Fontes para a história ambiental / Revista de Fontes / 2019

A história ambiental busca documentar e compreender a relação sociedade-natureza ao longo do tempo, a partir da problemática ambiental contemporânea. Essa problemática, hoje, perpassa as discussões sobre o desenvolvimento econômico e social, as relações internacionais, a cultura e o cotidiano. Cuidar da vida do planeta Terra como um todo aparece como imperativo no século XXI, sem o que haverá, inexoravelmente, a degradação das condições de vida de bilhões de seres humanos.

Este dossiê, assim, encontra plena justificativa no que se refere a sua relevância social. No âmbito acadêmico também se justifica, pois a relação sociedade-natureza fez parte do repertório da reflexão histórica ao longo do tempo[1].Talvez o exemplo mais eloquente dessa situação, no Brasil, seja a produção relativa ao período colonial, que ao investigar a ocupação europeia do continente americano, abordou como recursos naturais eram utilizados e percebidos pelos povos nativos, pelos invasores e pela nova sociedade que surgia. Obras clássicas como A Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Jr. e Caminhos e Fronteiras de Sérgio Buarque de Holanda, para citar duas das mais conhecidas e importantes, demonstram como a História Ambiental encontra referências na história da historiografia brasileira.

Mas embora investigar sociedade e natureza não seja novidade na historiografia, a História Ambiental tem como especificidade problematizar essa relação a partir de um ponto de vista, que ganha força na segunda metade do século XX, de que a crise ambiental tem alcance mundial, afetando diretamente a vida da maior parte da população do planeta e que é uma ameaça não só ao futuro da Humanidade, mas ao seu presente. Essa compreensão ganhou forma a partir do diálogo e controvérsias estabelecidas entre diferentes ciências, mas também entre estas e as artes, a literatura e os saberes tradicionais, tudo isso impulsionado por movimentos sociais diversos, que apontavam tanto questões práticas e imediatas como preservar uma floresta, como ampliavam o escopo da sua crítica para a própria organização da sociedade industrial e seu modo de vida.

A medida que o século XX avançava houve questionamentos radicais à sociedade industrial, que tinha na noção de progresso elemento central. O próprio conceito de “desenvolvimento econômico” foi contestado, diante da crescente percepção de uma crise ambiental planetária, manifestada, dentre outros aspectos, pela poluição crescente do ar, água e solo; pela destruição dos ecossistemas e extinção de espécies; pelo esgotamento ou distribuição e uso desigual de recursos naturais [2]; e, no fim de século, pelas mudanças climáticas. Cabe notar que a crise ambiental aparecia com toda força na vida cotidiana e na economia dos próprios países ricos em meados do século XX, como nos casos da contaminação do ar em Londres e Nova York ou a intoxicação por mercúrio em Minamata e Niigata, no Japão. Em 1973, o primeiro “choque do petróleo”, embora decorrente de disputas geopolíticas e comerciais, demonstrou a dependência das sociedades industrializadas de um recurso natural finito.

A crise ambiental que em maior ou menor grau atingia a todos e era tida como ameaça ao futuro dava força aos movimentos ambientalistas mundo afora, e eles tinham ampla ressonância social em países democráticos da Europa e nos EUA. Os debates e estudos sobre essa problemática aumentavam. Em 1968 foi fundado o Clube de Roma, um grupo de pesquisadores que se reuniu para debater assuntos relacionados ao desenvolvimento e o meio ambiente, trabalhando ativamente para que as discussões alcançassem centralidade na agenda política mundial. Em 1972, em conjunto com a Associação Potomac e o Massachusets Institute of Technology, foi publicado o relatório Os limites do Crescimento, que influenciou os debates que ocorreram em torno da Conferência sobre o Meio Ambiente Humano, que ocorreu, no mesmo ano, em Estocolmo, na Suécia. Os estudiosos discutiam como seria o futuro se todos os países continuassem crescendo num ritmo acelerado. Apontavam, então, para os limites do crescimento, ou seja, a impossibilidade de se manter o padrão de desenvolvimento sem que isso resultasse em um colapso ambiental. Pensar novas formas de organização social que propiciassem um relacionamento mais harmonioso entre sociedade e natureza impunha-se como um dos grandes desafios do século [3].

Mas a Primeira Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente também foi marcada por debates acirrados entre os representantes dos governos dos países desenvolvidos e dos países subdesenvolvidos. Nesse encontro, os temas da poluição e da pressão exercida pelo crescimento demográfico sobre os recursos naturais provocaram discussões acirradas. Surgiram propostas de controle de natalidade e do próprio crescimento econômico de países periféricos na economia mundial, resultando em um intenso debate entre os desenvolvimentistas e os “zeristas”, que defendiam um crescimento econômico zero, ressaltando que não haveria recursos naturais suficientes para garantir a universalização dos padrões de produção e consumo dos países desenvolvidos.

Mas diante disso, o que deveriam fazer os países mais pobres? Aceitar a pobreza e a desigualdade internacional ou destruir o planeta em busca de seu desenvolvimento? Colocado nesses termos o debate não avançava. A resposta mais complexa tentava superar o dilema do desenvolvimento como sinônimo de degradação ambiental. Não era fácil. Mas, do ponto de vista intelectual era a reflexão que tinha futuro. Os intelectuais mais criativos assumiam como premissa que era preciso conciliar desenvolvimento humano e natureza, inventar um novo rumo para o planeta, e ele somente poderia ser realizado a partir de uma abordagem socioambiental. As humanidades, assim, alcançavam o centro do debate ambiental, que, para muitos, parecia ser objeto das ciências naturais. A historiografia também se engajou nessa reflexão.

