A estrutura das revoluções científica – KUHN (EPEC)

KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 5. ed. São Paulo: Editora Perspectiva S.A, 1997. Resenha de: BARTELMES, Roberta Chiesa. Resenhando as estruturas das revoluções científicas de Thomas Kuhn. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v.14, n. 03, p. 351-358, set./dez., 2012.

PORQUE AINDA THOMAS KUHN

Apesar de já se passarem mais de 30 anos da publicação da obra A estrutura das revoluções científicas, ela permanece atual em termos de discussões epistemoló­gicas e estruturais da constituição das ciências. A importância de qualquer cientista conhecer tal obra se deve ao fato de que ela descaracteriza o mito que se criou em torno das ciências e dos cientistas com o advento da era científica e tecnológica. Kuhn demonstra que, além de serem construções humanas, as ciências são também, e consequentemente, construções sociais e históricas. Disso resulta uma nova compreensão acerca dos processos científicos, e por que não dizer, de alfabetização científica. A atualidade da obra é justificada também por seu caráter inovador. Sem pretensões de ser uma obra de referência mundial, Kuhn apenas fez de seu rela­tório de pesquisas e das suas inquietações um objeto de estudo que cada vez mais cresceu diante de suas pesquisas. Eis um modelo de compreensão da prática da fi­losofia das ciências: a pesquisa em busca de saberes que desvelem as verdades que se estabelecem sem questionamento. Isso vale para qualquer campo de estudos, seja nas ciências sociais, humanas, naturais ou exatas.

SOBRE THOMAS KUHN

Kuhn é um físico que, durante seu engajamento no processo de pós­-graduação, intrigou-se com algumas afirmações à respeito da ciência e da história da ciência. Como ele mesmo refere-se no prefácio de sua obra, foi durante o envolvimento com o ensino de Física experimental para não cientistas que ele teve contato com a história da ciência. Foi nessa oportunidade que Kuhn percebeu di­ferenças entre o que dizia a história da ciência e o que ocorria durante as atividades experimentais para o público leigo.

Foi desse interesse incomum que surgiram os estudos “arqueológicos” na história da ciência de Kuhn. Na maioria das vezes, quando realizamos atividades experimentais para públicos de não cientistas, não nos questionamos sobre a vali­dade de nossos argumentos ou sobre a forma como a ciência é apresentada. Para Kuhn, o contato com diferentes áreas do conhecimento, como a epistemologia, a psicologia e as ciências naturais e sociais, permitiu um olhar mais atento e mais complexo sobre a história da ciência. E não apenas isto, mas esse contato lhe permitiu compreender como se dá a construção e a validação de uma ciência, bem como sua manutenção e superação. Assim, como o próprio autor defende, sua inserção na história da ciência está mais interessada em processos epistemológicos do que contextuais ou sociais, o que não significa que estes nãos estejam presentes em seus estudos, pois, como veremos adiante, em cada época há um conjunto de saberes que permitem fazer esta ou aquela leitura da realidade à qual estamos submetidos.

A HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Um dos objetos de estudos dessa obra de Kuhn é a história da ciência. Para ele, é nessa disciplina que se encontram os detalhes da produção científica de uma determinada comunidade:

(…) a História da Ciência torna-se a disciplina que registra tanto esses aumentos sucessivos como os obstáculos que inibiram sua acumulação. Preocupados com o desenvolvimento cientifico, o historiador parece então ter duas tarefas principais. De um lado deve deter­minar quando e por quem cada fato, teoria ou lei cientifica contemporânea foi descoberta ou inventada. De outro lado, deve descrever e explicar os amontoados de erros, mitos e superstições que inibiram a acumulação mais rápida dos elementos constituintes do mo­derno texto científico. (p.20)

Essas tarefas do historiador, no entanto, são complexas e remetem a dife­rentes entendimentos do que seja ciência. Kuhn argumenta que: “Talvez a ciência não se desenvolva pela acumulação de descobertas e invenções individuais …” (p.21). Assim, quando os historiadores dedicam-se ao estudo de uma concepção ou teoria científica percebem que para a época eram tão científicas quanto as teo­rias e concepções que temos hoje:

Quanto mais cuidadosamente estudam, digamos, a dinâmica aristotélica, a química flogís­tica ou a termodinâmica calórica, tanto mais certos tornam-se de que, como um todo, as concepções de natureza outrora correntes não eram nem menos cientificas, nem menos o produto de idiossincrasias do que as atualmente em voga. (p.21)

