Regimes autoritários e totalitários em perspectiva histórica (séc. XIX, XX e XXI) | Ars Historica | 2021

1984 Regimes Autoritários
Detalhe de capa de 1984, de George Orwell | Cia das Letras, 2009

… porque o país se calava, não podia fazer outra coisa,

senão calar, e enquanto isso as pessoas morriam e a polícia

mandava e desmandava. Pereira começou a suar, porque

pensou novamente na morte. E pensou: esta cidade fede a

morte, a Europa toda fede a morte.

Antonio Tabucchi em Afirma Pereira

Regimes autoritários e totalitários. Parece que não conseguimos nos esquivar desses temas – alguns poderiam dizer que temos mesmo uma certa obsessão por eles. Mas não é de se espantar que esses temas, em suas variações nacionais ou transnacionais, tenham uma presença constante na historiografia.2 Afinal, se há algo que as pesquisas e os estudos sobre o tema demonstram é que a democracia só está segura enquanto o autoritarismo não se torna uma opção aceita por parte considerável da população. No momento em que posicionamentos autoritários são reconhecidos como soluções possíveis, ou que a nostalgia por tempos de repressão se torna um sentimento comum, é o momento em que os fantasmas do autoritarismo não estão mais nos rondando, mas já se encontram sentados à mesa, na sala de decisões, bebendo de nosso café. Daí a perene urgência de desenvolvermos esses estudos. Leia Mais

Amor Mundi: atualidade e recepção da obra de Hannah Arendt / Estudos Ibero-Americanos / 2017

Em meados do século passado, o historiador Fritz Ringer publicou a monumental obra O Declínio dos Mandarins Alemães (RINGER, 2000), na qual descreve o ambiente acadêmico alemão no período guilhermino e na República de Weimar. Em seu trabalho, a ressaca da Primeira Guerra Mundial e os perenes sentimentos de angústia, pessimismo e ansiedade conduzem a um progressivo sectarismo e isolamento da Academia alemã, que facilitará a adesão ao Nacional-socialismo por boa parte dos professores universitários a partir da ascensão de Hitler. Entretanto, ainda que esse momento trouxesse o declínio da influência desses mandarins sobre a sociedade alemã, não há dúvidas de que continuava a ser, entre ortodoxos e modernos, um grupo de letrados e eruditos de enorme prestígio. Herdeiros diretos do Iluminismo e do Idealismo alemão, formados por um rígido currículo e moldados na disciplina diletante, os acadêmicos alemães do período ganham reconhecimento do mundo inteiro.

Hannah Arendt é fruto dessa tradição. Com uma formação densa, pautada na erudição, no conhecimento da História e de vários idiomas, versada na tradição clássica que tanto irá influenciar seu trabalho, Arendt parece ter sido preparada por toda sua vida para o destino que a encontrou. Em seu caminho, errante e muitas vezes turbulento, entrou em contato com alguns dos maiores nomes da Academia do período pós-guerra, como Martin Heidegger, Karl Mannheim e, principalmente, Karl Jaspers, que viria a orientar sua tese de doutorado, O Conceito de Amor em Santo Agostinho (1997), e seria um interlocutor constante. Marcada pela fuga do nazismo e pelo exílio, tendo atuado como jornalista, ensaísta e professora, Hannah Arendt é conhecida pelos historiadores principalmente por suas obras Sobre a Revolução (2011), Eichmann em Jerusalém (1999) e Origens do Totalitarismo (2012), que é considerada seu Magnum Opus. A relação da autora com a História vai ainda além1 : ela utilizou constantemente conceitos históricos para discutir fenômenos políticos presentes e, em alguns de seus escritos, desenvolve a sua crítica da história monumental de Hegel e Marx, apontando para uma historiografia que deixa em aberto o espaço de eventos imprevisíveis e de contingência (“Todo aquele que, nas ciências históricas, acredita honestamente na causalidade, nega o objeto de estudo de sua própria ciência” [ARENDT, 2002, p. 50]). Mas foi mesmo com suas reflexões acerca do fenômeno totalitário que Arendt se tornou conhecida, primeiro nos Estados Unidos, onde se refugiara durante a guerra, depois no mundo.

Esse reconhecimento, entretanto, não foi imediato no meio acadêmico. De fato, como demonstra Kathryn Densberger (2008), até a década de 1980 eram poucos os estudiosos e as publicações que refletiam sobre sua obra, um panorama que começou a mudar na década seguinte, seguindo a publicação e alguns volumes de correspondências da autora, em particular suas cartas trocadas com Karl Jaspers (1992), Mary McCarthy (1995) e Martin Heidegger (1998). Isso despertou um novo interesse na obra da teórica em todas as áreas das Humanidades, que alcançou novo impulso a partir de 2002, com leituras e pesquisas voltadas à compreensão do fenômeno do terrorismo e da violência no campo público, e com as comemorações em torno do centenário de Arendt, em 2006.

