Apologia dos bárbaros: ensaios contra o império – DAVIS (RBH)

DAVIS, Mike. Apologia dos bárbaros: ensaios contra o império. São Paulo: Boitempo, 2008. 351p. Resenha de: RAMPINELLI, Waldir José. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.29, n.58, dez. 2009

O livro Apologia dos bárbaros, do historiador estadunidense Mike Davis, professor da Universidade da Califórnia, reúne escritos publicados entre 2001 e 2007 que analisam, sob diferentes perspectivas, a política interna e externa dos Estados Unidos, especialmente após os atentados de 11 de setembro de 2001.

Davis divide o trabalho em cinco partes, tendo por critério temas afins. No entanto, a linha de continuidade que perpassa a estrutura do livro é uma crítica perspicaz e fundamentada à Casa Branca, ao Congresso, ao Poder Judiciário, ao Pentágono, aos partidos políticos e às organizações sindicais que estão a serviço do grande capital e não dos interesses da população dos Estados Unidos.

Davis não acredita na afirmação de que “os estadunidenses colheram o que semearam” com os atentados às Torres Gêmeas, já que as principais vítimas daquela tragédia foram as secretárias, os contadores, os entregadores de lojas de conveniências, os lavadores de janelas, os corretores da bolsa e os bombeiros, pessoas que “não conceberam ou implementaram nossas políticas secretas, antidemocráticas e criminosas no mundo muçulmano” (p.24). Responsáveis diretos pelos atentados, entre tantos, seriam, por exemplo, Madeleine Albright, secretária de Estado de Bill Clinton, que, ao responder a uma pergunta em rede nacional de TV sobre as 500 mil crianças mortas no Iraque como resultado das sanções impostas pelo governo dos Estados Unidos, asquerosamente afirmou: “Acredito que o custo compensou”. E o maior responsável de todos – George W. Bush – foi escolhido presidente por uma maioria na Suprema Corte e não pelos eleitores, tendo adotado poderes de guerra contra todos, em toda parte e para sempre, sem precedentes na história nacional dos Estados Unidos e, quiçá, mundial.

O autor de Apologia dos bárbaros não vê grandes diferenças entre o Partido Republicano e o Democrata, já que ambos estão ligados aos donos do poder econômico. Os socialistas estadunidenses, diz Davis, há anos vêm de monstrando que os democratas não passam de um partido capitalista com verniz social-democrata. No entanto, as elites formadas por sindicalistas e por militantes dos direitos civis encontram sempre um pretexto para o velho vício, qual seja, a opção pelo mal menor. A história mostra, por exemplo, que a maioria democrata no Senado 1) vendeu a Bill of Rights (a Constituição dos Estados Unidos aprovada em 1787); 2) endossou cortes marciais e campos de concentração; 3) acatou a não assinatura do Protocolo de Kyoto e do Tratado sobre Mísseis Antibalísticos; 4) apoiou a militarização da fronteira mexicana e deu carta branca ao presidente George W. Bush para intervir na guerra suja da Colômbia; 5) aprovou, por meio do Comitê de Inteligência do Senado, a opção do uso de armas nucleares de ‘pequeno alcance’ contra o dito Eixo do Mal. Por fim, o democrata Joe Lieberman, ex-candidato à vice-presidência de Al Gore, defendeu com mais ênfase que os próprios republicanos o direito de invadir o Iraque, e Carl McCall promoveu sua campanha para governador de Nova York exibindo fotos em que aparecia disparando um fuzil M-16 em um campo de treinamento ‘antiterrorismo’ israelense.

Uma política externa intervencionista compromete a própria democracia interna dos Estados Unidos. John Hobson, em seu Estúdio del imperialismo, criticava, no início do século XX, a voracidade da classe dominante inglesa em suas colônias espalhadas pelo mundo, ao tempo em que mostrava que essa mesma elite, no afã de acumular sem limite, destruía a democracia interna londrina. O ‘Ato Patriota’, aprovado em 26 de outubro de 2001, 45 dias após os ataques do 11 de setembro, nada mais é que um conjunto de leis destinadas a aumentar a regulação, o controle e a fiscalização das atividades cotidianas dos cidadãos estadunidenses, exacerbando o poder de policiamento do governo. James Petras o denominou de “fascismo amistoso”. Noam Chomsky vai mais longe, chegando a dizer que “não devemos nos esquecer que os próprios Estados Unidos são um Estado líder do terrorismo”.

