História, cultura e natureza / História Revista / 2017

A história ambiental é um campo historiográfico relativamente novo. Apesar do debate entre história e natureza não ser algo distante dos estudos históricos, a história ambiental procurou enfatizar e privilegiar as relações entre humanos e meio ambiente em diferentes temporalidades e espacialidades. Surgida nos Estados Unidos, na segunda metade do século XX, procurou discutir sobre o papel da natureza no imaginário americano, sobretudo no que se refere a criação de uma cultura nacional fundada na relação com o meio. A partir da década de 1970 ampliou o seu escopo sobre outras abordagens ambientais, se mostrando muito mais interdisciplinar e buscando novas espacialidades. Além dos Estados Unidos, no Brasil, na América Latina e na Europa, um grupo significativo de pesquisadores tem se debruçado em estudos em história ambiental, com temáticas diversas como rios, montanhas, florestas, flora, fauna, cientistas‐conservacionistas, dentre outros, e em diversas temporalidades.

Nessa perspectiva, o dossiê temático História, cultura e natureza se apresenta como um campo privilegiado para a discussão da relação entre história, cultura e natureza. Ao propor o dossiê, nossa intenção foi promover um espaço de debates sobre os vários ambientes e os diferentes fenômenos decorrentes dessa relação. Apesar de ser um campo historiográfico, esse espaço de debates se propunha interdisciplinar, considerando a possibilidade de envolver biólogos, geógrafos, antropólogos e os estudiosos dos diferentes campos das engenharias que se dedicam às questões ambientais. Para tanto, propusemos discutir temas que envolvessem a relação homem e natureza em diferentes cenários, biomas, domínios naturais e paisagens, bem como a utilização de diferentes fontes e métodos na compreensão desses fenômenos, tanto no Brasil como na América, na África e na Europa, em diferentes temporalidades.

Como resposta à chamada do dossiê, recebemos um número significativo de submissões de autores vinculados a instituições de diferentes regiões do Brasil, e também uma contribuição do exterior. Os textos, avaliados e aprovados por reconhecidos especialistas em história ambiental, foram organizados no dossiê de acordo com as temáticas e abordagens apresentadas. Em primeiro lugar, apresentamos os artigos centrados em questões conceituais, teóricas e historiográficas. Em seguida, apresentamos uma abordagem da relação homem e natureza no contexto dos Estados Unidos da América. Depois, aparecem os artigos que analisam o fenômeno no Brasil, iniciando com uma abordagem sobre a história dos projetos de conservação de espécies da fauna brasileira, seguida por outra focada nas transformações na paisagem do estado de Santa Catarina, outra centrada no debate político ambiental no estado de São Paulo, chegando, por fim, ao artigo que se dedica ao Cerrado no século XIX. Excetuando‐se os três primeiros artigos – aqueles de abordagens teóricas –, percebe‐se que nosso critério para a organização dos textos no dossiê foi geográfico, partindo da realidade mais distante geograficamente, os Estados Unidos da América, para a mais próxima do lugar de publicação da História Revista, o nosso Cerrado.

Assim, abrimos o dossiê com três artigos centrados em questões conceitual, teórica e historiográfica.

No primeiro artigo, Roger Domenech Colacios, pós‐doutorando pelo Departamento de História da UNESP / Assis, apresenta uma abordagem conceitual, situada no debate sobre a polissemia do meio ambiente. O autor propõe analisar o conceito de meio ambiente utilizado pela historiografia ambiental brasileira focando as três matrizes teóricas que guiam os estudos históricos no Brasil: ecológica, socioambiental e geográfica. No que se refere à metodologia, a análise utiliza o instrumental Latouriano, utilizado pela história das ciências, referente às caixas‐pretas conceituais, o que está indicado no título do artigo: Os meios ambientes da História Ambiental brasileira: pela abertura da caixa‐preta.