Esse progressivo interesse pela obra de Hannah Arendt não ocorre sem críticas. Não são poucos os que a identificam como uma não acadêmica e não intelectual, para além daqueles que a ignoram solenemente após a rotularem como “liberal” – seja lá o que entendam com esse adjetivo. Arendt tem enfrentado, tanto em vida quanto após sua morte, críticas que abarcam não apenas as ironias feitas ao seu relatório Eichmann em Jerusalém (retratadas no filme de Margarethe Von Trotta, de 2012). Ela também é criticada por seu uso da polis grega como base de sustentação para sua argumentação, o que é apontado como uma suposta nostalgia conservadora ou um idealismo desapegado da realidade. Seu método também é alvo de censuras: sua teoria política carece de normatividade, de acordo com Seyla Benhabib (1996); sua escrita da História não apresenta a objetividade necessária, como aponta Eric Voegelin (1998); e a sua filosofia não tem rigor, de acordo com Axel Honneth (2014). Até mesmo sua representação do colonialismo europeu na África já foi acusada de eurocentrismo, quando não de racismo (KING; STONE, 2007).

Mas contra essas percepções críticas, a obra de Arendt vem ganhando espaço nas pesquisas e reflexões de acadêmicos nos últimos anos. A recepção de seus escritos tem a característica de ser naturalmente interdisciplinar, carregando consigo elementos da Teoria Política, da História e da Filosofia, abrindo novos campos e lançando novos olhares nas diferentes áreas das Humanidades. Arendt é uma pensadoraponte, ela facilita nossa inserção em terras vizinhas, mas cujo acesso nem sempre é tranquilo.

Também no Brasil, poucos foram os pensadores que ganharam a importância e que exerceram influência maior sobre as produções acadêmicas dos últimos anos que Hannah Arendt. A obra da filósofa alemã é uma referência constante nas reflexões e nos estudos brasileiros produzidos por especialistas das mais diversas áreas. Dentre os principais frutos que as sementes arendtianas geraram em Terra Brasilis encontramos trabalhos e pesquisas diversificados, desde as reflexões pioneiras de Celso Lafer (1979; 1988) passando por contribuições como a de Ricardo Benzaquen de Araújo (1988) e Eduardo Jardim (2007; 2011) até os recentes trabalhos de Edson Teles (2013), André Duarte (2000; 2010), Renata Schittino (2015) e Bethânia Assy (2008; 2015), entre muitos outros nas mais diversas áreas das Humanidades.

Tais esforços colocam a obra de Hannah Arendt no primeiro plano da produção brasileira, fornecendo uma estrutura de base fenomenológica para o pensamento da política e dos fenômenos políticos dos séculos XX e XXI. É no diálogo com Arendt, com seus conceitos de Autoritarismo, Totalitarismo, Liberdade, Ação, Política e, talvez sua contribuição mais disseminada, de Banalidade do Mal, que vários pesquisadores de primeira linha brasileiros encontram sustentação e inspiração para o desenvolvimento de seus próprios trabalhos.

Diante desse retrato, o presente dossiê busca apresentar um panorama da produção atual sobre e acerca da obra de Arendt, sendo dividido em duas partes: os primeiros quatro artigos, de autorias europeias, abordam temas e debates que demonstram exemplarmente as discussões mais atuais nos círculos arendtianos no velho continente; na segunda parte, os quatro artigos são de autoras latino-americanas, buscando apresentar uma amostra dos interesses e das apropriações da teoria arendtiana deste lado do Atlântico.

O texto que abre o dossiê é de autoria de Frauke Kurbacher, da Universidade de Wuppertal, na Alemanha. Nele, a filósofa dá importante contribuição para o entendimento da faculdade do juízo e de sua relação com a ação e o pensamento de Arendt, buscando suas origens nas Críticas kantianas. É na dimensão estética do julgamento que Kurbacher encontra a base para o pensamento arendtiano – e também, por extensão, para o agir. O agir é também o objeto do segundo texto, de autoria de Alexey Salikov e Alexey Zhavoronkov, ligados à Universidade de Kaliningrado / FU-Berlin e à Academia Russa de Ciências / Universidade de Erfurt. Aqui, a proposta de análise recai sobre o texto Da Revolução, de Hannah Arendt, e sua aplicabilidade na arena pública moderna.

