Brasil e Alemanha pós-1945: perspectivas transnacionais / História Unisinos / 2013

As contribuições deste dossiê procuram abordar aspectos das relações entre a história da Alemanha e a do Brasil e interações entre seus diferentes sujeitos sociais num contexto global. O foco é o período do pós Segunda Guerra Mundial, em especial o imediato pós-guerra, sobre o qual ainda há poucas investigações no campo da História. A pouca bibliografia existente se dedica sobretudo à área da economia e das relações diplomáticas.

A proposta do dossiê, entretanto, não seria exatamente a de preencher uma “lacuna” no campo da história das relações entre ambos os países, mas a de apresentar objetos e problemáticas de pesquisa desenvolvidos a partir de uma perspectiva que transcenda os limites de uma ou outra história nacional. Os processos, trocas, interações, experiências individuais, grupais e institucionais e a constituição de imaginários problematizados nos diversos artigos que compõem este dossiê procuram desenvolver uma abordagem transnacional ou mesmo surgiram como problemáticas ou temáticas de pesquisa a partir dessa preocupação.

Esta “história para além do Estado Nação”, como o historiador alemão Jürgen Osterhammel define a história transnacional, por um lado coloca em questão a naturalidade da categoria Nação e, por outro, procura lançar novas perguntas e novos campos de pesquisa para o historiador (Osterhammel, 2001). Entre as preocupações desta abordagem estão a investigação das redes, da circulação de ideias e das transferências de saberes, dos entrelaçamentos e das influências recíprocas e da constituição de espaços sociais transnacionais (Osterhammel in Pernau, 2011; Wirz, 2001). A globalização impôs também à historiografia o desafio da internacionalização e da competência intercultural. O projeto de uma história transnacional parte da necessidade expressa de desprovincializar o pensar histórico e de apreender as relações e influências recíprocas entre diferentes Estados, regiões, grupos, indivíduos (Wirz, 2001). Vista a partir da Europa, a história transnacional traduz esforços em lançar olhares por sobre suas fronteiras, sem recair em antinomias, eurocentrismos e outras hierarquizações.

Se olharmos a história do Brasil, ela nunca foi escrita como uma unidade totalmente isolada. No que se refere às relações entre os diferentes sujeitos sociais do Brasil e Alemanha no imediato pós-guerra, entretanto, ele permanece um campo aberto ao exercício de investigações naquela perspectiva. Neste dossiê são trazidos resultados de algumas investigações realizadas recentemente no Brasil e na Alemanha e apresentadas possibilidades de pesquisa nessa direção.

Nos artigos são trazidos à luz não apenas os Estados Nacionais e suas instituições governamentais, mas também outros sujeitos históricos, suas redes e articulações. Esta abordagem se reforça no caso deste dossiê, considerando que a maioria dos artigos se dedica ao imediato pós-guerra, quando o Estado alemão deixou de existir com a ocupação dos Aliados, vindo a se reconstituir somente em 1949, dividido em duas repúblicas alemãs. Emergem nos artigos aqui reunidos temas como a importância de estruturas, redes e atores transnacionais para o recomeço das relações internacionais entre a República Federal Alemã e a América Latina, a ajuda humanitária do Brasil à Alemanha em ruínas e o intuito de repatriação de cidadãos brasileiros que se encontravam na Alemanha e a necessária articulação das elites teuto-brasileiras com o governo brasileiro, as interações entre as forças armadas do Brasil e das potências Aliadas na Alemanha ocupada, as trajetórias transnacionais de indivíduos que constituíram identidades nas interações e experiências em ambos os países, a constituição de imaginários políticos que associaram localidades do Sul do Brasil à suposta ascensão de um IV Reich.

Todos os artigos, escritos por historiadores brasileiros e um alemão, se baseiam em fontes documentais e bibliográficas que apontam temas e fenômenos supranacionais.

O artigo que abre o dossiê, de Stefan Rinke, “O continente ainda inexplorado”: a República Federal Alemã no governo Adenauer e a América Latina em contexto global, inicia com uma breve visão panorâmica sobre as relações entre Alemanha e América Latina no período da Guerra Fria, lançando algumas questões e possibilidades de pesquisa em relação às relações entre aquele país e o Brasil. O artigo sustenta a tese de que atores transnacionais e suas redes foram cruciais para o reestabelecimento das relações com a América Latina após 1945, no período do governo de Konrad Adenauer na Alemanha Ocidental, até 1963. O autor trata das percepções e expectativas do lado alemão no final da Segunda Guerra Mundial, as quais são a base para as relações propriamente ditas, discutidas à luz de fontes alemãs e no contexto das conexões e do comércio global.

