História e Ficção em Paul Ricoeur e Tucídides | Martinho T. M. Soares

Em sua tese de doutoramento na Universidade de Coimbra, Portugal, Martinho Soares aborda uma lacuna relevante na história da teoria contemporânea da historiografia: o papel do paradigma historiográfico de Tucídides nas reflexões do filósofo Paul Ricoeur; o primeiro uma referência clássica que resiste pertinente e atual há milênios, o segundo talvez quem melhor sintetizou a polêmica sobre a relação entre histórica e ficção ao longo do séc. XX. O objetivo é em si problemático: Soares está ciente que Ricoeur cita Tucídides apenas em notas, não dedica nem uma página para análise específica de sua obra, e não apresenta indícios de conhece-la a fundo, para além de alguns de seus comentaristas modernos mais ilustres (SOARES, 2014, p.23). No entanto, Tucídides é um marco inaugural, exercendo inegável influência em intelectuais com quem Ricoeur dialoga, principalmente historiadores e teóricos modernos que o viam como paradigma de historiografia antiga. Se o filósofo moderno foi a pedra angular nos intensos debates do séc. XX sobre história e ficção, os estudos sobre a fortuna crítica da obra História da Guerra do Peloponeso extrapolam o próprio ambiente acadêmico, como demonstram os constantes apelos às lições tucideanas em situações geopolíticas contemporâneas2. Para cumprir tal tarefa Soares divide seu livro em duas partes: a primeira, mais longa, dedica-se exclusivamente à Ricoeur; a segunda aborda Tucídides, mas seguindo uma estrutura organizacional estabelecida com base na leitura da obra ricoeuriana.

A primeira parte é a própria sistematização da contribuição do filósofo francês que, nas palavras de Soares (2014, p.18), serviu de “pretexto para uma compilação, inédita em Portugal, de teorias (e pensadores), ora complementares ora antagônicos, sobre história e ficção”. Em quatro capítulos, Soares refaz o longo percurso da contribuição ricoeuriana: começa em Histoire et Vérité (1964) no capítulo I, passando pelos três volumes de Temps et Récit (1983- 1985) nos capítulo II e III, e finalmente se concatena em La mémoire, l’histoire, l’oubli (2000) no último capítulo desta primeira parte do livro de Soares.

No capítulo I são abordadas as primeiras reflexões de Ricoeur sobre objetividade e subjetividade na interpretação histórica, que desembocam no capítulo II sobre a dialética entre explicação e compreensão histórica. Este segundo capítulo refaz o percurso duplo de Ricoeur que perpassa, de um lado, o eclipse da narrativa histórica, o qual envolve tanto a historiografia francesa dos Annales quanto o modelo nomológico de língua inglesa; e de outro lado, as teses narrativistas que, oriundas da filosofia analítica e da crítica literária, focam no papel da narrativa na historiografia, cujos nomes mais conhecidos são Hayden White e Paul Veyne.

A concepção narrativista, que pode ser simplificada na máxima “narrar já é explicar”, torna opaca a fronteira entre história e ficção, o que certamente serve de gatilho para a maior parte das reflexões de Paul Ricoeur. Contra ambas tendências – rejeitar a narrativa histórica em prol de seu caráter científico ou ofuscar seu caráter veritativo por conta da sua dimensão narrativa – Ricoeur interpôs sua dialética sobre o papel da compreensão narrativa à explicação histórica, restaurando a função da ficção na configuração narrativa histórica. O saber histórico procede da compreensão narrativa, resguardando seu caráter investigativo alicerçado na interpretação dos traços do passado, prática na qual a intenção do historiador não deixa de ter sua marca subjetiva, sem negar seu caráter epistêmico (SOARES, 2014, p.53, 76). Assim, Soares revisita as teses de Ricoeur de forma a sedimentar os instrumentos de análise com o qual abordará a obra tucideana.