É nesse sentido que podemos perceber o entendimento de ciência para Kuhn. Ao contrário do que sempre vimos nos manuais científicos, a ciência não é o acúmulo gradual de conhecimentos, mas é a complexa relação entre teorias, dados e paradigmas. Tampouco a Ciência é neutra. Mesmo em seus métodos, como a observação e a experimentação, ela define de antemão o que é ou não possível de ser realizado: “A observação e a experiência podem e devem restringir drasticamente a extensão das crenças admissíveis, porque de outro modo não haveria ciência. Mas não podem, por si só, determinar um conjunto específico de semelhantes crenças.” (p. 23) Ou seja, a observação é feita sobre aquilo que é possível “ver” dentro de um paradigma. Se tomarmos como exemplo a astronomia, veremos que, para Ptolomeu, em seu Almagesto2, a Terra tinha de ser o centro do universo. Isso por­que toda a conformação teórica tinha de derivar da perfeição geométrica, produto dos sólidos de Platão. Além disso, a representação do universo estava baseada na teoria de Aristóteles de que o mundo supra lunar era perfeito e imutável e o mundo sub lunar era imperfeito e mutável. Se nos remetermos a essas concepções teóricas, veremos que de fato o mundo supra lunar aparentemente é perfeito e imutável, uma vez que as estrelas “fixas” não mudam suas posições no céu. Elas surgem e ressurgem periodicamente “no mesmo lugar”. Quando surge alguma anomalia, como o movimento de Marte, que parece retrógrado em determinado momento de sua translação, o que vai contra os pressupostos do movimento circular perfeito, adequações são feitas, e o uso de epiciclos retoma a ideia da perfeição e da harmonia do mundo supra lunar. É nesse sentido também que a ciência normal e o paradigma delimitam aquilo que pode ou não ser “visto” na natureza ou nos fenômenos que submetemos à pesquisa dentro de uma comunidade cientifica.

O CONCEITO DE PARADIGMA

O conceito de paradigma vai atravessar toda essa obra de Kuhn com um sentido muito específico. Já na introdução, Kuhn apresenta a seguinte definição: “Considero “paradigmas” as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”. (p. 13). Ou seja, o paradigma é um conjunto de saberes e fazeres que garantam a realização de uma pesquisa científica por uma comunidade. O paradigma determina até onde se pode pensar, uma vez que dados e teorias, sempre que aplicados a uma pesquisa, irão confirmar a existência desse paradigma. Extrapolando a leitura para o campo da educação, podemos pensar que estamos submetidos também a um paradigma, isto é, a uma forma de entender e fazer ciência na educação que leva em consideração um aspecto dos fenômenos de ensino e de aprendizagem. Nosso paradigma atual na educação é o ensino. Todas as pesquisas, todas as dissertações e teses têm alguma relação com esse paradigma. Todos querem melhorar o ensino. Toda a preocupação de nossas últimas produ­ções tem sido a tarefa de ensinar mais e melhor. Mesmo quando estudamos o outro pólo da relação, a aprendizagem, é para garantirmos um melhor ensino. A formação dos profissionais em educação está muito mais interessada na qualidade do ensino do que na aprendizagem. Mui­to embora também possamos defender que esses processos não sejam separáveis, há uma nítida diferença entre formar para ensinar e formar para possibilitar aprendizagens. No entanto, no campo da educação, percebemos que existem rupturas e alianças com outras áreas que movem novos entendimentos dessa ciência. Perguntas e dados que não podem mais ser respondidos ou compreendidos pelo paradigma do ensino passam agora a desafiar os cientistas da educação. A isto, Kuhn chama de crise de paradigmas. Essa crise de paradigmas é a responsável pelas mudanças conceituais e procedimentais dentro de um campo do saber. Ela surge dentro da chamada ciên­cia normal, por meio de anomalias que não se conformam as formas tradicionais de conceber o processo e o produto científico. Conforme Kuhn:

E quando isto ocorre – isto é, quando os membros da profissão não podem mais esquivar­-se das anomalias que subvertem a tradição existente da prática científica – então come­çam as investigações extraordinárias que finalmente conduzem a profissão a um novo conjunto de compromissos, a uma nova base para a prática da ciência. (p. 25)

Ou seja, quando as formas tradicionais de pesquisa já não respondem às necessidades que novos dados ou novos fatos impõem, as investigações extraordi­nárias permitem o surgimento de novidades na pesquisa e na ciência. Isso conduz a comunidade científica a novas formas de praticar sua ciência.

A CIÊNCIA NORMAL

Outro conceito específico da obra de Kuhn é o de ciência normal. Para ele, ela se desenvolve junto com a ideia de paradigma, ou seja, podemos com­preender que a ciência normal é produto e produtor de um paradigma. Isso fica evidenciado no seguinte trecho: Invenções de novas teorias não são os únicos acontecimentos científicos que tem um im­pacto revolucionário sobre os especialistas do setor em que ocorrem. Os compromissos que governam a ciência normal especificam não apenas as espécies de entidades que o universo contém, mas também, implicitamente, aquelas que não contém. (p. 26) A ciência normal é o estado de uma ciência na qual suas pesquisas e seus resultados são previsíveis, isto é, ela acontece adequando a realidade às teorias e esquemas conceituais que os cientistas aprendem na sua formação profissional. Diante disso, podemos dizer que a comunidade científica sabe como é o mundo, e as pesquisas servem para comprovar ou aperfeiçoar esses saberes. Para Kuhn:

Neste ensaio, “ciência normal” significa a pesquisa firmemente baseada em uma ou mais realiza­ções passadas. Essas realizações são reconhecidas durante algum tempo por alguma comunidade científica específica como proporcionando os fundamentos para sua prática posterior. (p.29)