Prosseguindo com a discussão teórica, o segundo artigo, História, meio ambiente e interdisciplinaridade, de Dora Shellard, professora convidada do MBA da ENS / Funenseg São Paulo e pós doutoranda no Instituto de Estudos Brasileiros IEB / USP, apresenta duas questões fundamentais sobre a abordagem do meio ambiente na história. Em primeiro lugar, a autora discute a singularidade da história ambiental frente a outros campos da disciplina, destacando que, até a década de 1950, a exploração do meio ambiente no Brasil também era objeto da história econômica e social. Em seguida, a autora apresenta importantes reflexões sobre a interdisciplinaridade entre as ciências ambientais e sociais, suas possibilidades e seus limites.

O terceiro artigo do dossiê, foi escrito por Márcia Helena Lopes, Cristiane Gomes Barreto e André Vasques Vital, pesquisadores vinculados a diferentes instituições: a primeira é professora na Unievangélica / GO, a segunda é professora na Universidade de Brasília, e o terceiro é doutor pela Fundação Oswaldo Cruz e bolsista CAPES / PNPD do Centro Universitário de Anápolis. Como indica o título, O Papel do Ambiente no Pensamento Social Brasileiro: Contribuições a partir de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior, o artigo apresenta uma análise profunda do papel do ambiente nas interpretações do Brasil desenvolvidas por três grandes intérpretes do nosso país, destacando como a natureza está presente na formação social brasileira, segundo esses autores.

Consoante a proposta do dossiê de discutir temas que envolvessem a relação homem e natureza em diferentes cenários se apresenta o texto de Micah Bacheller e Sandro Dutra e Silva – o primeiro, norte americano, vinculado ao North Central College / USA, e o segundo, brasileiro, professor da Universidade Estadual de Goiás e do Departamento de Ciências Ambientais no Centro Universitário de Anápolis. Em The Birth of National Parks: Culture and Nature in Visiting the Wilderness in the United States (1920‐1940), os autores abordam a relação entre sociedade, cultura e natureza no contexto norte‐americano, estabelecendo como marco inicial o governo do Presidente Wilson (1913‐1921). Com enfoque na história da conservação da natureza e criação de áreas protegidas, os autores abordam a questão proposta em duas perspectivas: o nascimento do Sistema e Serviço de Parques Nacionais nos Estados Unidos e os fatores relacionados ao aumento de visitantes aos Parques entre as décadas de 1920 e 1940.

Passamos, então, ao cenário brasileiro. O primeiro artigo, História dos projetos de conservação de espécies da fauna no Brasil, é fruto da discussão de três pesquisadores, vinculados a importantes centros de pesquisa em história ambiental: Fernanda Cornils Monteiro Benevides, vinculada ao Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília e membro do Observatório das Unidades de Conservação e Políticas Sociais Conexas, José Luiz de Andrade Franco, vinculado ao Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília, e Vivian da Silva Braz, professora no Centro Universitário de Anápolis / GO. O artigo traça uma história dos projetos de conservação de espécies da fauna no Brasil. Nas palavras dos autores: “projetos pioneiros iniciados pela Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN), entre 1966 e 1972; consolidação e surgimento de novos projetos de 1973 a 1988; e crescimento do número de projetos, de 1989 até o presente. Trata da cooperação da FBCN com o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), com a Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), e com organizações não governamentais (ONGs) internacionais para o desenvolvimento dos projetos de conservação da fauna.” O artigo destaca, em suas conclusões, que os projetos de conservação da fauna revelam‐se importantes para o desenvolvimento de uma consciência ampla sobre a perda da biodiversidade.

Deslocando nosso olhar para o Sul do Brasil, o artigo intitulado Meio ambiente e sociedade: as transformações na paisagem do Oeste Catarinense, na segunda metade do século XX, de Samira Peruchi Moretto, apresenta as diversas transformações ambientais no Oeste catarinense no século passado, provocadas, em sua maioria, pela antropização da paisagem. A autora, que é professora do Curso de História da Universidade Federal da Fronteira Sul, utiliza um denso e variado corpus documental para analisar o processo histórico da transformação ambiental no Oeste catarinense, após o processo de ocupação da região.