Se a história precisa de narrativa para ser compreendida, a última não deixa de definirse pela sua relação com o tempo. O capítulo III de Soares concentra-se no itinerário de Ricoeur sobre o tempo desde a dimensão fenomenológica (tempo vivido) até histórica (tempo histórico e narrado). Soares sintetiza ideias já conhecidas de Ricoeur sobre a distentio animi de Agostinho de Hipona, a teoria das três mimeses e as abordagens da ficção do século XX sobre as aporias do tempo vivido, de forma a desembocar no axioma de que o tempo se torna humano na medida em que é articulado de modo narrativo. Deste longo percurso, Soares retém a narrativa enquanto tríplice mimese da prefiguração ética, configuração narrativa e refiguração receptiva (ou leitura). Tal tríplice noção de narrativa organiza a leitura que Soares faz da História da Guerra do Peloponeso na segunda parte da obra. Na fase final da vida intelectual de Ricoeur, o prestígio da narrativa havia se restabelecido na historiografia francesa, devido a fatores que vão do ressurgimento da história política, e perpassa a micro-história e principalmente a predominância do conceito de representação histórica. Daí que Soares concentre-se no capítulo IV sobre os conceitos de representação e representância, especialmente se a narrativa histórica e seu encadeamento do tempo resolve (ou não) as aporias da representação mnemônica enquanto presença do ausente. A questão envolve debates éticos intensos sobre a possibilidade de representação do holocausto judeu e o risco do fortalecimento do negacionismo histórico, com as teses narrativistas que ofuscam a fronteira entre histórica e ficção. Até aqui, pode-se parabenizar a leitura industriosa que Soares faz de Paul Ricoeur, mas não sem notar o longo percurso percorrido até finalmente concatenar tais reflexões com o texto tucideano.

A segunda parte volta-se para Tucídides em dois capítulos. O primeiro se preocupa com a noção de história e verdade na obra, revisitando discussões já consagradas sobre a noção de “ktema es aei” (tesouro para sempre) e sobre o procedimento de composição dos discursos na História da Guerra do Peloponeso. O segundo capítulo se desdobra na aplicação dos três estádios ricoeurianos da operação historiográfica na obra: a fase documental (prefiguração compreendida como testemunhos, indícios e prova documental), a fase narrativa, (explicaçãocompreensão e configuração narrativa), e a fase da refiguração ou leitura, que concentra-se nas estratégias retórico-persuasivos e seus efeitos de “fazer ver” (SOARES, 2014, p.405-406). Em contraste com Heródoto, Tucídides é lacônico e reticente ao expor suas fontes e procedimentos de investigação, logo Soares admite e enfatiza as dificuldades em abordar a metodologia histórica da obra, bem como sua inadequação para os parâmetros modernos (2014, p.502-504, 545-549). A leitura de Soares, portanto, desenvolve-se melhor quando aborda as estratégias persuasivas do autor ateniense, de forma a encontrar nelas ecos das teses de Ricoeur.

O estudo é industrioso e pertinente, mas desmembrar a análise em duas partes acaba por ser simultaneamente uma qualidade e um defeito da pesquisa. Sua exposição sobre Ricoeur revela excelência e domínio das discussões, por outro lado, alonga-se demasiadamente divorciada do seu segundo objeto de pesquisa. Isto significa que não teremos notícias de Tucídides pelas 360 páginas e 4 capítulos que compõem a primeira parte da obra. Da segunda parte, somente o segundo capítulo propõe interpelação direta entre Ricoeur e Tucídides, ou seja, de um volume de 600 páginas o leitor pode esperar tal confronto apenas na última centena, e ainda assim de forma tímida, ao que se segue uma conclusão extremamente sucinta.

No entanto, as sendas abertas pela pesquisa de Soares são profícuas, por exemplo, na abordagem do método de composição de discursos de Tucídides (I. 22.1-2) à luz das teses ricoeurianas. Desde Heródoto a dramatização (no sentido de “representação da ação”) de discursos e debates oratórios são conectores de acontecimentos que conferem sentido a estes tanto progressivamente (antecipam fatos ainda não narrados) como regressivamente (julgam e explicam fatos já narrados), assim o historiador revela ao leitor as disposições dos agentes históricos frente a uma ação inacabada, bem como expectativas frustradas ou não pelos acontecimentos desenrolados (SOARES, 2014, p.454-455). Ainda que construção subjetiva, os discursos ligam-se à interpretação dos acontecimentos, na medida em que funcionam como narração-explicação do sucesso ou insucesso das ações (SOARES, 2014, p.479). Tucídides na sua escrita não procura a descrição asséptica de acontecimentos, mas enreda-os narrativamente. Tal procedimento revela ressonância evidente com a tríplice mimese ricoeriana, na medida em que exige do historiador uma prefiguração ética na avaliação e seleção das fontes e traços do passado, bem como uma configuração narrativa na forma de ação (discurso e acontecimento), e por fim, subscreve a intenção deste em elementos persuasivos que visam alcançar a refiguração do leitor capaz de reconhecer o que foi ali prefigurado e configurado.

