Lugares da História do Trabalho | Revista Latino-Americana de História | 2012

Pesquisas nas áreas de história, sociologia, economia e direito do trabalho etc., têm cada vez mais se dedicado aos mundos do trabalho, seja na busca de seus direitos e lutas históricas de resistências, suas formas de organização, suas conquistas, suas identidades e fazeres cotidianos, suas culturas de classe. Parte desta trajetória vem sendo encontrada nos acervos públicos e privados de nosso país e de nosso estado, o Rio Grande do Sul, particularmente nos últimos anos nos da justiça do trabalho.

Os lugares da História Social do Trabalho foram o tema das VI Jornadas Regionais do Grupo de Trabalho Mundos do Trabalho da Seção Rio Grande do Sul da Associação Nacional de História (ANPUH-RS). O evento discutir isto e os olhares interdisciplinares sobre o mundo do trabalho. Leia Mais

Revoluções no Século XX / História Social / 2009

A permanente “Era das Revoluções”

(..) Deve-se aderir ou não? Esta questão não

se punha para mim, nem para os outros (…)

Era a MINHA revolução…(…)

(Vladímir Maiakóvski – Autobiografia)

O breve século XX, sintetizado por Eric Hobsbawm em A era dos extremos, na verdade não foi tão breve. Talvez fosse tão apropriado, a partir das divisões feitas pelo grande historiador britânico, nascido na Alexandria no mesmo ano da Revolução Soviética, compreender também o século XX como A era das revoluções. Mas este alargamento pode ser apropriado para tantos outros séculos passados. Para nós, que utopicamente lutamos contra todas as distopias, o século XXI é o nosso momento da Revolução.

Se o século XVIII foi marcado pela revolução burguesa clássica, no caso francês, bem como pela revolução anticolonial, o exemplo das treze colônias norte-americanas, esgotamento do feudalismo e ante-sala da consolidação capitalista, o século XX foi o da encruzilhada entre o capitalismo e o socialismo.

Certamente 1917 significou um alfa-ômega de esperança pelo fim da exploração humana. Era o divisor de águas ensaiado na Comuna de Paris e teorizado no Manifesto de Karl Marx e Friedrich Engels, a pedido da Liga dos Comunistas. Seguiu-se a ela, em 1949, a Revolução Chinesa, em 1959, a Revolução Cubana, em 1979, a Revolução Sandinista e tantas outras que não chegaram a se consolidar.

Já disse em outro artigo (Anticomunismo, Revolução Russa, Guevara e Guerra Fria) que um dos maiores discursos inventados do Século 20 é o de que a chamada “Guerra Fria” iniciou após o final da 2ª Guerra Mundial. Seu significado traduz o que muitos têm reproduzido até os dias atuais, ou seja, a de que uma espécie de guerra suja acontecia entre os Estados Unidos e a União Soviética em torno da partilha do mundo pós-1945. Raramente a “Guerra Fria” aparece como a síntese ideológica da luta de classes do capital contra o trabalho, expressão pós-consolidação da União Soviética.

Na verdade, o que a visão conservadora e despolitizada, traduzida como “Guerra Fria” sempre escondeu foi uma estratégia sutil de anticomunismo presente desde o Século 19, após o surgimento do marxismo, aprofundada depois da Comuna de Paris e absolutizada com a vitória da Revolução Soviética. A burguesia mundial nunca pôde e não pode tolerar o proletariado e os trabalhadores no poder.

A direita liberal e conservadora, desde então, não mede esforços para desqualificar, atacar e fazer a luta contra a tradição marxista. Após o fim da União Soviética, em 1991, então, diferentemente do que se apregoa ela se aprofundou.

Todos os símbolos e as conquistas do socialismo no século XX continuam a ser negados ou ignorados. As derrotas conjunturais das primeiras experiências socialistas foram superlativizadas e seus erros transformados em aporte para a condenação de uma sociedade para além do capital.

Logo após a Revolução de Outubro, ainda em 1917, as grandes agências de notícias divulgavam comunicados uníssonos para o mundo sobre “o que se passava na Rússia Soviética”. No Brasil, a imprensa liberal divulgava ou abordava-os no mesmo tom em seus editoriais, baseados em falsidades e mentiras.

