A crise na América Latina em tempos de pandemia da Covid-19 | Intellèctus | 2021

Covid 19 na America Latina Covid-19
Covid-19 atinge uma América Latina economicamente fraca e profundamente desigual | Foto: Chatterjee Debarchan/ABACA/ABACA/PA Images

No ano de 2020 o mundo se deparou com um vírus ainda desconhecido para a ciência. A pandemia se alastrava atingindo, aparentemente, da mesma forma, todos os países. Ao longo dos meses, a ciência foi buscando soluções para a trágica situação que assolava a humanidade, enquanto o COVID-19 demonstrava não ser um vírus democrático. As desigualdades se fizeram ainda mais latentes nos países pobres, os problemas se potencializaram nos locais sem infra-estrura adequada para lidar com a doença, e a crise sanitária imiscuiu-se com crises políticas, miséria, feminicídio, migrações em massa e a exclusão digital.

Os efeitos da pandemia na América Latina foram diagnosticados pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL), que criou, em março de 2020, o Observatorio COVID-19 en América Latina y el Caribe. 1 Os estudos cepalinos demonstraram a degradação socioeconômica da região e sugeriu políticas públicas para atenuar os efeitos do COVID-19 sobre os mais variados segmentos populacionais latino-americanos, em especial, os mais vulneráveis. Para constatar a realidade, segundo dados da Comissão, no ano de 2020, 209 milhões de latino-americanos, o que representa 1/3 da população, encontrava-se em condição de pobreza, e 78 milhões vivendo na mais extrema miséria. Além do caos sócio-econômico, a América Latina foi afetada por uma série de crises políticas que dificultaram lidar com a pandemia. Os resultados dessas crises não serão bem conhecidos até que o vírus desapareça no continente ou se estabilize como endêmico entre a população. Leia Mais

A Educação, a pandemia e a sociedade do cansaço | Ensaio – Avaliação em Políticas Públicas Educacionais | 2021

Mulher cansaco Covid-19
Mulher e cansaço | Foto: Globo.com

Han, em seu livro “A Sociedade do Cansaço”, fez um retrato do mundo de antes da pandemia da Covid-19 demonstrando que vivemos numa época de velocidade e de esgotamento, na qual o sistema de poder vigente valoriza indivíduos inquietos, hiperativos, que se arrastam no cotidiano produtivo, quase sempre bem-sucedidos e que executam inúmeras e variadas tarefas. Estamos vivendo na sociedade do desempenho, constituída por uma nova subjetividade proveniente das transformações sócio-históricas ocorridas desde o final do século XX (HAN, 2017).

Foucault, ainda antes de Han, seguia na mesma linha de pensamento ao declarar que, não no final do século XX, mas desde meados do século XVIII, vivemos em um sistema de biopoder ou biopolítica, um sistema que busca otimizar um estado de vida na população, a fim de criar indivíduos economicamente ativos. Produzir, inovar, responder com criatividade às situações de trabalho, de estudo, de relacionamento são o que se espera de todos nós. Autossuperação, iniciativa, eficiência e flexibilidade explicam a sociedade do desempenho de Han (2017) e a biopolítica de Foucault (2012) . Leia Mais

Ensino de História em tempos de pandemia | Fronteiras – Revista catarinense de História | 2021

Em junho de 2021 enquanto trabalhávamos no referido dossiê, o Brasil ultrapassou a devastadora marca de 540 mil pessoas mortas em decorrência da Covid 19. Um cenário desolador, marcado por ações de uma necropolítica, que causaram sentimentos de muita dor e revolta. A soma dessas mortes evidencia um contexto assustador iniciado em março de 2020, quando os primeiros casos de contaminação pelo novo coronavírus começaram a ser contabilizados no país. De lá pra cá temos somados perdas e indignação, seja pelo negacionismo que pautou a política do governo federal em relação às medidas protetivas ou pela demora na compra das vacinas.

