A crise na América Latina em tempos de pandemia da Covid-19 | Intellèctus | 2021

Covid 19 na America Latina Covid-19
Covid-19 atinge uma América Latina economicamente fraca e profundamente desigual | Foto: Chatterjee Debarchan/ABACA/ABACA/PA Images

No ano de 2020 o mundo se deparou com um vírus ainda desconhecido para a ciência. A pandemia se alastrava atingindo, aparentemente, da mesma forma, todos os países. Ao longo dos meses, a ciência foi buscando soluções para a trágica situação que assolava a humanidade, enquanto o COVID-19 demonstrava não ser um vírus democrático. As desigualdades se fizeram ainda mais latentes nos países pobres, os problemas se potencializaram nos locais sem infra-estrura adequada para lidar com a doença, e a crise sanitária imiscuiu-se com crises políticas, miséria, feminicídio, migrações em massa e a exclusão digital.

Os efeitos da pandemia na América Latina foram diagnosticados pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL), que criou, em março de 2020, o Observatorio COVID-19 en América Latina y el Caribe. 1 Os estudos cepalinos demonstraram a degradação socioeconômica da região e sugeriu políticas públicas para atenuar os efeitos do COVID-19 sobre os mais variados segmentos populacionais latino-americanos, em especial, os mais vulneráveis. Para constatar a realidade, segundo dados da Comissão, no ano de 2020, 209 milhões de latino-americanos, o que representa 1/3 da população, encontrava-se em condição de pobreza, e 78 milhões vivendo na mais extrema miséria. Além do caos sócio-econômico, a América Latina foi afetada por uma série de crises políticas que dificultaram lidar com a pandemia. Os resultados dessas crises não serão bem conhecidos até que o vírus desapareça no continente ou se estabilize como endêmico entre a população. Leia Mais

A Educação, a pandemia e a sociedade do cansaço | Ensaio – Avaliação em Políticas Públicas Educacionais | 2021

Mulher cansaco Covid-19
Mulher e cansaço | Foto: Globo.com

Han, em seu livro “A Sociedade do Cansaço”, fez um retrato do mundo de antes da pandemia da Covid-19 demonstrando que vivemos numa época de velocidade e de esgotamento, na qual o sistema de poder vigente valoriza indivíduos inquietos, hiperativos, que se arrastam no cotidiano produtivo, quase sempre bem-sucedidos e que executam inúmeras e variadas tarefas. Estamos vivendo na sociedade do desempenho, constituída por uma nova subjetividade proveniente das transformações sócio-históricas ocorridas desde o final do século XX (HAN, 2017).

Foucault, ainda antes de Han, seguia na mesma linha de pensamento ao declarar que, não no final do século XX, mas desde meados do século XVIII, vivemos em um sistema de biopoder ou biopolítica, um sistema que busca otimizar um estado de vida na população, a fim de criar indivíduos economicamente ativos. Produzir, inovar, responder com criatividade às situações de trabalho, de estudo, de relacionamento são o que se espera de todos nós. Autossuperação, iniciativa, eficiência e flexibilidade explicam a sociedade do desempenho de Han (2017) e a biopolítica de Foucault (2012) . Leia Mais

Povos originários e Covid-19: Experiências indígenas diante da Pandemia na América Latina | Albuquerque | 2021

Covid 19 blue Covid-19
Covid-19 | Foto: OPAS |

Apresentação

Las bacterias y los virus fueron los aliados más eficaces. Los europeos traían consigo, como plagas bíblicas, la viruela y el tétanos, varias enfermedades pulmonares, intestinales y venéreas, el tracoma, el tifus, la lepra, la fiebre amarilla, las caries que pudrían las bocas. La viruela fue la primera en aparecer. ¿No sería un castigo sobrenatural aquella epidemia desconocida y repugnante que encendía la fiebre y descomponía las carnes? «Ya se fueron a meter en Tlaxcala. Entonces se difundió la epidemia: tos, granos ardientes, que queman», dice un testimonio indígena, y otro: «A muchos dio muerte la pegajosa, apelmazada, dura enfermedad de granos». Los indios morían como moscas; sus organismos no oponían defensas ante las enfermedades nuevas. Y los que sobrevivían quedaban debilitados e inútiles. El antropólogo brasilero Darcy Ribeiro estima que más de la mitad de la población aborigen de América, Australia y las islas oceánicas murió contaminada luego del primer contacto con los hombres blancos. (GALEANO, 2008, p. 35) La rápida expansión del COVID-19 ha tenido un fuerte impacto sobre la vida diaria y la organización sanitaria, escolar, política y económica de las sociedades en su conjunto. Si bien la pandemia afectó de modo simultáneo a poblaciones y territorios a lo largo y ancho del planeta, a partir de la proliferación de un virus que no distingue clivajes de clase, etnia, género ni religión, a poco tiempo de transcurrida no fue difícil discernir sus impactos diferenciales en territorios y poblaciones concretas. Leia Mais