Méri Frotscher, no artigo intitulado De “alemães no exterior” a brasileiros? A repatriação de cidadãos brasileiros da Alemanha ocupada (1946-1949), foca sua atenção no processo de repatriação de cidadãos brasileiros, a maioria com laços binacionais, que se encontravam na Alemanha logo após a II Guerra Mundial por intermédio da Missão Militar Brasileira, a qual passou a representar os interesses do governo brasileiro naquele país. Com base em fontes brasileiras, norte-americanas e alemãs (estas últimas referentes ao período nacional-socialista), a autora discute os propósitos, problemas, polêmicas e contradições do esquema de repatriação levado a cabo pelo governo brasileiro, em colaboração com as forças de ocupação na Alemanha. A autora discute o tema numa perspectiva transnacional, considerando não apenas os interesses do governo brasileiro e do Conselho de Controle Aliado, o contexto de “desnazificação” da Alemanha e as crescentes tensões entre as potências de ocupação ocidentais e a URSS, mas também as próprias estratégias e o realce da nacionalidade brasileira por parte dos binacionais que desejavam retornar ao Brasil, assim como a intercessão dos familiares e das elites políticas no Brasil.

Os dois artigos seguintes partem do particular para o geral, da experiência e da escrita do indivíduo para problemáticas mais amplas e que envolveram relações entre sujeitos no Brasil e na Alemanha. O artigo de Evandro Fernandes, Organização e articulação do Comitê de Socorro à Europa Faminta – SEF (1946-1949), baseado em fontes primárias produzidas pelo comitê, cartas e diário do seu secretário, Pe. Rambo, trata do papel dessa organização na ajuda humanitária à Alemanha e de suas articulações no contexto brasileiro e internacional. O autor visualiza os grupos sociais que tomaram parte nas arrecadações, as estratégias de articulação das elites do grupo étnico alemão no Brasil junto aos círculos do poder brasileiros – entre elas a própria decisão de não nomear o Comitê de Socorro à Alemanha, diante dos ressentimentos existentes no Brasil e no mundo em relação à guerra – e a função social e ideológica do comitê para a comunidade étnica alemã no Brasil.

No artigo seguinte, Notícias tristes dos velhos amigos: a Alemanha pós-Segunda Guerra na correspondência de Henrique da Rocha Lima (1945-1950), André Cândido da Silva aborda diálogos transnacionais presentes na correspondência do microbiologista e patologista brasileiro com amigos e conhecidos alemães depois da Segunda Guerra Mundial. Por conta de sua trajetória transnacional, Rocha Lima foi um “tradutor” das culturas brasileira e alemã, atuando em favor do intercâmbio intelectual germano-brasileiro. A partir de sua escrita epistolar e de seus correspondentes, o autor analisa as percepções nela contidas sobre o colapso alemão e o dramático cotidiano do pós-guerra na Alemanha, sobre os dilemas e contradições do governo de ocupação e, também, sobre as tensões que desembocaram na Guerra Fria.

A Segunda Guerra e sobretudo os acontecimentos decorrentes do nazismo encontraram um chão fértil para a propagação de histórias sobre a existência de uma conspiração nazista em terras sul-americanas. No último artigo do dossiê, intitulado O imaginário da formação do IV Reich na América Latina: o agente Erich Erdstein no Brasil, o autor Marcos Meinerz, analisa discursos presentes em obras literárias e reportagens de jornais e revistas sobre duas cidades no Sul do Brasil, Marechal Cândido Rondon (PR) e Rio do Sul (SC), acusadas pelo “agente” da DOPS de Curitiba Erich Erdstein, de abrigar os criminosos de guerra nazista Josef Mengele e Martin Bormann. Estes discursos são entendidos como parte de um imaginário político conspiratório formado após a Segunda Guerra Mundial que veiculava a ideia de que o IV Reich estaria se erguendo em algum lugar do mundo, principalmente na América Latina. O autor assim demonstra como o imaginário do “perigo alemão”, já existente em outros momentos no Brasil, toma outra forma nos anos 1960 e 1970, quando é associado a denúncias da formação de um IV Reich.