Nelas, as barricadas de Viborg, o bairro proletário de Petrogrado, as greves e as manifestações de rua, bem como a do Dia Internacional da Mulher, não inauguravam a Revolução de Fevereiro e a derrubada de Nicolau II. Na versão das agencias internacionais, o czar abdicava do trono em nome de seu irmão Miguel ou de seu filho Aléxis. Estrategicamente, tirava-se o papel político da luta de classes naquele processo, apagava-se da História a aliança de operários e soldados, eliminava-se a liderança dos bolcheviques.

Em várias notícias que visavam cizânia e descrédito sobre o que acontecia na Rússia, o escritor Máximo Gorki era apresentado como o verdadeiro líder do movimento e inimigo de Lênin. Este era colocado como um agente e espião do imperialismo alemão (após 1920 passou a ser chamado de ditador russo), enquanto que os bolcheviques estavam a serviço da Alemanha beligerante. Ao mesmo tempo, ao menos enquanto durou a guerra civil e o cerco dos exércitos brancos ao poder soviético, a derrota dos bolcheviques, ao menos na grande imprensa, era iminente a cada dia. Enquanto a Rússia era qualificada como o reino do terror e da anarquia, pois o Conselho dos Operários e Soldados, os sovietes, uma “ideia diabólica” de Lênin, destruía a disciplina e desorganizava a sociedade; as medidas socialistas, as reformas do novo governo proletário e as conquistas como a reforma agrária e a redistribuição de terras, o trabalho de oito horas, a paz na guerra e as vitórias contra o cerco das potências imperialistas, etc., eram desqualificadas ou identificadas como um ataque à família e à propriedade privada.

No Brasil, os apoiadores locais eram os mais visados do discurso de direita. Os anarquistas e os maximalistas, simpáticos ao que acontecia na Rússia, eram denunciados como agentes estrangeiros que queriam fazer do país uma Rússia bolchevista. O perigo vermelho ganhava espaço no imaginário conservador. Após 1917, os reflexos da crise econômico-social da I Guerra nas grandes greves não eram considerados e os impactos positivos da Revolução Soviética no movimento operário brasileiro eram vistos como “uma ameaça à civilização”, dirigida “por uma das mais terríveis associações revolucionárias de Moscou”. O caráter de classe e burguês do contra-ataque à Rússia Soviética era evidente, identificando a libertação do proletariado do jugo czarista e burguês, desde o primeiro momento, como uma das “maiores tragédias da história”. As lideranças locais, os anarquistas e socialistas e, sobretudo, os comunistas no pós-1922, eram identificados como “maus elementos” ou “extremistas”.

Mesmo com o papel fundamental da União Soviética na derrota do nazi-fascismo juntamente com os aliados, o anticomunismo não deu tréguas. Aliás, aumentou. Entre o final da Segunda Guerra Mundial e o fim da União Soviética, registrado pela historiografia oficial como período da “Guerra Fria”, nunca o comunismo teve um combate tão intenso, um aprofundamento das práticas anteriores a 1945.

Com a expansão das experiências socialistas para além da URSS, sob a direção dos Estados Unidos e seu instrumento primordial, a CIA, o combate ao comunismo foi aprofundado no Ocidente e em nosso País. Mais ainda após a Revolução Chinesa, em 1949 e, especialmente, com a Revolução Cubana, em 1959. Aí sim, a ameaça vermelha passou a ser um concreto problema continental.

A preparação do Golpe de 1964, através do IPES e do IBAD, através de intensa propaganda político-ideológica reafirmou o perigo comunista e o caminho da “comunização” do Brasil pelo governo João Goulart. A consolidação da Ditadura Civil-Militar e a escalada de violência do terrorismo de Estado contra todas as correntes de esquerda do País, só fizeram aprofundar esta característica anticomunista, mesmo que 1964 tenha se qualificado como uma “Revolução” pelos seus vencedores.

O período de lutas políticas e ideológicas intensas durante a Queda do Muro de Berlim, em 1989, a derrocada do socialismo no Leste Europeu e o fim da União Soviética, em 1991, foi outro momento de intensidade político-ideológica. Até com o anúncio apressado do fim da História, quando o neoliberalismo chega ao seu auge, enquanto que a reflexão relativista ganhou força na academia e na mídia. Depois disso, nada de conteúdo parecer ter mudado, especialmente depois da Revolução Bolivariana na Venezuela e as vitórias, mesmo que no plano institucional, do boliviano Evo Morales, do equatoriano Rafael Corrêa e do nicaraguense Daniel Ortega, entre outros.