Tempos de Pandemia | Estudos Históricos | 2021 (D)

Bilros 3 Covid-19
Pexels | Imagem: Juliana Vitoria – Reprodução |

Este número da Revista Estudos Históricos é marcado especialmente pela contemporaneidade e interdisciplinaridade de seus artigos. A ideia do dossiê Tempos de pandemia surge pela urgência de debates e análises científicas promovidos em diferentes áreas com o advento da pandemia de COVID-19, decretada mundialmente no dia 11 de março de 2020. Como resultado, temos uma edição robusta, composta de trabalhos com pontos de vista metodológico e temático diversos.

Como linha comum dos artigos, observamos o debate sobre o tempo em diferentes perspectivas. A própria edição deste número pressupõe uma reflexão sobre tempo, na medida em que reunimos nesse conjunto incursões acadêmicas desenvolvidas no auge da pandemia, no seio de seus acontecimentos. Encontramo-nos, ainda, sem respostas concretas e objetivas sobre o curso desse longo processo. Reflexões sobre o tempo histórico e sobre a produção de pesquisas científicas pela ótica dinâmica do momento histórico são fruto de debates e discussões de longa data.

O tempo social, como proposto por Fernand Braudel (1949), pode ser dividido metodologicamente em três momentos: média, curta e longa duração. O exercício de pesquisa deve, sempre, levar em consideração a construção e o recorte temáticos nessas três perspectivas, que caracterizam o tempo múltiplo, compondo as principais características do tempo social.

Em suma, temos a longa duração como o âmbito das estruturas, a média duração como o tempo das conjunturas e a curta duração como a medida da atualidade, da vida do dia a dia. Os artigos que compõem este dossiê sobre a pandemia, acontecimento histórico contemporâneo, assim como as pesquisas e as autorias, pode dar uma primeira impressão equivocada. O distanciamento analítico na área das ciências humanas, há tempos colocado como essencial para o desenvolvimento de pesquisas científicas, caiu por tese há algumas décadas, especialmente com a eclosão do campo da história do tempo presente.

Nesse bojo, temos a proposição do tempo histórico de Reinhart Koselleck (2014), o tempo estratificado, formado por diferentes camadas de tempo, independentes e interdependentes entre si, proporcionando a base reflexiva de continuidades e rupturas de processos históricos. A proposta de Koselleck subsidia as análises do tempo presente com base no entendimento desses processos como constructos sociais inter-relacionados, proporcionando a base analítica da compreensão de eventos contemporâneos por seus cientistas sociais.

O coletivo de reflexões analisa em sua complexidade questões estruturais como as desigualdades sociais da sociedade contemporânea, refletindo diretamente no acesso à educação e à saúde no Brasil e no mundo. Nesse conjunto, encontramos reflexões de longa duração com perspectivas históricas, demonstrando os impactos políticos e sociais da gripe espanhola de 1918 na sociedade, o processo de exclusão digital de setores sociais e seus impactos na educação à distância e a questão da aprendizagem, bem como os muros epidemiológicos construídos ao longo de décadas.

Encontramos também análises estruturais sobre as democracias latino-americanas e sobre os Estados Unidos, o impacto econômico em populações historicamente em situação de vulnerabilidade, apontando as continuidades de um processo histórico estrondosamente desigual. Ainda pensando na perspectiva da longa duração, vemos a construção da memória social ao longo dos anos e os desafios enfrentados pela gestão e recuperação de documentos produzidos em meio digital. Análises sobre a estrutura midiática brasileira e as fronteiras entre o público e o privado, a construção social de contextos afrorreligiosos e suas nuances políticas, a utilização midiática para defesa de pautas específicas e práticas culturais de uma sociedade em isolamento compõem o tempo histórico de longa duração presente neste dossiê.