Nos Estados Unidos nascia a Environmental History, ou seja, a História Ambiental adquiria identidade com o início de um esforço consciente e sistemático de incorporação aos estudos históricos das questões e variáveis ambientais. Segundo Donald Worster, uma das principais referências do movimento nascente, o objetivo principal dos historiadores ambientais tornou-se “aprofundar o entendimento de como os seres humanos foram, através dos tempos, afetados pelo seu ambiente natural, e, inversamente, como eles afetaram esse ambiente e com que resultados” [4]. Em 1974, os Annales, a renomada revista francesa vinculada à escola historiográfica que leva o mesmo nome, publicou uma edição especial dedicada a temática ambiental: Historie et environnement. Em 1999 era fundada a European Society for Environmental History (ESEH). Em 2003 os historiadores ambientais da América Latina se reuniram na SOLCHA, a Sociedade Latino Americana e Caribenha de História Ambiental

O Brasil acompanhou toda essa movimentação social e acadêmica que acontecia no mundo na segunda metade do século XX, embora o ambiente repressivo implantado pela Ditadura de 1964 tenha dificultado a participação mais ampla da sociedade. Mas no contexto de redemocratização do país nos anos 1980, período marcado por grande efervescência cultural e política, as questões ambientais chegaram ao grande público. Foi a época em que Chico Mendes, liderança popular do Acre, ganhou destaque internacional ao encarnar a luta dos seringueiros e a defesa da Floresta Amazônica; quando as ONGs ambientalistas ganharam força e, inclusive, surgiu o Partido Verde, inspirado na experiência europeia. Em 1992, vinte anos depois de Estocolmo, o Brasil receberia a Segunda Conferência Internacional sobre Meio Ambiente, a Rio92, que teve grande repercussão no país.

Nos cursos de história a temática ambiental começou a ganhar espaço. Os livros de Keith Thomas [5] e Warren Dean eram inspiradores. Dean, tendo finalizado sua pesquisa sobre a Amazônia, publicou o livro “Brazil and the Struggle for Rubber: a study in environmental history”, em 1987, e a obra logo foi traduzida e publicada no Brasil em 1989 [6]. Autor bastante conhecido no mundo acadêmico brasileiro, Warren Dean deu visibilidade à nova agenda de pesquisa que surgia. Anos mais tarde escreveria um clássico: A Ferro e Fogo. A história da devastação da Mata-Atlântica Brasileira [7]. Em 1987 era defendida na Unesp de Assis a dissertação de mestrado de Jozimar Paes de Almeida, intitulada a “A Extinção do Arco-Iris. A agroindústria e o eco-histórico”, talvez a primeira pesquisa da área nascente em programas de pós-graduação em história8.

O ensino também participou desse movimento de incorporação do meio-ambiente à reflexão histórica. A importância da educação para o enfrentamento da crise ambiental foi ressaltada na Primeira Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, em 1972. Discussões sobre o conceito de Educação Ambiental e as formas de implementá-la aconteceram em seminários e encontros ao longo dos anos seguintes. A Constituição Federal do Brasil de 1988, elaborada em um contexto de grande participação social indica em seu Capítulo VI – Do meio ambiente, no art. 225, que:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Além disso, a mesma Constituição afirma que para assegurar a efetividade desse direito o Poder Público deve promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), elaborados em meados dos anos 1990, instituíram o meio-ambiente como tema transversal no ensino fundamental e médio9. Hoje, o ensino de história terá de pensar a questão ambiental a partir da Base Nacional Comum Curricular, uma novidade ainda pouco conhecida pela grande maioria dos historiadores.

Como se vê, a partir de fins do século XX o meio-ambiente floresceu na área de história e, desde então, se expandiu fortemente. No Brasil, vinte anos atrás, seria possível identificar facilmente os poucos historiadores dedicados à temática ambiental e os centros de pesquisa da área. Em 2020 essa lista seria longa demais para um texto introdutório. A história ambiental aumenta seu espaço no ensino, na pesquisa e nas publicações acadêmicas e alcança ressonância social.

Esperamos que os artigos deste dossiê auxiliem todos aqueles que pretendem pensar o meio-ambiente em perspectiva histórica.

Notas

1. Paulo Henrique Martinez. “Existe Uma Historiografia Ambiental Brasileira ?”. In: Anais do XVII Encontro Regional de História: O lugar da História. ANPUH / SP Unicamp. Campinas, 6 a 10 de setembro de 2004. Cd-rom. Seminário Temático XIII.

2. Arthur Soffiati. “Algumas palavras sobre uma teoria da eco-história”, Desenvolvimento e Meio Ambiente, 18, jul. / dez. 2008, p. 14.

3. Wagner Costa Ribeiro. A ordem ambiental internacional. São Paulo: Contexto, 2001, p. 77; Phillippe Le Preste. Ecopolítica Internacional. São Paulo: Editora Senac, 2001, p. 159ss.

4. Donald Worster. “Para fazer história ambiental”, Estudos Históricos, 4-8, 1991, pp. 198-215 (publicado, originalmente, em 1988 nos EUA).

5. Keith Thomas. O Homem e o Mundo Natural. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.

6. Warren Dean. Brazil and the Struggle for Rubber: a study in environmental history. Cambridge: Cambridge University Press, 1987; A luta pela borracha no Brasil: um estudo de história ecológica. São Paulo: Nobel, 1989.

7. Warren Dean. A Ferro e Fogo. A História e a Devastação da Mata Atlântica Brasileira. São Paulo, Companhia das Letras, 1997.

8. Jozimar Paes de Almeida. A Extinção do Arco-íris: A Agro-Indústria e o Eco-histórico. Mestrado em História, UNESP, 1987.

9. Circe Maria Fernandes Bittencourt. “Meio ambiente e ensino de história”, História & Ensino, 9, 2003, p. 51.

Referências

ALMEIDA, Jozimar Paes de. A Extinção do Arco-íris: A Agro-Indústria e o Eco-histórico. Mestrado em História, UNESP, Brasil, 1987.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. “Meio ambiente e ensino de história”, História & Ensino, 9, pp. 63-96, 2003.

DEAN, Warren. A Ferro e Fogo. A História e a Devastação da Mata Atlântica Brasileira. São Paulo, Companhia das Letras, 1997.

DEAN, Warren. A luta pela borracha no Brasil: um estudo de história ecológica. São Paulo: Nobel, 1989.

DEAN, Warren. Brazil and the Struggle for Rubber: a study in environmental history. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.

LE PRESTE, Phillippe. Ecopolítica Internacional. São Paulo: Editora Senac, 2001.