No contexto da região Sudeste situa‐se o artigo O conceito de restauração de florestas nativas no debate político ambiental em São Paulo (1912‐1944), de Luiz Antônio Norder, professor do Departamento de Desenvolvimento Rural da Universidade Federal de São Carlos.  Por meio do estudo de publicações que continham conceitos e propostas de restauração de florestas, o autor analisa o contexto e as características do conceito de restauração de florestas nativas no Brasil e, especialmente, no estado de São Paulo, no período de 1912 a 1944.

Finalizamos o dossiê com uma abordagem sobre o Cerrado. Em A diversidade paisagística dos “campos” nas iconografias de Florence e de Martius: alguns aspectos do Cerrado da primeira metade do século XIX, Ana Marcela França de Oliveira, doutora pelo Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, discute a diversidade paisagística das extensões florísticas que abrangem atualmente parte do Cerrado, da forma como foram registradas pelo botânico alemão Carl F. von Martius (1794‐1868) e pelo artista francês Hercule Florence (1804‐1879). Ao estudar os registros dos dois viajantes, a autora problematiza o uso das imagens dos “cerrados” que ambos construíram como testemunhos de usos pretéritos do ambiente analisado.

Os leitores encontrarão nesse dossiê um debate riquíssimo no âmbito da história ambiental. Os artigos que o compõem apresentam diferentes abordagens e importantes reflexões em um campo historiográfico que, como dissemos no início dessa apresentação, é relativamente novo. Estamos profundamente agradecidos a todos que colaboraram: aos autores, que submeteram suas propostas e aceitaram as críticas e sugestões dos revisores, e aos pareceristas que gentilmente, e no melhor espírito acadêmico, apresentaram reflexões importantes e pertinentes nas suas avaliações, revelando leituras atentas e cuidadosas dos artigos. Nosso muito obrigado!

Sandro Dutra – Doutor (UEG)

Adriana Vidotte – Doutora (UFG)

Organizadores


DUTRA, Sandro; VIDOTTE, Adriana. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 22, n. 2, mai. / ago., 2017. Acessar publicação original [DR]

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Clérigos e Laicos / História Revista / 2014

Nos últimos anos, a pesquisa em História Medieval conheceu um desenvolvimento significativo. O número crescente de estudantes de pós-graduação envolvidos nos estudos relativos à Idade Média testemunha o sucesso de esforços conjuntos e parcerias bem sucedidas nos quadros acadêmicos nacionais. Podemos propor que este sucesso deva-se a dois sólidos pilares. Estes foram constituídos, de um lado, a partir da integração e da parceira entre pesquisadores das universidades brasileiras e, por outro, através da cooperação e do diálogo acadêmico internacionais, sobretudo, luso-brasileiro e franco-brasileiro.

O dossiê Clérigos e Laicos, propondo o reforço dos dois pilares acima mencionados, traz o resultado de importantes reflexões cujo eixo fundamental localiza-se na historicidade das relações entre clérigos e laicos. A diversidade de enfoques, recortes temporais e espaciais assinalam o caráter frutífero e promissor da constituição de variadas perspectivas, abordagens e tendências historiográficas. Tal diversidade proporciona o incremento de um profícuo debate. Pensar as relações entre clérigos e laicos, perceber e evidenciar como elas ganharam contornos e expressões bem específicos, atentando aos detalhes, minúcias de tais relações e os sentidos atribuídos a elas, tanto pelos contemporâneos quanto pelos estudiosos, se revela um desafio e um conjunto de coordenadas para o leitor. Nesse sentido, os artigos reunidos no Dossiê revelam-se como um convite à reflexão e à proposição de discussões.