Entre as muitas ausências que temos enfrentado é preciso relacionar aquelas relativas à educação. Esse novo contexto causou mudanças profundas no complexo cenário educacional, trazendo claramente prejuízos, principalmente no que tange a prática docente e a vida do estudante, sejam pelas abruptas condições nas quais a grande parcela de professores e professoras foram lançados, com aulas no formato remoto, com horários síncronas e assíncronas, precisando se adequar a plataformas digitais, alterando as rotinas e experiências docentes e discentes, acarretando adversidades na aprendizagem.

Diante do novo panorama a partir da conjuntura pandêmica, diversas áreas das ciências humanas buscam interpretar o momento vivido pela sociedade através de produções acadêmicas, em especial a História. Nesse sentido, historicizar essa experiência, como o que pretendemos neste dossiê, é registrar os momentos vividos, ouvir os sujeitos que dela participam, sendo um compromisso social e importante. Assim, temos aqui na Fronteiras: Revista Catarinense de História, um espaço que se articula a função social da História e dos historiadores e historiadoras.

O presente número da Revista Fronteiras é composto por 12 artigos, 1 entrevista, 2 resenhas, 1 relato e 1 texto complementar. O dossiê número 37, intitulado Ensino de História em tempos de pandemia é composto por 7 artigos, uma entrevista e um texto complementar. A seguir trazemos algumas reflexões empreendidas por alguns historiadores e historiadoras desse denominado novo “normal”, que foge de qualquer referência à normalidade pré-pandemia vivenciada por gerações, que a partir das suas vivências diárias, em sociedade, diante dos novos formatos das salas de aulas explicitam desejos, visibilizam preconceitos existentes, reforçam a importância dos direitos conquistados, marcam as suas impressões a partir do seu lugar de fala: O ser professor(e) (a).

O artigo que abre o dossiê é assinado por Flávia Eloisa Caimi, Letícia Mistura, Pedro Alcides Trindade de Mello e tem como título uma questão fundamental: Aprendizagem histórica em contexto de pandemia: o que pode ser e conter uma aula de História? A discussão parte do contexto de suspensão das atividades presenciais em instituições educativas e consequente instalação do ensino remoto para problematizar os impactos no processo de construção e realização da aula de História.

E eu, professor?! O ensino remoto de história e o cenário de inclusão deficitária em áreas rurais e periféricas do Estado do Pará é assinado por Catarina da Silva Moreira. O artigo traz os resultados de uma pesquisa qualitativa desenvolvida na Escola Estadual de Ensino Médio Dr. Pádua Costa, em Santa Bárbara do Pará e onde se buscava dados para a percepção da experiência de ensino de História no referido contexto.

Derick Douglas Domiciano, Ilisabet Pradi Krames, Sabrina Silva Campos, Marcel Oliveira de Souza trazem a questão do negacionismo e do revisionismo no texto O ensino de História diante dos discursos negacionistas e revisionistas no contexto da pandemia: desafios e possibilidades. O texto traz reflexões sobre as implicações que os discursos negacionistas e revisionistas trazem para o processo de ensino de História. Os autores abordam a polarização presente nos discursos negacionistas e revisionistas considerando que os mesmos têm grande impacto na formação de jovens estudantes. E defendem que o ensino de História seja espaço para construção de mais sensibilidade e alteridade, sentimentos esses necessários para a sedimentação de uma sociedade mais humanizada.

O sujeito histórico negro para além do epistemicídio é de autoria de Luiz Gustavo Mendel Souza e apresenta os resultados de uma pesquisa que buscou investigar livros didáticos da rede municipal de Campos dos Goytacazes/RJ e sua abordagem sobre a Lei nº 10.639/03. Pautando nos pressupostos da literatura decolonial o autor faz uma pergunta chave: a História da África e da cultura afro-brasileira seria retratada apenas pela ótica da escravidão nas páginas dos livros didáticos?

