Leitura e escrita em aulas de ciências: Luz, calor e fotossíntese nas mediações escolares – OLIVEIRA (EPEC)

ALMEIDA, Maria José P. M. de.; CASSIANI, Suzani; OLIVEIRA, Odisséa Boaventura de. Leitura e escrita em aulas de ciências: Luz, calor e fotossíntese nas mediações escolares. Florianópolis: Ed Letras contemporâneas, 2008. Resenha de: CARVALHO, Bárbara Elisa Santos. Leitura e escrita em aulas de Ciências um convite à reflexão sobre a importância da leitura e da escrita na prática docente. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v.14, n. 02, p. 193-195, maio/ago., 2012.

O livro Leitura e escrita em aulas de ciências: Luz, calor e fotossíntese nas mediações escolares faz parte de uma coleção que possui três outros volumes os quais tratam de temas como a Educação nas relações étnico-raciais, os processos escolares para crianças, jovens e adultos e as práticas pedagógicas escolares. O conteúdo da obra, organizado a partir de investigações realizadas por importantes grupos de pesquisa da UNICAMP, UFSC e da UFPR, instiga os leitores a reflexões sobre a leitura e a escrita na escola. O livro consiste basicamente em um olhar crítico de experiências escolares vivenciadas pelas próprias autoras como educadoras e pesquisadoras na referida área, e tem como principal objetivo compartilhar reflexões sobre o ensino escolar de ciências com professores e com formadores desses professores nas universidades.

Na apresentação feita pelo pesquisador Roberto Nardi, a emergência, nas últimas décadas, da pesquisa em Educação em ciências no Brasil é destacada. Ele aponta como fatores para tal crescimento o surgimento de centros de ciências e a expansão do ensino superior a partir da década de 60, seguidos pela implantação de políticas oficiais que induziram a formação dos primeiros grupos de pesquisa nessa área no Brasil. Nardi sinaliza o caráter multidisciplinar da pesquisa em ensino de ciências, destacando a compreensão da interface entre o discurso científico e o discurso escolar como fator fundamental na capacitação de professores.

Na primeira parte do livro, as autoras apresentam e refletem sobre pontos teóricos utilizados por elas como apoio na compreensão de questões escolares e do processo de ensino que ocorre na escola. Elas apontam possíveis interfaces entre o discurso científico e o discurso escolar no intuito de contribuir com o professor leitor que deseja ensinar aspectos do conhecimento científico na escola para seus alunos. Após reflexões ancoradas na literatura relacionada ao discurso científico, ao discurso escolar e à análise do discurso propriamente dita, e obviamente na relação entre esses, as autoras se voltam para um discurso específico que é denominado por elas de“discurso escolar relativo à ciência”.

A segunda parte do livro traz, inicialmente, uma reflexão teórica sobre a análise do discurso com o intuito de incentivar o leitor a pensar sobre o uso da leitura e da escrita nas ciências e na escola. Em seguida, são apresentados os dados de pesquisa usados nas análises, e como esses foram coletados. As atividades de investigação aconteceram ao longo de um ano letivo com uma turma de oitava série do Ensino Fundamental a qual foi submetida a uma série de solicitações, dentre elas a elaboração de pequenos textos relacionados a tópicos da matéria estudada em diferentes etapas do ano letivo.

Para análise dos textos produzidos pelos alunos, as pesquisadoras adotaram como base teórica a obra “Interpretação”, de Eni Orlandi, que trabalha a ideia de autoria relacionada à repetição, podendo esta ser repetição empírica, histórica ou formal, e também ao duplo conceito de continuidade e ruptura proposto por Gaston Bachelard. Os resultados apontaram que em um nível ideal, todos os estudantes realizam a repetição histórica, mas em condições reais, o mais provável é que alguns alunos fiquem somente na repetição empírica, outros na repetição formal e muitos apresentem os três tipos, variando de acordo com o conteúdo e solicitação do educador.

Mesmo assim, as autoras apontam o ato de escrever em aulas de ciências como um exemplo a ser seguido e julgam ter apresentado um quadro favorável à utilização da escrita, uma vez que sinalizaram a possibilidade de a condução do aluno ter manifestações próprias a partir do conteúdo mediado em aula.