Os dois artigos seguintes se referem a um tema de extrema importância e de grande debate na Academia europeia nos últimos anos. A crise dos refugiados ganhou os noticiários no ano de 2015, quando grandes levas de imigrantes tentaram adentrar o continente e as imagens de suas perigosas travessias – e das mortes que ocorreram em decorrência – consternaram o mundo inteiro. Os refugiados, como nos ensina Arendt (2009), se encontram em uma zona cinzenta, sem amparo de leis nacionais, sem uma estrutura internacional que os proteja. Tornam-se, para os Estados nacionais, uma massa de incertezas. Sobre essa situação atípica – mas tão típica de nossos tempos – discorrem Vlasta Jalušič, do Peace Institute for Contemporary Social and Political Studies e da Universidade de Ljubljana, e Helgard Mahrd, da Universidade de Oslo.

A segunda parte do dossiê, formada por autoras latino-americanas, tem como carro-chefe o artigo de Claudia Hilb, da Universidade de Buenos Aires. Aqui as reflexões de Arendt servem de ponto de partida para uma incursão sobre a memória da ditadura militar argentina, com particular ênfase sobre os aspectos da responsabilidade, do perdão e do mal. A ditadura chilena e a memória do período pinochetista é o tema da contribuição de María José López Merino, da Universidade do Chile, que reflete sobre o princípio da violência e o conceito de Totalitarismo e suas aplicações ao caso chileno.

O dossiê conta ainda com duas contribuições importantes para as pesquisas arendtianas da América do Sul: a primeira é de autoria de Claudia PerroneMoisés e Laura Mascaro, ambas da Universidade de São Paulo, e gira em torno do lugar da palavra e da narrativa na (re)constituição da história, assim como suas implicações nos tribunais de crimes contra a humanidade. Suas considerações, apesar de centradas no caso de Eichmann e levando em consideração também o de Barbie, serve como ponto de reflexão para os casos das ditaduras do Conesul. A segunda contribuição é de Julia Smola, da Universidade Nacional de General Sarmiento, da Argentina, que traz uma reflexão sobre o livro Da Revolução e suas implicações e relações com a teoria da ação de Arendt. É particularmente interessante em uma leitura combinada com o texto de Salikove Zhavoronkov, observando-se as motivações e pontos de partida de cada uma das contribuições.

O fechamento do dossiê traz a inestimável contribuição de Adriano Correia, da Universidade Federal de Goiás, que apresenta suas considerações sobre o livro essencial de Bethânia Assy, Ética, Responsabilidade e Juízo em Hannah Arendt.

Boa leitura!

Nota

1Para uma reconstrução da concepção de história em Hannah Arendt, ver Schittino, 2015.

Referências

ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Totalitarismo e revolução: o integralismo de Plínio Salgado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.

ARENDT, Hannah. Sobre a Revolução. São Paulo: Cia das Letras, 2011.

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______. Eichmann em Jerusalém. São Paulo: Cia das Letras, 1999.

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______. O conceito de amor em Santo Agostinho. Rio de Janeiro: Instituto Piaget, 1997.

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ARENDT, Hannah; JASPERS, Karl. Correspondence 1926-1969. Boston: Harcourt, 1992.

ARENDT, Hannah; McCARTHY, Mary. Between Friends: The Correspondence of Hannah Arendt and Mary McCarthy 1949-1975. Boston: Harcourt, 1995.

ARENDT, Hannah; HEIDEGGER, Martin. Letters 1925-1975. Boston: Harcourt, 1998.

ASSY, Bethânia. Hannah Arendt: An Ethics of Personal Responsibility. Berlin / Oxford / New York: Peter Lang, 2008.

______. Ética, responsabilidade e juízo em Hannah Arendt. São Paulo: Perspectiva, 2015.

BENHABIB, Seyla. The Reluctant Modernism of Hannah Arendt. Lanhan: Rowman & Littlefield, 1996.

DENSBERGER, Kathryn. A History of the Reception of the Work of Hannah Arendt & Why It’s So Popular Now. Paper presented at the annual meeting of the American Sociological Association Annual Meeting. Sheraton Boston and the Boston Marriott Copley Place, Boston, MA, July 31, 2008. Disponível em: . Consultado em: 12 jul. 2017.

DUARTE, André. O pensamento à sombra da ruptura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.

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JARDIM, Eduardo. A duas vozes – Hannah Arendt e Octavio Paz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

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KING, Richard H.; STONE, Dan (Org.). Hannah Arendt and the Uses of History. New York: Berghahn, 2007.