Mike Davis, ao analisar a destruição de New Orleans pelo furacão Katrina, mostra que todos os aspectos da catástrofe foram moldados por desigualdades de classe e raça. Pesquisadores de várias universidades do sul dos Estados Unidos vinham chamando a atenção das autoridades para a possibilidade do rompimento dos diques por falta de manutenção. No entanto, nada se fez para sanar o problema, já que a cidade era povoada por 75% de afro-americanos e tinha altos índices de pobres, criminosos e desempregados. Foi a negligência federal, e não a fúria da natureza, a maior responsável pelo assassinato de New Orleans.

Utilizando-se do desastre natural, políticos inescrupulosos, especuladores imobiliários gananciosos e brancos racistas apostaram em uma higienização da metrópole do jazz. Um deles, Finis Shellnut, afirmou que “o furacão obrigou os pobres e os criminosos a saírem da cidade, e esperamos que eles não voltem. A festa dessa gente está quase no fim e agora eles terão de encontrar outro lugar para morar” (p.237). Outro, Joseph Canizaro, com laços pessoais que o ligam ao círculo interno da Casa Branca, disse que “essas pessoas pobres não têm condições de voltar para nossa cidade, assim como não tiveram condições de deixá-la. Então, não traremos todas de volta” (p.236).

O governo Bush também aproveitou o pretexto do Katrina para atacar os sindicatos independentes, sobretudo aqueles que defendiam os direitos dos trabalhadores e pressionavam pela contratação de moradores para recuperar New Orleans. Com isso, favoreceu as grandes corporações, como o Wal-Mart, que, combinando a tecnologia just in time com as características mais selvagens do capitalismo, tornou-se a empresa-símbolo da exploração. “Conhecida por pagar salários miseráveis e fraudar as horas extras de seu 1 milhão de empregados nos Estados Unidos”, comenta Davis,

o Wal-Mart age de forma ainda mais sinistra no estrangeiro, pressionando incessantemente seus milhares de fornecedores em Bangladesh, na China e na América Central para que reduzam os custos do trabalho e suprimam direitos trabalhistas. O Wal-Mart é, sem dúvida, o maior empregador indireto de mão de obra semiescrava ou infantil do planeta. A ‘walmartização’ tornou-se, portanto, sinônimo de ‘corrida ao fundo do poço’, completa abolição dos direitos do trabalhador e da cidadania. (p.158)

O historiador Mike Davis critica os livros didáticos das escolas estadunidenses por sua ocultação da história. A “Operação Bagration”, de junho de 1944, por exemplo, que leva esse nome em homenagem a um herói russo de 1812, foi um ataque soviético decisivo contra a retaguarda da poderosa Wehrmacht de Hitler. Para Davis, foi a batalha decisiva pela libertação da Europa do nazifascismo. No entanto, não se encontra uma palavra sobre essa operação nos livros básicos de história nos Estados Unidos. E isso tudo, apesar de essa ofensiva de verão soviética – chamada pelo historiador Jon Erickson de “o grande terremoto militar” – ter sido muito mais grandiosa que o desembarque na Normandia, tanto em escala de forças envolvidas quanto em custo direto infligido aos alemães. “Na luta contra o nazismo, cerca de quarenta Ivans morreram para cada soldado Ryan“. “De fato”, diz Davis que

a maioria dos norte-americanos é espantosamente ignorante a respeito dos ônus dos combates e das baixas da Segunda Guerra Mundial. E mesmo a minoria que compreende algo da grandiosidade do sacrifício soviético tende a julgá-lo nos termos dos estereótipos crus do Exército Vermelho: uma horda bárbara conduzida por um sentimento cruel de vingança, um frenesi por estupros e um nacionalismo russo primitivo. (p.282)