A partir disso, as autoras refletem sobre a construção de significados durante a leitura de um texto, que para elas é entendido como a construção de sentidos, sendo essa atividade indispensável nas atividades escolares. Concluindo a parte central do livro, é apresentada uma série de atividades específicas ocorridas em diferentes salas de aula, vivenciadas por elas próprias na docência e que serviram de subsídio para a análise feita anteriormente. A presença desses relatos tem objetivo de possibilitar que o leitor faça sua própria interpretação, tirando suas conclusões; e sendo esse leitor um professor, o objetivo seria auxiliá-lo a trilhar o próprio caminho tanto na interpretação quanto, posteriormente, na sala de aula.

Por último, é apresentado um texto de uma das autoras intitulado “Fotossíntese: a história da construção de um conhecimento”, feito a partir de textos didáticos, de divulgação científica e de originais científicos. O referido texto trata de aspectos biológicos, bioquímicos e ecológicos relacionados à fotossíntese, assim como aspectos da evolução no conhecimento científico sobre ela, além de curiosidades sobre o tema em foco.

A obra mostra a importância e a necessidade da realização de atividades de leitura e escrita em diversas disciplinas escolares, desmistificando a ideia generalizada que tal função compete apenas aos professores de português e demais línguas. As autoras propõem que a leitura, a escrita e a experimentação, trabalhadas sob mediação, podem levar o estudante a se interessar pelo conhecimento científico e, quem sabe, a partir desse ponto buscar por si próprio a complementação dessas informações fora do ambiente escolar.

Um importante questionamento sobre o livro refere-se à possível dificuldade que tais conhecimentos e apontamentos delineados possam ter para serem compreendidos pelo professor que é, nesse caso, o sujeito-ação na escola. Tal barreira pode existir devido à dificuldade de acesso não somente a essa obra, mas a diversas outras, podendo ocorrer por uma série de motivos, dentre eles a desmotivação profissional, a dificuldade encontrada na realização de atividades que se afastem da normalidade em função da indisciplina e da falta de interesse dos alunos, ou até mesmo da falta de tempo para investir na própria atualização. Obras com dados tão densos como essa deveriam ter mais caminhos possíveis e mais diretos até a sala de aula de modo a enriquecer as atividades pedagógicas e contribuir para o processo educativo escolar, seja em ciências, em português ou em qualquer disciplina.

Bárbara Elisa Santos Carvalho – Licenciada em Ciências Biológicas pela UFMG. E-mail: barbaraecarvalho@ hotmail.com

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História da América: ensino, poder e identidade / Maria de Fátima Sabino

No momento em que a ANPUH (Associação Nacional de História) elege como tema para a edição nº 48/2004 a “Produção e divulgação dos saberes históricos e pedagógicos” e a ANPHLAC (Associação Nacional de Pesquisadores de História Latino-Americana e Caribenha) dedica a edição nº 4/ 2005 de sua revista à questão do ensino de História da América, o livro organizado por Maria de Fátima Sabino Dias oferece uma relevante discussão sobre o ensino de História e, particularmente, o ensino de História da América Latina.

O livro é o resultado de pesquisas realizadas a partir do intercâmbio de professores e alunos da Universidade Federal de Santa Catarina/Colégio de Aplicação e da Universidad Nacional de Córdoba/ Escola Superior de Comércio Manuel Belgrano, no âmbito de um acordo de cooperação Brasil-Argentina.

Com apresentação de Maria Lígia Coelho Prado, os sete artigos apresentados discutem, a partir da ótica de professores brasileiros e argentinos, temáticas que tomam como pano de fundo a maneira como nos olhamos e, ao mesmo tempo, representamos o outro.

Preocupados com as discussões acerca das “semelhanças e diferenças” entre o ensino de História da América Latina no Brasil e na Argentina, os autores entrecruzam temáticas como material didático e organização curricular nos dois países; intercâmbio discente; Mercosul; formas da história nacional ser contada e o processo de militarização presente na história recente dos dois países.

As semelhanças observadas pelos autores, entretanto, não nos une, pelo contrário, contribuem de maneira decisiva para o nosso distanciamento. Uma delas é a nossa dificuldade em nos reconhecermos como latino-americanos.

