El sueño de Bolívar y la manipulación bolivariana. Falsificación de la historia e integración regional en américa latina | Carlos Malamud

Ha sido una práctica frecuente en las historiografías de los siglos XIX y XX, del mismo modo que en el discurso político, tanto del pasado como del presente de América Latina, establecer una línea de continuidad histórica entre los proyectos de unidad que se plantearon las naciones hispanoamericanas en los años posteriores al proceso de Independencia y las propuestas de integración latinoamericana de los siglos XX y XXI como instrumentos para la cooperación regional e intergubernamental o para la creación de instancias supranacionales. Es este el tema central del libro de Carlos Malamud. Leia Mais

Guerras de papel: Francisco de Paula Santander e Simón Bolívar, das peças autobiográficas à relação epistolar (1826-1837) | FAbiana de Souza Fredrigo

Com a passagem de dois séculos desde a deflagração, em 1810, dos processos históricos que se estenderam até 1824 e culminaram na emancipação das colônias hispano-americanas, vêm ocorrendo em vários países da América Latina “celebrações” do bicentenário de suas respectivas independências políticas. Por meio dessas efemérides, os calendários acabam nos impondo, periodicamente, seus temas e fatos históricos de forma implacável, fornecendo sempre, felizmente, a possibilidade de um novo olhar para um “mesmo” passado. Na esteira dessas celebrações, o grande público de cada uma dessas nações tem tido e terá à disposição, certamente, um acesso maior às sínteses históricas, cronológicas e factuais a respeito das independências nacionais. Surge, assim, a oportunidade, embora menor do que se poderia esperar, para o necessário debate sobre o significado, em pleno século XXI, desses acontecimentos que marcaram indelevelmente os perfis, os limites e as possibilidades de novos Estados nacionais latino-americanos que começariam a ser formados a partir das primeiras décadas do século XIX, quando a própria ideia de América Latina sequer existia. Leia Mais

A invenção da paz – REZA (RH-USP)

REZA, Germán A. de la. A invenção da paz: da República cristã do duque de Sully à Federação das Nações de Simón Bolívar. Tradução de Jorge Adelqui Cáceres Fernández e André Figueiredo Rodrigues., São Paulo: Humanitas, 2015. 178p. Resenha de: PEREIRA JÚNIOR, Paulo Alves. Dos projetos integracionistas europeus ao Congresso Anfictiônico do Panamá. Revista de História (São Paulo) n.176 São Paulo  2017.

Ganhadora do prêmio Pensamiento de América (2008-2010), La invención de la paz foi publicada em 2009 pela editora mexicana Siglo XIX. Escrita por Germán A. de la Reza, doutor em Ciências Econômicas pela Universidade Paris I e em Filosofia e História pela Universidade Toulose Le Mirail, a obra ganhou edições em diferentes idiomas. Em 2015, foi lançada pela editora brasileira Humanitas, traduzida por André Figueiredo Rodrigues – professor do curso de História da Universidade Estadual Paulista – e Jorge Adelqui Cáceres Fernández.

Fracionado em onze capítulos, o livro tem como escopo a análise das relações intelectuais e das circulações de ideais relacionadas aos projetos confederativos na Europa e na América Latina. Para isso, avança em duas direções que se entrecruzam: a identificação dos elementos que permeiam as propostas de República cristã e as origens do empreendimento unionista idealizado por Simón Bolívar. A partir de tais objetivos, o estudo estabelece uma linha que conecta o ideário anfictiônico greco-romano ao europeu e, posteriormente, ao latino-americano.

Procurando entender as convicções confederativas, Germán A. de la Reza analisa o projeto de transmissão-recepção – diferenciando o contexto histórico de cada um – de cinco pensadores: Felipe II da Macedônia, Maximilien de Béthune (duque de Sully), Charles-Irénée Castel (abade de Saint Pierre), Jean- Jacques Rousseau e Simón Bolívar. Apesar de privilegiar tais autores, Germán também destaca certas ideias de Émeric Crucé, Hugo Grocio, Emmanuel Kant, Claude-Henri de Rouvroy (conde de Saint-Simon), Cecílio del Valle, Silvestre Pinheiro Ferreira e Lucas Alamán.