Uma metáfora que Kuhn utiliza para a ciência normal é a montagem de quebra-cabeças. Ou seja, a realidade seria uma porção de peças que, ao serem corretamente unidas, nos daria uma visão real de como a natureza ou os fenôme­nos estudados funcionam. Além disso, quando montamos um quebra-cabeça, em geral já sabemos aonde vamos chegar, isto é, já sabemos qual o produto final que o encaixe das peças vai nos proporcionar ver. Nisto não há espaço para a novidade. Na ciência normal, não há espaço para o inusitado ou para o inesperado. Assim como na montagem do quebra­-cabeça, já se sabe aonde se quer chegar. Se houver um encaixe de peças errado, o que se deverá fazer não é questionar o motivo pelo qual isso ocorreu, mas sim retirá-la e colocá-la no seu devido lugar. À ciência, e ao cientista, caberia a função de encaixar a peça certa no local correto com base nas evidências que as demais peças lhe dão, ou seja, aquilo que já foi feito por outros cientistas ante­riormente e que funcionou. A ciência normal não está preocupada em criar novidades, mas em se especializar naquilo que já está posto pelo paradigma vigente. As experiências não criam novidades (intencionalmente), mas desejam especificar melhor o que já se sabe: “O resultado já é sabido de antemão, o fascínio está em como se vai chegar até ele”. (p. 60).

DAS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS: POR QUE COPÉRNICO REVOLUCIONOU?

Com o avanço da ciência normal, vemos surgir novos problemas e novas questões. Conforme Kuhn: “Mas os problemas extraordinários não surgem gratui­tamente. Emergem apenas em ocasiões especiais, geradas pelo avanço da ciência normal”. (p 55). Quando uma anomalia perturba o andamento da pesquisa na ciência normal, surgem novos e reforçados movimentos de adequação dos dados às teorias exis­tentes. Como no já citado caso da astronomia grega, as anomalias eram condicio­nadas àquilo que se dispunha de conceitos e teorias da época. Quando uma novidade surgiu no céu, logo se tratou de adequá-la à teoria existente. No entanto, essas anomalias nem sempre são percebidas, uma vez que a ciência normal (como vimos anteriormente) não está preocupada em criar no­vidades, mas em se especializar naquilo que já está posto pelo paradigma vigente. As experiências não criam novidades (intencionalmente), mas desejam especificar melhor o que já se sabe. No entanto, as anomalias persistem. Elas podem gerar o que Kuhn chama de crise de paradigma:

De forma muito semelhante (ao que ocorre nas revoluções políticas), as revoluções cien­tíficas iniciam-se com um sentimento crescente, também seguidamente restrito a uma pequena subdivisão da comunidade científica, de que o paradigma existente deixou de funcionar adequadamente na exploração de um aspecto da natureza, cuja exploração fora anteriormente dirigida pelo paradigma. […] o sentimento de funcionamento defeituoso, que pode levar à crise, é um pré-requisito para a revolução. (p. 126).

Portanto, as anomalias provocam desajustes nas teorias vigentes, o que leva a um sentimento de “funcionamento defeituoso” da teoria que promove uma crise no paradigma vigente e serve de pré-requisito à revolução. Retomando o caso da astronomia, quando Galileu aponta a luneta para a Lua, percebe que esta não se parece nem um pouco com uma esfera perfeita, con­forme julgaram os aristotélicos. Das suas observações criteriosamente anotadas em Sidereus Nuncius3, Galileu descreve que:

Do seu exame (da Lua) muitas vezes repetidos, deduzimos que podemos discernir com certeza que a superfície da Lua não é perfeitamente polida, uniforme e exatamente esfé­rica, como um exército de filósofos acreditou, acerca dela e de outros corpos celestes […] (2010, p.156)

Nesse momento, Galileu anuncia uma anomalia a qual não pode se en­caixar nas teorias vigentes e no paradigma da época. O fato de haver montanhas, crateras e irregularidades na superfície da Lua contrariava e muito as ideias aristo­télicas acerca da natureza dos corpos celestes. No entanto, conforme assegura Kuhn, “A transição de um paradigma em crise para um novo, do qual pode surgir uma nova tradição e ciência normal, está longe de ser um processo cumulativo obtido através de uma articulação do velho paradigma” (p. 116) Aqui é preciso fazer um esclarecimento. Antes de Galileu utilizar a luneta para observar a Lua e os objetos celestes com maior precisão, houve outro astrô­nomo que possibilitou essa “abertura” ao inusitado e à novidade. Podemos dizer mesmo que através da resistência de um grupo de astrônomos foi possível causar crise no paradigma vigente e permitir que se instalasse uma revolução. Esse astrônomo é Nicolau Copérnico. Ele é tido como o responsável por colocar a Terra em movimento. Para a época, e para o paradigma vigente, era impossível conceber que a Terra se movia, uma vez que isso não era “observável” no cotidiano. Caso a Terra se movesse, pássaros, pessoas, objetos deveriam “sair” da Terra, ou seja, seriam deixados para trás. Esses eram os entendimentos permitidos pelo paradigma vigente. E como os dados empíricos, da natureza das observações e experimentos feitos até então, não contradiziam essa teoria, ela era tida como verdadeira e científica. No entanto, Copérnico, em sua obra De revolutionibus orbium coelestium4, coloca a Terra em movimento e a retira do centro do universo. No entanto, esse feito não é apenas um simples deslocamento de posições em mapas ilustrativos do universo. Muito além disso, trata-se de conceber novas concepções para as ideias até então desenvolvidas sobre todo o universo, conforme afirma Kuhn:

[…] a inovação de Copérnico não consistiu simplesmente em movimentar a Terra. Era an­tes uma maneira completamente nova de encarar os problemas da Física e da Astronomia, que necessariamente modificava o sentido das expressões “Terra” e “movimento”. Sem tais modificações, o conceito de Terra em movimento era uma loucura. (p. 190)

Portanto, Copérnico é, de fato, responsável por uma revolução tanto na Física quanto na Astronomia. No entanto, é ilusão pensar que essa revolução instalou-se e foi bem sucedida em pouco tempo. Copérnico não foi aceito du­rante quase um século, haja vista que alguns adeptos de suas teorias foram colo­cados à duras provas pelos “cientistas” da época da Inquisição. Giordano Bruno e Galileu são exemplos claros da morosidade e da complexidade que compõem mudanças de paradigmas.

PARA ENTENDER A NATUREZA DA CIÊNCIA, ENTÃO!

Chama atenção, logo no prefácio desse texto de Kuhn, a seguinte colocação:

A pesquisa eficaz raramente começa antes que uma comunidade cientifica pense ter adqui­rido respostas seguras para perguntas como: quais são as entidades fundamentais que compõem o universo? Como interagem essas entidades umas com as outras e com os sentidos? Que questões podem ser legitimamente feitas a respeito de tais entidades e que técnicas podem ser empregadas na busca de soluções? (p.23)

Percebemos que teorias sempre sustentam as buscas científicas de uma comunidade de pesquisadores. Nunca os dados serão analisados de forma neutra e isenta de teorias. Na tentativa de explicar este ou aquele fenômeno, estamos sempre propensos a fazer uso das teorias que nos constituem. Nosso olhar nunca é isento de julgamentos. Somos constituídos do para­digma vigente. Embora isso limite nossa visão para o novo (conforme vimos na ciência normal), é possível que anomalias surjam em nossas pesquisas. Nosso pri­meiro movimento certamente será o de adequá-las o mais rápido possível àquilo que temos como verdade científica. Caso isso não se dê, ou seja, caso as anomalias persistam, o caminho certamente será o da mudança. Só que esse caminho não se dá de forma isolada, nem se dará de maneira imediata. Isso pode ser visto claramente no campo da educação. Diversos peque­nos grupos à margem do paradigma vigente buscam soluções para problemas nas teorias atuais. Como falamos anteriormente, irregularidades estão ocorrendo. Por melhor que sejam os métodos de ensino aplicados pelas melhores didáticas, as aprendizagens não ocorrem sempre, tampouco da maneira esperada. É possível que dessas anomalias os pequenos grupos de cientistas da edu­cação consigam mobilizar novas possibilidades, que o inusitado e o criativo surjam e demonstrem novas possibilidades de compreensão para fazer pesquisas e desen­volver estudos na área da educação.

Notas

1 O Almagesto (que significa O grande livro) é a publicação magna de Cláudio Ptolomeu. Nela, o autor pretendeu reunir todo o conhecimento da humanidade sobre a astronomia.

2 Sidereus Nuncius, ou O mensageiro das estrelas, é a publicação na qual Galileu inicialmente apresenta as observações feitas com o auxílio do telescópio, instrumento por ele aperfeiçoado. Nessa obra, Galileu dedica-se a relatar suas observações acerca da Lua, de Júpiter e de suas luas.

3 De revolutionibus orbium coelestium, ou Da revolução das esferas celestes, foi publicado no ano da morte de Copérnico. Nessa obra, o autor faz uma série de apontamentos sobre a Terra, retirando-a do centro do universo e colocando-a em movimento com os demais planetas. Além disso, ele faz referências às estações do ano e aos equinócios, desenvolvendo explicações para tais fenômenos baseado nas evidências empíricas e matemáticas de que dispunha.

Referências

GALILEI, Galileu. Sidereus Nuncius: O mensageiro das estrelas. 2ª Ed. Fundação Calouste Gul­benkian: Lisboa, 2010. KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 5. ed. São Paulo: Editora Perspectiva S.A, 1997.

Roberta Chiesa Bartelmebs – Mestre em Educação em Ciências pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Professora do Núcleo de Estudos em Epistemologia e Educação em Ciências (NUEPEC/FURG). Colaboradora do Núcleo de Pesquisa e Extensão sobre o Bebê e a Infância (NUPEBI).

