Usos do passado, ética e negacionismos/Fronteiras – Revista Catarinense de História/2023

Introdução

A questão dos usos públicos e políticos do passado, a dimensão ética do discurso histórico e a proliferação dos negacionismos históricos são temas que vêm ocupando cada vez mais espaço na agenda de investigação no campo historiográfico contemporâneo. A maior atenção dada a essas temáticas é motivada por fatores diversos e interligados. A digitalização da vida social, que favorece a apropriação episódica de elementos do passado (em detrimento de abordagens mais processuais que caracterizam a historiografia disciplinar), somada ao acirramento das guerras culturais (ROCHA, 2021) que são alimentadas, em larga medida, pela disseminação de narrativas históricas que contestam consensos estabelecidos em nome da defesa de posições político-ideológicas, tem produzido efeitos cada vez mais sensíveis na vida social e política no Brasil e em outros países do globo. Leia Mais

Revisionismos, negacionismos e usos políticos do passado | Cadernos de Pesquisa do CDHIS | 2021

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Defesa da ciência também foi pauta dos atos contra a gestão Bolsonaro | Foto: Sergio Lima/ AFP

Nas três últimas décadas a publicação de obras relacionadas aos usos do passado cresceu no campo historiográfico brasileiro. A polêmica sobre as inovações dos estudos sobre o escravismo e a divulgação da tradução de Os Assassinos da Memória, de Pierre Vidal-Naquet (1988), acentuaram o debate de historiadoras e historiadores profissionais acerca das representações sobre o passado e de seus usos políticos, além do papel da ideologia na fabricação desses discursos e as implicações éticas presentes na escrita sobre temas sensíveis, como o escravismo, o holocausto judeu e outros genocídios.

A consolidação dessa discussão e os movimentos de revisão de temas variados, prática típica da historiografia, permitiram que a academia nacional avançasse rumo à produção de conhecimento sobre objetos clássicos como revisionismo e negacionismo. Alguns autores dedicaram seus trabalhos à reflexão sobre tais conceitos ou práticas a eles associados a partir de debates sobre o negacionismo da barbárie nazista (JESUS, 2006), os revisionismos sobre a ditadura civil-militar brasileira (MELO, 2014; 2017) e, em parte, sobre as correntes revisionistas da historiografia sobre a União Soviética e sobre a Ásia (SEGRILLO, 2010; 2017). Para além do debate estritamente acadêmico houve também a tentativa de trazer a discussão para meios de maior acesso, como canais do Youtube ou podcasts em diversas plataformas, como o Leitura ObrigaHISTÓRIA e o História FM. Leia Mais

Negacionismos e usos da história | Revista Brasileira de História | 2021

Bolsonaro Negacionismos Negacionismos
Negacionismos | Fotomontagem: Jornal da USP

Como certos passados, sistematicamente escrutinados pelos historiadores, amplamente debatidos e largamente documentados, podem ser simplesmente negados ou apresentados como invenções motivadas por interesses escusos? O que leva grupos e indivíduos a duvidarem da existência do Holocausto, da ditadura militar brasileira, dos incontáveis genocídios ao redor do mundo ou da escravidão que, ao longo de mais de três séculos, moldou as formas sociais do capitalismo moderno? Quais são as operações intelectuais, afetivas, políticas e ideológicas que envolvem e inscrevem os desafios e interrogações lançados pelos negacionismos à história, como conhecimento organizado do passado, aos seus usos políticos, apropriações e condições de produção da verdade?

Estas questões estiveram nas origens deste dossiê e agora são aprofundadas pelos artigos que o compõem. Eles apresentam um arco diversificado de reflexões acerca das variadas formas de visibilidade do negacionismo e do revisionismo ideológico no espaço público, bem como se propõem a pensar o papel da escrita da história e dos historiadores em seu enfrentamento. Evidentemente, explorar todas as respostas possíveis para as perguntas anteriores nos levaria a perscrutar um domínio inalcançável de análises produzidas por áreas que, ao longo das últimas décadas, procuraram decifrar a complexidade do fenômeno negacionista. Nossos objetivos são outros. Leia Mais