Os Heróis da Pátria: Política Cultural e História do Brasil no Governo Vargas – FRAGA (VH)

FRAGA, André Barbosa. Os Heróis da Pátria: Política Cultural e História do Brasil no Governo Vargas. Curitiba: Editora Prismas, 2015. 269 p. PAIXÃO, Carlos Nássaro. Varia História. Belo Horizonte, v. 32, no. 59, Mai./ Ago. 2016.

Os principais objetivos do livro acima referenciado são identificar, descrever e analisar o processo de constituição de uma política coordenada de Estado, no sentido da construção de um panteão de heróis nacionais durante o primeiro governo Vargas (1930-1945). Esta tinha por objetivo constituir uma gama de exemplos e valores que deveriam formar o cidadão novo, em conformidade com os ideais do regime, a saber, o patriotismo, o nacionalismo, a obediência à ordem e o sacrifício pelo Brasil, bem como: buscar no passado as respostas e as formas de agir em uma dada conjuntura no presente. Isto seria realizado pelos usos políticos do passado e pela construção de uma memória histórica.

O princípio da argumentação busca definir a política estabelecida desde o início do regime Vargas, com a valorização dos diversos símbolos nacionais, tais como o Hino Nacional e a Bandeira, dentro de um processo mais amplo de legitimação e manutenção do governo. Entre os símbolos eleitos pelo regime, o autor analisa especialmente o herói nacional.

Na política de valorização dos heróis, houve um processo de formação de um panteão, a partir de uma série de ações que tinham o intuito de potencializar a formação e o culto de vultos do passado. Estas foram marcadas pelo batismo de logradouros, inauguração de bustos e monumentos em sua homenagem. Foram criados instituições e espaços voltados amplamente para o culto ao passado, como o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), em 1937, o Museu da Inconfidência (1942), na cidade de Ouro Preto e do Museu Imperial (1940), em Petrópolis.

Além disso, os restos mortais dos inconfidentes foram procurados e trasladados para o Brasil, expostos em várias cidades e, finalmente, instalados no panteão dos inconfidentes, quando da inauguração do Museu da Inconfidência. Todo este processo culminou na construção do próprio Vargas como um herói: aquele que conduziria o Brasil à máxima realização do seu destino.

O processo de construção dos heróis que melhor respondiam aos interesses do regime foi marcado por seleção e hierarquização, além de uma política consertada entre os membros do governo para a valorização de determinados vultos. O autor percebe que esta escolha foi amplamente marcada pelo contexto e, principalmente, pelos valores que se queriam difundir. Durante o período, três figuras foram evidenciadas: Duque de Caxias, Barão do Rio Branco e Tiradentes. Em uma conjuntura marcada por forte discurso anticomunista – potencializado e amplificado desde o movimento comunista de 1935 – e depois, a eclosão da Segunda Guerra Mundial fez com que o governo mobilizasse os discursos em defesa da nação e do patriotismo, e valorizasse os personagens em que se pudesse atribuir os valores militares e diplomáticos de defesa da pátria.

Cada um desses vultos contou com a ação de patrocinadores de seus cultos no âmbito da alta administração governamental, que, por meio de recursos financeiros e simbólicos, mobilizou suas estruturas ministeriais na valorização de suas memórias. Caxias, Rio Branco e Tiradentes, foram “adotados” respectivamente, em uma ação conjunta, por Eurico Gaspar Dutra (Guerra), Oswaldo Aranha (Relações Exteriores) e Gustavo Capanema (Educação e Saúde), três dos ministros mais importantes na conjuntura em questão.

Fechando o ciclo de conformação de uma galeria de heróis nacionais, Fraga analisou duas coleções responsáveis pela biografia de diversos personagens do passado, provenientes de várias áreas, como políticos, militares, literatos, artistas, médicos, engenheiros, entre outros. São elas: “Os nossos grandes mortos”, resultado de uma série de conferências organizadas pelo Ministério da Educação e Saúde e “Vultos. Datas. Realizações”, organizada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). A primeira foi criada no contexto da chamada Intentona Comunista e no processo de endurecimento do regime. A segunda surgiu no momento da entrada do Brasil na guerra ao lado dos aliados e contra o nazi-fascismo. Diante disso, afirma o autor, “os vultos nacionais foram requisitados todo o tempo (…), em contextos políticos os mais diversos, servindo nos planos do governo como uma carta coringa, adaptável a qualquer situação” (p.255).