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O caminho desde a Estrutura: ensaios filosóficos 1970-1993 – KUHN (P)

KUHN, Thomas S. O caminho desde a Estrutura: ensaios filosóficos 1970-1993 (Com uma entrevista autobiográfica).  Editado por James Conant e John Haugeland. Traduzido por Cezar Mortari. São Paulo: Editora UNESP, 2006. Resenha de: DAL MAGRO, Tamires. Principia, Florianópolis, v. 16, n. 2, p.345–352, 2012.

Originalmente publicado em 2000, nos Estados Unidos, temos desde 2006 disponível em português O caminho desde a Estrutura, de Thomas Kuhn, em tradução de Cezar Mortari (UFSC), que registra o pensamento desse autor entre 1970 e 1993.

Os editores, James Conant e John Haugeland (ambos da Universidade de Chicago), dividiram o livro em três partes, com 11 capítulos ao total, além de uma entrevista e uma listagem das publicações de Kuhn ao final. A primeira parte, “Reconcebendo as revoluções científicas”, trata de revoluções, incomensurabilidade e a filosofia histórica da ciência. A segunda, “Comentários e réplicas”, contém algumas respostas de Kuhn a seus críticos, em particular no que diz respeito à mudança de teorias, racionalidade e objetividade na ciência e à distinção entre ciências naturais e humanas.

Por fim, a terceira parte, “Um debate com Thomas Kuhn”, contém uma entrevista autobiográfica. Essa coletânea é sem dúvida o registro mais importante disponível atualmente dos textos tardios de Kuhn, sendo especialmente esclarecedor acerca de questões que foram polêmicas no período imediatamente posterior à publicação de A estrutura das revoluções científicas (doravante: Estrutura). Houve mudanças importantes no pensamento e nas formulações de Kuhn durante esse período, mas que são pouco conhecidas do hoje vasto público leitor da Estrutura.

Publicado inicialmente em 1962, a Estrutura pode ser considerado o livro mais influente da filosofia da ciência do século vinte. Além de romper com alguns padrões que predominaram na filosofia da ciência da primeira metade do século passado, que tendiam a privilegiar discussões e abordagens abstratas e metodológicas, o livro mostrou, talvez definitivamente, que qualquer análise adequada da ciência tem de levar em conta também a sua história. A recepção inicial da obra na década de 1960 foi controvertida, e um registro disso pode ser encontrado em A crítica e o desenvolvimento do conhecimento, organizada por Lakatos e Musgrave (1a¯ ed. 1970). Autores como Popper, Lakatos e Laudan acusaram a abordagem kuhniana de ser relativista, psicologista, dogmática e irracionalista, criticando especialmente alguns dos conceitos introduzidos por Kuhn, como os de ‘revolução científica’ e ‘incomensurabilidade’, e também o papel dado pelo autor a elementos não-observacionais — ideologia, comportamento social dos cientistas, capacidade de persuasão, inclinações metafísicas etc. — na escolha entre teorias nos períodos de revolução. Kuhn recusou essas críticas e dedicou boa parte do seu trabalho posterior a responder e reformular seu pensamento à luz dessa recepção inicial.

Nesta resenha destacaremos apenas os textos de O caminho desde A estrutura (doravante: O caminho) que tratam diretamente desses três tópicos (revoluções científicas, incomensurabilidade e os critérios de escolha entre teorias rivais), comparandoos com o pensamento de Kuhn na Estrutura e no artigo “Objetividade, juízo de valor e escolha de teoria”, que faz parte da coletânea A tensão essencial (1a¯ ed. 1977), do mesmo autor.

Revoluções científicas

Na Estrutura, Kuhn notoriamente empregou o conceito de revolução científica de modo a salientar os aspectos não cumulativos do desenvolvimento da ciência. A história da ciência, ele diz, contém rupturas. Essas rupturas marcam a emergência de novos paradigmas: “os cientistas adotam novos instrumentos e orientam seu olhar em novas direções” e passam a ver “coisas novas e diferentes quando, empregando instrumentos familiares, olham para os mesmos pontos já examinados anteriormente” (Estrutura, p.147). Contudo, “na medida em que seu único acesso a esse mundo dá-se através do que veem e fazem, poderemos ser tentados a dizer que, após uma revolução, os cientistas reagem a um mundo diferente” (Estrutura, p.148).

Essas passagens da Estrutura levaram alguns autores a perceber Kuhn como um relativista em ciência1. Em “O que são revoluções científicas?” (O caminho, pp.23–45), Kuhn rejeita esse tipo de leitura, e explica suas próprias concepções dizendo que as hipóteses elaboradas após uma revolução nem sempre podem ser adequadamente descritas na linguagem do paradigma anterior. As alterações que ocorrem em uma revolução não se limitam ao que é previsto pelas teorias em questão, mas afetam também a ontologia da ciência e o modo como se pensa e se descreve os objetos, bem como a prática científica (métodos, instrumentos, comportamentos dos cientistas etc.). Nesse mesmo artigo, Kuhn destaca três características do que ele entende por mudança revolucionária na ciência: i) Mudanças revolucionárias são mudanças holísticas, no sentido de que afetam a rede conceitual inteira da ciência, bem como o modo como os cientistas percebem seus objetos e os instrumentos que usam. Nessas mudanças o que ocorre não é somente uma revisão ou acréscimo em alguma hipótese ou lei anterior enquanto o resto da teoria permanece inalterado. Esse tipo de mudança mais localizada pode e de fato ocorre em períodos não-revolucionários, ou de ‘ciência normal’, como Kuhn diz. Na mudança revolucionária, são vários enunciados gerais (hipóteses, leis etc.) inter-relacionados que precisam ser revisados, e isso acaba gerando alterações globais na teoria e prática da ciência.