No contexto de média duração, no tempo das conjunturas, podemos inferir importantes recortes com elementos de continuidades e rupturas subsidiando o estudo do tempo presente. Envolvendo elementos como os citados no contexto de longa duração, observamos o recorte analítico de média duração no que diz respeito à compreensão conjuntural dos temas em questão. Como linha comum aos artigos, observamos a reconstrução de contextos históricos anteriores à pandemia de COVID-19, buscando alinhar as expectativas de análise políticas, econômicas e culturais na camada mais ampla do tempo histórico a fim de reconhecer os aspectos atingidos pelo momento atual. A preocupação com o contexto histórico conjuntural é inerente e presente em todas as análises, independentemente do tema trabalhado. Ainda que pareçam temáticas bastante diferentes, os textos aqui reunidos nos permitem traçar um quadro conjuntural de extrema qualidade para compreender o advento histórico da pandemia, nosso elemento de curta duração.

Nesse ponto, vemos detalhadamente o recorte mais específico dos artigos. Em grande parte, o ano de 2020 atua como medida da atualidade. Seja no debate acerca de questões educacionais como nos artigos “Direito ou privilégio? Desigualdades digitais, pandemia e os desafios de uma escola pública”, de Renata Mourão Macedo, e “Aprendizagem histórica em tempos de pandemia”, de Cristiano Nicolini e Kenia Erica Gusmao Medeiros, cujos recortes dão conta da urgente mudança para o ensino a distância e suas consequências, seja no debate sobre questões culturais e de memória nos textos de Alejandra Josiowicz, “Humanidades digitais e literatura nas redes sociais: ‘um placebo sanador em tempos de COVID-19’”, o artigo de Isabella Vivente Perrotta e Lucia Santa Cruz, “Objetos da quarentena: urgência de memória”, e o texto de Vítor Queiroz, “Quando o ser-humano cria, Iku vem à Terra: as mediações de Exu, a onipresença da morte e a COVID-19 em dois contextos afrorreligiosos”.

Tratando especificamente de questões políticas e econômicas que envolvem a gestão da pandemia em países da América Latina, temos o artigo de Rafael Araujo e Érica Sarmiento, “A América Latina, a COVID-19 e as migrações forçadas: perspectivas em movimentos, muros epidemiológicos e sombrias imagens”, apontando as medidas atuais do tempo histórico e os reflexos na migração forçada de populações vulneráveis, e a contribuição especial de André Pagliarini, “Possible Futures: COVID-19 as Historical Turning Point”, recortando a análise específica sobre a importância desse debate para a historiografia presente.

Analisando especialmente o aspecto midiático da pandemia, temos os artigos de Flavia Pinto Leiroz e Igor Sacramento, “Cronotopias da intimidade catastrófica: testemunhos sobre a COVID- 19 no Jornal Nacional”, mostrando o recorte do maior jornal diário do Brasil e seus impactos sobre a relação entre público e privado em nossa sociedade, e o texto de Luciana Almeida, “Pandemia, ‘agro’ e ‘sofrência’: jornalismo, propaganda e entretenimento no debate público sobre o modelo agrícola”, mostrando a relação instantânea da pandemia na indústria cultural nacional.

Em entrevista concedida por James Green, realizada por mim e por Ronald Canabarro, em que aplicamos a temporalidade múltipla no decorrer das perguntas, buscou-se criar uma narrativa que abarcasse suas opiniões estruturais das sociedades brasileiras e norte-americanas, chegando às análises conjunturais mais recentes de ambos países de maneira que confluísse no momento atual da pandemia, suas consequências políticas, econômicas e culturais da COVID-19 no mundo pela ótica do historiador e militante norte-americano.

Quando falamos em tempos de pandemia, estamos definindo tempo como social, como o tempo composto de diacronias e sincronias, continuidades e rupturas. A urgência evidenciada pelas necessidades informacionais e analíticas, que perpassam diferentes temas, nesse último ano pandêmico pelo qual nossa sociedade passou em todo o globo estão reunidas nesse dossiê interdisciplinar e diverso que montamos. Nosso desejo é o de que possamos reler suas páginas como documentos históricos em alguns anos, proporcionando compreensões fundamentadas e científicas da história presente.