A ausência do ‘olho no olho’, do abraço espontâneo e das brincadeiras: Desafios dos professores de História em tempos de pandemia no Espírito Santo é o artigo assinado por Esdra Erlacher, Bruna Mozini Subtil, Brunna Terra Marcelino, Miriã Lúcia Luiz. Neste artigo são analisados os dados de uma pesquisa que buscou a experiência de 33 professores atuando em ensino remoto durante a pandemia de Covid-19. Os dados da pesquisa levam a discussão sobre temas como a precarização do trabalho docente e o adoecimento dos profissionais.

Ainda partindo da experiência escolar, Silvia Vitorassi apresenta o texto Experiência pandêmica em um ano histórico. A autora apresenta um relato onde tem espaço para seus questionamentos e angústias frente ao trabalho remoto desenvolvido a partir do momento de estabelecimento das medidas de isolamento por conta da pandemia. A narrativa aborda questões relevantes tais como: a romantização do papel docente, os abusos cometidos pelo governo ao não estruturar um planejamento mínimo para as condições de trabalho frente à pandemia e os limites estabelecidos entre pessoa e profissional.

O texto de Odair Souza e Patrícia de Freitas Ensino de História e temas sensíveis em tempos de pandemia traz questões resultantes de uma pesquisa realizada com estudantes da educação básica e ensino médio da Escola de Educação Básica Prof.ª Maria do Carmo de Souza localizada em Palhoça/SC. A pesquisa em questão buscou conhecer a situação desses estudantes frente ao ensino de História em situação de aulas remotas. E além disso priorizou também conhecer os limites do processo de aprendizagem frente aos chamados temas sensíveis.

Na Entrevista com o professor Fernando de Araujo Penna observamos de uma forma ampla o pensar do professor sobre diversos temas presentes da contemporaneidade, principalmente os articulados à profissão do Historiador e da Historiadora, reforçando ainda qual o papel dos professores na sala de aula. Destaca a partir das suas impressões sua trajetória na luta pelo ensino de história na educação básica e na formação de professores de História. Além disso, reflete sobre as funções sociais e éticas dos profissionais de História na sociedade. Recentemente Fernando Penna vem participando da comissão de compromissos éticos do exercício da docência no ensino história da ABEH. Concluindo, aborda os impactos da pandemia na formação inicial dos futuros professores de História.

Para encerrar os textos que compõem o dossiê temos um texto complementar, de autoria de nosso entrevistado: Fernando de Araujo Penna. O texto denominado “Escola Sem Partido” como ameaça à Educação Democrática: fabricando o ódio aos professores e destruindo o potencial educacional da escola, foi publicado anteriormente, em 2017, na obra “Golpes na História e na Escola: o Brasil e a América Latina nos séculos XX e XXI”1. O texto serve como uma contextualização da entrevista – que é inédita, por analisar a sua concepção de escolarização no Brasil. No texto, são apresentadas as representações de alunos e de professor, assim como as finalidades da escola, apresentadas nos discursos dos líderes e defensores da Escola Sem Partido. Mostrando como tais lideranças são desprendidas do contexto escolar e trazem discursos modulados pelo ódio ao professor.

Na atual edição contamos também com 5 artigos, 1 relato e 2 resenhas. Escrita da História e sexualidade: Cassandra Rios, ausência e invisibilidade, por sua vez, é a discussão proposta por Flávia Mantovani. A autora traz à cena a importância de uma escrita da História que aborda questões relativas à História das Mulheres. No caso, a discussão apresentada se volta para a produção literária de Cassandra Rios (1932-2002), conhecida como “a escritora mais proibida do Brasil”. A pesquisa desenvolvida pela autora permite perceber nos escritos da referida autora a possibilidade de uma escrita da História que dê visibilidade a outros sujeitos e suas sexualidades.