O modo como os termos científicos ligam-se com seus referentes muda — na Estrutura, Kuhn falava de mudança de ‘significado’. Essa mudança altera não somente os critérios pelos quais os termos ligam-se à natureza, mas os objetos mesmos: “o conjunto de objetos ou situações a que esses termos se ligam” (O caminho, p.42).

Alteram-se as categorias taxonômicas usadas para as descrições e generalizações científicas.

Isso implica em uma redistribuição dos objetos em novas categorias, que são interdefinidas. Essa mudança, portanto, está arraigada “na natureza da linguagem, pois os critérios relevantes para a categorização são, ipso facto, os critérios que ligam os nomes dessas categorias ao mundo” (O caminho, p.43).

iii) Muda o “modelo, metáfora ou analogia” usado pelos cientistas. Em outras palavras, alteram-se os padrões de similaridade e diferença entre tipos de fenômenos.

Na física de Aristóteles, “a pedra que cai era como o carvalho que cresce ou como a pessoa convalescente de uma doença” (O caminho, p.43). Padrões de similaridade como este colocam fenômenos diferentes na mesma categoria taxonômica. Esses padrões são ensinados aos estudantes das respectivas disciplinas científicas por meio de exemplos concretos exibidos por pessoas que já os reconhecem. Em períodos de revolução, esses padrões de similaridade e as metáforas que os acompanham são substituídos. Sem esses padrões e metáforas, a linguagem científica não tem como ser adquirida adequadamente, pois é por meio deles que se aprende a conectar os termos científicos aos fenômenos naturais percebidos. Em boa parte do aprendizado da linguagem, o conhecimento das palavras e o conhecimento da natureza são adquiridos conjuntamente. Na verdade, esta é uma das principais características reveladas pelas revoluções científicas: o conhecimento da natureza mostra-se inseparável da própria linguagem que expressa esse conhecimento. Assim, “a violação ou distorção de uma linguagem científica anteriormente não problemática é a pedra de toque para a mudança revolucionária” (O caminho, p.45).

Essas três características compõem a concepção tardia de Kuhn sobre revoluções científicas. Na Estrutura, Kuhn falava ainda de revoluções como mudança de paradigmas. A palavra ‘paradigma’, no entanto, mostrou-se bastante ambígua,2 e foi substituída por Kuhn já no Posfácio da Estrutura (publicado em 1970) pelas noções de ‘matriz disciplinar’ e ‘exemplar’. Em textos posteriores, como no artigo de O caminho mencionado acima, Kuhn fala de alterações taxonômicas, ou ainda em alterações nas estruturas lexicais (ver abaixo). Além disso, na Estrutura Kuhn sugere que revoluções científicas acarretam em uma mudança de mundo (ver as passagens da Estrutura, pp.147 e 148, citadas acima), algo que foi interpretado como um enunciado excessivamente relativista. Em textos posteriores, ele evita esse tipo de formulação, tratando as mudanças revolucionárias como mudanças nos léxicos que descrevem o mundo e não como mudanças no mundo mesmo.

Incomensurabilidade

Os textos reunidos em O caminho registram também mudanças nas formulações de Kuhn a respeito da noção de incomensurabilidade. Na Estrutura, ele afirmava que um paradigma que orienta a pesquisa científica depois de uma revolução é incomensurável com os paradigmas anteriores. Haveria, então, com a revolução, uma redefinição dos métodos, problemas relevantes e padrões de solução e de evidência aceitos numa disciplina. Mas, além disso, algumas passagens da Estrutura parecem sugerir que teorias de paradigmas diferentes seriam incomparáveis, pois expressariam visões de mundo diferentes ou apresentariam mundos diferentes. Por isso, não haveria como escolher racionalmente entre elas — novamente, algo que foi lido como um elemento relativista do pensamento de Kuhn. As formulações tardias da noção de incomensurabilidade são notoriamente mais fracas. Dois artigos de O caminho, em particular, tratam desse ponto: “Comensurabilidade, comparabilidade, comunicabilidade” (pp.47–76) e “O caminho desde a Estrutura” (pp.115–32). No primeiro, Kuhn apresenta o que chama de incomensurabilidade local, que é caracterizada em termos da intraduzibilidade de algumas noções centrais e interdefinidas de um léxico para o vocabulário de outro léxico. Não haveria, nesses casos, uma linguagem comum para a qual duas teorias de léxicos diferentes possam ser traduzidas sem deixar resíduos ou perdas. Isso, no entanto, não implicaria incomparabilidade, pois seriam apenas alguns termos centrais de uma teoria que não poderiam ser traduzidos para o vocabulário de outra.3 A maioria dos termos, em particular boa parte dos termos diretamente ligados a fenômenos observáveis, seriam intertraduzíveis e funcionariam de maneira semelhante nas teorias em questão. Dessa maneira, poder-se-ia comparar duas teorias por meio das previsões de observações que cada uma faz. Essa é uma versão mais modesta da noção de incomensurabilidade do que supuseram boa parte dos críticos iniciais de Kuhn. Sobre esse ponto, há uma divergência na literatura secundária. Howard Sankey (1993) sustenta que Kuhn alterou seu pensamento a esse respeito e identifica três formulações distintas da tese da incomensurabilidade; Hoyningen-Huene (1993), por outro lado, afirma que não houve mudança substancial no pensamento de Kuhn, mas apenas no modo de expressá-lo.4 O próprio Kuhn reconhece, no entanto, ao menos isto: que o uso da noção de incomensurabilidade na Estrutura era mais abrangente que seu uso tardio.