Referências

OSTERHAMMEL, J. 2001. Geschichtswissenschaft jenseits des Nationalstaats: Studien zu Beziehungsgeschichte und Zivilisationsvergleich. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 384 p.

PERNAU, M. 2011. Transnationale Geschichte. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 192 p.

WIRZ, A. 2001. Für eine transnationale Geschichte. Geschichte und Gesellschaft, 27:489-498.

Méri Frotscher – Universidade Estadual do Oeste do Paraná

Stefan Rinke – Universidade Livre de Berlim


FROTSCHER, Méri; RINKE, Stefan. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.17, n.2., maio / agosto, 2013. Acessar publicação original

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Brasil – Alemanha: Relações Médico-Científicas / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2013

Entre os artigos que inauguram o primeiro número de 2013 de História, Ciências, Saúde – Manguinhos, o leitor é brindado com o dossiê temático Brasil-Alemanha: relações médico-científicas. Os trabalhos são resultado de simpósio realizado na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em março de 2011, como parte das comemorações do Ano de Cooperação Brasil-Alemanha em Ciência, Tecnologia e Inovação, transcorrido entre abril de 2010 e abril de 2011. O simpósio foi organizado pela Casa de Oswaldo Cruz e o Bernhard-Nocht Institut für Tropenmedizin de Hamburgo, com apoio do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde e a Vice-presidência de Pesquisa e Laboratórios de Referência da Fiocruz. O presente dossiê reúne trabalhos apresentados então por biólogos e cientistas sociais, inclusive alguns estudantes de pós-graduação. Numa perspectiva interdisciplinar e transnacional, os artigos aqui reunidos analisam redes de atores e instituições que tomaram parte no intercâmbio científico e cultural entre os dois países, e o impacto que esse intercâmbio teve nas relações políticas, diplomáticas e econômicas, abrangendo a circulação de ideias, cientistas, modelos institucionais, agendas de pesquisa, produtos e tecnologias médicas etc.

Um conjunto de textos trata do papel que as revistas científicas e jornais tiveram nas relações médico-científicas entre a Alemanha, América Latina e África: o historiador Stefan Wulf mostra como o periódico Revista Médica de Hamburgo serviu como instrumento da política cultural alemã no entreguerras; Marlom Silva Rolim e Magali Romero Sá abordam as interfaces do intercâmbio intelectual com a indústria farmacêutica a partir de duas publicações médico-farmacêuticas da Bayer; Sílvio Marcus de Souza Correa analisa o significado da imprensa colonial alemã para as comunidades alemãs em ultramar, como importante veículo de divulgação sobre doenças tropicais que acometiam os colonos alemães na África.

Nos outros artigos do dossiê, a historiadora Karen Macknow Lisboa apresenta o tema da insalubridade, da aclimatação e das doenças no Brasil em escritos de viajantes de língua alemã envolvidos com a questão imigratória; René E. Gertz examina as contribuições de médicos imigrantes alemães que se estabeleceram no Rio Grande do Sul entre a proclamação da República e a Segunda Guerra Mundial e os conflitos desencadeados pela sua presença; André Felipe Cândido da Silva observa as relações Brasil-Alemanha a partir da trajetória do médico Henrique da Rocha Lima, importante quadro do Instituto Oswaldo Cruz e do Institut für Schiffs- und Tropenkrankheiten de Hamburgo; Cristiana Facchinetti e Pedro Felipe Neves de Muñoz discutem a apropriação de teorias e práticas de Emil Kraepelin por Juliano Moreira e outros médicos psiquiatras brasileiros, entre 1903 e 1933; Robert Wegner e Vanderlei Sebastião de Souza tratam da aproximação de médicos brasileiros com uma eugenia ‘negativa’, dando ênfase aos papéis conflitantes desempenhados pelo eugenista Renato Kehl e pela Igreja católica no Brasil; Juliana Manzoni Cavalcanti estuda a trajetória do médico vienense Rudolf Kraus entre 1913 e 1923, quando, na América do Sul, dedicou-se à busca de novos produtos biológicos para tratamento de doenças infecciosas de regiões tropicais.