As narrativas da cinematografia soviética do período pós-guerra e início da Guerra Fria tornaram-se objeto de reflexão do artigo de Gelise Cristine Ponce Martins e Moisés Wagner Franciscon intitulado Os Estados Unidos e a Inglaterra vistos pelo cinema soviético do stalinismo tardio: a Guerra da Crimeia e os mares, no qual tanto o texto quanto as imagens permitem aos leitores olhares de como o investimento na guerra de narrativas a respeito das versões das histórias e de suas mensagens de união nacional soviética objetivou disseminar a circulação da narrativa do inimigo externo.

No texto de autoria de Wagner Cavalheiro, Roberta Barros Meira e Mariluci Neis Carelli, nomeado de A cristalização do açúcar e da ciência na segunda metade do século XIX: o engenho da fazenda Pirabeiraba e a racionalização da agricultura, realizaram uma operação historiográfica interdisciplinar com uso combinado teórico-metodológico da geografia e da história enfocando o humano habitante da paisagem para escreverem um artigo da história agrária. Os pesquisadores lançaram luz às mudanças do campo científico no século XIX para compreender alguns grupos joinvilenses em relação ao trabalho e à produção rural vinculada ao Engenho.

Cacique Orides: um retrato da resistência indígena no oeste de Santa Catarina escrito por Angelo José Franciosi de Souza, Jaisson Teixeira Lino, Fábio Araújo e Gustavo Andre Glienke Feyh denotou a força da resistência indígena em se apropriar dos dispositivos de poder da cultura política não indígena. Generoso artigo enfoca em que medida a atuação do cacique Kaingang Orides Belino Correia da Silva na posição de vice-prefeito e prefeito de Ipuaçu-SC implementou melhorias para a comunidade nativa da região.

Horizontes do ensino de história na América Latina escrito por Felipe Ziotti Narita realiza conexões teóricas com recortes temáticos levando em consideração outras demandas pelo conhecimento histórico. Artigo denso ao abordar três aspectos do ensino de história em escala decolonial da América latina, quais sejam, primeiro sobre a “produção das identidades latino-americanas”; o segundo “as relações entre ensino de história e as funções do conhecimento histórico”; por fim, a dimensão de digitalização do ensino de história com seus públicos. Problemáticas de como realizar o ensino não eurocêntrico em países latinos ao trazer o fontes e reflexões pertinentes do Chile, Argentina, Brasil, Venezuela, México e Colômbia. Vale a leitura.

O relato O Programa de Pós-Graduação em História da UFFS: algumas Memórias, de Antonio Marcos Myskiw, conta a trajetória do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em História da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Campus Chapecó/SC, que completou 5 anos de efetivo funcionamento neste mês. O texto vem para celebrar a data de fundação do PPGH/UFFS, narrando as lutas e o ensejo para sua aprovação enquanto curso reconhecido pela CAPES. O relato compartilha algumas experiências vivenciadas no PPGH/UFFS, assim como, faz conexões com o cenário da Pós-graduação no Brasil.

A resenha de Wellen Pereira Augusto atuando no campo jurídico ofereceu o título sugestivo desta, qual seja: A história do Brasil é brasileira? Duelo entre presente e passado, no qual destaca as múltiplas dimensões da obra reflexiva da antropóloga Lilian Moritz Schwarcz. O tema sobre o autoritarismo brasileiro não é novo no cenário historiográfico, todavia é uma obra necessária para leitores preocupados com os rumos do Brasil e dos brasileiros, sobretudo em situação de vulnerabilidade.

A resenha A Canção Latino-Americana em Questão, de Igor Lemos Moreira, analisa a obra Do folclore à Militância: A canção latino-americana no século XX, da historiadora Tânia da Costa Garcia. O autor mostra o texto resenhado é uma referência fundamental a todos/as historiadores/as que decidam se envolver não somente no campo da música latino-americana, mas apresenta uma possibilidade metodológica ímpar aos estudos da História da Canção em perspectiva comparada.