Para responder aos objetivos propostos, o autor se vale de uma gama variada de documentos, tais como: cartas, livros, decretos, jornais e revistas, discursos, fotografias, monumentos, relatórios, atividades escolares, cartilhas, cédulas, moedas, conferências, peças de teatro e roteiro de filmes, depoimentos, projetos de lei. Toda a pesquisa demonstra a preocupação com o rigor e a solidez do trabalho documental, a partir do qual, ele desenvolve seus argumentos em cotejamento sistemático com as fontes.

O trabalho apresenta um diálogo constante com os debates em torno das discussões da memória, sobre os usos, abusos e manipulações que aqueles que ocupam posições de poder dentro do Estado, fazem do passado no intuito de estabelecer seu domínio no presente. Abre uma possibilidade de valorização das questões simbólicas como fundamentais para o exercício de poder. Dentre tantos trabalhos que abordam as relações do governo Vargas com a manipulação do passado, este livro traz, como inovação temática e interpretativa, a análise da ação consciente e sistematizada do Estado no sentido de utilizar personagens do passado, transformando-os em heróis, para responder demandas conjunturais, difundindo exemplos comportamentais úteis ao status quo.

O livro se insere nos debates historiográficos mais recentes sobre as diversas nuances do regime Vargas. Fraga destaca os diversos processos utilizados pelo Estado no sentido da construção de um aparato simbólico voltado para a construção de uma identidade nacional em consonância com suas diretrizes. A escrita é marcada pelo rigor teóricometodológico, a linguagem é densa e, ao mesmo tempo, envolvente, facultando ao leitor o entendimento daqueles processos.

A leitura é recomendada para estudantes e profissionais de história em todos os níveis que se interessem pelo período em questão, pois lança novas luzes sobre o exercício de poder e de dominação do regime, situado para além da repressão.

Carlos Nássaro Paixão – Programa de Pós-Graduação em Memória Linguagem e Sociedade, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Estrada do Bem Querer Km 04, CP 95, Vitória da Conquista, BA, 45.083-900, Brasil. [email protected].

Schweizer Heldengeschichten – und was dahinter steckt – MAISSEN (DH)

MAISSEN, Thomas. Schweizer Heldengeschichten – und was dahinter steckt. Baden: Hier und Jetzt, 2015, 234 S. Resenha de: ZIEGLER, Béatrice. Didactica Historica – Revue Suisse pour l’Enseignement de l’Histoire, Neuchâtel, v.2, p.183-184, 2016.

Thomas Maissen ist in der Deutschschweiz im « Jubiläumssuperjahr » 2015 hervorgetreten durch seine Bereitschaft, wissenschaftlich basierte Geschichte gegen die geschichtspolitisch moti­vierten historischen Erzählungen von Christoph Blocher, der Leitfigur der schweizerischen SVP, zu stellen und die Diskussion um die Frage von Mythos und Geschichtswissenschaft zu führen. Dank seiner « Geschichte der Schweiz » (2010)

bestens bekannt und mit dem Renommee einer Professur an der Universität Heidelberg und der aktuellen Leitung des Deutschen Historischen Instituts Paris ausgestattet, bewegt er sich damit zwischen dem Geltungsanspruch von Experten und demokratischer Aushandlung von Geschichte. Dieser Problematik widmet er sich denn auch in der Einleitung seiner « Schweizer Heldengeschich­ten » und unterstreicht darin die Berechtigung von demokratischer Diskussion und Entscheidung über das kollektive Hoch- und In-Wert-Halten von Mythen. Wie bei jedem demokratischen Ent­scheid benötigt es, so Maissen, keiner Expertise, um eine Meinung zu haben und diese legitimer­weise in die öffentliche Diskussion einzuwerfen. Die Geschichtswissenschaft sei in derselben nur eine Stimme unter vielen. Allerdings billigt er ihr dann doch die Position der Expertenschaft zu, in der methodisch gesichert, analytisch fundiert und theoretisch basiert Geschichte erzählt werde und damit auch die Differenz zwischen Mythen und Geschichte mahnend benannt werden könne. Dort lägen auch ihre Rolle und ihre Verantwor­tung. Was Maissen damit deutlich macht, ist der Sachverhalt, dass Mythen eine andere Funktion erfüllen als Geschichte, aus deren Fundus sie sich, über jede Anbindung an Wissenschaftlichkeit hin­wegsetzend, immerhin (auch) bedienen.1 Und es ist wohl einfach der gesellschaftlichen Realität geschuldet, wenn er festhält, dass der Historiker nicht bestimmen könne, wie ein Mythos laute und welche Wirkung er entfalte. Die Chance, die Geschichtsbilder der schweizerischen Bevölkerung und Öffentlichkeit aufklärerisch zu beeinflussen, lägen demgegenüber darin, die Lücken aufzu­füllen zwischen den beiden geschichtskulturel­len Fixpunkten der schweizerischen Geschichte, der sogenannten Gründungszeit der Eidgenos­senschaft und der Zeit des Zweiten Weltkriegs, deren mythische Bedeutung er in der heldischen Bewährung gegen Bedrohungen und äussere Feinde sieht.