Ainda neste número, na seção Imagens, Vera Lucia Cortes Abrantes trata da produção fotográfica de Tibor Jablonszky no que diz respeito à representação do trabalho feminino nas décadas de 1950 e 1960; e em Nota de Pesquisa, Patrícia M. Aranha aborda os trabalhos de levantamento topográfico por engenhos militares da Comissão Rondon, e Ana Laura Godinho Lima examina as recomendações a respeito de ‘criança-problema’ feitas por médicos brasileiros em manuais de higiene mental entre 1937 e 1947.

Desejamos aos leitores ótima leitura!

Magali Romero Sá – Pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz

Jaime L. Benchimol – Editor científico


BENCHIMOL, Jaime L.; SÁ, Magali Romero. Carta do editor. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.20, n.1, jan. / Mar, 2013. Acessar publicação original [DR]

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Alemanha-Brasil: as pesquisas no Instituto de Estudos Latino-Americanos / Boletim do Tempo Presente / 2013

Apresentação

A Revista Eletrônica do Tempo Presente/IUPERJ apresenta ao público mais uma edição. Este volume traz o dossiê intitulado Alemanha – Brasil: as pesquisas no Instituto de Estudos Latino Americanos, que reúne artigos de professores e pesquisadores do Instituto de Estudos Latino-Americanos (LAI) da Freie Universität Berlin. Este renomado instituto, fundado em 1970, tem como sua principal característica a interdisciplinaridade. O LAI é o maior centro de pesquisa em América Latina na Alemanha sendo um dos maiores da Europa. Sua estrutura agrega os seguintes campos disciplinar: antropologia cultural e social, estudos de gênero, história, literaturas e culturas latino-americanas, ciência política, economia e sociologia. No ano de 2010 foi fundando no LAI o Centro de Pesquisas Brasileiras (forschungszentrum brasilien) com o objetivo de desenvolver projetos de pesquisa sobre a inserção do Brasil no cenário mundial. Além disso, foi inaugurada na instituição, em 2012, a Cátedra Interdisciplinar Sérgio Buarque de Holanda que teve como primeiro pesquisador o historiador Jurandir Malerba da PUC-RGS. Nesse sentido, integrado com as comemorações do ano da Alemanha no Brasil e através de longa parceria com a Freie Universität, a Revista Eletrônica do Tempo Presente, indexada no qualis da Capes, convidou o catedrático de América Latina do LAI, prof. Dr. Stefan Rinke, para organizar um dossiê, juntamente com o prof. Dr. Karl Schurster (Universidade de Pernambuco), composto por quatro artigos, sobre as pesquisas que estão sendo realizadas no instituto sobre a América Latina, dando maior ênfase ao Brasil.

O dossiê inicia com o texto da professora Debora Gerstenberger (LAI/FU/Berlin) intitulado Globalising Brazilian History: The Case of D. João VI in Brazil, que nos remonta a instalação da corte portuguesa no Brasil no início do século XIX. O instigante texto da professora Gerstenberger nos aponta que por mais estudado que este fato possa ser no Brasil, ainda é muito desconhecido pela comunidade acadêmica internacional, sobretudo pela sua singularidade: a implantação da capital de um império numa colônia. O pesquisador Frederik Schulze (LAI/FU/Frederich Meinecke Institut/Berlin) no artigo, Imigrantes Alemães entre a participação e o papel de vítimas: A transformação de Leopoldina em heroína da independência Brasileira, se debruçou sobre as memórias do processo de independência do Brasil dando ênfase a imagem construída sobre a primeira imperatriz brasileira, Leopoldina como ‘figura heroica’. A pesquisa de Schulze está focada em estudar como diferentes grupos lidavam com a memória homogênea do processo de independência através do estudo de caso da imagem da imperatriz Leopoldina, construída arquetipicamente como a ‘mulher tolerante alemã’. A pesquisa que vem a seguir, mostra e reafirma a natureza interdisciplinar do LAI. Stefan Rinke, no texto Constructions of Femininity and the ‘American Way of Life’ in Latin America in the Early 20th Century: The Case of Chile, faz um sistemático estudo sobre o feminismo no Chile mostrando sua relação com o movimento macro, mundial e suas peculiaridades locais. Seu texto, além de uma narrativa leve e agradável, apresenta um grande rigor teórico e metodológico. Constrói sua hipótese defendendo a ideia de que as feministas chilenas, apesar de opiniões políticas distintas, lutaram por uma forma bastante peculiar de identidade feminina que difere largamente dos modelos estrangeiros. Rinke, baseado amplamente em fontes, traçou um panorama da construção da feminilidade e influência dos EUA, através do American way of life, na sociedade chilena. O professor Georg Fischer no ensaio A crise ecológica na América Latina e a história ambiental, nos provoca fortemente a refletir sobre como a perspectiva histórica poderia contribuir para o entendimento da crise ecológica atual, em especial na América Latina. Além de trazer uma ampla e densa discussão sobre o conceito de crise e um debate historiográfico sobre o nascimento da história moderna ambiental, tanto na Europa quanto na América Latina, o texto de Fischer se localiza dentro da chamada história do tempo presente incluindo na pauta do historiador a tão defendida pelo professor François Bédarida, responsabilidade social.