Entre os séculos VI a. C. e II d. C., a civilização grega realizou as primeiras ligas de povos, com o propósito de normatizar as relações existentes entre as tribos das nações unificadas. Os delegados eram eleitos pelo voto popular e tais federações possuíam funções políticas e/ou religiosas, dependendo de cada comunidade. Inspirado por esse modelo, o rei Felipe II da Macedônia organizou, no ano de 388 a. C., a Liga Helênica, com sede em Corinto. Existindo até 280 a. C., tal federação tinha como objetivo a discussão sobre assuntos relacionados à paz geral, à união pan-helênica e à manutenção da unidade interna. Cada representante era eleito pela entidade e os delegados podiam tomar decisões vinculantes. A longevidade e as estruturas organizacionais das tentativas de unificação da Grécia influenciaram o pensamento político e jurídico da Europa e da América Latina em distintos momentos históricos.

No atual território francês, entre 1639 e 1640, foram publicadas – no Castelo Loire – as primeiras edições de Memórias das sábias e reais economias do estado, domésticas, políticas e militares de Henrique, o Grande. Escrita pelo conde de Sully, essa amálgama de história nacional com crônica palaciana propunha a criação de uma estrutura comum de República cristã formada por todos os senhorios, Estados e reinos cristãos da Europa. Sully também recomendava a elaboração de uma arbitrariedade internacional que garantisse a paz entre os membros associados, administrada por um congresso de delegados renovado a cada três anos. Apesar de ser um esquema que pretendia resolver os problemas envolvendo as nações europeias a curto, médio e longo prazo, a obra de Sully contribuiu para a criação de uma corrente do pensamento jurídico e político que inspirou os projetos anfictiônicos vindouros.

Em Paris, entre 1712 e 1717, foram publicados os três volumes do Projeto para fazer a paz perpétua na Europa, escritos pelo abade de Saint Pierre. Discutiu-se, nesse projeto, a criação de uma comunidade perpétua entre as nações europeias que debatesse a elaboração de um sistema de paz inalterável, o amparo do status quo territorial, a abdicação do acúmulo de poder e a criação de um “Senado da Europa”, composto por delegados do continente. Tal projeto foi o mais popular da corrente anfictiônica e influenciou outros pensadores na Europa e na América.

Devido ao sucesso editorial da obra de Saint Pierre, Jean-Jacques Rousseau elaborou um trabalho que consistia na simbiose entre os pensamentos do abade e seus comentários sobre tais teses. Lançado em 1761 com o título Extrato do projeto de paz perpétua do senhor abade de Saint Pierre, Rousseau idealizou a confederação dos povos como uma assembleia formada por representantes preocupados com o “sentimento comum”. Além disso, discorreu sobre as vantagens na criação de um tribunal supranacional, como a certeza de que os litígios seriam resolvidos sem a necessidade de conflitos bélicos, a redução ou o fim das despesas militares, o progresso da agricultura, o bem-estar da população e o aumento das riquezas dos governantes. Ao resumir e comentar as ideias de Saint Pierre, Rousseau promoveu ambas as obras e fez com que fossem relevantes para a filosofia política no período de transição do século XVIII para a centúria seguinte.

Inspirado nas ideias de Saint Pierre – difundidas por Rousseau -, Simón Bolívar convocou, em 1824, a Grande Colômbia, a Federação Centro-Americana, o México, o Peru, os Estados Unidos, a Bolívia, a Inglaterra e os Países Baixos para participarem do Congresso Anfictiônico do Panamá. De 22 de junho a 15 de julho de 1826, os representantes dos países que lograram chegar a tempo discutiram assuntos referentes à publicação de um documento que denunciasse as atitudes da Espanha, a assinatura de um tratado de livre comércio e de navegação e o processo de abolição da escravidão no território confederado.

Após o término do evento, uma parte do congresso transladou-se ao México para prosseguir com as negociações, enquanto a outra partiu para suas respectivas nações com o propósito de ratificar os tratados. Com exceção da Grande Colômbia, nenhum outro Estado aprovou tais medidas. Dessa forma, o primeiro ensaio de integração entre as nações latino-americanas malogrou. A experiência dessa tentativa e os ideais bolivarianos dispersados na região possibilitaram a realização de três congressos entre 1847 e 1865. Após o fracasso de tais iniciativas, o ideário unionista encerrou-se no continente e os países latino-americanos concentraram-se em promover questões relacionadas à arbitragem internacional.