Diese Aufgabenzuweisung bestimmt denn auch das Buch: In 15 Kapiteln zitiert Maissen mythi­sche bzw. politische Aussagen zu schweizerischer Geschichte, diskutiert sie und entwickelt danach die entsprechende Geschichte so, wie sie ange­sichts des aktuellen Forschungsstandes und der vorhandenen und bekannten Quellen erzählt wer­den kann. Vom Rütlischwur bis zum Sonderfall erörtert er geduldig die jeweiligen Erkenntnisse der Wissenschaft und leistet damit aufklärerische Arbeit. Dass ihm dies auf überzeugende und gut lesbare Art gelingt, erstaunt niemanden, der seine früheren Publikationen gelesen hat.

Man möchte dann aber doch mit dem Geschichts­wissenschaftler Thomas Maissen streiten: weniger über seine wissenschaftlich fundierten Erzählun­gen und Aussagen als vielmehr über einiges, was er über die fachliche Expertenschaft und ihre Arbeit sagt. Vorerst schiebt er zwischen die Einleitung und die 15 Kapitel eine spannende Einführung in die Geschichte der Geschichtsschreibung zur Schweiz. Auch hier folgt man ihm interessiert und durchaus zustimmend. Weniger begeistert nimmt man aber den defätistischen Ton zur Kenntnis, in welchem er eine der grundsätzlichen Besonderhei­ten von Geschichte als Wissenschaft erwähnt – die fortwährende Erneuerung, Revidierung und Erwei­terung der geschichtswissenschaftlichen Erkenntnis –, die er dann aber neben die Aussage stellt, es sei in der politischen Auseinandersetzung legitim, auf veraltete Forschungsstände zurückzugreifen. Nun ist Erkenntnisfortschritt und damit die Revidie­rung von Wissen ein überaus wichtiges Kennzei­chen wissenschaftlicher Arbeit, und zwar auch im Falle der Geschichtswissenschaft. Zudem ist der politische antiaufklärerische Rückgriff auf revidier­tes und damit überholtes Wissen eine unredliche, das « Volk » täuschende Vorgehensweise im Inter­esse um « Macht und Wähleranteile », wie Maissen dies durchaus benennt, die schwerlich als legitim bezeichnet werden kann, wie er dies aber tut.

Auch die selbstbezichtigende Wendung befremdet, mit der Maissen die von ihm genannte Funktion von Geschichtswissenschaft in der Geschichtskul­tur beschreibt: So ist es zweifellos richtig, wenn er die Tätigkeit, in welcher die Geschichtswissen­schaft die « volkstümliche Deutung der Geschichte mit dem aktuellen Wissensstand unter Fachleu­ten vergleicht », als dekonstruierend bezeichnet.2 Warum er ihr aber das Attribut des Negativen hinzufügt (S. 11) und es bedauert, dass ein His­toriker nicht in gleicher Weise über gewonnene Erkenntnisse hinweggehen darf (S. 12), wie das Teile der Geschichtspolitiker tun, ist unverständ­lich. Und die Frage, wie eine mythische Erzäh­lung Räume für Entwicklung öffnen soll, wenn sie sich elementarer wissenschaftlich begründeter Kritik an einzelnen ihrer Elemente oder an der mangelnden Begründung ihrer Sinnstiftungen kategorisch verschliesst, müsste dann doch gestellt werden (S. 12).