LAFER, Celso. Hannah Arendt: pensamento, persuasão e poder. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

______. A reconstrução dos Direitos Humanos – um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Cia das Letras, 1988.

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SCHITTINO, Renata. Hannah Arendt: a política e a história. Curitiba: Prismas, 2015.

TELES, Edson. Ação política em Hannah Arendt. São Paulo: Barcarolla, 2013.

VOEGELIN, Eric. Hannah Arendt. In: Über den Totalitarismus: Texte Hannah Arendts aus den Jahren 1951 und 1953. Dresden: Hannah Arendt Institut für Totalitarismusforschung, 1998.

Wolfgang Heuer – Professor livre-docente no Instituto Otto-Suhr de Ciência Política da Freie Universität Berlin. É historiador e doutor em Ciência Política pela Freie Universität Berlin. Entre suas principais publicações então os livros Hannah Arendt (Rowohlt, 1987), Citizen: Politische Integrität und politisches Handeln (Akademie, 1992), Couragiertes Handeln (zu Klampen, 2002) e a organização, com B. Heiter e S. Rosenmüller, do dicionário Arendt Handbuch: Leben – Werken – Wirkung (J. B. Metzler, 2011). E-mail: [email protected]

Vinícius Liebel – Historiador, doutor em Ciência Política pela Freie Universität Berlin. Autor de Politische Karikaturen und die Grenzen des Humors und der Gewalt (Budrich, 2011) e Humor, Propaganda e Persuasão: As Charges na Propaganda Nazista – uma análise dos jornais Der Stürmer (Alemanha) e Deutscher Morgen (Brasil) (NEA, 2017). Pesquisador associado do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos e Árabes (Niej), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: [email protected]


HEUER, Wolfgang; LIEBEL, Vinícius. Apresentação. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, v. 43, n. 3, set. / dez., 2017. Acessar publicação original [DR]

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Autoritarismo e conservadorismos políticos / História e Cultura / 2016

Tomando o Iluminismo enquanto momento inaugural da segunda modernidade, como ponto de inflexão para uma autorreflexão e para a busca pela racionalidade (Kant, 1968) e por uma autonomia política individual rumo ao cosmopolitismo (Kant, 1984 e 2004), percebe-se, em sua herança intelectual, dualidades básicas no centro das ações e das ideias políticas contemporâneas.

Essas dualidades referem-se, em essência, ao conflito fundamental pela inclusão ou exclusão de elementos ou grupos políticos de uma dada sociedade. Entre a evolução e o enraizamento, a tradição e a modernidade, observamos uma intensa contraposição, especialmente nos últimos dois “breves” séculos, de ideias e conceitos que fundamentam parte considerável das ideologias e a própria política moderna, como Nacionalismo e Cosmopolitismo, Conservadorismo e Liberalismo, Autoritarismo e Democracia, etc. (Funke et. al., 2011. p. 8). Essas contraposições dicotômicas se tornam ainda mais contrastantes em momentos de crises, quando ganham força posicionamentos e ideias conservadoras, assim como ações e políticas autoritárias.

Já no século XX, o avanço tecnológico e a composição da sociedade de massas trouxeram um novo momento, no qual os discursos e os meios de repressão se tornam ainda mais violentos, assim como crescem as possibilidades de interações e circularidade de ideias. Assim, as diversas formas do Conservadorismo e do Autoritarismo encontram nesse ambiente condições propícias para se desenvolverem e se relacionarem, ainda que tenham passado por modificações marcantes.

A partir dessas questões, que voltam à tona com intensidade em tempos recentes, surgiu o intuito do dossiê temático “Autoritarismo e Conservadorismos Políticos”, que os organizadores têm o prazer de apresentar. Os quatorze manuscritos selecionados demonstram a pertinência dos estudos sobre o tema e do próprio campo de estudos, suas vicissitudes, interações ou mesmo idiossincrasias, assim como diversas abordagens historiográficas possíveis.

Abrindo o volume, o texto de Thiago Possiede da Silva aborda a gestação de ideias e práticas autoritárias no Chile e suas implicações nas relações entre elites dirigentes e classes trabalhadoras durante a primeira década do século XX. Em recorte temporal semelhante, embora analisando a perseguição aos anarquistas no Brasil, o artigo de Bruno Corrêa Benevides auxilia a esclarecer a relação entre a negação de alteridade e repressão política que daria o tom às décadas seguintes.