Com a finalidade de discutir sobre o estabelecimento dos limites fronteiriços entre as nações e os direitos da navegação, por exemplo, foi criada a Primeira Conferência Internacional de Washington em 1889. Assim como suas antecessoras, nenhum Estado aprovou os pontos deliberados no evento. A primeira organização confederativa que pretendia estabelecer as relações entre os países para garantir uma convivência pacífica e um tribunal de arbitragem que obteve êxito foi a Primeira Conferência Internacional de Haia, realizada na Holanda em 1889 e composta por representantes de vinte e quatro países.

Posteriormente, houve uma outra conferência em 1907. O terceiro evento, que ocorreria em 1915, foi cancelado por conta da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A criação da Sociedade das Nações (1919), das Nações Unidas (1945), do Tratado de Roma (1958) e dos acordos integracionistas latino-americanos, a partir da década de 1960, pautou-se na experiência dos tratados pan-europeus e do pensamento unionista bolivariano.

Os diferentes projetos anfictiônicos tiveram como princípios a elaboração de uma assembleia de representantes, o respeito à independência dos Estados participantes, o desenlace dos litígios internacionais por meio da arbitragem, a renúncia aos processos de conquista, a manutenção dos espaços territoriais e a aceitação do preceito de não intervenção nos assuntos internos de cada membro. Apesar das similaridades dessas iniciativas, elas não foram idênticas. A relação entre o global e o regional é uma dessas variações. Grande parte dos pensadores aspirou a uma integração continental, já Crucé, Kant e Bolívar ressaltaram a necessidade de combinar os projetos regionais com as propostas mundiais.

O autor finda seu estudo com três conclusões gerais: a) os projetos anfictiônicos não devem ser vistos como utópicos, tampouco como projeções pacíficas; b) a proposta confederativa de Bolívar, no contexto do Congresso de Panamá de 1826, foi original frente às discussões filosófico-políticas do período; c) o ideário anfictiônico contribuiu para os processos integracionistas europeus e latino-americanos.

Germán A. de la Reza apresenta uma pesquisa original que contou com diversas fontes e uma vasta bibliografia em inglês, espanhol, latim e francês. Tais materiais foram encontrados em fundos reservados e patrimoniais das seguintes bibliotecas: Nacional da França, Nacional do México, José Ma. Lafragua da Secretaria de Relações Exteriores do México e do Congresso dos Estados Unidos. Para compreender as ideias políticas sobre os projetos confederativos na Europa e na América Latina, o autor utilizou-se do método analítico-sintético. A técnica analítica corresponde à heurística e a de síntese associa-se à hermenêutica. O primeiro método consiste em produzir uma problemática e selecionar documentos para solucioná-la. Já o segundo tem como finalidade evidenciar o sentido de um texto a fim de buscar as intenções de quem o produziu para responder as questões elaboradas.

O livro destina-se ao público interessado nas origens dos processos integracionistas na Europa e na América Latina, na proveniência filosófico-política do projeto unionista de Bolívar e na genealogia das discussões intelectuais referentes à pacificação entre Estados, à soberania nacional e à integração internacional. Apesar dos méritos, o trabalho carece de uma discussão mais aprofundada sobre os projetos anfictiônicos. Ademais, o autor deveria privilegiar em suas análises os aspectos culturais nas propostas integracionistas europeias e latino-americanas. Tais hiatos podem ser sanados em estudos mais amplos sobre o tema em questão.

Paulo Alves Pereira Júnior – Mestrando em História pela Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), campus de Assis. E-mail: [email protected].

Guerras e Escritas: a correspondência de Simón Bolívar (1799-1830) – FREDRIGO (H-Unesp)

FREDRIGO, Fabiana de Souza. Guerras e Escritasa correspondência de Simón Bolívar (1799-1830). São Paulo: Ed. UNESP, 2010, 290 p. Resenha de: DULCI, Tereza Maria Spyer. História [Unesp] v.31 no.1 Franca Jan./June 2012.