No artigo “Trilhando caminhos diferentes…”, Maria Sílvia Cristofoli toma como base a historiografia argentina que discute o sentimento “pouco americanista” do argentino, uma identidade nacional construída a partir de Buenos Aires e que remonta a imagens forjadas anteriormente à criação do Estado Nacional. Juan Batista Alberdi, membro da geração de 1837, definia os argentinos como “europeus nascidos na América”. Num segundo momento, ao entrevistar professores argentinos, a autora descobre que, para pelo menos um deles, o latinoamericano é o índio. Para o mesmo professor, a maioria da população (com a qual ele se identifica) de Córdoba é composta por italianos vindos do Piemonte.

Essa Argentina branca, européia e civilizada, nos moldes imaginados pelo presidente Domingos Sarmiento no século XIX, tem implicações diretas sobre a forma como o argentino se vê e, a partir daí, se diferencia. No artigo intitulado “ Inclusiones y exclusiones em modos de contar la historia da Argentina”, Sílvia Finocchio salienta as narrativas didático-nacionais que negam a história de índios, afrodescendentes, mulheres e outros grupos marginalizados. Ao discutir a permanência da auto-imagem do “mais europeu entre os americanos”, também observa as mudanças advindas do final do regime militar, dentre elas, a descentralização dos currículos escolares que, segundo a autora, permitiu uma ampliação, ainda que tímida, das temáticas e abordagens, rumo à diversidade.

No caso do Brasil, o artigo “Nacionalismo e estereótipos”, de Maria de Fátima Sabino Dias, nos dá conta das semelhanças que nos distanciam. Analisando a História da América nos livros didáticos brasileiros dos anos 50, momento de inserção da História da América na estrutura curricular, a autora identificou, nas histórias contadas, as Guerras do Prata como o momento de nossa maior proximidade. Proximidade tensa, fruto dos “desvarios imperialistas de Solano Lopez” e de interesses comuns momentâneos. Sobra um passado précolonial comum, proveniente de uma visão eurocêntrica que elegeu Maias, Incas e Astecas como os povos mais importantes deste passado, e alguns heróis como Simon Bolívar e Francisco Miranda, representantes de um tempo de glória, porém morto.

Paralelamente a este olhar em direção aos latino-americanos, segundo Maria de Fátima Sabino Dias, construiu-se a idéia de americano como sinônimo de estadunidense. No desejo de incorporar-se rapidamente à marcha do progresso, “(…) o Brasil não reconheceu as outras nações latino-americanas como referência para a construção de uma auto-imagem positiva” (p.59).

Este não reconhecimento pode ser analisado a partir da experiência no ensino de História da América Latina, o que faz Ivonete da Silva Souza, no artigo “Estudos latino americanos”. O encontro professor-aluno ocorre em meio a experiências e idéias cristalizadas no senso comum (e na própria escola). A autora, também professora, ao narrar sua experiência na docência de História da América, no Ensino Básico, nos relata a dificuldade dos alunos em criar um “raciocínio específico” para a disciplina. Ainda segundo a professora, os alunos carregam o pré-concebimento de uma história que se equilibra entre o reflexo da Europa, e/ou, “a mesma coisa que história do Brasil, só que em outro lugar”.

Outra possibilidade viabilizada pelo livro a respeito da maneira como nos vemos, é a forma como nos estranhamos. No artigo “Interculturalismo e educação”, Maria José Reis recolheu depoimentos de alunos intercambistas brasileiros e argentinos. Chama a atenção, mais do que os relatos da experiência e as eventuais queixas, as surpresas positivas, já que elas se fundamentam numa expectativa que diverge do ocorrido.

Para alguns alunos argentinos, a surpresa foi perceber “que aqui é tudo normal”: “(…) Eu gostei do intercâmbio porque eu pensava que no Brasil não tinha nada sério” (p.83).

Esta imagem carnavalizada sobre o Brasil, “terra de samba, praia e futebol”, lugar de democracia racial, onde as pessoas trabalham pouco e são felizes, se contrapõe à surpresa dos alunos brasileiros ao constatarem “que os argentinos são amigáveis” (p.81-82).

Estas expectativas mutuamente estereotipadas guardam uma relação direta com tensões militares do passado (o Brasil como grande ameaça imperialista) e rivalidades esportivas do presente, mas também com a busca histórica por um referencial externo a nós, capaz de nos afastar da pecha de “latino-americanos”.