Em relação ao papel desempenhado pelos intelectuais, dois artigos trazem novas análises sobre a construção de modelos autoritários baseados, de modo não mimético, em experiências externas. O texto de Felipe Xavier trata especificamente dos escritos de Delio Cantimori sobre a Alemanha nazista, enquanto a contribuição de Fábio Gentile analisa a questão do “autoritarismo instrumental” em Oliveira Vianna, assim como suas relações com o fascismo italiano.

Tratando especificamente de organizações fascistas (ou do fascismo enquanto movimento), Gabriela Grecco analisa a interação das porções “culturais” da Falange Española, suas relações e disputas face ao poder institucionalizado do Estado. Em relação às experiências e atividades da Ação Integralista Brasileira, Rodrigo Santos de Oliveira e Michelle Vasconcelos abordam o papel dos três principais intelectuais camisas-verdes na construção de um modelo totalitário à nação brasileira, enquanto Rafael Athaídes analisa as mensagens comoventes na imprensa integralista como estratégia política destinada às porções militantes, mas também ao projeto de nação.

Ainda sobre o integralismo brasileiro, todavia no período do “pós-guerra”, Leandro Pereira Gonçalves e Alexandre de Oliveira tratam da questão da problemática contingente militante na passagem da Ação Integralista Brasileira ao Partido de Representação Popular, que sem dúvida trazem implicações historiográficas.

Para além das formações e consequências de modelos autoritários que protagonizaram em especial o período do entreguerras, as contribuições ao dossiê também abrangem a segunda grande “onda” autoritária do século XX, cujo ápice decorre entre os anos 1960 e 1970. Da mesma forma que o primeiro bloco de artigos, neste os fenômenos também são analisados por várias autoras e autores a partir de abordagens diversificadas. É o caso, por exemplo, de Mila Burns, que trata sobre o papel da Diplomacia Brasileira na deposição de Salvador Allende em torno das interações entre atores e instituições internacionais. Já Juan Besoky aborda as disputas entre as porções da direita peronista que compõem o nacionalismo argentino durante a década de 1970.

A construção do regime de exceção brasileiro é analisada em duas contribuições. Thiago Nogueira de Souza analisa a movimentação anticomunista de parlamentares brasileiros da Ação Democrática Parlamentar, enquanto David Castro Netto trata sobre a relação entre propaganda, os manuais da Escola Superior de Guerra e o regime militar brasileiro. Já Gustavo Bianch, empreende uma leitura crítica sobre a tese do “oposicionismo nato” dos estudantes durante a ditadura, a partir da análise sobre organizações estudantis de direita.

Por fim, mas não menos importante, Bruno Biazetto, a partir da análise de percepções de intelectuais norte-americanos sobre o fenômeno conservador local, fornece uma ampla visão sobre o estado da arte, que se inicia na Era Reagan e se estende a expressões políticas como o Tea Party e a candidatura (e agora eleição) de Donald Trump.

Evidentemente, grande parte dos textos atentam para dinâmicas relacionadas a regimes de exceção – ou às tentativas de construção de ordens autoritárias. No entanto, conforme aventado, a hodiernidade da questão desconhece barreiras temporais ou mesmo divisões de mundo, inclusive entre “Ocidente” e “Oriente”. Assim, a entrevista realizada com o professor Dr. Andreas Umland, um dos expoentes nos estudos do autoritarismo pós-soviético, nos oferece uma visão acerca de um quadro complexo e por vezes pouco analisado do lado de cá, coroando a edição do presente volume. Como organizadores, esperamos que este dossiê auxilie a suscitar novas compreensões, discussões, possibilidades de pesquisas e, sobretudo, o diálogo entre as diferentes formas de vivenciar o mundo.

A todos (as), uma boa leitura!

Odilon Caldeira Neto – Professor substituto do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Doutor em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com estágio doutoral junto ao Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL). Investigador-coordenador da “Rede Direitas, História e Memória” (http: / / direitashistoria.net). E-mail: [email protected]

Vinícius Liebel – Historiador, doutor em Ciência Política pela Freie Universität Berlin (FU-Berlin). Pós-doutorado pela Universidade de São Paulo (USP). Professor colaborador do PPG-História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), bolsista Capes-PNPD na mesma instituição. E-mail: [email protected]


CALDEIRA NETO, Odilon; LIEBEL, Vinícius. Apresentação. História e Cultura. Franca, v. 5, n. 3, dez., 2016. Acessar publicação original [DR]

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Laços Sociais, Laços Transnacionais – da construção de vínculos na história / Estudos Ibero-Americanos / 2015