Por fim, e em nome da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV CPDOC), prestamos nossa solidariedade coletiva às famílias de 3 milhões de pessoas1 em todo mundo vítimas da COVID-19.

Nota

1. Dados coletados em: https://www.worldometers.info/coronavirus/. Acesso em: 12 abr. 2021.

Referências BRAUDEL, F. La Méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de Philippe II. Paris: Armand Colin, 1949.

KOSELLECK, R. Estratos de Tempo: estudos sobre a História. Rio de Janeiro: Contraponto/Ed. PUC-RJ, 2014.

Martina Spohr – Doutora em História Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro ([email protected]). Escola de Ciências Sociais, Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Fundação Getulio Vargas – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.


SPOHR, Martina. Editorial: Tempos de Pandemia. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 34, n.73, p.1-3, p.235-238, maio/ago. 2021. Acessar publicação original [IF].  Acessar dossiê

A construção de conhecimentos em tempo de Covid-19 | Das Amazônias | 2020

O ano de 2020 representou um grande desafio para os editores da Revista Das Amazônias (DAM), considerando o contexto social, político e econômico que o mundo vivencia em decorrência da pandemia causada pelo COVID-19. Essa crise sanitária e política também presentes no Brasil nos obrigou a reconfigurar todas as nossas relações sociais. Assim tivemos de nos adaptar as limitações impostas por essas circunstâncias, dessa feita a DAM propôs três projetos de extensão, nos quais tínhamos como objetivos estimular e divulgar a produção cientifica do discentes dos cursos de história. Isso nos possibilitou diversificamos nossa atuação, partindo para os espaços de redes sociais com a realização de LIVES e publicização dos nossos textos.

Em âmbito extensionista referente ao nosso periódico obtivemos a publicação do v.3 n.1: “Entre a Sala de aula, pesquisas e historiografias: trajetórias na construção dos profissionais de História” e agora o v.3. n.2: “A construção de conhecimentos em tempo de Covid-19”, ganhando maior significado por ser lançada durante a realização da XX Semana de História da Universidade Federal do Acre, cuja temática é Ensino de História e Pesquisa em História: pesquisas e possibilidades e almeja a articulação de saberes oriundos dos processos de perquirição e produções acadêmicas concebidas nas Amazônias/ Pan-Amazônias. Leia Mais

Pandemia da COVID – 19 | Rural e Urbano | 2020

Esta Edição da Revista Rural & Urbano, v.05, n.02, apresenta o dossiê especial com debates em torno do contexto vivido pela pandemia da COVID – 19 em 2020. A proposta deste dossiê foi revelar o momento de exceção que estamos vivenciando, refletir sobre os grandes desafios que estão sendo enfrentados, identificar os novos arranjos que se estabelecem frente aos impactos da pandemia, em diversas escalas espaço-temporais e abordagens. São apresentados artigos que discutem o Covid-19 e as relações geopolíticas mundiais, tanto aspectos político-econômicos, como relacionados aos aspectos migratórios, e também à disputa pelos recursos naturais. Ainda acerca da pandemia, são abordadas questões relativas à dinâmica urbana, ao direito à cidade, à qualidade de vida e às questões de isolamento relacionadas à velhice, à comunidade LGBTQI+, ao agravamento da exclusão social e da desigualdade socioeconômica, como também estudos de caso com levantamentos de dados epidemiológicos que precisam ser registados. Os efeitos da pandemia do Covid-19 têm atingido diretamente as questões de ensino, tanto escolar como universitário, seja no campo ou na cidade, deste modo aqui apresentamos artigos que revelam esses impactos do isolamento social nas relações de ensino-aprendizagem, nas condições de trabalho dos docentes, e nas consequências do ensino remoto. A entrevista com a professora Titular do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo, Doutora Rosa Ester Rossini, traz uma importante contribuição sobre a reflexão acerca da pandemia do Covid-19, destacando o papel do geógrafo como pesquisador desta realidade social atual, e as inter-relações com questões populacionais, de gênero, produtivas, tanto no campo quanto na cidade, as quais não estão deslocadas dos processos contemporâneos. Ainda nesta edição contamos com artigos livres que seguem o escopo da Revista, com análises multidisciplinares sobre questões rurais e urbanas.