MARTINEZ, Paulo Henrique “Existe Uma Historiografia Ambiental Brasileira?”. In: Anais do XVII Encontro Regional de História – O lugar da História. ANPUH / SP Unicamp. Campinas, 6 a 10 de setembro de 2004. Cd-rom.

RIBEIRO, Wagner Costa. A ordem ambiental internacional. São Paulo: Contexto, 2001. SOFFIATI, Arthur. “Algumas palavras sobre uma teoria da eco-história, Desenvolvimento e Meio Ambiente”, n. 18, pp. 13-26 , jul. / dez. 2008.

THOMAS, Keith. O Homem e o Mundo Natural. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.

WORSTER, Donald. “Para fazer história ambiental”, Estudos Históricos, 4-8, pp. 198-215, 1991.

Janes Jorge – Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Departamento de História e Programa de Pós-Graduação em História, Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Guarulhos, SP, Brasil. E-mail: [email protected] https: / / orcid.org / 0000-0003-1767-2148

Patricia Tavares Raffaini – Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Programa de Pós-Graduação em História, Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Guarulhos, SP, Brasil. E-mail: [email protected] https: / / orcid.org / 0000-0003-1921-6269


JORGE, Janes; RAFFAINI, Patricia Tavares. Apresentação. Revista de Fontes. Guarulhos, v.6, n.11, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Fontes Históricas: Desafios e Possibilidades Metodológicas / Ofícios de Clio / 2018

Nas últimas décadas, a historiografia vem passando por uma expansão das fontes. Influenciados pela terceira geração dos Annales, historiadores tem buscado não apenas a diversificação de documentos como novas possibilidades metodológicas para suas pesquisas. Além disso, a interdisciplinaridade é cada vez mais comum e necessária à operação histórica.

O dossiê aqui proposto tem como finalidade demonstrar essa variedade de pesquisas, fontes e aportes teórico-metodológicos, existentes nas diversas instituições de ensino de História pelo país. A profissão de historiador, embora ainda não regulamentada por lei, tem passado por várias modificações, entre as quais, sua crescente participação no espaço público. Cada vez mais as pesquisas transpõem os muros da academia e ganham visibilidade em meio ao grande público.

Os dez artigos expostos nessa edição mostram as múltiplas facetas de pesquisas e possibilidades de atuação de historiadores, com diferentes níveis de titulação, temáticas e instituições. O número cinco da revista Faces de Clio demostra de maneira diversificada e completa as temáticas variadas, mostrando parte dessa ampliação de fontes e novas metodologias no campo das pesquisas históricas nas últimas décadas.

O primeiro artigo intitulado Estilhaços do Espelho: crise dos paradigmas na teoria da história e historiografia de 1970 ao século XXI, da doutoranda em História Global da Universidade Federal de Santa Catarina, Ana Paula Jardim Martins Afonso, faz uma discussão teórico-metodológica do campo da história em 1970, com destaque para a emergência da História Cultural. Apresenta também o campo da Micro História como promissor para o debate de uma História Cultural atualizada, além de discutir a emergência dos estudos em História Global. A autora tem como ponto de partida os Annales e mobiliza ideias de autores como Fernand Braudel, Roger Chartier, Carlo Ginzburg e Sandra Pesavento. Finaliza o texto com a frase de Jaques Le Goff (2001): “o historiador não pode ser um burocrata da história, deve ser um andarilho fiel a seu dever de exploração e aventura”. Assim, reafirma o espirito do historiador como inquieto e em constante movimento.

Darlan de Farias Rodrigues, mestrando de História da Universidade Federal de Pelotas, em História e Historiografia: uma breve discussão teórico-metodológica sobre a História Social, mostra de que maneira esse debate permeia sua pesquisa sobre o patronato rural rio-grandense e o processo de intercâmbio de seus grupos com as estruturas de dominação.

Clarice Garcia Barbosa, mestranda em História Econômica na Universidade de São Paulo, em Fontes Históricas: cotidiano e história por meio de periódicos, narra a trajetória dos jornais enquanto fontes de pesquisa dos historiadores, remontando a ampliação das fontes com a Escola dos Annales e citando pesquisas de Gilberto Freyre, Fredrich Engels e Karl Marx como autores que utilizaram periódicos em seus trabalhos. A autora pontua diferentes formas de se trabalhar com esse tipo de fonte, além de destacar aspectos que geraram controvérsias sobre a utilização da fonte em seus momentos iniciais, e de que maneira driblaram esse descredito.

Em Política e Sociabilidade no século XIX: as correspondências recebidas pelo Visconde de Pelotas, o mestrando em História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Guilherme de Mattos Gründling explicita a importância e possibilidades de se trabalhar com as correspondências enquanto fontes históricas. Para isso, ele toma como referência as cartas recebidas por José Antônio Corrêa da Câmara (Visconde de Pelotas), e analisa as redes de sociabilidade do militar rio-grandense, estratégias para ascensão. O autor mostra como esse tipo de fonte nos ajuda a remontar aspectos da história que estão fora das fontes ditas oficiais.

O próximo artigo tem como fonte central os Postais Franceses difundidos no contexto da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), escrito pela graduada em História pela Universidade do Estado de Ponta Grossa, Kimberly Natalie Diehl. No artigo Representações e concepções relativas à mulher em postais franceses da Grande Guerra (1914-1918), a autora evidência que a guerra promove um rearranjo social, uma vez que parte dos homens vai para o campo de batalha, e a necessidade de fabricação de armas faz com que as mulheres tenham de sair da posição de donas de casa e passem a fazer parte do mundo do trabalho das fábricas, sindicatos e outros espaços antes não ocupados. A autora também aborda a imagem enquanto fonte e as respectivas metodologias. Também discute o gênero enquanto categoria de análise histórica. Por fim, Kimberly demonstra que mesmo havendo essa mudança na vida das mulheres, essa imagem não é retratada nos postais aos quais teve acesso. A mulher nesses postais era retratada de forma doce, muitas vezes com a família, pensando no companheiro que estava na guerra ou como enfermeira, nesse caso fazendo parte da retaguarda do homem e não como figura central.