Laços sociais, familiares, geracionais, de amizade; laços de grupo, laços políticos, ideológicos, laços legais e laços diplomáticos. A história se movimenta com base em conjuntos e interações, onde mesmo o herói hegeliano, ainda que guiado pelo Espírito do Mundo, encontrará sua sustentação e palco de ação no coletivo – para o próprio Hegel, no Estado (HEGEL, 2001). Nas bases de todo poder está uma coletividade, pois, como nos ensina Hannah Arendt (1970, p. 44), ninguém, nem mesmo o tirano mais absoluto, governa realmente sozinho. Da mesma forma, ideias são formadas e aperfeiçoadas em conversas, sentimentos são desenvolvidos a partir do convívio, para cada aprendizado um professor ou um modelo é necessário. O ser humano não prescinde de seu semelhante, e o estabelecimento de laços surge como um desenvolvimento natural, uma condição inerente a esse animal social.

A escrita da História, os estudos e análises de períodos, fatos e conjunturas as mais distintas apontam para o protagonismo dos laços sociais, ainda que eles sejam por vezes tomados como autoevidentes. Tomemos o caso dos laços entre jovens europeus no século XVI, quando se observa a formação daquilo que se convencionou chamar de adolescência. Essa fase da vida dos jovens adultos passa a ganhar uma nova dimensão diante da reforma dos costumes, do aumento da idade para se contrair matrimônio e da diminuição das liberações. Criam-se assim elos entre os membros dessa faixa etária, acuados que são pela nova realidade. Tais laços resultarão em uma identidade de grupo / geração com consequências sociais de longa duração, dentre as quais a identificação desses jovens com um comportamento errático, rebelde, por vezes violento, “tipicamente adolescente”, em especial entre os jovens “machos” (MUCHEMBLED, 2012). As estruturas de dominação, por sinal, costumam ser gatilhos e reforços privilegiados para a criação e manutenção de laços. É nesse sentido que, no mesmo século XVI, o “ímpeto civilizador” age pela coibição do infanticídio na difusão de um discurso e de um imaginário moralizadores, reforçando a importância dos laços maternos. Isso se mostrou uma estratégia voltada não apenas para a contenção do assassínio das proles, mas também para inculcar uma responsabilidade materna nas mulheres e perpetuar estruturas de dominação masculinas naquela sociedade (LIEBEL, 2013).

A natureza dos laços sociais, assim se verifica, está estreitamente vinculada ao desenvolvimento de sentimentos e de emoções. Não por acaso, é em torno do sentimento de empatia que Lynn Hunt (2009) vai encontrar o sentido propulsor para a redação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, talvez a tentativa mais sólida da história de pensar o laço mais primordial que nos une a todos: a natureza humana. Não se trata, é claro, de localizar no século XVIII as origens da empatia. Como Ute Frevert (2013) argumenta, a própria bíblia, na parábola do bom samaritano, já mostra não ser esse sentimento uma novidade setecentista. Entretanto, é no século XVIII que se humaniza e se discute a positividade da empatia. Não é por acaso que filósofos como Schopenhauer, já na virada do século XIX, podem pensar o humanismo em sentido amplo, com reflexos, por exemplo, nas relações entre humanos e animais1. Tais laços são fundamentados em termos éticos, e Schopenhauer (2006, p. 128 et seq.) acaba por declarar: quem faz mal a um animal não pode ser boa pessoa (könne kein guter Mensch sein).

Não por acaso, tais reflexões fornecerão aos séculos XIX e XX boa parte do combustível para novas teorias, ideologias e revoluções. Ao mesmo tempo em que se “descobrem” novos laços, os mesmos laços são responsáveis pela formatação de identidades cada vez mais fragmentadas. Com exceção dos laços generalizantes (universalismo, cosmopolitismo, humanismo), cada novo elemento que se agrega à identidade (coletiva ou individual) deixa de formar pontes para começar a criar muros cada vez maiores2. Dessa forma, laços nacionais, transnacionais, religiosos, raciais, ideológicos ou de classe assumem lugar central e cada vez maior como motores da história, levando o século XX a ser descrito, como tantas vezes o foi, o século da violência.

O dossiê que o leitor tem em mãos tenta lidar com essa estranha dicotomia existente quando pensamos os laços sociais: suas forças centrífuga e centrípeta, seus princípios agregadores e delimitadores. O mesmo laço que une pode também servir para separar, e a formação de grupos, identidades e imaginários acaba sendo seu produto mais evidente – e fonte de estudo e interpretação dos historiadores. Na composição do presente dossiê, os textos foram separados em duas seções: Laços Políticos e Laços Sociais. Ainda que elementos sociais e políticos tenham a tendência a se mesclar e se confundir, optou-se por essa distinção que privilegia o campo do político, do pensamento e da ação conjunta e institucional, das paixões e ideologias políticas, frente a temas diversos, como os laços familiares, os laços culturais e os laços corporativistas.