Soares desdobra-se com competência na apresentação destas questões, no entanto, lidar simultaneamente com a tradição milenar da hermenêutica tucideana e a profundidade das discussões de Ricoeur é, de fato, muito trabalhoso, e a pertinência destas fontes acaba por ofuscar a marca autoral de Soares. O diálogo entre duas referências fundamentais para a historiografia, no qual consiste a originalidade da obra, acaba ficando frágil na separação rígida das duas partes do livro.

Soares ressalta especialmente o papel da narrativa como uma forma da história “cativar o público”, “se dar a ler” (2014, p.30), em suma, “uma forma estilizada de apresentar a verdade”, sendo esta a “tese maior” que pretende expor (2014, p.483), e defende enfaticamente a fronteira entre história e ficção, e talvez por isso privilegia a função ornamental e persuasiva da narrativa. Afirmar isto parece subestimar o papel da narrativa na configuração do tempo histórico: as reflexões de Ricoeur e a metodologia de Tucídides apontam que a ficcionalização dos fatos está para além da persuasão e do elemento imagético (ou cor local) da história: ela é a forma privilegiada de expressar o pensamento e a compreensão do historiador sobre as ações humanas no tempo, resolvendo poeticamente o embaraço da distentio animi agostiniana e a própria noção aristotélica de história enquanto narrativa episódica, sem vínculo com o provável e o necessário. Sua discussão do confronto entre a Poética aristotélica com a obra de Tucídides (2014: p.552-565) faz excelente balanço bibliográfico da questão, mas não responde se Tucídides almejava configurar um tempo histórico nos moldes ricoeurianos a partir das suas generalizações, ou se ele de fato tentava se aproximar do cronista imaginado por Aristóteles que narra indiscriminadamente o que “Alcibíades fez ou sofreu”. Soares opta por descrever Tucídides como parte poeta e parte historiador (2014, p.561-565), e por fazer eco às teses que Aristóteles não reconhecia nele um historiador, mas sim um pensador político (2014, p.552- 558).

Esta indefinição, no entanto, tem implicações. Por exemplo, Soares afirma, com base em A. W. Gomme (1954), que os contrastes dramáticos de Tucídides residem nos próprios acontecimentos que “se sucedem no tempo, sem nada de relevante entre eles” (SOARES, 2014, p.492), o que faz parecer que o historiador apenas revela os acontecimentos sem precisar configurá-los narrativamente. Isto deixa em segundo plano a configuração narrativa que Ricoeur extrai da Poética de Aristóteles (“um por causa do outro” ao invés de “um depois do outro”) e faz parecer que Tucídides seguia uma sucessão natural dos eventos, e nãos os compôs e enredou numa síntese do heterogêneo. Tucídides poderia ter apresentado outros eventos menores entre a sucessão, poderia ter-se dado às digressões tipicamente herodoteanas, mas é na disposição das ações que reside o efeito dramático alcançado, que não se pode atribuir aos próprios acontecimentos sem subestimar o papel da configuração narrativa, que Soares claramente não ignora de todo, mas ao longo do texto dá mais ênfase ao seu papel ornamental e persuasivo, especialmente na sua discussão sobre o “fazer ver” o passado, sua exposição sobre os conceitos de enargeia e ekphrasis (2014, p.582-595).

Em conclusão, Soares faz justíssima representação das teses ricoeurianas e das principais discussões em torno da obra de Tucídides, mas na hora de enredá-las em conjunto na sua própria configuração narrativa, oferece ao leitor uma interpretação que, por vezes, subestima a complexidade da configuração narrativa histórica enquanto síntese do heterogêneo e ordenador do tempo humano e histórico, ao menos no que diz respeito na sua interpelação das teses ricoerianas com o texto tucideano. Esta característica não apaga o brilho das conquistas de Soares, pois o leitor da sua obra pode esperar excelente abordagem da contribuição de Ricoeur sobre história e ficção, bem como uma expedição competente aos debates em torno da obra tucideana, cuja sombra projetou-se desde as teorias positivistas e metódicas da história do séc. XIX até as teses narrativistas que agitaram o debate historiográfico no séc. XX.

