, a participação política será vazia, a política social frágil, a democracia precária.

Dentro do tema da garantia dos direitos civis, salientam-se os estudos sobre o Judiciário. Sinal dos novos tempos, marcados pela perda de influência do Legislativo e até mesmo do Executivo, tendo em vista o enfraquecimento dos Estados nacionais, o Judiciário passa a ver seu papel contestado, redefinido e ampliado. Mais que nunca é colocada em questão a visão rígida da separação dos poderes e se estabelece um processo ainda de contornos indefinidos em que se politiza a Justiça e se judiciariza a política. Ao mesmo tempo, contesta-se a visão positivista do direito e do papel do juiz como mero aplicador da lei, exigindo-se dele a preocupação com a eqüidade social. Esses temas são expostos e discutidos no artigo de Werneck Vianna.

Ainda dentro do tema do Judiciário, Sérgio Adorno demonstra o viés racista da Justiça criminal e o estereótipo que atribui maior tendência à criminalidade entre determinados grupos étnicos. Maria Celina D’Araujo apresenta o que talvez seja a primeira avaliação acadêmica do desempenho dos juizados Especiais. Surgidos como promessa de agilização da Justiça e ampliação de sua acessibilidade, a autora mostra que seu funcionamento está longe de corresponder à promessa inicial. Dois ensaios bibliográficos (Junqueira e Guanabara) avaliam o estado da arte nos estudos sobre o acesso à Justiça e sobre novas visões do direito.

O impacto da globalização sobre o Estado e as identidades nacionais, sobretudo no contexto europeu, é discutido por Guy Hermet. Enquanto na Europa Ocidental o processo de unificação tende a reduzir o peso dos Estados nacionais, a enfraquecer o envolvimento político dos cidadãos e a diluir as identidades nacionais, na Europa Oriental verifica-se o fenômeno oposto. Essas diferenças nacionais no que se refere ao conteúdo da cidadania e às rotas históricas seguidas em sua construção são discutidas por Carvalho, que usa o Brasil do século XIX como exemplo.

Finalmente, o processo social concreto de construção da cidadania é discutido por Sigaud. Usando como exemplo o recurso à justiça do Trabalho por parte de trabalhadores de engenhos de açúcar em Pernambuco, a autora demonstra que a decisão de recorrer ou não às juntas de Conciliação e Julgamento não se explica apenas pelo conhecimento do direito e pela disponibilidade da Justiça. Tem-se que levar em conta também a interveniência de fatores morais.

Papel do judiciário, concepções do direito, acesso à Justiça, estilos históricos e transformações recentes no conteúdo da cidadania, processos sociais de construção do cidadão, são os temas abordados neste número especial. Pequena contribuição à imensa tarefa que se nos apresenta, a um tempo teórica e prática, de construir a comunidade política do século XXI.

José Murilo de Carvalho – Editor convidado.


CARVALHO, José Murilo de. Apresentação. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.9, n.18, jul. / dez. 1996. Acessar publicação original [DR]

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