O Pentágono, diz Davis, deveria estudar a história das colônias conquistadas e perdidas, dos impérios erguidos e derrubados, evitando, assim, a atual carnificina iraquiana. Bastava ler as cartas de Gertrude Bell e os diários de Winston Churchill, os homens que transformaram três prósperas e etnicamente distintas províncias do Império Otomano em um infeliz território britânico. Churchill, então secretário de Estado de Guerra e da Aeronáutica (1920), utilizou a estratégia dos bombardeios com armas químicas, como as bombas de gás mostarda, para economizar dinheiro e soldados na dominação do Iraque. Graças ao gás venenoso e aos tanques, os britânicos recuperaram o controle da região, em setembro de 1920, sem deixar de lado as expedições punitivas pelos territórios rebeldes, queimando vilarejos, executando suspeitos, confiscando mantimentos e aplicando multas. Mais tarde, a força aérea britânica bombardeou regiões do Iraque, como o baixo Eufrates, já não para reprimir tumultos e sim para pressionar os vilarejos a pagar seus impostos. Em fins de 1921, Churchill observou com satisfação que seus aeroplanos haviam passado a ser temidos e continuou a defender o uso do gás venenoso no Iraque e em toda a região. Questionado por um coronel, subordinado seu, sobre os horrores causados pelos efeitos dos bombardeios, Churchill o repreendeu severamente dizendo que “não entendo essa aversão ao uso de gás. Sou totalmente a favor do uso de gás venenoso contra tribos incivilizadas” (p.114). Certamente, foi esse o mestre maior de Saddam Hussein. Apesar de tais métodos genocidas, a Grã-Bretanha saiu derrotada da região.

Algumas ausências sentidas no trabalho foram as de Noam Chomsky, James Petras, Michael Klare e Immanuel Wallerstein, que trabalham igualmente as relações dos Estados Unidos no mundo.

Apologia dos bárbaros mostra como a revolução revoluciona a contrarrevolução. Por isso, o livro é importante para entender a política interna e externa dos Estados Unidos. Enfim, um livro que ajuda a entender os meandros do império.

Waldir José Rampinelli – Professor do Departamento de História da UFSC; doutor em Ciências Sociais – Política (PUCSP). Depto. de História. Centro de Filosofia e Ciências Humanas – UFSC. Cidade Universitária. 88040-900 Florianópolis – SC – Brasil. E-mail: [email protected].

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Fórmula para o caos: a derrubada de Salvador Allende 1970-1973 | Luiz Alberto Moniz Bandeira

“Fórmula para o caos”, expressão extraída de um telegrama da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA), é o nome que o historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira escolheu para seu livro sobre o golpe de Estado que depôs Allende, no Chile. O autor parte do pressuposto de que seria impossível se chegar à efetivação do modo de produção socialista pela via democrática como desejava Allende, e menos ainda pelo caminho das armas, como defendiam alguns movimentos revolucionários, já que a conjuntura local, regional e internacional era totalmente desfavorável. Recorre à história das guerras pela independência e da formação do Estado nacional na América Latina para explicar o surgimento do militarismo, que gerou o caudilhismo e que, por sua vez, criou a cultura do golpe de Estado contra projetos nacional-populares.

Não se pode esquecer, no entanto, que o triunfo da Unidade Popular em 1970, não se deu apenas por conta de uma divisão interna na classe dominante, mas culminou de um prolongado esforço de formação de consciências, de organização popular e de lutas comunitárias, cujas origens remontam ao início do século XX, no Chile. Por isso, a transição ao socialismo chegou a ser uma possibilidade nos anos 1970, pois não se tratava de um projeto de um grupo de intelectuais ou de uma ação limitada de alguma vanguarda desvinculada das massas, mas sim de algo surgido dessas mesmas massas e das organizações que não falavam em nome do proletariado, mas que efetivamente o representavam orgânica e ideologicamente. Os trabalhos desenvolvidos por Cueva e Vuskovic apontam para essas ideias2 Leia Mais

Imperialismo e luta de classes no mundo contemporâneo | James Petras

O debate sobre o imperialismo e a luta de classes, abandonado por uma parte da esquerda e não considerado pela maioria dos pós-modernos, sempre esteve presente na vida dos povos latino-americanos. Na América Central, no Caribe e no México, onde o imperialismo se manifestou de forma mais atuante e visível, os movimentos revolucionários não apenas tomaram em armas, mas também apresentaram um projeto nacional para se contrapor ao Estado imperialista. Essa luta começou no final do século XIX e início do XX, com José Martí, em Cuba, que denunciou a ideologia colonizadora do pan-americanismo; passou por Emiliano Zapata e Francisco Villa, que expropriaram terras de estadunidenses em território mexicano para fazer suas reformas agrárias durante a Revolução de 1910; continuou com Augusto C. Sandino, que lutou contra a ocupação estrangeira para construir um Estado nacional na Nicarágua; e chegou a Che Guevara, que defendeu a tese da criação do segundo e do terceiro Vietnã para derrotar militarmente o imperialismo.