Nota

2. Para um estudo de dois casos relevantes nos quais o paradigma tucidideano foi invocado em contextos geopolíticos contemporâneos ver PIRES, Francisco Murari. “O General Marshall em Princeton, Tucídides na Guerra Fria”. História da Historiografia n. 2, 2009, pp. 101-115.

Referências

GOMME, A. W. The Greek atitude to poetry and history. Berkeley: University of California Press: 1954

RICOEUR, Paul. Histoire et Vérité. Paris: Seuil, 1964 (2003).

______. Temps et Récit – Tome I. Paris: Seuil, 1983 (2005).

______. Temps et Récit – Tome II. Paris: Seuil, 1984 (2005).

______. Temps et Récit – Tome III. Paris: Seuil, 1985 (2005).

______. La mémoire, l’histoire, l’oubli. Paris, Seuil, 2009.

SOARES, Martinho T. M. História e Ficção em Paul Ricoeur e Tucídides. Fundação Eng. António de Almeida: Porto, 2014, 638 pp.

Denis Renan Correa – Professor Adjunto II na área de História Antiga e Medieval na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e estudante de doutoramento da Universidade de Coimbra.


SOARES, Martinho T. M. História e Ficção em Paul Ricoeur e Tucídides. Porto: Fundação Eng. António de Almeida, 2014. Resenha de: CORREA, Denis Renan. História e Ficção em Paul Ricoeur e Tucídides por Martinho Soares. Aedos. Porto Alegre, v.11, n.24, p.388-393, ago., 2019.Acessar publicação original [DR]

La aventura de la filosofa francesa a partir de 1960 – BADIOU (RFMC)

BADIOU, A. La aventura de la filosofa francesa a partir de 1960. Trad. Irene Agof. Buenos Aires: Eterna Cadencia, 2013.1. Resenha de: ALBA, Fernando Roberto. Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.2, p.107-101, n.2, 2014.

El momento analizado en la obra es comparado con el de la Grecia clásica o el del idealismo alemán respecto a su amplitud, singularidad y novedad. La plétora de autores y la diversidad de movimientos (existencialismo, estructuralismo, deconstrucción, posmodernismo, realismo especulativo…) es tal que ridiculiza la actual escena filosófica francesa, la cual para el filósofo está “generosamente poblada de impostores”. Entre la publicación de El ser y la nada (1943) de Jean Paul Sartre y el último libro de Gilles Deleuze ¿Qué es la filosofía? (1991), instante breve, intenso y creador, acontece lo que Alain Badiou no vacila en llamar “filosofía francesa contemporánea”.

El tema se constituye en un presupuesto fundamental y transversal a la obra que el también dramaturgo y novelista francés reconstruye como cartografía de momentos y localizaciones particulares de una filosofía singular. En este sentido, la empresa de Badiou es indagar por la existencia o no de una “unidad histórica e intelectual” que bien podría cobijar la contingencia de un work in progress en el pensamiento francés desde la segundad mitad del siglo XX.

Ahora bien, Badiou advierte claramente cómo el sintagma “filosofía francesa” se desentiende de cualquier sentido etnocéntrico, incluso en lo referido al antiamericano french touch. Bien es cierto, existen unos momentos filosóficos excepcionales y singulares como el señalado en la obra, dicha singularidad es capaz de generar repercusiones universales y es precisamente en esa universalidad que Badiou inscribe el prolífico panorama de la filosofía francesa contemporánea.

En efecto, el horizonte descrito por el filósofo es presentado en términos de una “aventura del pensamiento”, toma cuerpo como compilación y se constituye por autores tan diversos como Gilles Deleuze, Alexandre Kojève, Georges Canguilhem, Paul Ricoeur, Jean Paul Sartre, Louis Althusser, Jean François Lyotard, Françoise Proust, Jean Luc Nancy, Barbara Cassin, Christian Jambet, Guy Lardreau y Jacques Rancière. No obstante, a esta misma se suma la ya descrita y caracterizada en Petit panthéon portatif (2008): Jacques Lacan, Jean Cavaillès, Jean Hyppolite, Michel Foucault, Jacques Derrida, Jean Borreil, Philippe Lacoue-Labarthe y Gilles Châtelet.