Tema premente na historiografia europeia, estas relações são aqui apresentadas sob diferentes e atentos olhares de pesquisadores cujas contribuições historiográficas se revelam importantes. Rossana Pinheiro, tomando, entre outras, as proposições de Andres Vauchez, considera as relações entre clérigos e laicos sob o ponto de vista da consolidação do monaquismo e da hierarquia eclesiástica em Marselha e Lerins do século V d. C. A autora toma como fonte de estudo os escritos de João Cassiano e propõe pensar a situação dos monges, na condição de laicos especiais, além dos problemas inerentes à constituição da hierarquia eclesiástica naquele período. André Miatello, tendo como ponto partida as considerações de Alain Guerreau, discute os conceitos de Ecclesia e Dominium como um suporte teórico fundamental para a abordagem da canonização de Homobono de Cremona, pelo papa Inocêncio III, e das questões políticas relativas às cidades italianas no século XIII. Damien Carraz problematiza o fenômeno da Paz e da Trégua de Deus. Tendo como recorte espacial o Midi da França, o autor propõe considerar, diferentemente de uma perspectiva dita tradicional, a continuidade das pazes do século XI no século XII. Nesse sentido, as relações entre os bispos e a alta aristocracia laica destacariam a relação e a ligação entre a “Paz de Deus” e a “Paz do Príncipe”. Fechando o dossiê, Renata Nascimento, a partir de uma discussão acerca do simbólico, apresenta uma análise dos sentidos atribuídos à relíquia do Santo Lenho pelos cristãos portugueses nos séculos XIII e XIV. A autora demonstra que a chegada do Santo Lenho a Portugal no século XIII, guardado pela Ordem dos Hospitalários, revela possibilidades de análise para pensar as especificidades culturais e sociais de Portugal naquele período. Nesse sentido, os artigos do dossiê revelam uma diversidade de abordagens acerca das relações entre clérigos e laicos. Diversidade expressa nas reflexões conceituais, na escolha e na abordagem das fontes. Tal diversidade, afirmando ou propondo distintas abordagens para a pesquisa em História Medieval, aponta para possibilidades teóricas e temáticas muito pertinentes que, quiçá, poderão servir de eixo orientador para futuros trabalhos. Certamente, o elogio à miríade de construções historiográficas ligadas ao tema “clérigos e laicos” traz em si o pressuposto do diálogo, do debate, da concórdia e da discórdia, além da necessária discussão inerente à construção do conhecimento histórico.

Na sessão Artigos são apresentadas importantes contribuições sobre temáticas variadas. Paulo Martins apresenta uma reflexão sobre a cultura imagética romana e sua veiculação na sociedade romana antiga e na nossa – tendo em vista sua constante exploração e fruição em museus e em exposições. O autor analisa como a cultura material da Antiguidade romana, tanto nos últimos 50 anos da República como nos primeiros 130 anos do Principado, pode ser lido e fruído de forma diversa hoje em dia. Natália Frazão José, em seu estudo sobre Veléio Patérculo (séculos I a.C. a I d.C.), aborda a vida do escritor romano, examinando a produção historiográfica dos últimos anos sobre ele. Destaca na única obra do escritor, Historia Romana, as concepções do próprio autor e da sociedade onde foi elaborada. Alcides Goularti Filho discute a construção da Estrada Dona Francisca, no norte e no planalto norte de Santa Catarina, dentro da formação e da expansão do processo de colonização e do complexo ervateiro. O estudo abrange o período desde a fundação da Colônia Dona Francisca, em 1851, à conclusão das obras ferroviárias da Linha São Francisco, em 1913, que seguia o mesmo percurso da Estrada Dona Francisca. André Azevedo da Fonseca realiza uma revisão bibliográfica de teses e dissertações recentes que analisam a História de Uberaba-MG. O autor propõe sistematizar os resultados dessas pesquisas com o objetivo de oferecer subsídios para os estudos sobre as tensões, as representações e os antagonismos que constituem a história da sociedade de Uberaba, do Oeste de Minas Gerais e da região central do país, sob a ótica da História Cultural e Social. Nataniél Dal Moro analisa as formas de conceber a terra no Oeste do Brasil. Seu artigo examina a transformação econômica do oeste brasileiro, enfatizando as mudanças alavancadas, na segunda metade do século XX, pela monocultura da soja nestas plagas, mais especificamente na região sul do então Estado de Mato Grosso Uno. Henry Rousso trata da “globalização da memória”. O autor analisa a relação com o passado, destacando não só as importantes mudanças estruturais ocorridas no último terço do século XX e início do século XXI, mas a tendência da mesma a unificar-se, a “globalizar-se”.

Agradecemos aos autores e aos pareceristas e desejamos a todos uma excelente leitura.