Hoje, líderes nacionalistas de esquerda começam a ganhar as eleições em vários países da América Latina, fazendo-o sobre os escombros das políticas neoliberais aplicadas a partir de meados dos anos 1970. Venezuela, Bolívia, Equador, Nicarágua e a própria Argentina são os exemplos mais conhecidos. Todos estes governos têm implementado, em menor ou maior grau, um projeto nacional de esquerda que se opõe frontalmente ao imperialismo. O Documento de Santa Fé II (1988), que orientou a política externa do Departamento de Estado estadunidense, afirmava que “o matrimônio do comunismo com o nacionalismo, na América Latina, representava o maior perigo para a região e para os interesses dos Estados Unidos”. Leia Mais

Pancho Villa – una biografía narrativa | Paco Ignacio Taibo II

O México se prepara para comemorar o centenário de sua Revolução, considerada por vários historiadores daquele país não apenas um evento nacional, mas de alcance latinoamericano. Alguns líderes do processo revolucionário, como Emiliano Zapata e Venustiano Carranza, se referiam em seus discursos e escritos à influência regional desta primeira revolução social da América Latina, no século XX.

A historiografia mexicana sempre dedicou um grande espaço à Revolução, mas a partir das décadas de 1960 e 1970 começam a surgir novas interpretações deste evento, assim como o resgate de alguns de seus personagens, até então marginalizados e tratados de forma preconceituosa. O livro do historiador Adolfo Gilly (La revolución interrumpida. México: El Caballito, 1971), por exemplo, mostra não apenas como o processo revolucionário é o resultado de um extraordinário avanço de um capitalismo primário-exportador que aprofundou a dependência do país em relação aos centros desenvolvidos, agudizando uma guerra de classes, mas também a periodização completa do ciclo revolucionário de 1910 a 1920 e sua correlação com a conjuntura mundial. Para Gilly, a curva da revolução ocorreu em dezembro de 1914, quando as forças camponesas tomam a capital do país, e não em fevereiro de 1917 com a nova constituição. Se para a história oficial a Revolução Mexicana termina em 1917, para outros ela vai até 1920, com a retirada de Villa e o assassinato de Zapata um ano antes. Leia Mais

Hegemonia dos Estados Unidos no novo milênio – PETRAS; VELTMEYER (RBH)

PETRAS, James; VELTMEYER Henry. Hegemonia dos Estados Unidos no novo milênio. Petrópolis: Vozes, 2000. 268 pp. Resenha de: RAMPINELLI, Waldir José. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.21, n.40, 2001.

Se em meados dos anos 80 muito impacto causou à sociedade estadunidense o livro de Paul Kennedy Ascensão e queda das grandes potências, com certeza maior apreensão trará, hoje, para as comunidades organizadas da América Latina, o trabalho de James Petras e Henry Veltmeyer A hegemonia dos Estados Unidos no novo milênio. Kennedy defendia a tese de que o poderio de Washington estava em decadência devido a uma “excessiva extensão imperial”. Isto é, a soma total dos interesses e das obrigações dos Estados Unidos no mundo se tornara muito maior que a capacidade que o país apresentava de defendê-los simultaneamente. Assim sendo, houve um aumento desproporcional entre tais interesses e obrigações e o seu crescimento econômico, empurrando-o obrigatoriamente para o descenso. Cabe lembrar, diz o autor, que essas foram as causas da queda de grandes impérios, como o espanhol e o britânico.

Mas os autores, ao contrário, demonstram como o imperialismo estadunidense – e também o europeu – ressurge com muita força neste limiar de milênio. A melhor explicação para a prosperidade das economias norte-americana e européia e a crise do Terceiro Mundo, segundo os autores, encontra-se na teoria do imperialismo, que focaliza o “Estado-nação” imperial como o centro de poder e tomada de decisão, e também como beneficiário de relações desiguais. Enquanto ocorrem melhoras de alguns indicadores macroeconômicos em determinados países pobres, os macrossociais caem vertiginosamente para as classes assalariadas. Atualmente, na América Latina, apenas entre 15% e 20% de sua população desfrutam de um estilo de vida de “Primeiro Mundo”.

A obra também analisa o uso irrestrito do poder militar pelos Estados Unidos para impor sua hegemonia, bem como a investida euro-americana contra toda tentativa de países do Terceiro Mundo de limitar sociopoliticamente a expansão empresarial multinacional.