Simón Bolívar tem lugar cativo na memória política e social da América Latina, inclusive como mito inspirador de diferentes bandeiras político-ideológicas. Por sua vez, as versões históricas em torno das independências hispano-americanas foram construídas a partir dos próprios escritos do “Libertador”, que criou uma identidade de “herói sem fronteiras”.

Em seu livro Guerras e Escritas: a correspondência de Simón Bolívar (1799-1830), publicado pela Editora Unesp, a historiadora Fabiana de Souza Fredrigo, professora do Departamento de História da Universidade Federal de Goiás, investiga o culto a esse mito. Seu trabalho, que mescla história, memória, literatura e biografia, deu-se a partir da análise das cartas de Bolívar (2.815), buscando identificar os vínculos construídos entre a memória individual, a memória coletiva e a historiografia em torno das independências e de Simón Bolívar.

Sua análise é bastante original, já que utiliza as missivas para buscar a subjetividade de Bolívar e dos diferentes atores históricos que aparecem nas cartas. A historiadora procura apresentar o mundo do general a partir do contexto depreendido das correspondências, sem seguir a cronologia tradicional, pois seu objetivo central é investigar os temas mais relevantes do epistolário, debruçando-se sobre o que se tornou importante para Bolívar no contexto em que vivia.

O que lhe interessa não é compreender por que Bolívar foi escolhido ícone das independências latino-americanas, mas, sim, como ele produziu esta escolha ao criar seu próprio mito. Para a autora, “Simón Bolívar torna-se o Libertador, primeiro, por suas ações e suas palavras, tão valiosas como a espada; segundo, pelo efeito inebriante que o ideal de liberdade produz em meio à memória coletiva” (p. 64).

O livro é composto por três capítulos, ao longo dos quais a historiadora desenvolve a tese de que, ao escrever cartas, o general procurava construir um projeto de memória de si e dos outros (do indivíduo e do seu grupo/do remetente e do destinatário). Bolívar acreditava que suas memórias atingiriam e mobilizariam as gerações futuras, “tinha projetos urgentes em um presente concreto, mas sempre apontava para o futuro, guardião da sua imagem” (p. 47-48).

Para o missivista e seus contemporâneos, a consagração da memória era percebida como sinônimo de posteridade. A autora, ao fazer uma releitura do epistolário, afirma que o culto ao general teve o próprio Bolívar como seu principal arquiteto, já que seu projeto de memória foi construído a partir de uma cuidadosa escolha dos temas, de como escrever sobre eles e da constância das suas cartas. Segundo Fredrigo, em suas correspondências “Bolívar atuou como historiador, quando selecionou, registrou e arquivou os ‘fatos'” (p. 271).

No primeiro capítulo, “As cartas, a história e a memória”, a historiadora desenvolve suas reflexões a partir do cotejo das biografias de Bolívar com as missivas, buscando reconstruir as dimensões históricas do personagem. Ao identificar duas principais fases na vida do general – a das guerras de independência contra a Espanha, permeada de otimismo, e a das guerras civis entre as lideranças que tinham diferentes projetos para a América (o unitarismo de Bolívar versus o federalismo de Santander), carregada de ressentimento e pessimismo – a autora nos propicia um interessante panorama do autoexame feito pelo general em suas cartas, escritas com o objetivo de convencer o interlocutor e edificar o personagem.

Também nesse capítulo, a historiadora se preocupa em discorrer sobre as correspondências (que detêm status de fonte privilegiada) e discutir as relações entre história, memória e epistolário. Ao abordar as particularidades da fonte e analisar como estas foram apropriadas pela historiografia, Fredrigo analisa, com uma grande riqueza de detalhes, não apenas o contexto e a criação do mito, mas também seu estilo de escrita, as especificidades do discurso e a construção narrativa.

A autora traça igualmente um interessante panorama das apropriações do mito bolivariano na Venezuela, onde foi e continua sendo usado para representar a coesão nacional, seja pela elite do século XIX, seja durante a ditadura de Juan Vicente Gomes (1908-1935), ou a partir da revolução chavista e da República Bolivariana. Fredrigo leva o leitor a perceber que a historiografia bolivariana é repleta de anacronismos e que as palavras de Bolívar foram interpretadas por grande parte da historiografia como verdade histórica absoluta, sem crítica às fontes. Além disso, as biografias do general usam os mesmos marcos cronológicos e são geralmente estudos apologéticos. Para a historiadora, tanto as biografias quanto a historiografia, construídas desde sua morte, estabeleceram uma correlação entre a vida de Bolívar e o destino da própria América, como se Bolívar e América Latina formassem “uma só alma” (p. 68).