Bruno Tadeu Salles (UEG) – Organizador do dossiê.

Adriana Vidotte (UFG) – Editora.


SALLES, Bruno Tadeu; VIDOTTE, Adriana. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 19, n. 1, jan. / abr., 2014. Acessar publicação original [DR]

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Religião, política e religiosidade na Idade Média / História Revista / 2012

A História Revista traz ao público o seu mais recente número, composto por três seções: Dossiê, Artigos e Resenhas. O dossiê Religião, política e religiosidade na Idade Média reúne quatro artigos escritos por pesquisadores vinculados a diferentes Centros de Pesquisas e Universidades brasileiras e argentinas. O artigo de Ruy de Oliveira Andrade Filho, professor e pesquisador na Unesp-Assis, abre o dossiê. Como informa o próprio autor, o artigo intitulado O reino visigodo: catolicismo e permanências pagãs, resgata e amplia algumas reflexões apresentadas no primeiro capítulo de seu recentíssimo livro: Imagem e Reflexo. Religiosidade e Monarquia no Reino Visigodo de Toledo (séculos VI-VIII), publicado pela Edusp, em 2012. Andrade Filho apresenta uma atenta leitura das fontes e destaca a distinção entre “religião” e “religiosidade” ao discutir a convivência do cristianismo com as manifestações do chamado “paganismo” no reino visigodo. O segundo artigo do dossiê, Trabajando para el pueblo de Dios: palabra, ley y clero en el pensamiento de Isidoro de Sevilha (600- 636) é de autoria de Eleonora Dell’ Elicine, doutora em História, docente e pesquisadora na Universidad de Buenos Aires e na Universidad Nacional de General Sarmiento. A partir de uma rigorosa análise das fontes, a medievalista argentina busca, em seu texto, discutir como um programa linguístico se relaciona com uma eclesiología e um plano de governo cristão no pensamento de Isidoro de Sevilha. O terceiro artigo, Épica, memoria e historia. Como los carolingios escriben el mundo, é de autoria do professor da Universidad Nacional de Mar del Plata e da Universidad Nacional del Sur, Gerardo Rodríguez. Em seu artigo, Gerardo Rodríguez apresenta reflexões sobre a construção de uma tradição franco-carolíngia, a partir da análise das relações entre literatura e história, sustentadas em uma profunda discussão teórica e historiográfica. Fechando o dossiê, o artigo O culto a São Tiago e a legitimação da Reconquista espanhola, de Adaílson José Rui, analisa a construção do mito de São Tiago como protetor dos cristãos contra os muçulmanos. O professor da Universidade Federal de Alfenas utiliza ampla documentação e bibliografia para enfatizar as transformações do Apóstolo em guerreiro – em matamoros – e do seu culto, vindo a servir aos propósitos da monarquia castelhana que tinha a Reconquista como uma missão régia.

A seção Artigos, como espaço plural, apresenta uma interessante diversidade de temas e abordagens. Abre a seção, o artigo de Alex Degan, A polêmica entre Yosef ben Mattitiahou ha-Cohen e Titus Flavius Josephus. O professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro e membro do Laboratório de Estudos Sobre o Império Romano (LEIR), revela, na construção do seu texto, uma cuidadosa interpretação das fontes. Em seu artigo, Degan oferece uma leitura da sociedade judaica da Palestina do século I por meio de uma análise da vida e das obras do historiador judeu Flávio Josefo. Em seguida, a seção traz uma contribuição vinda do sul do país: A formação social e cultural no sul do Brasil: a “mancha loira” como um contraponto ao Brasil “mestiço e mulato”, de Maria Julieta Weber Cordova, professora Adjunta do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa. A autora destaca o discurso sobre a “mancha loira” presente na obra de Bento Munhoz da Rocha Netto, Presença do Brasil, como contraponto ao discurso do Brasil “mestiço e mulato”, caracterizado em Casa Grande & Senzala por Gilberto Freyre. Na sequência, Daniela Pereira Versieux, Mestre em Educação Tecnológica pelo CEFET / MG e professora da Fundação de Ensino de Contagem / MG, oferece uma contribuição aos estudos sobre Minas Gerais. Em A fazenda Escola de Florestal: apontamentos sobre a inserção de Minas Gerais na modernidade capitalista, Versieux enfoca a relação da Fazenda Escola de Florestal, fundada no então distrito de Florestal, município de Pará de Minas, em 1939, com o processo de modernização de Minas Gerais. O artigo de Fernando Lobo Lemes, Espera, morte e incerteza: a instalação dos Julgados nas minas de Goiás, explica que a instalação dos Julgados, passo inicial em direção a um ordenamento institucional mais sólido, aparece como estratégia provisória de organização das ações coordenadas por Lisboa nas minas de Goiás. Doutor em História, Lobo Lemes aprofunda os estudos das fontes para propor “uma leitura possível sobre a criação de Vila Boa”.