Em particular, envolvia não apenas intraduzibilidade de certos termos centrais interdefinidos de um léxico, mas também diferenças nos métodos, campo de problemas e padrões de solução (O caminho, p.48, nota 2).

Contudo, mesmo essa nova formulação da incomensurabilidade sofreu críticas: se não há como traduzir completamente teorias antigas para a linguagem moderna, então como é possível que um historiador da ciência, como o próprio Kuhn, reconstrua teorias antigas e as reapresente na linguagem contemporânea? Isso não seria, justamente, um caso de tradução?5 Kuhn responde a essa crítica dizendo que para compreender um vocabulário novo ou desconhecido podemos ou traduzi-lo para nossa língua materna ou aprender a falar a língua estrangeira. O que historiadores como ele próprio e outros fazem ao descrever teorias do passado é ensinar como aquela língua do passado era falada. Disso não se segue, no entanto, que os termos descritos sejam traduzíveis para o vocabulário da ciência contemporânea, nem que a teoria descrita pelo historiador seja por ele aceita ou adotada. Por exemplo, termos como ‘flogístico’, ‘elemento’ e ‘princípio’ não têm como ser traduzidos para o vocabulário da química contemporânea. Mas isso não nos impede de aprender a usar essas palavras da maneira como elas eram usadas pelos adeptos da teoria do flogisto.

Além disso, a intraduzibilidade parcial não impede a comunicação entre comunidades com taxonomias diferentes. É possível aprender a linguagem de uma taxonomia diferente, e isso torna o indivíduo que aprende bilíngue, mas não necessariamente tradutor.6 No artigo que dá o título ao livro, “O caminho desde A estrutura”, a incomensurabilidade é apresentada como uma relação entre taxonomias lexicais, ou simplesmente léxicos. Cada léxico pode produzir um leque de enunciados e teorias diferentes, mas há também enunciados que ele não pode expressar, embora possam sê-los em outro. Um exemplo é o enunciado copernicano “os planetas giram em torno do sol” em contraste com o enunciado ptolemaico “os planetas giram em torno da Terra”. Esse exemplo ilustra a diferença entre duas taxonomias, pois esses enunciados não são distintos simplesmente em relação aos fatos, mas em relação ao termo “planeta”: a Terra não é um planeta no sistema ptolemaico.

Critérios de escolha entre teorias rivais

A primeira descrição dos períodos de ‘crise-revolução’ na Estrutura, em que Kuhn trata do modo como ocorre a escolha científica entre teorias rivais, gerou reações críticas fervorosas por parte de alguns filósofos da ciência, tais como Lakatos 1979, Popper 1979, e Laudan 2001. A abordagem de Kuhn na Estrutura retrata a escolha científica como guiada não somente por critérios lógicos e observacionais, mas influenciada por fatores sociológicos, psicológicos, metafísicos e técnicas de persuasão.

Reagindo a isso, Lakatos chegou a dizer que as escolhas científicas, tal como descritas por Kuhn, não passam de “psicologia das multidões” (p.221). Rejeitando críticas desse tipo, em “Objetividade, juízo de valor e escolha de teoria” (2011c), Kuhn destaca cinco características de uma boa teoria científica: precisão preditiva, coerência interna e externa, abrangência, simplicidade e fecundidade. Esses critérios são bastante usuais e difundidos. No entanto, sua aplicação é difícil. Na escolha entre teorias rivais, cientistas comprometidos com os mesmos critérios podem chegar a resultados diferentes. Isto porque esses critérios, quando aplicados em conjunto, podem entrar em conflito. Por exemplo, uma teoria pode ser mais simples enquanto outra é mais abrangente. Nesse caso, a escolha dependerá do peso dado a cada critério, ou da interpretação que se dá a cada um. Não há um algoritmo que uniformize os procedimentos de decisão nesses casos, como pretenderam, por exemplo, Lakatos e Laudan.