Recife, 31.10.2020


Editoras

Mariana Zerbone Alves de Albuquerque

Maria Rita Ivo de Melo Machado

Edvânia Torres Aguiar Gomes


Referências desta apresentação

GOMES, Edvânia Torres Aguiar; ALBUQUERQUE, Mariana Zerbone A. de; GOMES, Edvânia Torres Aguiar. Editorial. Rural e urbano, Recife-PE, v.5, n.2, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Covid-19, Sociedades e Tempo Presente / Cadernos do Tempo Presente / 2020

Vivemos tempos terríveis. Tempos sombrios, dias entristecidos. Em várias partes do Mundo, ruas, avenidas e praças desertas, escolas fechadas, hospitais lotados. O advento da pandemia de covid-19 promoveu mudanças bruscas na rotina de diferentes povos. De repente, até mesmo ritos fúnebres precisaram ser modificados. A resposta a um mal comum, no entanto, foi diversificada.

Como se cada país pretendesse, às pressas, encontrar uma saída, teve início uma corrida desenfreada por vacina, por paliativos e medicamentos. Junto com tal esforço, uma série de informações desencontradas ascendeu também. Uma inesperada onda negacionista se manifestou e procedimentos de profilaxia foram menosprezados por líderes políticos em diferentes lugares. O pedido por isolamento social, a necessidade de manter distância e proteger a si para também salvar os outros foi ridicularizada, atacada e inesperadamente desobedecida a partir de discursos inflamados de chefes de Estado como Donald Trump e Jair Bolsonaro.

A covid-19 se configura como o maior desafio à humanidade nas primeiras décadas do Século XXI. Em meio à tragédia, um grupo de intelectuais se coloca para oferecer reflexões iniciais sobre os desdobramentos da pandemia pelo Globo. O dossiê aqui apresentado reúne contribuições de pesquisadores de diferentes lugares: da Argentina à Alemanha, da Espanha ao Oriente Médio, chegando ao Brasil, o dossiê contém reflexões de pesquisadores, eles mesmos testemunhas, sobre a história em movimento de uma tragédia mundial.

Abrindo a edição, Karl Schurster e Michel Gherman nos provocam com a pergunta: Como Lidar com os Fascismos Hoje? Os autores analisam as práticas discursivas e o agir político dos variados tipos de fascismo no tempo presente. Refletindo sobre a instrumentalização política da pandemia, e partindo da crise das instituições democráticas e do avanço de políticas da chamada direita radical, Schurster e Gherman buscam compreender quais as características desse “novo” fascismo e como ele se desenvolve, utilizando para isso o campo teórico clássico e contemporâneo e a metodologia comparativa. O itinerário do texto os leva a problematizar categorias como conspiração, negacionismo, negação da alteridade, guerra permanente e disseminação do ódio como fundamentais para o “novo” fenômeno político e histórico.

Em seguidaFrancisco Carlos Teixeira da Silva analisa de que maneira a “novilíngua bolsonarista”, em clara inspiração Orwelliana, se aplica à covid-19, empacotada num mesmo molde de padronização que já vinha se aplicando à caracterização da homossexualidade e da pobreza. Normalizando a violência e naturalizando o desumano, a novilíngua bolsonarista é utilizada no cotidiano de tortura e violência sofridas pelos “judeus” do bolsonarismo e na construção do perfil do líder da extrema-direita brasileira. Sendo assim, observa o autor, a partir da violência dispensada aos homossexuais e estabelecendo um padrão, é construído o paradigma para a morte por covid-19 no Brasil.

Lorena López Jáuregui propõe um glossário da pandemia de covid-19 a partir da língua alemã. A autora procura explicar o contexto germânico nos últimos quatro meses, refletindo sobre a crise instalada na Alemanha, lembrando que o país está em estado de emergência nacional desde março de 2020, devido à pandemia. Jáuregui léxico discute como a crise expressa a reação social local a esse problema global e nela as palavras tornam-se, então, uma expressão em mutação.