Além do núcleo central, baseada nos artigos de pesquisadores alemães, a edição também conta com a colaboração de pesquisadores brasileiros através de textos sobre a obra do naturalista alemão von Martius, sobre o aclamado filme Cabaret (1972), que retratou o cenário sociopolítico da Berlim do início dos anos ’30 do século passado, e, um perfil biográfico de um dos mais importantes escritores alemães do século XX Thomas Mann.

Assim, os esforços da equipe da Revista Eletrônica do Tempo Presente em estabelecer parcerias, redes de trabalho, através de projetos de cooperação com as mais importantes e renomadas instituições de pesquisa no mundo reflete amplamente nas contribuições que ora apresentamos nesta edição.

Stefan Rinke – Freie Universität Berlin
Karl Schurster – Universidade de Pernambuco

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Brasil-Alemanha: Imigração, Cidadania e Cooperação / Textos de História / 2008

Apresentação

Os temas imigração, cidadania e cooperação entre povos e nações vêm adquirindo renovada relevância na historiografia acompanhando a tendência de outras disciplinas como a sociologia, a antropologia e a geografia, em primeira linha em face das novas dimensões colocadas por esses fenômenos em um mundo globalizado.

O presente número da revista Textos de História enfoca esses três temas a partir do aspecto bilateral teuto-brasileiro; melhor dizendo, do ângulo brasileiro sobre a imigração alemã, a luta pela cidadania desses imigrantes e seus descendentes na terra receptora e da cooperação no sentido Alemanha- Brasil.

Alemães no Brasil aportaram desde Cabral, haja vista o piloto Mestre João. Não obstante, os textos do presente Dossiê tratam, preponderantemente, da emigração alemã no período que corresponde à grande onda migratória na época da revolução industrial do século XIX.

Os anos de 1840 a 1890 correlacionam-se à aludida fase da migração em massa motivada por busca de melhores condições de vida, fuga de anos de fome, revoluções, mecanização do campo. Tudo isso em um contexto marcado pelas novas condições de deslocamento proporcionadas pelas novas tecnologias nos meios de transporte de massa – navios a vapor fabricados com placas de aço, trens de ferro que transportavam os migrantes para os portos de embarque ou para o interior dos países de destino. Não obstante, outras experiências que extrapolam esse período são também abordadas.

Os fluxos migratórios dirigiam-se majoritariamente aos Estados do Sul, mas, em pequena escala, espalharam-se por pontos de praticamente todo o território brasileiro, em especial, nas cidades portuárias.

Facetas dessa imigração são abordadas por Mercedes Gassen Kothe, que mostra a situação que os imigrantes alemães encontraram em São Paulo, nas fazendas de café e nos núcleos coloniais nas primeiras décadas da Primeira República.

A tentativa de assentar imigrantes alemães no sul da Bahia, nos anos 1920, é tema narrado por Albene Miriam Menezes em uma abordagem fundamentada no contexto histórico da questão migratória no mundo do pós Primeira Guerra Mundial e das especificidades daquele Estado.

A inserção desses imigrantes e seus descendentes nas respectivas comunidades possui características diferenciadas na dependência direta do desenvolvimento econômico, social e político das regiões nas quais se localizavam os seus núcleos populacionais.