Kuhn propõe que aqueles cinco critérios sejam tratados não como regras que determinariam univocamente a escolha, mas como valores que influenciam as decisões.

Isso permite que cientistas comprometidos com os mesmos valores façam escolhas diferentes em algumas situações, como de fato ocorre. Os valores não funcionam, portanto, como um algoritmo, mas mesmo assim não deixam de guiar objetivamente as escolhas. Essa, em resumo, é a resposta de Kuhn para as críticas de irracionalismo que sofreu nesse ponto. Há critérios objetivos para a escolha de teorias rivais em períodos de revolução, embora esses critérios não determinem univocamente as escolhas.

Isso, no entanto, é uma vantagem na opinião de Kuhn, pois explica aspectos do comportamento científico que haviam sido tomados pela tradição como anômalos (escolhas teóricas divergentes mesmo na presença de indícios observacionais e teóricos compartilhados). Outra vantagem é que a discordância no interior da comunidade científica é fundamental para que novas teorias possam surgir, o que não ocorreria se não houvesse divergências. Do mesmo modo, justamente por discordarem, alguns cientistas permanecem trabalhando na teoria mais antiga permitindo que ela possa responder com “atrativos equivalentes” à sua rival. Assim, parece indispensável que os critérios funcionem como valores, pois isso distribui “o risco que sempre está envolvido na introdução de uma novidade, ou em sua manutenção” (2011c, p.352). Isso, em outras palavras, é parte da “tensão essencial” que é constitutiva da ciência. O tema é retomado em “Racionalidade e escolha de teorias”, outro artigo que faz parte de O caminho.

De um modo geral, os textos tardios de Kuhn reunidos em O caminho contêm ao menos duas características salientes em relação às obras anteriores: em primeiro lugar, tendem a enfatizar o aspecto realista de seu pensamento, que caracteriza a atividade científica como guiada por critérios de escolha e valores objetivos compartilhados pela comunidade científica, opondo-se dessa maneira à reação inicial que a Estrutura provocou em seus leitores, especialmente nas décadas de 1960 e 1970.

Em segundo lugar, as teses defendidas tendem a ser formuladas de maneira mais linguística. A noção de paradigma cede lugar à de léxico, a tese da incomensurabilidade é apresentada em termos de intraduzibilidade parcial e as revoluções científicas são descritas como mudanças nas categorias taxonômicas ou lexicais. Com relação ao primeiro ponto, de fato parece ter havido uma leitura apressada ou pouco caridosa da Estrutura por parte de sua primeira geração de leitores. Contudo, ao menos em parte, o próprio Kuhn pode ter sido responsável por isso, uma vez que algumas passagens prestam-se a leituras relativistas ou psicologistas. Com relação ao segundo ponto, a formulação das teses de Kuhn em termos mais linguísticos parece ter produzido mais precisão conceitual, mas é possível que tenha havido nesse caso também algumas perdas. A noção de ‘paradigma’ da Estrutura, por exemplo, engloba não apenas compromissos teóricos explicitamente formuláveis em termos linguísticos, mas também práticas, comportamentos e modos de perceber a realidade que não se deixam claramente descrever em termos linguísticos. Esses aspectos da antiga noção de paradigma são mais difíceis de apresentar com a nova terminologia. Seja como for, a obra tardia de Kuhn é uma referência indispensável e altamente frutífera para todos aqueles interessados nos temas centrais da filosofia da ciência contemporânea. Sua leitura é altamente recomendável.

Referências

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Lakatos, I. & Musgrave, A. (eds.) 1979. A crítica e o desenvolvimento do conhecimento. Trad. O. M. Cajado, São Paulo: Cultrix.

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———. 1993. Kuhn’s changing concept of incommensurability. The British Journal for the Philosophy of Science 44: 759–74.

Notes

1 Ver, por exemplo, Lakatos 1970, pp.111, 112, 220–24; Chalmers 1983, pp.145–49; e Laudan 1977, pp.6–8.

2 Sobre esse ponto, ver Masterman 1979.

3 Esse ponto é controvertido na literatura. Sankey (1993) defende a tese da intraduzibilidade de alguns termos centrais de paradigmas diferentes. Kitcher (1993), por outro lado, procura mostrar como até mesmo para esses termos centrais podem-se formular regras de tradução. Hacking (2002), por sua vez, prefere evitar tratar desses problemas como questões de tradução e prefere usar as noções de ‘estilo de raciocínio’ e ‘interpretação’.

4 Ver também Hoynengen-Huene & Oberheim 2012.

5 Ver, por exemplo, Davidson 1974 e Putnam 1981.

6 Sobre esse ponto, ver também Feyerabend 1987.

Tamires Dal Magro – Universidade Federal de Santa Maria Santa Maria, RS BRASIL [email protected]

A estrutura das revoluções científicas – KUHN (ARF)

KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2009. Resenha deFAGHERAZZI, Onorato Jonas. Argumentos – Revista de Filosofia, n.7, p.141-146, 2012.

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