Abrindo o primeiro grupo de artigos, a professora Claudia Viscardi traça um importante panorama conceitual envolto às ideias de república e de democracia na primeira década do período republicano brasileiro. Período ainda conturbado, marcado pela insegurança dos próprios republicanos quanto ao sucesso do novo regime, os anos que se seguem a 1889 assistem a uma constante busca por uma nova identidade e formatação da estrutura política. Nesse contexto, a definição conceitual se torna um imperativo, e a construção e remodelação do discurso andam de mãos dadas com a própria construção das novas instituições. É nesse sentido que Viscardi toma a Constituição de 1891 como base de estudo, analisando as estruturas discursivas envoltas em sua promulgação e as subsequentes modificações e (re)interpretações conceituais que vão possibilitar a manutenção do poder das elites – em uma demonstração sutil dos muros que alguns laços podem construir – e resguardá-las de sua “demofobia”. É também a formatação – filosófica, conceitual e ideológica – do movimento fascista espanhol e do Primeiro Franquismo que é objeto de análise de Xosé Manoel Núñez Seixas. Sua abordagem, entretanto, é marcada fortemente por uma perspectiva transnacionalista, buscando vislumbrar os reflexos germânicos que despontam, entre 1930 e 1940, em terras espanholas. Os laços intelectuais, ideológicos e diplomáticos ganham espaço no texto de Seixas. É a influência da Academia alemã, da ideologia nacional-socialista e da estrutura – e propaganda – do Terceiro Reich sobre jornalistas e intelectuais conservadores espanhóis que se converte no tema central do artigo do professor galego da Universidade Ludwig-Maximilians, de Munique.

Seguindo o mote da temática das ditaduras, Augusto Nascimento toma São Tomé e Príncipe, um dos PALOP que sofreram a dominação colonial salazarista, e o jornal “A Voz de S. Tomé” como objetos de seu estudo. Mais especificamente, o autor analisa a configuração do espaço e a dinâmica da opinião pública em um país que, apesar de colonizado, encontrava-se longe, em variados sentidos, da realidade da metrópole. Longe e perto são adjetivos importantes também na leitura do texto de Maria Letícia Mazzuchi Ferreira e Francisca Ferreira Michelon, que escrevem sobre a exposição de fotografias de vítimas de ditaduras sul-americanas em acervos de museus. A distância temporal para os regimes opressivos é encurtada pela imagem, trazendo para o observador o que as autoras bem descrevem no título de sua contribuição como “cicatriz da memória”. A sensibilidade, a empatia e os laços humanos da memória se mostram elementos fundamentais na reflexão que as autoras instigam sobre as relações entre retrato e presentificação, ou, em um sentido warburguiano, sobre as relações fantasmáticas da imagem. Finalizando a primeira seção da revista, o texto de Fábio Chang de Almeida reflete sobre a nova direita política de Portugal, enfatizando seu caráter grupuscular (GRIFFIN). Tal aspecto tem uma dupla consequência em termos de laços políticos: a primeira é o caráter diminuto desses novos agrupamentos políticos extremistas, que não ganham representatividade por seu caráter massivo; a segunda é a sua capacidade extrema de comunicação (com as novas mídias sociais) e de coligação, proporcionando oportunidades para que sua influência e relevância aumentem.