Para muitos de nós historiadores que vivemos e praticamos a ideia de Revolução nos últimos tempos, a escolha do Dossiê Revoluções do Século XX é extremamente simbólica. 2009 foi um ano de efemérides, várias delas relacionada à questão da revolução. A decisão da História Social pela temática é um marco da própria Revista dos Pós-Graduandos da UNICAMP. 2009 iniciou com o debate sobre os 50 Anos da Revolução Cubana, em um contexto de graves reflexos da crise do capitalismo iniciada no ano anterior.

2009 também foi o ano da rememoração dos 20 anos da Queda do Muro de Berlim, dos 30 anos da Revolução Sandinista na Nicarágua, dos 60 Anos da Revolução Chinesa e dos 70 Anos do fim da Guerra Civil Espanhola.

Pois partes destes momentos foram pensadas na presente edição da História Social, demonstrando que a academia, assim como a vida, ainda se importa com o tema da Revolução.

Um evento “reputado pela historiografia oitocentista como sendo uma anomalia social e manifestação da barbárie habilmente abortada pelas autoridades régias” é apresentado no artigo “Combates pela História da Conjuração Baiana de 1798: ideias de crise e revolução no século XX”, de Patrícia Valim. O tema é tratado perante convocação da população de Salvador que foi instigada “pelos pasquins sediciosos, afixados em locais públicos da cidade, para uma “revolução” que instituiria o que os partícipes do evento qualificaram de “República Bahinense”. Para Valim, a historiografia brasileira oscilou, tratando a Conjuração como evento regional e nacional, qualificada por alguns no debate político-ideológico em torno da revolução brasileira, como Affonso Ruy, como a “Primeira Revolução Social Brasileira”. Por isso, a compreensão sobre as revoltas coloniais em uma perspectiva mais ampla, tradição tão cara a parte da historiografia brasileira, tem neste ensaio uma contribuição atualizada ao debate, incluindo o Brasil e seus movimentos sócio-políticos com projetos de Revolução para os séculos XX e XXI, herdeiros das lutas sociais de séculos anteriores.

A reação conservadora que se deu com a Queda do Muro de Berlim, reforçou o esquecimento sobre o processo histórico da Alemanha pós-I Guerra. Porém, não foi o que fez George Araújo em “Uma revolução que não deve ser esquecida: Alemanha, 1918-1923”. Seu artigo, com variada análise historiográfica, demonstra que não esteve tão longe a previsão de Karl Marx sobre o início da vaga revolucionária contra o capital em países da linha de frente imperialista e que “apesar de derrotada, a Revolução Alemã figura como um dos momentos mais importantes do movimento proletário internacional”. Assim, mesmo que fracassadas as tentativas “de grupos de esquerda de tomar o poder e promover uma revolução socialista”, o autor afirma que aquele momento tem importância histórica para se entender a crise capitalista atual, pois naquela época “muitos enxergavam a época em que viviam como uma oportunidade de se repensar as estruturas socioeconômicas às quais estavam submetidos”, situação mantida na atualidade. Para Araújo, “o desenlace da Revolução Alemã seria, em certa medida, determinante para as histórias europeia e mundial”, na esteira da Revolução bolchevique. Afinal, a Alemanha da década de 1920 e suas contradições sociais e econômicas, entre o primeiro conflito mundial e a ascensão do nazismo, foi entrecortada pela República de Weimar, quando a Alemanha este efetivamente às portas da revolução. Sua derrota, por outro lado, foi outro momento histórico para a III Internacional Comunista, afinal, naquele momento, a defesa do socialismo na União Soviética passou a preponderar sobre a ideia de revolução mundial.

A Espanha revolucionária, no “ensaio” da Segunda Guerra Mundial, entre 1936 e 1939, foi o objeto do artigo “O discurso anticomunista católico e as imagens da guerra civil na Espanha: ordem x desordem”, quando aborda o periódico católico O Santuário. Para Marco Antônio Pereira, citando Pierre Vilar, o conflito representava para os conservadores fascistas um “complô bolchevique-judeu-maçônico” tendo atrás “os inimigos de Deus organizando a Revolução”, assim como para os republicanos, os socialistas, os anarquistas e os comunistas, vencer “o exército abria caminho para uma revolução”. Assim, à direita e à esquerda o tema da revolução estava presente no conflito que levou brigadistas de todo o mundo para defender a Espanha republicana, bem como movimentou o eixo nazi-fascista, sobretudo com o apoio da Alemanha hitlerista e da Itália de Mussolini ao projeto político liderado por Francisco Franco.