O segundo capítulo, “Guerra, honra e glória: atos e valores do mundo de Simón Bolívar”, trata da constituição de uma memória particular dentro da memória coletiva, pois as cartas interpretavam o passado e tinham um projeto de futuro. Para a autora, Bolívar, consciente de que produzia memória, buscava atingir seus contemporâneos e as gerações futuras. Por sua análise, vemos que o general e seus pares, a elite criolla, formavam uma “comunidade afetiva” e tinham valores comuns, baseados na “guerra, honra e glória”, valores que eram expressos e cultivados nas cartas, enquanto o povo era excluído dessa comunidade, mesmo que isso contrariasse a simbologia republicana.

Ao tratar dos diferentes atores históricos que aparecem nas missivas, a historiadora apresenta uma valiosa contribuição ao campo das identidades nacionais, demonstrando que estas tiveram de ser construídas no pós-independência para criar uma mesma comunidade de afiliação, “unindo os descendentes dos conquistadores aos descendentes dos conquistados” (p. 122), a partir de uma identidade focada em um projeto estatal republicano, federalista e oligárquico.

Para Fredrigo, Bolívar acreditava que era necessário construir uma narrativa que reforçasse o vínculo entre os criollos e os cidadãos comuns, baseada na humanidade das tropas e nas dificuldades dos campos de batalha. “A guerra, a honra, e a glória”, valores que teriam criado a coesão intraelite, não tiveram o mesmo efeito no povo, por isso Bolívar teria construído lugares de memória simultâneos, para os generais criollos e para os soldados, ao estabelecer uma imagem de si mesmo que reunia, ao mesmo tempo, as figuras de líder e de soldado.

Já o terceiro capítulo, “Construindo a memória da indispensabilidade: o discurso em torno da renúncia e do ressentimento”, se detém na análise da principal estratégia utilizada por Bolívar nas missivas para edificar seu mito, qual seja, a criação de uma “memória da indispensabilidade”. Essa memória foi articulada a partir de um discurso polifônico, fundamentado na evocação da “renúncia” e do “ressentimento”, elaborado pelo general para refutar as acusações de autoritarismo e apego ao poder e para fortalecer a ideia de homem público dedicado incondicionalmente ao povo e à pátria. Para a autora: “É a partir da fusão entre a necessidade de legitimidade, determinada pelo jogo político do presente, e o desejo de memória, delimitado pela perspectiva do futuro, que o missivista constrói e solidifica a memória da indispensabilidade” (p. 190).

Esse capítulo é, certamente, o ponto alto do livro. Nele, ao analisar o epistolário em diálogo com a literatura e a biografia, a historiadora trata do romance de Gabriel García Márquez (GARCÍA MARQUEZ, 1989) e da biografia de Salvador Madriaga (MADRIAGA, 1953). Em ambos os casos, Fredrigo estuda o culto bolivariano e a apropriação que os dois autores fizeram da “memória da indispensabilidade” forjada por Bolívar. A ficção literária e a biografia, embora de formas distintas, acabaram por reiterar a imagem que o general criou de si mesmo para a posteridade.

Assim, a leitura deste livro constitui, sem dúvida, uma rara oportunidade de acompanhar a historiografia bolivariana e a construção deste mito, o cotidiano das tropas e das guerras de independência na América do Sul, bem como os embates entre a elite criolla e o povo.

Referências 

GARCÍA MARQUEZ, Gabriel. O general em seu labirinto. Rio de Janeiro: Record, 1989.         [ Links ]

MADRIAGA, Salvador. Bolívar: fracaso y esperanza. México: Editorial Hermes, 1953. Tomos I e II.         [ Links ]

Tereza Maria Spyer Dulci – Doutoranda pelo Departamento de História da FFLCH/USP – Av. Prof. Lineu Preste, 338 – Bairro: Cidade Universitária. São Paulo – SP. CEP: 05508-000. E-mail: [email protected].