Emmanuel-Claude Bourgoin Vergondy, Óscar Ferreiro Vázquez e Ramón Méndez González abordam a Espanha diante da pandemia de covid-19, contemplando a evolução da situação de emergência, bem como as repercussões em diferentes áreas da sociedade. Em seu texto, o trio de pesquisadores observa como a comunidade internacional reagiu de maneira irregular, acreditando que algo assim não seria mais possível no século XXI, o que deixou claro que nenhum país está adequadamente preparado para ameaças biológicas fora das estruturas conhecidas.

No artigo El Consejo de Cooperación de Estados Árabes del Golfo en el marco de la pandemia de COVID-19: cooperación sanitaria versus tensiones en el ámbito político, Ornela Fabani levanta como problema a situação do surgimento da pandemia de covid-19 como uma nova ameaça, de natureza não tradicional, que coloca em xeque a segurança dos Estados do Golfo. Fabani analisa a resposta do bloco ao surgimento do surto do novo coronavírus. Bruno Sancci analisa a agenda política e econômica de uma Argentina em crise, desafiada pelo novo coronavírus. Conforme Sanci, a quarentena e o momento que vivem os argentinos agem como catalisadores das tendências relacionadas à própria estrutura da sociedade argentina.

Fechando o dossiê, Ian Kisil Marino, Pedro Telles da Silveira e Thiago Lima Nicodemo, refletem sobre os impactos das tecnologias digitais nas formas de arquivamento contemporâneo e apresentam a perspectiva de atuação elaborada no âmbito do projeto Memória Covid-19 Brasil, através do trabalho conjunto dos integrantes do Centro de Humanidades Digitais IFCH-UNICAMP e do projeto DéjàVu, da mesma instituição.

Por fim, Liliane Costa Andrade oferece a resenha do livro “O Cinema vai à Guerra”.

Em tempos de pandemia, os Cadernos do Tempo Presente se apresentam para colaborar no esforço de entender a tragédia. Vivemos tempos terríveis, sim. Os textos aqui contidos significam o esforço em oferecer interpretações, sugerir caminhos e, de alguma forma, poder nos ajudar para que a travessia por dias tão tristes seja um pouco menos dolorida.

Os Editores.


Editores. [Covid-19, Sociedades e Tempo Presente]. Cadernos do Tempo Presente, São Cristóvão, v.11, n.1, 2020. Acessar publicação original

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América Latina frente a pandemia do Covid-19 / Boletim do Tempo Presente / 2020

Apresentação

A pandemia causada pelo vírus Sars-Cov-2 (COVID-19) inseriu a humanidade em uma profunda crise sanitária, socioeconômica e psicológica, cujos efeitos políticos se demonstram imprevisíveis. O pânico decorrente da possibilidade de contração da doença afetou o bem-estar individual e coletivo, ao mesmo tempo em que gerou diversas preocupações com o futuro. Esse mal-estar, de uma sociedade sem horizonte de expectativas, levou a diversas crises no modelo de representação, das instituições políticas e das formas de organização social.

Paralelamente a este processo, a COVID-19 fortaleceu críticas às práticas econômicas neoliberais, acentuando as disparidades econômicas entre os países que compõem o sistema internacional. Ao mesmo tempo, o vírus expôs as profundas desigualdades sociais, em especial em países da América Latina, Caribe e África. A pandemia deixou em evidência, para parcelas da sociedade civil, as mazelas que envolvem o dia a dia dos segmentos sociais pauperizados, como ashabitações precárias, que tornaram o distanciamento social irrealizável, até mesmo desumano, ou os deletérios efeitos da informalidade no mercado de trabalho.

Na América Latina e Caribe, relatórios preliminares sobre os efeitos sociais e econômicos da pandemia, organizados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a CEPAL, projetaram cenários desalentadores. Vislumbram-se retrações de até 23% no Comércio Internacional, 9,1% do Produto Interno Bruto (PIB) e o PIB per capita regional deve retroceder aos patamares do ano de 2010, ocasionando, assim, uma nova década perdida. A pobreza e a extrema pobreza devem elevar-se, respectivamente, em 7,1% e 4,5%. Com isso, em torno de 327 milhões de latino-americanos (52,8% da população local) estarão na condição de extrema pobreza ou pobreza ao fim de 2020.[1]

A pandemia também impactou as Relações Internacionais. O cooperativismo e o multilateralismo consistiram em um dos seus efeitos, como observamos no apoio às iniciativas realizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o combate à pandemia. No entanto, em paralelo, notamos uma ampliação das disputas entre as potências internacionais. A “corrida global” para a descoberta de uma vacina, o fortalecimento da autonomia do Estado-Nação e o robustecimento das tensões entre norte-americanos e chineses, causadas pela narrativa de Donald Trump acerca da “cupabilidade chinesa” pela pandemia, evidenciaram isso.