Desse modo, a luta pela construção da cidadania encontra-se, assim, diretamente condicionada à uma gama multifacetada de vetores formais, legais, políticos, sociais econômicos e autárquicos.

Aspectos desse processo são tratados no texto de Ryan de Sousa Oliveira, que traz reflexão sobre o exercício da cidadania política entre os teutobrasileiros no Rio Grande do Sul, ao longo do século XIX, e busca contribuir para o debate de algumas questões controversas sobre o processo de integração do grupo dos teuto-brasileiros no jogo político brasileiro. Silvana Krause avalia a diversidade do comportamento político das zonas coloniais alemãs no sul do Brasil sob uma perspectiva histórica, além de fazer uma reflexão sobre identidade étnica e como esta se relaciona e se situa em outras esferas da construção de identidades.

E por fim, René Gertz analisa a possível influência positiva e negativa da presença de descendentes de alemães no Brasil sobre as relações com a Alemanha, no decorrer do tempo. Essa abordagem estende-se da segunda metade do século XIX até a Segunda Guerra Mundial, compreendendo também a tentativa de verificar como esse tema foi visto pela historiografia pertinente.

Outra dimensão desses entrelaçamentos teuto-brasileiros é a da cooperação, que por si só tem largo escopo; ela pode ser identificada, por exemplo, no âmbito das próprias comunidades de alemães e seus descendentes.

Sem embargo, ao longo dos dois séculos em tela, a cooperação adquire muitos aspectos. Nesse sentido, as diferentes modalidades de cooperação da Alemanha com o Brasil ocorrem ao longo do período, desde o envio de livros didáticos, instrumentos musicais e implementos agrícolas até excursões de cientistas para observar as lavoras brasileiras e propor soluções para alguns de seus problemas. Essa cooperação dá-se tanto no nível dos atores sociais como dos governos. No campo do saber, a exemplo das áreas filosófica, jurídica, técnica, artística e científica, observa-se uma clara influência alemã no Brasil.

Assim, Cláudia de Rezende Machado de Araújo analisa a influência do direito alemão no direito brasileiro. Fato esse observável desde o tempo colonial, haja vista a influência daquele nas Ordenações portuguesas. Destaque é dado para a influência do constitucionalismo alemão, em particular da Constituição da República de Weimar (1919), sobre as Constituições brasileiras de 1935 e 1988.

Por seu turno, Marina Helena Silva aborda a situação do Brasil na conjuntura econômica internacional, no período anterior à Segunda Guerra Mundial, demonstrando sua inter-relação com o mercado interno e baiano.

Trazendo para o debate aspectos dos dias atuais, Carla Miranda enfoca o tema da cooperação técnica entre os dois países; seu estudo identifica uma mudança nessa cooperação a qual, a partir da década de 1980, volta a centrar a cooperação técnica à capacitação para o desenvolvimento, partindo de uma dimensão político-estratégica alemã.

Além das reflexões explicitadas nos textos, uma das contribuições subjacentes, até onde os estudos aqui apresentados podem permitir, vem a ser a identificação da necessidade de enfoques desses temas em uma perspectiva comparada. Certamente, o cotejamento da problematização dos temas em uma dimensão de reciprocidade aprofundaria a abordagem dos mesmos. Ilustrativamente, o tema da cidadania urge estudos que abordem os problemas a ele relacionados tanto no Brasil, país de destino dos migrantes, como na Alemanha, terra de origem do fluxo migratório.

Desse modo, o presente dossiê, longe de esgotar os assuntos tratados, pretende de alguma forma contribuir com informações e abordagens específicas para o debate na seara histórica acerca da imigração, cidadania e cooperação entre povos e países de um modo geral e mais especificamente ao que reporta os aspectos relacionados com os alemães e seus descendentes no Brasil, assim como ao que se consubstancia no contexto da cooperação entre o Brasil e a Alemanha, particularmente ao que diz respeito à faceta da cooperação técnica.

A todas as autoras e autores o agradecimento cordial da Textos de História e particularmente da organizadora do presente dossiê, com a esperança de que suas contribuições possam animar o debate acadêmico, mesmo que de forma pontual, e ser útil de alguma forma para o leitor interessado em História.

Albene Miriam F. Menezes

Organizadora

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