Pesquisando o processo revolucionário da China e seus três momentos, o artigo “Chen Bilan” de Bárbara Funes nos mostra a classe operária chinesa em luta, em 1925, apresentando parte da história desta mulher da Oposição de Esquerda e sua luta contra a opressão milenar das chinesas. Nesse sentido, aparecem como pano de fundo a independência nacional chinesa e a revolução agrária, desde a Revolução de 1911, bem como o movimento de emancipação das mulheres que se combinava com os ideais socialistas influenciados pela Revolução Russa, resultando na criação do Partido Comunista Chinês, em 1920. Por fim, o artigo avança para a dissidência internacional em torno da continuidade da Revolução Russa. Contrapõe os apoiadores de Stalin e de Trotsky em perspectivas diferenciadas de revolução, abordando as influências soviéticas sobre a China, num primeiro momento, bem como a via chinesa para o socialismo e a oposição a ela pelos trotskistas, na ação da militante Chen Bilan.

Também pesquisando o processo revolucionário da chinês, Cristiane Santana, em “Notas sobre a História da Revolução Cultural Chinesa (1966- 1976)”, nos trás o tema da Revolução Chinesa e seu desdobramento na enigmática conjuntura daquele país entre as décadas de 1960 e 70. Para a autora, no contexto do cisma sino-soviético surgiu a elaboração maoísta que refletia os caminhos que a Revolução na China seguiria em um momento de crescente burocratização do Partido Comunista Chinês. Assim, a “revolução tinha como objetivo identificar e destituir os elementos que seguiam a ‘linha capitalista’ e aqueles que difundissem a ideologia burguesa na academia e na cultura”. Aquela fase da Revolução Chinesa, assim como a Guerra Popular influenciou o PCdoB e a luta contra a Ditadura Pós-1964, através da Guerrilha do Araguaia, incentivaria correntes de esquerda e a ideia de Revolução no Brasil. Como em outros lugares do mundo, estudantes e trabalhadores se organizaram na Ação Popular, no Partido Comunista do Brasil (Ala Vermelha) e no Partido Comunista Revolucionário, visando “efetuar o cerco das cidades a partir dos campos”. Todo esse quadro é bem composto por Santana, demonstrando os limites das concepções e as contradições de classe que permeavam este momento da Revolução Chinesa.

Bruno Durães e Iacy Mata estudam vários elementos históricos da luta cubana contra o domínio espanhol, bem como a questão dos afro-cubanos naquele país do Caribe, assim como as saídas do governo para enfrentar o pós-89, no chamado “Período Especial”. O artigo “Cuba, os afro-cubanos e a revolução: passado e presente” traz para a análise o passado e o presente da Ilha que desafiou o marco do imperialismo mundial no século XX, os EUA, rompendo com o etapismo proposto pelo marxismo da III Internacional para os países da América Latina e Caribe. Mas não deixou de apresentar contradições em sua via para o socialismo, como a complexa permanência das desigualdades raciais, sobrepostas aos problemas sociais, problemas desafiadores para a continuidade da Revolução iniciada em 1959.

A Nicarágua é pauta de dois artigos. No primeiro deles, “Sob o signo do imperialismo “yankee”: aspectos da repercussão da intervenção norte-americana na Nicarágua na imprensa brasileira (1926-1927)”, Rafhael Sebrian estuda quatro periódicos brasileiros, Correio da Manhã, O Estado de São Paulo, Folha da Manhã e Folha da Noite, procurando entender debate acerca da contradição do imperialismo e do pan-americanismo. Sebrian mostra a resistência armada liderada por Augusto Sandino, a fim de combater as tropas de intervenção norte-americana que, como diz o autor, citando um dos jornais, “ao primeiro sinal de ‘revolução’, envia-se um cruzador de guerra para ‘proteger os interesses americanos’”. O autor conclui pela majoritária e extemporânea condenação dos órgãos de imprensa estudados á ocupação norte-americana na Nicarágua da década de 1920. Para os EUA, sua histórica ação intervencionista não foi diferente diante da Revolução Cubana, no apoio aos Contras em 1979, assim como na atualidade, na movimentação da sua Quarta Frota. Entender o processo revolucionário do século XX deixando de lado o papel intervencionista dos Estados unidos é ver a História pela metade.