A seção Resenhas, por fim, traz uma novidade. Pela primeira vez, a História Revista publica uma resenha de Dissertação de Mestrado. Eduardo Sugizaki apresenta a dissertação de Paulo Henrique Costa Mattos, O trabalho escravo contemporâneo: a degradação do humano e o avanço do agronegócio na região Araguaia-Tocantins, defendida no Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Eduardo Sugizaki, doutor em História pela UFG e em Filosofia pela Universidade da Picardia Júlio Verne, analisa a dissertação, enfatizando a sua relação com a literatura existente sobre o tema e os métodos empregados por seu autor. Em outra resenha, Rafael Sancho Carvalho da Silva, Mestre em História pela Universidade Federal da Bahia, discute a obra de Luiz Bernardo Pericás, Os cangaceiros: ensaio de interpretação histórica. Rafael Sancho Carvalho da Silva avalia a produção sobre o cangaço para destacar que na obra resenhada o tema foi descrito “sem o peso romântico de outras descrições”.

A História Revista espera estar contribuindo para o debate de ideias, para a circulação do conhecimento e para a congregação de pesquisadores. Que a leitura seja profícua e prazerosa para todos!

 Adriana Vidotte – Editora


VIDOTTE, Adriana. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 17, n. 2, jul. / dez., 2012. Acessar publicação original [DR]

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História Medieval: Fontes e Historiografia / Varia História / 2010

O interesse pelos estudos medievais tem crescido nas últimas décadas no Brasil. O prestígio que a historiografia medieval adquiriu, principalmente com as contribuições vinculadas à escola dos Annales e a chamada Nova História, proporcionou a ampliação do espaço dado à História Medieval no âmbito das nossas Universidades. A consolidação desse interesse tem permitido a tradução para a nossa língua de diversas obras importantes sobre o assunto e o aparecimento de uma crescente produção nacional no setor. A extensão deste interesse também se materializou na criação de grupos de estudos dedicados à pesquisa e à divulgação de temas medievais, como o Laboratório de Estudos Medievais – LEME – que agrupa professores e alunos de História da USP, UNICAMP, UNIFESP, UFMG e UFG. Criado em 2005, o LEME tem o objetivo principal de congregar professores, pesquisadores e estudantes para o desenvolvimento de estudos e de atividades na área de História Medieval, bem como estabelecer a interlocução com centros de estudos estrangeiros. Este dossiê é uma realização do LEME e manifesta a intenção de buscar novos espaços de discussão e estabelecer interlocução com colegas nacionais e estrangeiros. Assim, publicam no dossiê os medievalistas Néri de Barros Almeida (LEME / UNICAMP); Marcelo Cândido da Silva (LEME / USP); Dulce Amarante O. dos Santos (UFG), Sylvie Joye (Université de Reims) e Patrick Gilli (Université de Montpellier III).