O bombardeio da Iugoslávia pela OTAN/EUA, os ataques aéreos ao Iraque, o lançamento de mísseis contra a Somália e o Afeganistão, a ampliação do grupo de membros da OTAN para incluir países que limitam com a Rússia, a incorporação na OTAN de 23 novos integrantes como associados na paz, a incontestada hegemonia dos EUA sobre a Europa Ocidental, exercida mediante a OTAN, são sinais de crescente militarização e exercício unilateral do poder de polícia mundial pelos EUA. Este poder imperial ressurgente está intimamente relacionado com o formidável crescimento do domínio econômico norte-americano nos anos 90.1

Diante disso, conclui que há um governo global a partir de uma nova ordem mundial centrada em Washington e Wall Sreet, enquanto potências européias e asiáticas se subordinam a instituições militares e econômico-financeiras dominadas pelos EUA. Por isso, para uma classe capitalista mundial, especialmente a estadunidense, a década que passou foi sem dúvida a melhor de todo o século, em termos de acumulação. E conclui que está em marcha para todo o Terceiro Mundo um novo projeto de colonização. A Lei Helms-Burton e o depósito feito direto ao Tesouro dos Estados Unidos pelos compradores internacionais do petróleo mexicano são dois exemplos deste processo.

O livro está dividido em três partes muito concatenadas: Parte I: A economia do imperialismo; Parte II: Estratégia e ideologia do imperialismo; Parte III: Política do imperialismo.

Na primeira parte os autores analisam como o capitalismo, nas duas últimas décadas, tem causado tantos estragos à América Latina e, ao mesmo tempo, um período de prosperidade jamais visto para os bancos e corporações multinacionais estadunidenses. É o capitalismo chegando a seu estágio superior: o imperialismo. Esta nova ordem imperial se ergue sobre cinco pilares básicos: a) pagamentos de juros da dívida externa, b) maciças transferências de lucros provenientes de investimentos diretos e de ações e títulos, c) aquisição de empresas públicas; d) rendimentos provenientes de royalties; e e) balanços de contas correntes favoráveis.

E assim desmistificado o conceito de globalização apresentado como único e irreversível, e afirma que desde o início (século XVI) ela esteve associada ao imperialismo assim como a uma configuração específica de classe. Analisa igualmente a política agrícola estadunidense para a América Latina como uma estratégia de venda de máquinas e de insumos básicos produzidos por suas multinacionais bem como uma política agro-exportadora.

Na segunda parte são trabalhados os mecanismos ideológicos utilizados pelo império estadunidense para dominar o Terceiro Mundo – sem rebeliões –, que sofre o efeito do “ajuste estrutural”. Aqui desempenha papel relevante o Banco Mundial. O Estado imperial também se utiliza de outras vias, tais como as políticas de combate ao narcotráfico na América Latina, as estratégias da “cooperação para o desenvolvimento”, a política utilizada pela direita e, finalmente, o papel das ONGs como subsidiárias das políticas imperiais. Neste capítulo, o autor faz uma crítica muito pertinaz a essas “organizações governamentais” que, com raríssimas exceções, estão a serviço da implementação das políticas neoliberais. E distingue, com muita clareza, o que é solidariedade para um onguista e para um marxista.

A terceira parte é dedicada a temas mais especificamente políticos, tais como a democracia imperialista, a globalização e a cidadania, bem como a revolução socialista e a globalização. Descreve, por exemplo, como os regimes populares, democraticamente eleitos, foram derrubados pela classe capitalista ou por uma potência hegemônica simplesmente porque tentaram transformar ou reformar o sistema de relações de propriedade existente.

À pergunta reforma ou revolução? para enfrentar todos estes problemas gerados por uma classe capitalista internacional que tem nas elites de cada país do Terceiro Mundo os seus mais fiéis colaboradores, os autores respondem que a reforma não tem dado conta de resolver tais problemas, cabendo, sim, à revolução as grandes mudanças estruturais de nosso continente. E, ato seguido, analisa alguns exemplos revolucionários e suas conquistas, bem como os movimentos sociais radicais que começam a se fortalecer cada vez mais em toda a região.

Hegemonia dos Estados Unidos no novo milênio é um livro polêmico, contundente e sem meias palavras. Pela força de sua argumentação e de seus dados, merece ser lido e estudado.

Notas

1 PETRAS, James & VELTMEYER Henry. Hegemonia dos Estados Unidos no novo milênio. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 15.

Waldir José Rampinelli – Universidade Federal de Santa Catarina.

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