[Notas]

1 Man tut gut daran, Roland Barthes’ Nachdenken über die Spezifität des Mythos nicht zu vergessen. Barthes Roland, Mythen des Alltags, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1964.184 | Didactica Historica 2 / 2016

2 Die Dekonstruktion als eine Textanalyse, die denselben auf Entstehungszusammenhänge, Interessen und Aussageabsichten, fachliche Richtigkeit und Plausibilität hin untersucht, ist in den letzten Jahren in der Geschichtsdidaktik als De-Konstruktion bedeutsam geworden, gerade weil der Umgang mit geschichtskul­turellen Geschichtsdeutungen neben der Fähigkeit zur Erstellung der eigenen Narration als zwingend erachtet wird, um selbst­bestimmt mit Geschichte in der Gesellschaft umzugehen. Vgl. Schreiber Waltraud, Körber Andreas, Borries Bodo von, Krammer Reinhold, Leutner-Ramme Sibylla, Mebus Sylvia, Schöner Alexander, Ziegler, Béatrice, Historisches Denken. Ein Kompetenz-Strukturmodell, Neuried: ars una, 2006.

Béatrice Ziegler – PH FHNW, Aarau und Universtät Zürich.

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Os vultos da nação. Fábrica de heróis e formação dos brasileiros – ENDERS (VH)

ENDERS, Armelle. Os vultos da nação. Fábrica de heróis e formação dos brasileiros. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2014. 392 p. CEZAR, Temístocles.  Os vultos da nação. Fábrica de heróis e formação dos brasileiros. Varia História. Belo Horizonte, v. 31, no. 55, Jan./Abr. 2015.

Imaginemos Plutarco no Brasil. Parece ser mais fácil imaginar um Plutarco Brasileiro. Foi o que fez João Manuel Pereira da Silva em 1847 ao publicar O Plutarco brasileiro, pela editora Laemmert. Armelle Enders imaginou as duas situações: em 2000, a historiadora francesa publica, na revista Estudos Históricos, o artigo ‘O Plutarco Brasileiro’. A produção dos Vultos Nacionais no Segundo Reinado (http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2114); em 2012, a versão de sua tese de habilitação, defendida na Sorbonne em 2004, intitulada Plutarque au Brésil: passé, héros et politique, 1822-1922 – pela editora Les Indes Savantes, de Paris – que aparece agora em português sob o título Os vultos da nação. Fábrica de heróis e formação dos brasileiros. Plutarco é uma espécie de fantasma que atravessa constantemente as paredes deste panteão de papel que os letrados brasileiros esforçaram-se por erigir. Nesse sentido, tanto para Pereira da Silva quanto para Enders, Plutarco é, simultaneamente, um instrumento heurístico e uma hipótese de trabalho.

Quem foram, quem são, nossos grandes homens, nossos homens ilustres, nossos heróis? Tiradentes, José Bonifácio ou Getúlio Vargas encarnam no plano nacional este papel de varão de Plutarco. A colocação da questão nestes termos não dissimula um problema de ordem historiográfica. Afinal, são personagens cuja importância simbólica depende da conjuntura política e do regime de historicidade no qual adquirem fisionomia. É nas disputas pela memória entre a independência de 1822 e sua comemoração um século depois que Enders analisa tais tensões. Nessa duração média seria instalada uma espécie de fábrica historiográfica e pedagógica, na qual heróis ganhariam vida – passada e/ou presente.

Em sete equilibrados capítulos, uma introdução densa e uma conclusão que abre novas possibilidades de pesquisa, Enders apresenta um século que não cabe em si. Ele é pleno de projetos, alguns abortados em sua gênese, outros abandonados pelo caminho, outros ainda que permanecem e se convertem em políticas e em instituições públicas, cujos efeitos lançam-se como luz ou sombra para a ulterior história do Brasil.

No primeiro capítulo, “Os Tácitos no senado”, nota-se também a presença dos antigos como instrumento de inteligibilidade tanto para a fonte que dele se serve quanto para a análise de Enders. Assim, Joaquim Manuel de Macedo explica que estes Tácitos não escreveram a história da independência posto que estavam ocupados fazendo a independência. Pedro I e José Bonifácio são figuras incontornáveis desta conjuntura.

De Pedro II à Republica ou “o império da história”, ou de “Como se deve escrever a história do Brasil”, ao “Plutarco Brasileiro” e à “Fábrica de benfeitores” no qual é ressaltado a atuação dos positivistas, respectivamente, segundo, terceiro, quarto e quinto capítulos, Enders examina com detalhes os fundamentos institucionais e os enunciadores desta prática discursiva responsável pela fabricação dos heróis nacionais.