Assim, mesmo com as incertezas de tempos pandêmicos, esperamos levar para os leitores textos provocativos e densos, ou pelo menos, que possamos através deles, dividir nossas angústias e desafios. Desejamos uma boa leitura!

Nota

1 MACHADO, André Roberto de A.; TOLEDO, Maria Rita de Almeida (Orgs.). Golpes na História e na Escola: Brasil e a América Latina nos séculos XX e XXI. São Paulo: Cortez Editora: ANPUH SP, 2017.


Organizadores

Cintia Régia Rodrigues

Nucia Alexandra Silva De Oliveira

Yomara Feitosa Caetano de Oliveira Fagionato


Referências desta apresentação

RODRIGUES, Cintia Régia; DE OLIVEIRA, Nucia Alexandra Silva; FAGIONATO, Yomara Feitosa Caetano de Oliveira; MORETTO, Samira Peruchi. Apresentação. Fronteiras – Revista catarinense de História, n. 37, p. 3-8, jul./dez. 2021. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

Povos originários e Covid-19: Experiências indígenas diante da Pandemia na América Latina | Albuquerque | 2021

Covid 19 blue Covid-19
Covid-19 | Foto: OPAS |

Apresentação

Las bacterias y los virus fueron los aliados más eficaces. Los europeos traían consigo, como plagas bíblicas, la viruela y el tétanos, varias enfermedades pulmonares, intestinales y venéreas, el tracoma, el tifus, la lepra, la fiebre amarilla, las caries que pudrían las bocas. La viruela fue la primera en aparecer. ¿No sería un castigo sobrenatural aquella epidemia desconocida y repugnante que encendía la fiebre y descomponía las carnes? «Ya se fueron a meter en Tlaxcala. Entonces se difundió la epidemia: tos, granos ardientes, que queman», dice un testimonio indígena, y otro: «A muchos dio muerte la pegajosa, apelmazada, dura enfermedad de granos». Los indios morían como moscas; sus organismos no oponían defensas ante las enfermedades nuevas. Y los que sobrevivían quedaban debilitados e inútiles. El antropólogo brasilero Darcy Ribeiro estima que más de la mitad de la población aborigen de América, Australia y las islas oceánicas murió contaminada luego del primer contacto con los hombres blancos. (GALEANO, 2008, p. 35) La rápida expansión del COVID-19 ha tenido un fuerte impacto sobre la vida diaria y la organización sanitaria, escolar, política y económica de las sociedades en su conjunto. Si bien la pandemia afectó de modo simultáneo a poblaciones y territorios a lo largo y ancho del planeta, a partir de la proliferación de un virus que no distingue clivajes de clase, etnia, género ni religión, a poco tiempo de transcurrida no fue difícil discernir sus impactos diferenciales en territorios y poblaciones concretas. Leia Mais

RESISTÊNCIA: A construção de saberes históricos em tempo de pandemia | Das Amazônias | 2021

Casarao da Rua 20 Goiania Covid-19

Iniciamos esta edição com sinceras condolências em respeito a todos os brasileiros e brasileiras que partiram devido à crise sanitária ocasionada pelo novo coronavírus, mas sobretudo pesarosos do contexto ideológico em que o Brasil está inserido. A Revista Discente das Amazônias se irmana no sentimento de tristeza de cada ente querido que sente a dor da saudade, palavra encontrada apenas no português do Brasil (e que faz muito sentido face a falta do avô, da mãe, do irmão, do pai, da tia, do primo, do próximo ou do distante), na ausência da vida. Externamos nossa solidariedade aos que permanecem e lastimamos por aquelas pessoas que se tornaram montante numérico superior a 470.000 mil mortos, vítimas de um genocídio resultante da ignorância, do negacionismo e da pseudociência.