Caroline da Silva e Djiovan Vinicius Carvalho trazem a importância de trabalhar com arquivos pessoais. No texto intitulado “Espelho verdadeiro da vida de seus autores?”: memória e esquecimento em acervos pessoais, os dois mestrandos em História da Universidade de Passo Fundo nos ajudam a pensar não apenas na importância que os acervos pessoais ganharam nas últimas décadas, fazendo parte de arquivos de grandes instituições como o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), mas também permitem repensar a forma como os arquivos são construídos, por quem, quem é o doador do arquivo, que imagem querem passar, e na seleção realizada, uma vez que dentre os documentos produzidos durante a vida apenas uma parte é guardada.

Mostrando que o trabalho do historiador com a fonte audiovisual é possível e que cada vez ganha mais adeptos, Gabbiana Clamer Fonseca Falavigna dos Reis, com doutorado em história em andamento na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, tem como fonte central filmes. No artigo Cinema e oficio do historiador: As possibilidades multifacetadas de pesquisa a partir do estudo de caso do longa-metragem A Dama da Lotação (1978), a autora trabalha com a película nominada no título, fazendo analise de cenas do filme e com a recepção do filme por críticos de três jornais. Além disso, Gabbiana faz um pequeno guia de possibilidade para historiadores que querem trabalhar com esse tipo de fonte.

Da fonte Audiovisual para a fonográfica, Stênio Ronald Mattos Rodrigues, doutorando em História pela Universidade Federal de Santa Catarina, intitula seu trabalho Uma análise sobre os discos promocionais como elementos estimuladores para a projeção de Raimundo Fagner na ambiente profissional da MPB(1973-1982). O autor parte do mercado do disco para explicar de que forma é possível trabalhar com suas fontes, além de explicitar as outras maneiras de se trabalhar com a história da música. Para além dos fonogramas, cita dados de vendagem e notícias em jornais e revistas, que ajudam a remontar trajetórias artísticas. Stênio usa como fontes principais dois compactos promocionais lançados nos anos de 1973 e 1982 e discute a forma como eles influenciam e compõem a história de Raimundo Fagner, cantor cearense que inicia sua carreira na década de 1970 e atinge grande sucesso de público, crítica e vendas.

O nono artigo é fruto de parte da dissertação de Elisiane Medeiros Chaves, que conferiu a autora o título de mestre pela Universidade Federal de Pelotas. Um estudo sobre a violência contra a mulher a partir de narrativas de réus julgados no juizado da Violência Doméstica da comarca de Pelotas-RS (2011-2018), trabalha com fontes orais e Tempo Presente. A autora entrevista 18 réus de casos de agressão contra suas companheiras, usa como fonte os processos no qual esses homens eram julgados. Demonstrando os lapsos, escolhas e ênfases da memória, a autora constrói o artigo de maneira que conseguimos observar como os entrevistados vão tecendo suas narrativas. Também apresenta possibilidades de trabalho histórico com a memória e com um período de tempo menos recuado. Elsiane nos ajuda a vislumbrar a potencialidade das pesquisas sobre história e Tempo Presente, além de nos mostrar que é possível trabalhar com temáticas sensíveis e ainda sim manter o rigor metodológico e vinculação com a historiografia.

Finalizando o dossiê temos a importante contribuição do graduando em História da Universidade Federal de Pelotas João Gomes Braatz. O Bhagavad Gita como fonte de estudo de filosofia guerreira indiana evidência a escassez de produção acadêmica no Brasil a respeito da antiguidade na Índia. Ainda destaca que frequentemente assumimos o olhar do pesquisador europeu ao consideramos o Oriente como um elemento homogêneo, apesar dessa região envolver diferentes países que devem ser analisados através das suas singularidades. Como fonte central ele mobiliza o texto indiano Bhagavad Gita, pertencente à obra Mahabharata. João Gomes demonstra a importância de trabalhar não apenas com uma fonte pouco analisada no país, mas também a riqueza de detalhes na fonte trabalhada.

Ao todo, são dez artigos que nos ajudam a pensar a pesquisa histórica como um caleidoscópio, uma vez que temos inúmeras possibilidades de abordagens, fontes e metodologias. O dossiê cumpre sua finalidade suscitando diferentes indagações e questionamentos. Além disso é de grande importância para o historiador em início de carreira, pois possibilita o olhar para caminhos diferentes, possíveis de serem seguidos.

Boa leitura!

Daniel Lopes Saraiva – Doutorando em História / UDESC


SARAIVA, Daniel Lopes. Apresentação. Revista Discente Ofícios de Clio, Pelotas -RS, v. 3, n. 5, jul./dez., 2018. Acessar publicação original [DR]

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Fontes para a História do Trabalho / Revista de Fontes / 2017

Neste número da Revista de fontes foi dado espaço a historiadores do trabalho que utilizam, em suas pesquisas recentes, fontes até hoje pouco utilizadas, seja pelo ineditismo dado pela dispersão documental e dificuldade de acesso, seja porque começaram a ser exploradas na última década a partir de uma reorientação e diversificação interpretativa da história social do trabalho.

Os estudiosos de história do trabalho no Brasil, a par dos percursos analíticos trilhados pela historiografia internacional sobre o tema, têm privilegiado, sobretudo desde o fim dos anos de 1970 e a década de 1980, as fontes impressas oriundas do movimento operário. A chamada imprensa operária, melhor definível como imprensa produzida pelas organizações, grupos e partidos ligados à militância política e sindical no mundo do trabalho, ainda hoje se constitui como um conjunto documental fundamental para compreensão profunda deste tema, uma vez que, sobretudo para o período da Primeira República, quase não há outras fontes que se originam das comunidades de trabalhadores, apesar de expressar uma visão militante, sendo, portanto, explicitamente caracterizadas de um ponto de vista político.