Cinquenta anos depois, a Revolução Sandinista na Nicarágua voltou a produzir debates entre “os intelectuais latino-americanos em relação às possibilidades da esquerda armada conquistar o poder e estabelecer um sistema político democrático”. No segundo artigo sobre a Nicarágua, “Octavio Paz, mídia e Revolução Sandinista”, de Priscila Dorella, é investigada a posição do poeta e ensaísta Octavio Paz, em torno da Revolução de 1979. Indica a importância do debate revolucionário no país que teve na sua História a Revolução Mexicana e tem a Revolução de Chiapas como fonte inspiradora de outros movimentos na América Latina. A autora procura buscar no pensador mexicano um dos dilemas do século XX, a contraposição / relação entre a democracia, a justiça e a igualdade social nos projetos revolucionários. A defesa dos valores democráticos na América Latina “o fez um escritor dissonante em relação ao contexto latino-americano de Guerra Fria, em que os intelectuais se aproximavam, em grande medida, das concepções de esquerda (trotskistas, maoístas, leninistas etc)”, afirma Dorella, citando Castañeda. O artigo mostra o contraponto liberaldemocrático de Octávio Paz às perspectivas marxistas e revolucionárias que estiveram presentes na esquerda mundial e latino-americana, evidenciando sua crítica e impertinente comparação da Nicarágua com Cuba, deixando em segundo plano a participação do Governo Ronald Reagan no apoio direito e indireto aos Contras. A autora aponta bem este contraponto, sem de deixar dominar pela posição conservadora de Paz, ao afirmar que a “Revolução Sandinista teve, inicialmente, um caráter pluralista reunindo marxistas, social-democratas, democratas cristãos e conservadores pró-empresariais”.

O artigo “FARC-EP: o mais longo processo de luta revolucionária da América Latina”, de Diego Ceará, apresenta o processo histórico de formação e desenvolvimento das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército Popular e seus 45 anos de luta do movimento guerrilheiro em busca do poder. A Colômbia das FARC é o objeto deste corajoso ensaio que apresenta a guerrilha colombiana e “suas raízes na guerra civil que dilacerou o país a partir do final dos anos 1940”. Para o autor, o movimento revolucionário na Colômbia foi produzido na Guerra Fria que, no contexto de enfrentamento entre socialistas e capitalistas e da Revolução Cubana (1959), inspirando o surgimento das FARC-EP e a defesa da “revolução patriótica, popular e antiimperialista para a construção da “Nova Colômbia”. Posteriormente, citando Leongómez, Ceará, afirma que a Revolução Nicaraguense (1979) “revitalizou o mito da ação guerrilheira como instrumento de conquista do poder na América Latina” e na Colômbia, razão direta para a ofensiva militarista dos EUA, fortalecida com os governos de George W. Bush e Álvaro Uribe que passam “desqualificar politicamente o movimento insurgente”, quando “os guerrilheiros passaram a ser chamados de ‘narcoguerrilha’”.

Por fim, dois artigos especulam sobre a perspectiva de revolução e / ou transformação social para o futuro, a grande utopia do século XX. No primeiro deles, “Ainda existe a possibilidade de uma ruptura progressista?”, de Gilberto Maringoni procura recolocar o debate sobre uma estratégia socialista tendo como centro dessa disputa o Brasil atual e a contraposição entre a ortodoxia liberal e os desenvolvimentistas. Assim, ao lado destes, os socialistas e revolucionários, “pautados na luta de classes e tendo como núcleo fundamental a classe operária, os trabalhadores, os setores pobres da cidade e do campo e parcelas da pequena burguesia”, buscando outras frações de classe, devem se inserir “na real disputa de forças na sociedade”. Como tática e estratégia devem “estabelecer metas de curto, médio e longo prazo, examinar quem são aliados e inimigos e traçar um programa mínimo e um programa máximo de ação”. A partir de Caio Prado Júnior (revolução como reformas e modificações econômicas, sociais e políticas sucessivas que, concentradas em período histórico relativamente curto, dão em transformações estruturais da sociedade), Maringoni afirma que, após a ofensiva neoliberal, revolução e socialismo, banidos da agenda política por vários anos, voltam à ordem do dia. Em relação ao Brasil, o rompimento deve se dar com o rompimento das amarras financeiro-especulativas desta fase do capitalismo”, sendo que o desenvolvimento deve entrar na agenda de luta, a qual “passa por uma ruptura revolucionária, pressupõe a supremacia da política, com sociedade organizada, instituições democráticas e Estado forte”, além da “mobilização organizada, principalmente em partidos, por parte da população”.