En dicho texto Badiou daba inicio a un tríptico que establecía claramente la empresa retomada por la presente obra y que el autor, en el prefacio, promete completar con una tercera entrega que bien haría justicia a aquellos autores pasados por alto, ya sea porque su obra se estabilizó o por su prematura muerte (Monique DavidMénard, Stéphane Douailler, Jean Claude Milner, François Regnault, François Wahl), ya sea por su temprana juventud filosófica, pues para Badiou “en filosofía, la madurez es tardía” (BADIOU, 2012: 8).

En esta perspectiva, la búsqueda de una unidad histórica e intelectual que cobije a estos autores hace que Badiou enuncie una caracterización arriesgada y ciertamente discutible en las páginas que componen el prefacio, cuyos temas se encuentran en buena parte desarrollados en el texto “Panorama de la filosofía francesa contemporánea” (2005). De manera que Badiou emprende inicialmente una “genealogía del momento filosófico”, el cual emerge a principios del siglo XX con el establecimiento de dos corrientes bien diferentes: una filosofía de la interioridad vital -son un referente las conferencias impartidas por Henri Bergson en Oxford en 1911, publicadas como La pensée et le mouvant (1969)- y una filosofía del concepto apoyada en las matemáticas -la publicación de Les Étapes de la philosophie mathématique de Brunschvicg en 1912 es vista como la obra icónica de esta tradición-. Total que estas dos corrientes de pensamiento terminan por postular un problema transversal a la filosofía gala, a saber, el sujeto.

La cuestión del sujeto organiza el periodo en mención al ser la parte común de las dos orientaciones de la filosofía. El sujeto, en últimas, está llamado a interrogarse sobre su vida subjetiva y orgánica, así como sobre su pensamiento y su capacidad creadora en una batalla conceptual que a menudo tomó la forma de una controversia respecto a la herencia cartesiana en la filosofía de la posguerra. El filósofo francés señala una estrecha relación entre el problema en cuestión y algunas “operaciones intelectuales” o “metódicas” que buscan identificar el momento filosófico. Tal es el caso de la llamada “operación alemana” en torno al problema de la herencia del pensamiento germano, cuyos ecos Badiou ubica en el seminario que impartió Kojève sobre Hegel y que influyó de forma determinante tanto Lacan como a Lévi-Strauss; a su vez en el descubrimiento de la fenomenología por filósofos del treinta y del cuarenta (Sartre, Merleau Ponty); en la interpretación “absolutamente original” que hizo Derrida del pensamiento alemán, así como en la influencia de Nietzsche en Foucault y en Deleuze, y, finalmente, en los ensayos de Lyotard, Lardreau, Deleuze y Lacan sobre Kant.

De suerte que a dicha operación subyace el objetivo de encontrar en la filosofía alemana nuevos medios para tratar la “relación entre concepto y existencia”. Para la cual, sin importar su denominación: “deconstrucción”, “existencialismo”, “hermenéutica”, se busca modificar y desplazar la mentada relación en una suerte de “transformación existencial del pensamiento”. En ultimas, la filosofía alemana, en su traducción gala, devino en algo totalmente novedoso para el “campo de batalla” de la filosofía francesa.

La “visión creadora de la ciencia” (Bachelard, Cavaillès), el “radicalismo político” en tanto compromiso de la filosofía con la actividad política (Sartre, Merleau-Ponty, Foucault, Althusser, Deleuze, Jambet, Lardreau, Rancière, Proust, Badiou) y una “búsqueda constante de nuevas formas del arte y de la vida” (Deleuze) son otras operaciones descritas por el autor y que tuvieron como objeto proponer una nueva disposición del concepto, una creación de nuevos conceptos en sus estrechas relaciones con la cuestión de la forma, con la creación y disposición de las formas: bien como relación singular de la filosofía con la literatura (Lacan y Lévi-Strauss y el movimiento surrealista), bien como cambio espectacular de la escritura filosófica (Deleuze, Foucault, Lacan, Derrida, Sartre, Althusser) que busca dar una vida literaria al concepto mediante la creación, en la lengua, de una nueva forma de sujeto.