“Porque me ufano do meu país”, título do polêmico livro de Afonso Celso de 1900, é apropriado por Enders no sexto capítulo com o objetivo de investigar a releitura do passado (por exemplo, a figura de Tiradentes, o centenário de 1808 ou a reavaliação dos bandeirantes) e do presente (por exemplo, Santos Dumond, o Barão do Rio Branco) empreendida pelos homens da Primeira República.

O sétimo capitulo é dedicado à resposta a seguinte questão: “1822-1922: um século para nada?”. 1922 teria sido um ano difícil para a sociedade brasileira. Para o povo como sempre, mas também para os intelectuais, artistas e políticos. Enders fala mesmo de um clima indutor de certa “introspecção nacional”. Uma efeméride “eloquente”, muitas obras, certa tristeza no ar e a abertura para um futuro que logo escapará de seus contemporâneos.

Notável exercício de história da historiografia, o erudito trabalho de Armelle Enders torna-se imediatamente uma referência incontornável para os estudiosos do período e do tema. Ressalta-se a competente tradução de Luiz Alberto Monjardim de Calazans Barradas e a edição cuidadosa da Editora FGV. A historiadora é uma arguta observadora da realidade nacional (eu pensei em escrever da “nossa” realidade, como se Enders fosse uma pesquisadora de “olhar distante”, mas seria injusto pois Armelle não é uma brasilianista, ela não escreve desde um ponto de vista francês ou europeu, mas desde uma compreensão inequívoca da história brasileira em a que a cultura historiográfica não se divide em nós e eles). Não é sem razão que na conclusão não lhe escapam as figurações modernas dos heróis nacionais, entre os quais Zumbi, elevado a tal condição por pressões dos movimentos sociais acatadas pelo então presidente da República, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, que inclusive decreta o 20 de novembro como “Dia da consciência negra”.

Porém, gostaria de concluir esta pequena resenha, retomando o “modelo” Plutarco. Um herói de verdade deveria subjugar as injunções entre o político e o histórico, deveria estar acima das querelas, deveria aliar mito e história. Ele não poderia mais ser um homem do século XIX, nem do período colonial, mas do final do século XX. Alguém que conseguisse despertar paixões coletivas. Logo, o “herói completo” não poderia mais ser um mártir social ou um homem político, mas uma celebridade, um star, que, se possível, ultrapassasse as fronteiras da nação. Ayrton Senna seria, para Enders, um bom exemplo deste tipo-ideal de herói requerido pelo mundo contemporâneo. Portador de traços aristocráticos, característica dos heróis anteriores ao Estado-Nação, mestre na arte de pilotar carros de corrida sofisticados, esporte ligado ao que há de mais moderno na atualidade, o habilidoso piloto, em cujo capacete exibia para quem quisesse ver as “cores do Brasil”, tinha por seu país um “patriotismo quase místico” (p. 12) que arrebatava multidões. Para completar morreu cedo, fazendo o que mais sabia e o que mais gostava. Como Aquiles.

A fábrica de homens ilustres, de grandes homens, de celebridades e de heróis do momento, ora comemorados, ora esquecidos, é, como demonstra Enders, uma instância intelectual da sociedade capaz de gerar e de apagar memória(s) e de constituir e de desestabilizar identidade(s).

Temístocles Cezar – Departamento de História Universidade Federal do Rio Grande do Sul Av. Bento Gonçalves, 9.500. Prédio 43.311, s. 116 Porto Alegre, RS, 91.509-900, Brasil [email protected].

El retrato en México: 1781-1867: héroes, ciudadanos y emperadores para una nueva nación | Inmaculada Rodríguez Moya

A obra de Inmaculada Rodríguez Moya, El retrato en México: 1781-1867: héroes, ciudadanos y emperadores para una nueva nación, foi publicada em 2006 pela Universidad de Sevilla2 . O retrato – entendido como um gênero artístico que busca imortalizar o indivíduo dentro da História – é o objeto de estudos da autora no contexto mexicano das reformas bourbônicas promovidas pela Espanha e, posteriormente, da construção do Estado Nacional. A diversidade racial do país, suas profundas desigualdades econômicas e sua mestiçagem cultural abordadas no livro resultam em uma análise complexa e profunda sobre a formação histórica da memória e identidade mexicana.

Os retratos constituem um suporte de comunicação que serve de testemunho aos historiadores na análise de determinada época e suas relações de poder.. Segundo Moya, esse gênero artístico contribuiu para a criação de um imaginário nacional, de um poder legítimo iconograficamente materializado e, inclusive, do autorreconhecimento de uma burguesia que floresceu nesse contexto. Leia Mais