O neoliberalismo, “ao destruir as instituições intermediadoras dos conflitos sociais, prepara uma nova vaga de lutas muito violentas”. Esta é a tese provocadora apresentada em “Epílogo e prefácio (um testemunho presencial)” de João Bernardo, o qual compara a década de 1960 com a atualidade. No texto, Bernardo argumenta que a luta contra o capitalismo não tem sido mais dos operários qualificados, mas de trabalhadores precários. Muito menos de estudantes letrados, mas de analfabetos funcionais, de jovens dos subúrbios “enquadrados por mais ninguém senão por eles próprios e capazes do furor destrutivo necessário para abalar as instituições em que vivem”. Apostando no “confronto generalizado” bem como na crítica ácida e autonomista aos sindicatos e partidos, Bernardo se junta a todos nós que pensamos sobre “os sonhos e os objectivos que não foram realizados” que nos foram tirados, realizamos as catarses que, como afirma o autor, “hoje restituíram-nos a utopia”.

Esta edição de História Social também nos brinda com ótimos artigos em sua secção livre. Kátia Michelan, que aborda os “Cronistas medievais: ajuntadores de histórias”, mostrando “como se davam as escolhas de textos para compor as crônicas” e “como se desenvolveu o processo de acesso à leitura”, buscando também refletir sobre os “tipos de textos eram comumente lidos” naquele período histórico. No artigo, mesmo que estude os cronistas (reprodutores do que encontram em outros livros), a questão da revolução não é deixada de lado. Pelo contrário, citando Elizabeth Eisenstein, a autora chama as transformações decorrentes da invenção técnica da imprensa como “revolução cultural”, mesmo que relativize com Roger Chartier, para quem a invenção de Gutemberg não resultou necessariamente na “criação de um grande conjunto de leitores”, pois, embora ela seja de “fundamental importância, não é a única técnica capaz de assegurar a disseminação em grande escala de textos impressos”, vistas pelo historiador francês, também, como “revoluções da leitura no Ocidente”.

As Minas Gerais colonial são apresentadas no artigo de Marco Antonio Silveira. Em “Narrativas de contestação: os Capítulos do crioulo José Inácio Marçal Coutinho (Minas Gerais, 1755-1765)”, são indicadas as “formas de organização política por parte dos libertos da Capitania de Minas Gerais”, articulando uma narrativa histórica dos mesmos que busca “ratificar seu papel na constituição local da Res publica”, centrada numa “contestação frente à falta do reconhecimento merecido por parte dos brancos e das autoridades”. Na linha argumentativa do autor, pode-se depreender que as questões étnicas e de classe contornam as experiências históricas no tão longe e tão perto século XVIII, tendo sido marca das revoluções ou tentativas de formação histórica brasileira.

Eloisa Dezen-Kempter, em “Uma nova revolução urbana: reinterpretando territórios no final do século 20” procura entender a passagem do modelo capitalista industrial para o terciário avançado, o qual deixou cidades com vazios urbanos e áreas de produção obsoletas. A autora argumenta que “a reestruturação produtiva e a recessão econômica ao final dos anos 1970”, provocou “uma crise urbana sem precedentes”, construindo a “adoção de programas de reconversão de áreas portuárias e industriais abandonadas ou degradadas”. Este contexto gerou “a necessidade de proteção da história e memória destes espaços”, catalisando “a renovação e revitalização destas paisagens industriais”. O artigo de Eloisa trata de uma “revolução silenciosa” no interior do modo de produção. Alerta ser “fundamental investir numa perspectiva de análise e intervenção mais aprofundada das diversas questões relacionadas com o patrimônio industrial, de modo a ser possível conhecer melhor a sua complexidade, as relações entre preservação e reabilitação urbana, imagem e identidade, manutenção e projeto, conservação e mudança”.

Por fim, para quem herda um pouco da formação do Programa de Pós-Graduação em História da UNICAMP, apresentar este Dossiê é um retorno a casa que pariu parte da minha formação acadêmica. Também é uma volta a História Social e uma zapeada nas revoluções do século XX, herdeiras das lutas anteriores e faróis das mudanças que vivenciamos e acompanharemos no século XXI. Viva a Revolução!!!!!

Diorge Alceno Konrad – Universidade Federal de Santa Maria.

KONRAD, Diorge Alceno. Apresentação. História Social. Campinas, n.17, 2009. Acessar publicação original [DR]

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