Ciertamente, la creación de una nueva forma de sujeto lleva a la filosofía francesa de mediados del siglo XX a entablar una relación estrecha, de complicidad y de rivalidad, de amor y odio con el psicoanálisis pues éste ocupa un lugar esencial entre las dos grandes corrientes que están implicadas en el tema del sujeto: el vitalismo existencial y el formalismo conceptual. Toda vez que la idea de inconsciente promulgada por el psicoanálisis se inscribe en la relación como algo vital y simultáneamente simbólico que cobra forma en el concepto. A este respecto, el autor llama la atención sobre las tensiones entre filósofos de la escena intelectual como Bachelard, Sartre, Deleuze, Foucault, Derrida y el psicoanálisis freudiano. Algunas obras de los tres primeros se inscriben como fundamentales para comprender dicha tensión: La Psychanalise du feu (1938) donde Bachelard formula un nuevo psicoanálisis sustentado en la poesía y en la ensoñación que denomina “psicoanálisis de los elementos”; el final de El Ser y la nada (1943), obra en la que Sartre opone al psicoanálisis de Freud un psicoanálisis en el que es necesario remplazar la estructura del inconsciente por un “proyecto de existencia”; el cuarto capítulo del Anti-Œdipe (1972) de Deleuze y Guattari formula la necesidad de oponer al psicoanálisis otro método de análisis que Deleuze llama “esquizoanálisis”.

En este panorama esbozado, tras el establecimiento de una genealogía del momento filosófico y la caracterización de varias operaciones metódicas que subyacen al mismo, cada texto emerge como una huella inasible que potencia lo señalado por Badiou y lo evidencia en la lucidez de sus análisis. De manera que Badiou no duda en radicalizar sus apuestas al señalar la existencia de un “elemento común” que se refracta entre los autores en cuestión a pesar de sus diferencias y contradicciones y que no refiere a las obras, a los sistemas o a los conceptos, sino al programa pues: “cuando la cuestión programática es fuerte y compartida hay un momento filosófico con una gran diversidad de medios, de obras, de conceptos y de filósofos” (BADIOU, 2012: 22).

En esta medida, los últimos cincuenta años del siglo XX son caracterizados en el estudio con un programa definido en seis puntos: disolución de la oposición sujeto y existencia: “el concepto está vivo, es una creación, un proceso y un acontecimiento, él no está separado de la existencia” (BADIOU, 2012: 22).); sacar la filosofía de la academia y hacerla circular en la vida; abandono de la oposición entre filosofía del conocimiento y filosofía de la acción; inscripción frontal de la filosofía en la escena política; retoma de la cuestión del sujeto; creación de un nuevo estilo de exposición filosófica, reinvención del “escritor-filósofo”.

Todos estos aspectos del programa se ven acompañados por el deseo de hacer del filósofo algo más que un sabio, de acabar con la figura mediadora, profesoral y reflexiva del filósofo, pues éste es más bien visto como un “escritor combatiente, un artista del sujeto, un amante de la creación” (BADIOU, 2012: 24). En suma, para Badiou la filosofía francesa contemporánea, más que el conocimiento de un objetivo, buscó trazar un camino muy singular por sus apuestas metodológicas, conceptuales y existenciales. Camino que está siempre más cerca de la acción y de la intervención filosófica que de la mediación y la sabiduría, pues la filosofía francesa “ha sido una filosofía sin sabiduría” (BADIOU, 2012: 24).

Testigo directo de la escena filosófica descrita, es preciso decir que Badiou conoció a todos los autores de quienes escribe: maestros (Althusser, Canguilhem), mayores (Foucault, Deleuze), contemporáneos (Rancière, Lyotard, Nancy) y otros tantos compañeros de lucha e interlocutores en el debate de las ideas. Este aspecto, ciertamente subjetivo, es potenciado por el mismo origen de los textos: desde breves notas y alocuciones publicadas en Critique (Althusser), Elucidation (Ricoeur), Po&sie (Cassin) y Les temps modernes (Sartre, Françoise Proust), hasta capítulos de libro completos (Deleuze, Canguilhem, Nancy, Rancière).

La noción de rizoma desarrollada por Gilles Deleuze y Félix Guattari en Mil mesetas (1988) deviene ciertamente una potente imagen conceptual para hacer una economía del desarrollo teórico del texto de Badiou, pero a su vez, se constituye en un dispositivo de crítica del mismo. El libro es en sí un rizoma que comporta tanto lineas de articulación y de segmentaridad como movimientos de des-territorialización y de des-estratificación que no dejan de metamorfosear constantemente su naturaleza y que terminar por cuestionar radicalmente el estatuto del autor.