A grande imprensa da época dava pouca atenção ao mundo do trabalho urbano, a não ser por algumas matérias com uma visão no mínimo paternalista, e na maioria das vezes preconceituosas em relação à classe trabalhadora, suas culturas, costumes, atitudes, vida cotidiana, ações e movimentos. Logo, era, e é necessário ainda hoje para o historiador do mundo do trabalho, tentar penetrar nesse meio através da imprensa anarquista, socialista e sindicalista, ainda sabendo que a classe representada pelos militantes não coincide, obviamente, com o conjunto social heterogêneo dos trabalhadores e trabalhadoras, mas que pode sim ser conhecida e estudada melhor através dos escritos e seções dessa imprensa, onde ao menos aparece seu mundo organizativo, suas críticas, seus anseios e protestos, e suas redes sociais.

Foi somente a partir dos meados década de 1920 e, sobretudo, desde a Era Vargas, que a grande imprensa alargou sua atenção para com o mundo do trabalho urbano na sua totalidade e complexidade de fatos e expressões, ainda que, na maioria das vezes, com um olhar crítico dos movimentos sociais e políticos egressos desse meio.

Outro vasto núcleo documental utilizado nessa área temática remete ao campo da memória, sobretudo considerando as testemunhas orais registradas através das metodologias de história oral, sejam histórias de vida ou entrevistas dialógicas. É um conjunto diversificado de fontes memoriais que foi explorado intensamente desde meados da década de 1970. Evidentemente, a história oral, fundamental na análise das experiências e vivências individuais sociais neste âmbito da história social, encontra claros limites cronológicos ad quem.

Fontes econômicas e estatísticas também foram utilizadas e ainda hoje são frequentadas pelos historiadores do trabalho, embora os recenseamentos e dados recolhidos no Brasil até meados da década de 1930 não ajudem muito para definições mais precisas do universo trabalhista. Baste pensar, por exemplo, nos dados sobre os fluxos migratórios internacionais internos no Estado de São Paulo durante a Primeira República, no período de formação do parque industrial paulistano. Quantos espanhóis e italianos saíram das fazendas e se transferiram na capital, para compor a heterogênea classe operária local, ou voltaram para seus países de origem? Ainda faltam trabalhos em equipe que levantem estes dados, a partir de uma profunda pesquisa nas fontes cartoriais paulistas.

Os documentos policiais e judiciais, as chamadas “fontes da repressão”, começaram a ser utilizadas no Brasil, para a história do trabalho, em tempos recentes, com mais afinco após a abertura dos fundos dos Departamentos de Ordem Política e Social – DOPS regionais e particularmente do de São Paulo, fundado em 1924. Esta documentação, geralmente dividida em prontuários individuais e associativos e em dossiês temáticos, permite o alcance de informações fundamentais, construídas a partir das investigações deste dispositivo de controle social, de outra forma incognoscíveis, sobre o movimento operário, suas organizações e militantes, mas também, não poucas vezes, sobre a vida e condições gerais nos locais de trabalho. Também nesse caso, a documentação se avoluma a partir de meados da década de 1930, com uma intensidade excepcional a partir da década de 1950 até o processo de abertura política dos anos 1979-1984.

Os documentos propriamente judiciais, egressos de fundos dos fóruns de justiça civil e penal (processos-crime) e trabalhista, também começaram a ser usados pelos historiadores deste campo temático, sobretudo a partir da década de 1990. É uma documentação ainda de difícil acesso, sendo em grande parte depositada nos fóruns. Projetos de pesquisa temáticos coletivos, ligados ao levantamento, sistematização e análise de processos judiciais foram bem mais exitosos com a documentação da Justiça do Trabalho, que, porém, só pode ser usada para o estudo da história das relações de trabalho a partir da Era Vargas. Trata-se de um conjunto documental vastíssimo, ainda pouco explorado em relação às suas dimensões, mas que nos últimos anos está no cerne dos estudos mais importantes dos historiadores do trabalho no Brasil, por permitir um mergulho histórico social nos mundos do trabalho para além do estudo das relações e da conflitualidade.

No âmbito das fontes institucionais, relatórios e documentos diversos das instâncias executivas e administrativas da União e dos Estados, quando acessíveis ou publicados (por exemplo, o Boletim do Departamento Estadual do Trabalho de São Paulo, a partir de 1911) foram importantes para as pesquisas de história social do trabalho desde os primórdios dos anos de 1970, ainda que tenham fornecido um olhar sintético e marcados pelos poderes políticos governamentais. Contudo, as fontes do Ministério e das Secretarias do Trabalho, ainda hoje menos exploradas do que deveriam ou poderiam, sobretudo desde a Era Vargas, proporcionaram uma visão ampla sobre as questões do trabalho, particularmente importante e regionalmente ramificada.

O universo documental que remete ao mundo empresarial, às suas organizações, como a FIESP, ou mais especificamente aos arquivos internos das empresas, ao contrário, é ainda hoje muito pouco explorado, sobretudo pelas implicações políticas que isso significa, mas em parte devido à escolha, por parte das próprias empresas, de não construir uma memória documental sistematizada, preferindo a formação de uma documentação extremamente seletiva, com o objetivo final de proporcionar trabalhos mais laudatórios do que analíticos.

As organizações sindicais e as associações de trabalhadores, por décadas cerceadas pelos aparatos repressivos ou pelo controle estatal, particularmente insidioso no Brasil a partir justamente da consolidação institucional do trabalho sindicalizado durante os anos de 1930, estão em um processo de sistematização de seus acervos, que se intensificou, sobretudo, a partir do começo do século XXI. A documentação mais antiga, desde a segunda metade do século XIX para as associações de socorro mútuo e do começo do século XX para as uniões e ligas sindicais, foi quase totalmente perdida, ou é de acesso difícil, não público, permanecendo nos fundos internos das próprias organizações. Já a documentação de entre os anos 1950 até o golpe de 64 é mais consistente, mas também tem buracos devidos à repressão pós 64, se tornando mais acessível e completa e em via progressiva de sistematização e inventário para os documentos sindicais produzidos desde o fim da década de 1970, com dificuldade de acesso por evidentes questões de privacidade política.

O principal dessas áreas foi abordado com profundidade nos quatro artigos que compõem este número da Revista de fontes.