Mas, nos apeguemos aos respingos de esperanças. Paulo Freire, fugindo da norma, já nos convidava a conjugar o substantivo “esperança” – esperançar é preciso. É nesses embalos de incerteza de um viver marcado por lutas, que devemos acreditar na ciência, na educação pública e gratuita e sua fundamental importância e contribuição para à sociedade. Assim, caros(as) leitores e leitoras, lhes convidamos a lerem os trabalhos submetidos à Das Amazônias, Revista Discente de História da Ufac (em seu volume 4, número 1), que compõe o conjunto de periódicos da área de História do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), da Universidade Federal do Acre (Ufac). Leia Mais

Tempos de Pandemia | Estudos Históricos | 2021 (D)

Bilros 3 Covid-19
Pexels | Imagem: Juliana Vitoria – Reprodução |

Este número da Revista Estudos Históricos é marcado especialmente pela contemporaneidade e interdisciplinaridade de seus artigos. A ideia do dossiê Tempos de pandemia surge pela urgência de debates e análises científicas promovidos em diferentes áreas com o advento da pandemia de COVID-19, decretada mundialmente no dia 11 de março de 2020. Como resultado, temos uma edição robusta, composta de trabalhos com pontos de vista metodológico e temático diversos.

Como linha comum dos artigos, observamos o debate sobre o tempo em diferentes perspectivas. A própria edição deste número pressupõe uma reflexão sobre tempo, na medida em que reunimos nesse conjunto incursões acadêmicas desenvolvidas no auge da pandemia, no seio de seus acontecimentos. Encontramo-nos, ainda, sem respostas concretas e objetivas sobre o curso desse longo processo. Reflexões sobre o tempo histórico e sobre a produção de pesquisas científicas pela ótica dinâmica do momento histórico são fruto de debates e discussões de longa data.

O tempo social, como proposto por Fernand Braudel (1949), pode ser dividido metodologicamente em três momentos: média, curta e longa duração. O exercício de pesquisa deve, sempre, levar em consideração a construção e o recorte temáticos nessas três perspectivas, que caracterizam o tempo múltiplo, compondo as principais características do tempo social.

Em suma, temos a longa duração como o âmbito das estruturas, a média duração como o tempo das conjunturas e a curta duração como a medida da atualidade, da vida do dia a dia. Os artigos que compõem este dossiê sobre a pandemia, acontecimento histórico contemporâneo, assim como as pesquisas e as autorias, pode dar uma primeira impressão equivocada. O distanciamento analítico na área das ciências humanas, há tempos colocado como essencial para o desenvolvimento de pesquisas científicas, caiu por tese há algumas décadas, especialmente com a eclosão do campo da história do tempo presente.

Nesse bojo, temos a proposição do tempo histórico de Reinhart Koselleck (2014), o tempo estratificado, formado por diferentes camadas de tempo, independentes e interdependentes entre si, proporcionando a base reflexiva de continuidades e rupturas de processos históricos. A proposta de Koselleck subsidia as análises do tempo presente com base no entendimento desses processos como constructos sociais inter-relacionados, proporcionando a base analítica da compreensão de eventos contemporâneos por seus cientistas sociais.

O coletivo de reflexões analisa em sua complexidade questões estruturais como as desigualdades sociais da sociedade contemporânea, refletindo diretamente no acesso à educação e à saúde no Brasil e no mundo. Nesse conjunto, encontramos reflexões de longa duração com perspectivas históricas, demonstrando os impactos políticos e sociais da gripe espanhola de 1918 na sociedade, o processo de exclusão digital de setores sociais e seus impactos na educação à distância e a questão da aprendizagem, bem como os muros epidemiológicos construídos ao longo de décadas.