Así, cuando Badiou arriesga semejante esquematización del panorama de la filosofía francesa contemporánea, en sus análisis convergen lineas de fuga y movimientos de des-territorialización que dan vida a nuevas articulaciones rizomáticas, à devenires otros del pensamiento en acto. De esta manera es posible hablar de toda una cartografía en la que se encuentran autores y posturas completamente heterogéneas como lo pueden ser las de Sartre, Foucault y Rancière a propósito del radicalismo político, o a su vez en cuanto al diálogo ininterrumpido de diversos autores como Bachelard, Derrida y Deleuze con el psicoanálisis. En este sentido el titulo hace total justicia pues de lo que se trata es de toda una “aventura del pensamiento”.

Ahora bien, estas mismas lineas de fuga son susceptibles de reterritorializarse y de generar nuevamente estructuras arborescentes que tienden a homogeneizar y, en últimas, a anular la multiplicidad, es decir, los devenires impersonales de cada filosofía. De tal suerte, el panorama trazado corre el riego de sedimentarse en una suerte de lectura políticamente correcta, ciertamente normalizada y reconocida por el establishement intelectual francés. Badiou y el cargo que desempeña en la Ecole Normale Supérieure son un buen ejemplo para ilustrar este caso.

Es cierto, el filósofo no se desentiende en lo absoluto de su contexto histórico y político, más aún cuando su reflexión siempre fue cercana al militantismo político. Sin embargo, la cartografía establecida por Badiou y en la que él, además, se ubica modestamente, parece perder totalmente de vista el enorme trabajo que Levinas realizó para la misma época, para no hablar del trabajo arduo y silencioso de toda una pluralidad de autores no-cartografiables. Tal vez sea un caso irrelevante e incluso hasta accidental sin embargo no deja de ser un signo que aterriza la “lectura” de Badiou y que evidencia su carácter subjetivo a propósito de un monstruo que él mismo osa llama “filosofía francesa contemporánea”.

Notas

1 Existe otra edición: BADIOU, A. La aventura de la filosofa francesa a partir de 1960. Santiago de Chile: LOM, 2014. Sin embargo, todas las citaciones del presente texto son tomadas de la edición francesa L’aventure de la philosophie française depuis des années 1960. París: Éditions La fabrique, 2012.

Referências

BADIOU, A. La aventura de la filosofa francesa a partir de 1960. Trad. Irene Agof. Buenos Aires, Eterna Cadencia, 2013. L’aventure de la philosophie française depuis des années 1960. París: Éditions La fabrique, 2012.

___________. Petit panthéon portatif. París: La fabrique, 2008. Pequeño panteón portátil. México: Fondo de Cultura Económica, 2009.

___________. “Panorama de la filosofía francesa contemporánea”. En: ABENSOUR. M. Voces de la filosofía francesa contemporánea. Buenos Aires: COLIHUE, 2005, pp. 73-83.

BACHELARD, G. La Psychanalyse du feu. París : Gallimard, 1938. Psicoanálisis del fuego. Madrid: Alianza, 1966.

BERGSON, H. La pensé et le mouvant. París : Presses Universitaires de France, 1969. El pensamiento y lo moviente. Buenos Aires: Cactus, 2013.

BRUNSCHVIG, L. Les Étapes de la philosophie mathématique. París: Alcan, 1912. Las etapas de la filosofía matemática. Buenos Aires : Lautaro, 1945.

CUSSET ,F. French theory : Foucault, Derrida, Deleuze & Cia y las mutaciones de la vida intelectual en Estados Unidos. Mónica Silvia Nasi. Barcelona: Melusina, 2005.

DELEUZE, G. & GUATTARI, F. L’Anti Œdipe : Capitalisme et Schizophrénie. Paris, Editions de Minuit, 1972. El Anti Edipo: Capitalismo y esquizofrenia. Barcelona: Paidos, 1995.

___________________________. Mil mesetas: capitalismo y esquizofrenia. Valencia: Pretextos, 1988.

___________________________.Qu’estce que la philosophie ? París: Editions de Minuit, 1991. ¿Qué es la filosofía? Barcelona: Anagrama, 1994.

SARTRE, J.P. L’être et le néant. París: Gallimard, 1943. El ser y la nada. Buenos Aires: Lozada, 1979.

Fernando Roberto Alba – Estudiante de Master en Filosofía Contemporánea. Universidad de Paris VIII. Vincennes Saint-Denis.

Acessar publicação original