O artigo de Marcelo Mac Cord remete ao estudo do mutualismo no Brasil, forma associativa de trabalhadores urbanos qualificados que só nos últimos vinte anos começou a ser estudada profundamente para uma história da formação da classe operária brasileira, alargando também o espetro periódico neste campo de estudos, anteriormente focado quase exclusivamente no período republicano. As sociedades de socorro mútuo brasileiras são herdeiras, assim como na Europa e no resto da América urbana, das antigas corporações ou irmandades de ofício e tiveram um desenvolvimento ainda hoje pouco conhecido ao longo do século XIX como as principais agremiações de trabalhadores, adentrando o século XX por várias décadas, algumas ainda hoje existentes como associações hospitalares de beneficência ou absorvidas em sindicatos de ofício ou categoria.

Mac Cord foi um dos primeiros historiadores no Brasil a utilizar os documentos produzidos pelas próprias associações mutualistas, sobretudo os Livros de Atas de Reuniões, se tratando, no caso específico do estudo aqui apresentado, das atas da Sociedade dos Artistas Mecânicos e Liberais, fundada em 1841 “por um grupo de mestre de ofícios pretos e pardos, pernambucanos e livres do Recife”. O autor, além de mostrar as metodologias utilizadas para a análise das Atas desta sociedade durante o período imperial, explora também o uso de outras fontes externas à associação ou da irmandade que a precedeu no tempo, documentação complementar necessária ao entendimento das próprias fontes internas da sociedade e da história dessa sociedade mutualista. Um trabalho metodológico pioneiro que se espera frutifique mais ainda com outros estudos similares no resto do Brasil.

O artigo de Marcelo Chaves faz um histórico da utilização dos arquivos de empresas, uma importante produção documental de organizações privadas para estudos de história econômica e social, infelizmente utilizada de forma esparsa e pontual para a história dos trabalhadores, como já salientado. Chaves é um dos poucos historiadores que conseguiu explorar a fundo este tipo de documentação e, após ter evidenciado as possibilidades inerentes ao uso destas fontes, se concentra finalmente na metodologia por ele utilizada na análise de 1.500 fichas de trabalhadores da Fábrica de Cimento Perus (São Paulo) primeira fábrica de cimento instalada no Brasil, em 1925. Através deste estudo de caso, o autor possibilitou um conhecimento bem mais aprofundado da composição social, demográfica e étnica da classe trabalhadora, pelo menos em São Paulo e reorientou a definição histórica da formação da classe operária nacional a partir da última década da Primeira República até o período do governo Vargas.

A contribuição de Murilo Leal Pereira Neto volta a examinar a canônica documentação conhecida como imprensa operária, neste caso, porém, pertencente ao mesmo tempo à tipologia de fontes produzida pelas organizações sindicais. Assim, o autor, além de debater a própria construção tipológica das fontes impressas periódicas mais próximas da expressão social, cultural e política da classe trabalhadora, joga uma nova luz sobre o uso renovado destes documentos e os seus significados para uma história social “de baixo”. O artigo se concentra na coleção do jornal O Metalúrgico, (editado desde 1942 pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas de São Paulo), durante o período 1950-1954, quadriênio de intensa mobilização organizada no meio operário e de grandes transformações sociais e políticas no país. A metodologia do uso de fontes como essa, como via para tentar definir a relação entre o emissor e o receptor do discurso da classe e sua ação política, é analisada detalhadamente por Murilo Leal, e se torna também de importância fundamental ara inserir o uso e estudo da imprensa sindical na história do trabalho, o que é ainda hoje pouco comum, seja pela raridade deste tipo de fonte no Brasil nos períodos anteriores à segunda metade do século XX, seja pela dificuldade de acesso.

Finalmente, seguindo uma narrativa cronológica, chegamos na última contribuição presente neste número, elaborada por Richard de Oliveira Martins. O autor, na esteira do uso das fontes policiais para a história do trabalho inaugurado no Brasil no fim do século XX, percorre a formação do acervo do DOPS de São Paulo e sua utilização para a história do trabalho, sobretudo nos seus momentos de conflitualidade e luta, para adentrar, depois, a análise metodológica do acervo do Departamento de Comunicação Social da Polícia Civil (DCS), que funcionou entre 1983 e 1999, prolongando, na época democrática pós-golpe o armazenamento e construção de um aparato informativo com fins de controle e repressão, que pode ser utilizado hoje pelos historiadores para estudar os mundos dos trabalhadores, não somente em lutas.

Desejamos a todos uma boa e proveitosa leitura!

Luigi Biondi – Departamento de História, Unifesp, Guarulhos, SP. E-mail: [email protected] https: / / orcid.org / 0000-0002-9723-6727


BIONDI, Luigi. Apresentação. Revista de Fontes. Guarulhos, v.4, n.7, 2017. Acessar publicação original [DR]

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A Alta Idade Média e suas fontes: reflexões de método | Signum – Revista da ABREM | 2016

A Idade Média não é apenas um período mal conhecido, mas também conhecido de maneira desigual. Seus primeiros séculos constituem, de longe, sua porção menos explorada. No senso comum, vigoram imagens congeladas que se aplicam, mal e limitadamente, a alguns períodos particulares, sobretudo aos séculos XI-XIV, em que normalmente se considera que já são perceptíveis os sinais da modernidade. Tais desníveis de conhecimento resultam tanto da limitação numérica dos testemunhos escritos quanto dos vestígios da cultura material. No entanto, há razões de maior importância.

A partir do surgimento da História Científica, no século XIX, o envolvimento da historiografia com diversas formas de compromisso e/ou crítica da modernidade ajudou a colocar na sombra aspectos do passado que não fossem “úteis” às reflexões e às ações em curso. A Alta Idade Média, pelo menos desde o final do século XIX, constituiu um elemento-chave do discurso nacionalista europeu: os eruditos alemães e franceses viram nela o período por excelência de formação de suas nações. Por outro lado, a historiografia francesa da primeira metade do século XX habituou-se a mostrá-la como o fruto da decadência do mundo romano, da corrupção e mesmo do desaparecimento do legado antigo. Havia pouco espaço, em tais interpretações, para um olhar sobre os primeiros séculos da Idade Média em sua especificidade. Leia Mais

Os Arquivos das Casas editoriais (documentos e livros) como fontes para a História / Revista de Fontes / 2015

Neste terceiro número da Revista de fontes apresentamos um dossiê que é fruto da “II Jornada de fontes: os arquivos das casas editoriais (documentos e livros) como fontes para a História” realizada em 18 de novembro de 2015, pelo Departamento de História da Unifesp. Nessa ocasião, pesquisadores convidados demonstraram diversas possibilidades de investigação da produção e circulação de impressos, bem como a riqueza da documentação presente nos fundos de coleções e arquivos de editoras, bibliotecas e outras instituições de produção e guarda. O dossiê convida todos a conhecerem algumas abordagens vinculadas à História do Livro, das Edições e da Leitura, que nos permitem compreender historicamente projetos editoriais, processos de seleção, edição e circulação de impressos, bem como formas de organização e preservação de acervos.