O Sars-Cov-2 demonstrou os efeitos da racionalidade moderna, impulsionada pelo neoliberalismo e globalização, que submeteu as sociedades globais à espoliação, à reprodução do capital e a um desprezível individualismo. Assim, esse dossiê, que atesta os esforços das Universidades em entender o complexo presente, buscará debater os múltiplos impactos econômicos, sociais, políticos, psicológicos, educacionais e culturais causados pela pandemia nos dez artigos que o compõem.

Em Pandemia e Cosmovisões – Solidão, Medo e Morte Maria Teresa Toribio Brittes Lemos realiza um breve histórico das epidemias a partir de uma narrativa que percorre suas ocorrências da Antiguidade à COVID-19. A autora ressalta sentimentos, como a angústia, o medo e a solidão, ocorridas em outros momentos pandêmicos da história da humanidade e destaca os efeitos desses eventos nas memórias coletivas e nos imaginários sociais com o intuito de observar possíveis sequelas, individuais e coletivas, da atual pandemia para as nossas sociedades.

Johannes Maerk, em Será la pandemia de Covid-19 el fin del neoliberalismo?, aborda os impactos socioeconômicos e políticos da crise da década de 1929 nos países ocidentais, a teoria keynesiana e o modelo de Indústrias de Substituições de Importações (ISI). Ademais, o artigo analisa as motivações para a implementação das práticas políticas e econômicas neoliberais a partir da década de 1970 em diversos países e traz pertinentes reflexões sobre a possibilidade de surgimento de um modelo alternativo a este, em virtude dos impactos econômicos e sociais da atual pandemia.

No artigo América Latina e os Impactos Estruturais Ocasionados pela Covid-19, Paulo Maurício do Nascimento abordou os resultados estruturais da pandemia em nível global e, em especial, na América Latina e Caribe. Destacam-se a abordagem acerca das suas consequências econômicas e as ações governamentais adotadas nos seguintes países: Argentina, Brasil, Costa Rica, Equador, México, Paraguai e Peru.

Oscar Barboza Lizano, em Disputas Imperiales: Mirares de la pandemia COVID-19 desde Centroamérica, avaliou os impactos comerciais, políticos e diplomáticos decorrentes da pandemia. O artigo tem o mérito de analisar os seus efeitos nos espaços centro-americanos e caribenhos, além de tecer breves considerações sobre as conjunturas de países que enfrentaram recentemente um ciclo de instabilidade política, como Bolívia e Chile. Além disso, há uma importante avaliação das disputas entre China e Estados Unidos no sistema internacional, aspecto este relevante em virtude da recente guerra comercial entre as duas superpotências.

Alberto Dias Mendes, em Pandemia, Cuba e a revolução solidária, avalia as repercussões da COVID-19 na China, Europa e na América Latina e Caribe a partir de uma minuciosa comparação entre o número de casos e óbitos em países selecionados entre março e setembro de 2020. O autor localiza, ainda, a pandemia e os seus efeitos como parte de uma crise civilizatória e ressalta o papel das Brigadas Médicas Henry Reeve no combate interno ao vírus e em ações de solidariedade internacional.

Em A pandemia da COVID-19 e as mudanças na atuação docente: o trabalho em casa como (falta de) estratégia didática, José Lúcio N. Jr e Patrícia Mª P. do Nascimento abordaram os efeitos da pandemia na prática docente e na sala de aula. Ressalta-se a importante diferenciação entre o Ensino à Distância e o Ensino Híbrido, este imposto à prática docente em decorrência da pandemia e que é baseado na ampla utilização de Novas Tecnologias da Informação e Comunicação, aos quais grande parte dos docentes não estava (ou está!) habituada. O trabalho tem o mérito de trazer pertinentes reflexões para educadores e setores da sociedade civil que, hoje, preocupam-se com os rumos da educação brasileira, sobretudo do setor público, em um momento de inviabilidade de aulas presenciais e de acefalia do Ministério da Educação.