Encontramos também análises estruturais sobre as democracias latino-americanas e sobre os Estados Unidos, o impacto econômico em populações historicamente em situação de vulnerabilidade, apontando as continuidades de um processo histórico estrondosamente desigual. Ainda pensando na perspectiva da longa duração, vemos a construção da memória social ao longo dos anos e os desafios enfrentados pela gestão e recuperação de documentos produzidos em meio digital. Análises sobre a estrutura midiática brasileira e as fronteiras entre o público e o privado, a construção social de contextos afrorreligiosos e suas nuances políticas, a utilização midiática para defesa de pautas específicas e práticas culturais de uma sociedade em isolamento compõem o tempo histórico de longa duração presente neste dossiê.

No contexto de média duração, no tempo das conjunturas, podemos inferir importantes recortes com elementos de continuidades e rupturas subsidiando o estudo do tempo presente. Envolvendo elementos como os citados no contexto de longa duração, observamos o recorte analítico de média duração no que diz respeito à compreensão conjuntural dos temas em questão. Como linha comum aos artigos, observamos a reconstrução de contextos históricos anteriores à pandemia de COVID-19, buscando alinhar as expectativas de análise políticas, econômicas e culturais na camada mais ampla do tempo histórico a fim de reconhecer os aspectos atingidos pelo momento atual. A preocupação com o contexto histórico conjuntural é inerente e presente em todas as análises, independentemente do tema trabalhado. Ainda que pareçam temáticas bastante diferentes, os textos aqui reunidos nos permitem traçar um quadro conjuntural de extrema qualidade para compreender o advento histórico da pandemia, nosso elemento de curta duração.

Nesse ponto, vemos detalhadamente o recorte mais específico dos artigos. Em grande parte, o ano de 2020 atua como medida da atualidade. Seja no debate acerca de questões educacionais como nos artigos “Direito ou privilégio? Desigualdades digitais, pandemia e os desafios de uma escola pública”, de Renata Mourão Macedo, e “Aprendizagem histórica em tempos de pandemia”, de Cristiano Nicolini e Kenia Erica Gusmao Medeiros, cujos recortes dão conta da urgente mudança para o ensino a distância e suas consequências, seja no debate sobre questões culturais e de memória nos textos de Alejandra Josiowicz, “Humanidades digitais e literatura nas redes sociais: ‘um placebo sanador em tempos de COVID-19’”, o artigo de Isabella Vivente Perrotta e Lucia Santa Cruz, “Objetos da quarentena: urgência de memória”, e o texto de Vítor Queiroz, “Quando o ser-humano cria, Iku vem à Terra: as mediações de Exu, a onipresença da morte e a COVID-19 em dois contextos afrorreligiosos”.

Tratando especificamente de questões políticas e econômicas que envolvem a gestão da pandemia em países da América Latina, temos o artigo de Rafael Araujo e Érica Sarmiento, “A América Latina, a COVID-19 e as migrações forçadas: perspectivas em movimentos, muros epidemiológicos e sombrias imagens”, apontando as medidas atuais do tempo histórico e os reflexos na migração forçada de populações vulneráveis, e a contribuição especial de André Pagliarini, “Possible Futures: COVID-19 as Historical Turning Point”, recortando a análise específica sobre a importância desse debate para a historiografia presente.

Analisando especialmente o aspecto midiático da pandemia, temos os artigos de Flavia Pinto Leiroz e Igor Sacramento, “Cronotopias da intimidade catastrófica: testemunhos sobre a COVID- 19 no Jornal Nacional”, mostrando o recorte do maior jornal diário do Brasil e seus impactos sobre a relação entre público e privado em nossa sociedade, e o texto de Luciana Almeida, “Pandemia, ‘agro’ e ‘sofrência’: jornalismo, propaganda e entretenimento no debate público sobre o modelo agrícola”, mostrando a relação instantânea da pandemia na indústria cultural nacional.