Editoras com grande projeção nacional, no século XX, foram alvo das pesquisas ora apresentadas: Fábio Franzini analisa a Coleção Documentos Brasileiros, da Livraria José Olympio Editora. Essa mesma editora foi objeto de investigação de Gustavo Sorá, que propõe uma etnografia histórica de seus arquivos. Paulo Teixeira Iumatti explora a materialidade do livro a partir de suas pesquisas sobre preservação e restauro do acervo da Editora Brasiliense. Também merecem destaque os artigos sobre a Companhia Editora Nacional, cujos arquivos estão sob a guarda do Centro de Memória da Unifesp. Os trabalhos de Maria Rita de Almeida Toledo, Jaime Rodrigues e Márcia Eckert Miranda revelam a importância histórica de seu acervo e as muitas possibilidades de pesquisa.

Para além das fronteiras nacionais, Gabriela Pellegrino Soares analisa a circulação da prestigiada publicação francesa Revue des Deux Mondes, distribuída na América Latina, no século XIX; e Richard Oram esmiúça o arquivo literário da editora norte-americana Knopf, Inc., um dos maiores do gênero em língua inglesa. Fechando esse número, já fora da temática da II Jornada de fontes, Denise Soares de Moura apresenta uma ferramenta de pesquisa produzida na Unesp, que disponibiliza em formato digital parte do patrimônio histórico-documental das câmaras do Brasil-colônia existente no acervo do Conselho Histórico Ultramarino.

Boa leitura!


[Os Arquivos das Casas editoriais (documentos e livros) como fontes para a História]. Revista de Fontes. Guarulhos, v.2, n.3, 2015. Acessar publicação original [DR]

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História Medieval: Fontes e Historiografia / Varia História / 2010

O interesse pelos estudos medievais tem crescido nas últimas décadas no Brasil. O prestígio que a historiografia medieval adquiriu, principalmente com as contribuições vinculadas à escola dos Annales e a chamada Nova História, proporcionou a ampliação do espaço dado à História Medieval no âmbito das nossas Universidades. A consolidação desse interesse tem permitido a tradução para a nossa língua de diversas obras importantes sobre o assunto e o aparecimento de uma crescente produção nacional no setor. A extensão deste interesse também se materializou na criação de grupos de estudos dedicados à pesquisa e à divulgação de temas medievais, como o Laboratório de Estudos Medievais – LEME – que agrupa professores e alunos de História da USP, UNICAMP, UNIFESP, UFMG e UFG. Criado em 2005, o LEME tem o objetivo principal de congregar professores, pesquisadores e estudantes para o desenvolvimento de estudos e de atividades na área de História Medieval, bem como estabelecer a interlocução com centros de estudos estrangeiros. Este dossiê é uma realização do LEME e manifesta a intenção de buscar novos espaços de discussão e estabelecer interlocução com colegas nacionais e estrangeiros. Assim, publicam no dossiê os medievalistas Néri de Barros Almeida (LEME / UNICAMP); Marcelo Cândido da Silva (LEME / USP); Dulce Amarante O. dos Santos (UFG), Sylvie Joye (Université de Reims) e Patrick Gilli (Université de Montpellier III).

O dossiê propõe uma reflexão sobre as relações dos medievalistas com suas fontes à luz da crise dos paradigmas e da interdisciplinaridade. Refletir sobre essas relações é fundamental já que o estudo do passado se realiza de forma mediada através dos vestígios da atividade humana. A crise que afetou as humanidades durante as últimas décadas, em grande parte devido ao declínio das ideologias, levou os historiadores a questionarem os vestígios do passado. Os debates historiográficos, sob a influência das tendências modernas e pósmodernas, colocaram em foco o uso das fontes históricas e o ofício do historiador. O próprio termo “fonte” foi colocado em questão, já que poderia sugerir que os vestígios eram meros reflexos do passado e que bastava sua análise para reencontrar esse passado, reconstruir a história. Enfatizou-se a necessidade de se reconhecer a dinâmica da produção, transmissão e interpretação dos documentos históricos. Destacou-se, no ofício do historiador, a crítica das fontes e isso significava, entre outras coisas, verificar se o documento realmente pertencia à determinada época e que não havia sido falsificado, se quem disponibilizava o documento era confiável e, também, a finalidade e a intenção do documento, atentando para o momento e o lugar em que foi elaborado. Assim, a crítica das fontes muitas vezes se limitava às questões de datação, de autoridade, de revisão, de autenticidade, de transmissão e de comparação por períodos ou regiões. O medievalista continua realizando essa crítica, mas hoje o que está em foco nos estudos medievais são as novas perspectivas sobre fontes já conhecidas, sejam textos escritos ou elementos da cultura material.