Quanto à história recente dos dois países, o período de militarização/desmilitarização é compreendido como ponto de aproximação para compreendermos as relações mantidas com o capital internacional, as reações aos regimes e a ação das políticas de repressão sobre o ensino de história.

Embora não seja possível mensurar a barbárie apenas pelo número de mortes que ela deixa, é possível afirmar que a ditadura na Argentina deixou marcas mais profundas na sociedade. O número de mortos e desaparecidos, a força das Mães da Plaza de Mayo, a Guerra das Malvinas e as sucessivas crises econômicas, sem precedentes na história nacional, compõem um ambiente de mobilização nacional recorrente. Este “patriotismo” foi observado por alunos brasileiros e discutido no artigo já citado sobre “Interculturalismo e educação”: “(…) Outro aspecto lindo é que é (o povo argentino) um povo que luta pelos seus direitos. Claro, aqui nós também fizemos passeatas e manifestações, mas lá é diferente. Sinceramente, não sei bem o que me faz ter essa impressão” (p. 82) No artigo “Ensenanza de História de América”, Nancy Aquino, Dante Bertone e Susana Ferreyra observam a recorrência daquilo que foi denominado como “nova história política” nos currículos das escolas argentinas após 1985. Esta nova postura permitiu uma aproximação em relação aos países vizinhos, que sofreram agruras similares, e uma espécie de identidade construída a partir do sofrimento. Ainda que esta visão de “veias abertas” possa ser criticada como passiva e redutora de uma realidade dinâmica, neste caso ela permite o reconhecimento como latino-americano a partir de uma postura identitária articulada à noção de independência política e econômica, com raízes compartilhadas por um passado diverso em sua dinâmica, mas com similitudes políticas, culturais e econômicas.

Ainda em relação aos militares, o artigo “América Latina – Ensino e Poder”, de Marise da Silveira Veríssimo, toma como base documentos expedidos por governos militares no Brasil e na Argentina com o intuito de intervir no ensino de História.

Documentos nacionais, como o que tornou o ensino de Educação Moral e Cívica obrigatório ou o Decreto Lei 660 de 30/06/1969 que aprovou a Convenção sobre o ensino de História, são articulados à documentos interamericanos, como o Estatuto do Instituto para o Ensino de História das Repúblicas Americanas, com o propósito de discutir uma preocupação transnacional em relação à forma como a história deveria ser ensinada. O Instituto tinha como função primeira, segundo o artigo 1º, “Efetuar a revisão dos textos adotados para o ensino em seus respectivos, a fim de depurá-los de tudo quanto possa excitar, no ânimo desprevenido da juventude, a aversão a qualquer povo americano” (p.104). A autora enfatiza ainda a dimensão interamericana do documento que “(…) propõe ensinar aos alunos americanos que, apesar de suas identidades nacionais, eles fazem parte de um grande continente no qual está arraigada a paz, o reconhecimento e o respeito à alteridade..” (p.112) Estas preocupações das ditaduras argentina e brasileira com relação ao ensino de História dão a dimensão de sua potencialidade, em regimes de exceção ou não. Entretanto, a partir destas considerações, Marise da Silveira Veríssimo força um paralelo entre “interamericanismo militar para a educação” e as formas de integração educacional, no contexto do Mercosul.

A partir do documento “O Ensino de História e Geografia no Contexto do Mercosul” (1997), a autora discute as formas diversas em que, em tempos também diversos, essa integração pode ocorrer. Contudo, seria melhor evitarmos comparações que coloquem num mesmo espectro o militarismo brasileiro e argentino e períodos posteriores, ainda que estes sejam passíveis de duras críticas.

Por fim, é importante frisar que as discussões que perpassam o livro articulam-se à construção do Mercosul, já que uma área de livre comércio pode/deve ser uma área de livre circulação de pessoas, espaço de aproximação, reconhecimento e formulação de uma identidade regional a partir do que nos une.

Marcelo Cheche Galves – Mestre em História Social pela Universidade Estadual Paulista. Professor Assistente do Departamento de História e Geografia da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) [email protected].


DIAS, Maria de Fátima Sabino (org). História da América: ensino, poder e identidade. Florianópolis: Editora Letras Contemporâneas, 2004. 126p. Resenha de: Outros Tempos, São Luís, v.3, p.229-233, 2006. Acessar publicação original. [IF].