A segunda seção, Laços Sociais, conta ainda com quatro artigos que focam suas análises em questões diversas dos relacionamentos interpessoais e grupais, bem como nas tramas tecidas na organização e ordenamento de diferentes campos e aspectos do tecido social. Rodrigo Ceballos, em sua contribuição, apresenta uma análise dos laços (familiares e comerciais) e das heranças deixadas pelos portugueses na região do Rio da Prata, de onde foram expulsos no século XVII. Dois séculos adiante é situada a baliza temporal fixada por Mateus Fernandes de Oliveira Almeida para analisar os laços corporativistas i.e. associativistas durante o Segundo Reinado brasileiro. O texto de Almeida, situado no grande campo da História do Trabalho, abrange o tema fundamental da identidade dos trabalhadores, a concepção de unidade e reconhecimento dentro de um métier, além da subjetividade inerente a esses laços, como a noção da moralidade e da solidariedade para com seus pares. A identidade e a solidariedade são também temas centrais do texto de Érica Sarmiento e Lená Medeiros de Menezes, que tomam o caso dos imigrantes ibéricos no Brasil da Primeira República para analisar aspectos variados da vivência na capital nacional do período. A complexidade da identidade servia, a um só tempo, para aproximar e afastar lusitanos e galegos, formando redes intrincadas de relações de apoio e de hostilidade. A condição de imigrante favorecia também, em alguns casos, a entrada no mundo dos pequenos delitos, dentre os quais as autoras destacam os jogos de azar (especialmente o jogo do bicho). Tais atividades colocam os imigrantes ibéricos na mira da polícia brasileira, revelando alguns de seus mecanismos e táticas de repressão. Finaliza a seção de artigos o texto de Daniel Melo, que também trata de aspectos identitários ao destacar, enquanto peças basilares das identidades culturais brasileira e portuguesa, as marchas populares de Lisboa e o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro. Em um exercício de História Comparada, aspectos transnacionais de mútua influência são destacados pelo autor, que faz ainda inferências acerca do papel dos regimes ditatoriais na configuração dessas festas.

O dossiê conta ainda com uma resenha, escrita por Rodrigo Santos de Oliveira, da obra La trama autoritária. Derechas y violência en Uruguay (1958-1966). O livro de Magdalena Broquetas é, ele também, um estudo sobre as construções de laços políticos e a atuação das alas conservadoras uruguaias até o momento anterior à implantação da ditadura militar no país. Por fim, o presente dossiê traz o lançamento de uma nova seção na EIA com a publicação de entrevista, conduzida e traduzida por Vinícius Liebel, com o professor Wolfgang Heuer, da Freie Universität Berlin (FU-Berlin). Nela o pesquisador alemão responde a perguntas pertinentes ao dossiê e a discussões historiográficas atuais, falando sobre a ascensão das direitas no mundo, movimentos contestatórios e ações coletivas e individuais no cultivo e preservação de nossa dignidade humana.

Notas

1 Sobre o processo de constituição desses laços entre homens e animais, ver: Thomas, 2010.

2 Lembremos do estudo de Norbert Elias e John Scotson (2000) que analisa, no microcosmo da cidade de Winston Parva, o lugar dos laços sociais na constituição de uma dinâmica opressora e delimitadora. Com bases na tradição e no carisma, configuram-se dois grupos essenciais de cidadãos que os autores denominam estabelecidos e outsiders. É com base nessa caracterização que toda a carga envolvida nos valores de pertencimento e de exclusão servirá ao domínio e à conservação do status quo na comunidade.

Referências

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ELIAS, Norbert; SCOTSON, John. Os Estabelecidos e os Outsiders. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

FREVERT, Ute. Vergängliche Gefühle. Göttingen: Wallstein, 2013.

GRIFFIN, Roger. From slime mould to rhizome: introduction to the groupuscular right. Patterns of Prejudice, Londres, Routledge, v. 37, n. 1, 2003.

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. A Razão na História: uma introdução geral à filosofia da História. São Paulo: Centauro, 2001.

HUNT, Lynn. A Invenção dos Direitos Humanos. São Paulo: Cia. das Letras, 2009.

LIEBEL, Silvia. Les Médées Modernes: la cruauté féminine d’après les canards imprimés (1574-1651). Rennes: P.U. Rennes, 2013.

MUCHEMBLED, Robert. Uma História da Violência – do fim da Idade Média aos nossos dias. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012.

SCHOPENHAUER, Arthur. Preisschrift über die Grundlage der Moral. Hamburg: Felix Meiner, 2006.

THOMAS, Keith. O Homem e o Mundo Natural – mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais (1500-1800). São Paulo: Cia. das Letras, 2010.

WARBURG, Aby. Histórias de Fantasmas para Gente Grande. São Paulo: Cia. das Letras, 2015.

Equipe Editorial – Formada por: Leandro Pereira Gonçalves (editor); Charles Monteiro (editor executivo); Vinícius Liebel e Luciana da Costa de Oliveira (gestão editorial); Daniela Garces de Oliveira, Geandra Denardi Munareto e Waldemar Dalenogare Neto (assistentes editoriais).


GONÇALVES, Leandro Pereira; MONTEIRO, Charles; LIEBEL, Vinícius; OLIVEIRA, Luciana da Costa de; OLIVEIRA, Daniela Garces de; MUNARETO, Geandra Denardi; DALENOGARE NETO, Waldemar. Apresentação. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, v. 41, n. 1, jan. / jun., 2015. Acessar publicação original [DR]

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