O dossiê propõe uma reflexão sobre as relações dos medievalistas com suas fontes à luz da crise dos paradigmas e da interdisciplinaridade. Refletir sobre essas relações é fundamental já que o estudo do passado se realiza de forma mediada através dos vestígios da atividade humana. A crise que afetou as humanidades durante as últimas décadas, em grande parte devido ao declínio das ideologias, levou os historiadores a questionarem os vestígios do passado. Os debates historiográficos, sob a influência das tendências modernas e pósmodernas, colocaram em foco o uso das fontes históricas e o ofício do historiador. O próprio termo “fonte” foi colocado em questão, já que poderia sugerir que os vestígios eram meros reflexos do passado e que bastava sua análise para reencontrar esse passado, reconstruir a história. Enfatizou-se a necessidade de se reconhecer a dinâmica da produção, transmissão e interpretação dos documentos históricos. Destacou-se, no ofício do historiador, a crítica das fontes e isso significava, entre outras coisas, verificar se o documento realmente pertencia à determinada época e que não havia sido falsificado, se quem disponibilizava o documento era confiável e, também, a finalidade e a intenção do documento, atentando para o momento e o lugar em que foi elaborado. Assim, a crítica das fontes muitas vezes se limitava às questões de datação, de autoridade, de revisão, de autenticidade, de transmissão e de comparação por períodos ou regiões. O medievalista continua realizando essa crítica, mas hoje o que está em foco nos estudos medievais são as novas perspectivas sobre fontes já conhecidas, sejam textos escritos ou elementos da cultura material.

A releitura e reconsideração das fontes, somado ao aprofundamento de uma perspectiva interdisciplinar, tem proporcionado uma profunda renovação do conhecimento das sociedades medievais. Da observação dessa renovação operada a partir de releituras das fontes e de discussões historiográficas, surgiu o tema do dossiê: História medieval: fontes e historiografia, e nele se enquadram os cinco artigos aqui reunidos. Dulce Amarante dos Santos discute as Velhas e novas relações entre os medievalistas e suas fontes, enfocando, entre outros assuntos, os desafios e as dificuldades enfrentadas, em particular, por aqueles interessados em temáticas interdisciplinares relacionadas à história social da medicina da Idade Média. Marcelo Cândido da Silva, em “Público” e “privado” nos textos jurídicos francos, discute a dicotomia “público” e “privado” e demonstra que a mesma é inviável para a compreensão do mundo franco da Alta Idade Média. Desvela as conexões estabelecidas entre a Idade Média e o mundo moderno, apresentando, em oposição às teses das origens medievais do Estado moderno e do Brasil, como uma releitura das fontes pode sustentar a idéia da originalidade da Alta Idade Média. Néri de Barros Almeida, em A Idade Média entre “poder público” e “centralização política”: itinerários de uma construção historiográfica, coloca em questão o paradigma da violência, discutindo a validade teórica das análises da Idade Média que tomam por base a associação entre descentralização política e desgoverno, privatização, ausência de poder público. A autora recorre às fontes para apresentar o ponto de vista dos historiadores medievais a respeito da violência que registram e para afirmar a possibilidade de reconhecimento nas sociedades medievais de instâncias públicas de poder reconhecido e atuante dentro de critérios particulares de ação. Sylvie Joye, em Prática social e armadilhas das fontes: as fontes historiográficas e normativas sobre o casamento por rapto na Alta Idade Média, demonstra como uma releitura das fontes normativas e narrativas pode revelar os equívocos interpretativos da historiografia sobre o casamento por rapto. Revela que a releitura e a crítica das fontes podem sustentar novas interpretações sobre as práticas nas sociedades da Alta Idade Média, cuja história é profundamente marcada por paradigmas estabelecidos no século XIX e início do XX. Patrick Gilli, em As fontes do espaço político: técnicas eleitorais e práticas deliberativas nas cidades italianas (séculos XII-XIV), apresenta o mundo das comunas italianas dos séculos XII a XIV como um laboratório privilegiado de observação, nas práticas ordinárias da Idade Média, dos vestígios de um espaço de mediação política. Examina as fontes estatutárias para investigar as modalidades de representação, as técnicas eleitorais e deliberativas, e, entre outras abordagens, discutir a possível singularidade do caso italiano.

Adriana Vidotte – Laboratório de Estudos Medievais – LEME. Professora da Faculdade de História / UFG. Organizadora. E-mail: [email protected]


VIDOTTE, Adriana. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.26, n.43, jan. / jun., 2010. Acessar publicação original [DR]

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