Em entrevista concedida por James Green, realizada por mim e por Ronald Canabarro, em que aplicamos a temporalidade múltipla no decorrer das perguntas, buscou-se criar uma narrativa que abarcasse suas opiniões estruturais das sociedades brasileiras e norte-americanas, chegando às análises conjunturais mais recentes de ambos países de maneira que confluísse no momento atual da pandemia, suas consequências políticas, econômicas e culturais da COVID-19 no mundo pela ótica do historiador e militante norte-americano.

Quando falamos em tempos de pandemia, estamos definindo tempo como social, como o tempo composto de diacronias e sincronias, continuidades e rupturas. A urgência evidenciada pelas necessidades informacionais e analíticas, que perpassam diferentes temas, nesse último ano pandêmico pelo qual nossa sociedade passou em todo o globo estão reunidas nesse dossiê interdisciplinar e diverso que montamos. Nosso desejo é o de que possamos reler suas páginas como documentos históricos em alguns anos, proporcionando compreensões fundamentadas e científicas da história presente.

Por fim, e em nome da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV CPDOC), prestamos nossa solidariedade coletiva às famílias de 3 milhões de pessoas1 em todo mundo vítimas da COVID-19.

Nota

1. Dados coletados em: https://www.worldometers.info/coronavirus/. Acesso em: 12 abr. 2021.

Referências BRAUDEL, F. La Méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de Philippe II. Paris: Armand Colin, 1949.

KOSELLECK, R. Estratos de Tempo: estudos sobre a História. Rio de Janeiro: Contraponto/Ed. PUC-RJ, 2014.

Martina Spohr – Doutora em História Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro ([email protected]). Escola de Ciências Sociais, Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Fundação Getulio Vargas – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.


SPOHR, Martina. Editorial: Tempos de Pandemia. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 34, n.73, p.1-3, p.235-238, maio/ago. 2021. Acessar publicação original [IF].  Acessar dossiê

História e ciência em tempos de pandemia: reflexões e perspectivas | Temporalidades | 2020

Ciência, História e Sociedades: múltiplas possibilidades

A reflexão sobre História e Ciência em tempos de pandemia, tecida pelas múltiplas perspectivas e análises que compõem o presente dossiê temático da Revista Temporalidades, traz o convite para lançarmos novos olhares sobre a sociedade em que vivemos, seus códigos culturais e o papel da ciência e dos estudos das humanidades na compreensão de momentos de crises mundiais. A própria temporalidade da publicação acompanha um contexto de transformações nas estruturas econômicas, sanitárias e políticas, marcado pelo rápido alastramento de uma pandemia que trouxe como um dos grandes desafios o de se pensar o papel da ciência e do negacionismo como chaves de respostas às demandas sociais. A pandemia do COVID-19 apresenta suas peculiaridades pela complexidade do cená Leia Mais

Narrativas, pandemia e adoecimento social | Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica | 2020

O ano de 2020 nos trouxe o cenário pandêmico com todos os seus desdobramentos sociais, políticos, econômicas, sanitários, educacionais, comunicacionais, culturais, e tantos outras implicações cotidianas nunca experimentadas pelos sujeitos deste século, um trauma em proporção planetária. Ao passo que o isolamento se mostra como a estratégia mais eficaz de proteção das populações, ele vem produzindo angústia, medo, tensões diante dos agravantes psicossociais, dos novos cuidados e hábitos de saúde e da confrontação com a vulnerabilidade física, emocional e social que se impõe a todos, de forma global. A confrontação com a morte e com a finitude da vida ou com a condição de vida precária traz à tona um tema tabu que ganha contornos ainda mais duros diante da impossibilidade de manter ritos de passagem que secularmente estruturam as relações pessoais e dão forma às histórias de vida. Até a presente data no Brasil, os números de mortes pela COVID-19 caminham para as 200 mil mortes, mas as notícias que chegam pela grande mídia sugerem subnotificações. São 200 mil famílias que perderam seus entes queridos. Perdas que exigem novas formas de elaborar o luto diante da suspensão dos habituais rituais de despedida. Leia Mais