André Luis Toribio Dantas, em Educação Remota em um contexto pandêmico: Isonomia e Universalidade – Educação Pública/RJ, examinou os impactos da COVID-19 na educação pública do Estado do Rio de Janeiro. As dificuldades de implementação do Ensino Híbrido motivadas, entre outras razões, pelo não acesso dos estudantes à internet e plataformas digitais, e os resultados da suspensão das aulas presenciais na comunidade escolar estiveram entre alguns dos elementos que compuseram as pertinentes reflexões do autor sobre as repercussões da pandemia no ensino público.

No artigo Povos Indígenas do Brasil: Um novo capítulo de uma velha história, Aimée Schneider Duarte avaliou os efeitos da COVID-19 sobre as populações indígenas brasileiras e as medidas implantadas pelo governo de Jair Bolsonaro na mitigação dos impactos da pandemia sobre os nossos povos originários. Igualmente, há uma análise histórica da participação indígena e dos seus apologistas na Constituinte de 1987-1988 e algumas medidas legais implantadas para a sua proteção.

Em Possíveis cidades pós-pandêmicas: COVID-19 e a passagem da cidade modernista à cidade “não moderna”, Rodrigo Agueda analisou as consequências sociais da pandemia e as suas possíveis influências no meio urbano. O artigo aponta que os aspectos excludentes das grandes cidades devem permanecer, apesar de, mundialmente, existirem debates relevantes acerca do aproveitamento do contexto pandêmico para se debater mobilidade urbana e organização espacial das cidades.

Anderson Barbosa Paz em O Papel dos Estados da América Latina em Tempos de Pandemia Global a partir do pensamento de John Keynes examinou alguns elementos da teoria keynesiana e a importância de existência de políticas públicas para mitigar os efeitos da pandemia entre as populações latino-americanas.

1. As informações aqui inseridas foram retiradas do Observatorio COVID-19 en América Latina y el Caribe – Impacto económico y social. Disponível em: https://www.cepal.org/es/temas/covid-19. Acesso: Nov/2020.

Érica Sarmiento – Professora adjunta de História de América da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Bolsista Produtividade CNPQ nível 2, pesquisadora Jovem Cientista Nosso Estado-FAPERJ (2014-2017; 2017-2020). É coordenadora do Laboratório de Estudos de Imigração (Labimi) e coordenadora do mestrado do Programa de Pós Graduação em História (UERJ). Pós-doutora pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Doutora em história pela Universidade de Santiago de Compostela na área de América e Contemporânea. Foi Professora visitante no Instituto de Estudos da América latina (ILAS), Universidade de Columbia (Nova York) e na Universidade de Santiago de Compostela.

Karl Schurster – Professor Livre Docente da Universidade de Pernambuco. Pós Doutor pela Freie Universität Berlin. Organizou juntamente com Francisco Carlos Teixeira da Silva e com Francisco Eduardo Alves de Almeida a obra Atlântico: a história de um Oceano (Civilização Brasileira), vencedora do prêmio jabuti (2º lugar em Ciências Humanas 2014). É professor permanente do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade de Pernambuco. Foi bolsista do Instituto Yad Vashem em Jerusalém/Israel (2014) onde desenvolve pesquisa sobre a memória do Holocausto, recebendo nova bolsa de estudos em 2018. É Diretor de Relações Internacionais, exerce a coordenação científica da EDUPE/UPE e é Coordenador Acadêmico do Mestrado Profissional em Ensino de História/ProfHistoria – UPE.

Rafael Araujo – Professor Adjunto de História da América da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC)/UFRJ. Doutor em História pelo PPGHC/UFRJ (2013). Participa como historiador convidado do projeto “1914-1918-online. International Encyclopedia of the First World War” organizado pela Freie Universität e pelo Friedrich-Meinecke-Institut. Membro do Grupo de Trabalho (GT) de Ensino de História e Fontes da ANPHLAC. Pesquisador associado ao Laboratório de Estudos da Imigração (LABIMI)/UERJ e ao Grupo de Estudos Sociocultural da América Latina da Universidade de Pernambuco (UPE).

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