A releitura e reconsideração das fontes, somado ao aprofundamento de uma perspectiva interdisciplinar, tem proporcionado uma profunda renovação do conhecimento das sociedades medievais. Da observação dessa renovação operada a partir de releituras das fontes e de discussões historiográficas, surgiu o tema do dossiê: História medieval: fontes e historiografia, e nele se enquadram os cinco artigos aqui reunidos. Dulce Amarante dos Santos discute as Velhas e novas relações entre os medievalistas e suas fontes, enfocando, entre outros assuntos, os desafios e as dificuldades enfrentadas, em particular, por aqueles interessados em temáticas interdisciplinares relacionadas à história social da medicina da Idade Média. Marcelo Cândido da Silva, em “Público” e “privado” nos textos jurídicos francos, discute a dicotomia “público” e “privado” e demonstra que a mesma é inviável para a compreensão do mundo franco da Alta Idade Média. Desvela as conexões estabelecidas entre a Idade Média e o mundo moderno, apresentando, em oposição às teses das origens medievais do Estado moderno e do Brasil, como uma releitura das fontes pode sustentar a idéia da originalidade da Alta Idade Média. Néri de Barros Almeida, em A Idade Média entre “poder público” e “centralização política”: itinerários de uma construção historiográfica, coloca em questão o paradigma da violência, discutindo a validade teórica das análises da Idade Média que tomam por base a associação entre descentralização política e desgoverno, privatização, ausência de poder público. A autora recorre às fontes para apresentar o ponto de vista dos historiadores medievais a respeito da violência que registram e para afirmar a possibilidade de reconhecimento nas sociedades medievais de instâncias públicas de poder reconhecido e atuante dentro de critérios particulares de ação. Sylvie Joye, em Prática social e armadilhas das fontes: as fontes historiográficas e normativas sobre o casamento por rapto na Alta Idade Média, demonstra como uma releitura das fontes normativas e narrativas pode revelar os equívocos interpretativos da historiografia sobre o casamento por rapto. Revela que a releitura e a crítica das fontes podem sustentar novas interpretações sobre as práticas nas sociedades da Alta Idade Média, cuja história é profundamente marcada por paradigmas estabelecidos no século XIX e início do XX. Patrick Gilli, em As fontes do espaço político: técnicas eleitorais e práticas deliberativas nas cidades italianas (séculos XII-XIV), apresenta o mundo das comunas italianas dos séculos XII a XIV como um laboratório privilegiado de observação, nas práticas ordinárias da Idade Média, dos vestígios de um espaço de mediação política. Examina as fontes estatutárias para investigar as modalidades de representação, as técnicas eleitorais e deliberativas, e, entre outras abordagens, discutir a possível singularidade do caso italiano.

Adriana Vidotte – Laboratório de Estudos Medievais – LEME. Professora da Faculdade de História / UFG. Organizadora. E-mail: [email protected]


VIDOTTE, Adriana. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.26, n.43, jan. / jun., 2010. Acessar publicação original [DR]

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A História e suas fontes / Anos 90 / 2008

Este número da revista Anos 90 reúne trabalhos apresentados nas mesas-redondas realizadas durante o IX Encontro Estadual de História, promovido pela Seção Rio Grande do Sul da Associação Nacional de História – ANPUH-RS – e pelo Departamento de História da UFRGS entre os dias 14 e 18 de julho de 2008, nas dependências do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas desta Universidade. Para o Encontro, foi proposto como eixo central das reflexões o tema “Vestígios do passado: a história e suas fontes”, e as mesasredondas tiveram as seguintes pautas: 1) os diversos tipos de fontes das quais se vale o historiador para elaborar suas interpretações sobre o passado (escritas, visuais, orais e cultura material); 2) o uso destas fontes no ensino de História e 3) o papel do historiador em arquivos, museus e outros “lugares de memória”.

O tema das fontes é, ao mesmo tempo, tradicional e atual no âmbito da História. Afinal, se este campo do conhecimento passou por inúmeras transformações desde a sua constituição como disciplina autônoma e científica no século XIX, as palavras de dois dos nossos “pais fundadores”, Charles Langlois e Charles Seignobos, mestres da chamada história tradicional, não perderam sua validade: “onde não há documentos, não há história”. Claro está que a concepção daquilo que se entende por documento se alterou profundamente, passando a incluir todos os vestígios da experiência humana, os quais só se tornam fontes quando submetidos às indagações e análises dos historiadores.

Nem todos os participantes das mesas, por motivos diversos, tiveram condições de enviar seus textos, mas aqueles que agora publicamos são uma amostra significativa da diversidade e do excelente nível das intervenções então realizadas e, com a publicação dos artigos, a Anos 90 pretende contribuir para o prolongamento dos profícuos debates intelectuais que ocorreram durante o Encontro. Assim, das discussões sobre fontes escritas, temos duas reflexões baseadas em documentos específicos, a de Silvia Lara, sobre uma crônica do século XVII e a de Cláudio Elmir, sobre uma narrativa autobiográfica. Ainda dentro desta mesma pauta, além das duas reflexões supracitadas, temos a proposta de Luis Augusto Farinatti de demonstrar que um mesmo conjunto documental pode tanto permitir análises seriais quanto possibilitar a reconstrução de trajetórias individuais no estilo da micro-história. Da mesa sobre fontes orais, apresentamos o artigo de Verena Alberti em parceria com Amilcar Araujo Pereira, que, a partir da pesquisa conjunta acerca da história do movimento negro no Brasil, reflete sobre as articulações entre história oral e história política e sobre o cruzamento entre fontes orais e fontes escritas, e também o artigo de Marluza Marques Harres, que perpassa discussões sobre as possibilidades e limitações do trabalho com fontes orais. A temática das fontes visuais está representada pelo artigo de Paulo Knauss, que revisita os campos da história da imagem e da história da arte, buscando pontuar que o conceito de arte é histórico, e pelo artigo de Charles Monteiro, que, através de uma revisão na historiografia brasileira sobre história, fotografia e cultura visual, elenca problemáticas e questões teórico-metodológicas recorrentes.

A indissociabilidade entre ensino e pesquisa tem sido uma proposta freqüentemente levantada pelos historiadores brasileiros, em particular através da ANPUH, que procura estar aberta às questões ligadas ao ensino de História, seja no nível superior, seja nos níveis fundamental e médio. Os dois textos que discutem o uso de fontes históricas no ensino básico exemplificam este diálogo: o artigo de Nilton Pereira e Fernando Seffner, defendendo que o uso de fontes históricas em sala de aula pode ser uma estratégia pedagógica alternativa no ensino de História, e o de Flávia Caimi, problematizando o tema através da análise de antigos e novos livros didáticos e da avaliação de políticas públicas nacionais.

Para contribuir com as discussões sobre acervos, Rosani Feron comenta a experiência de implantação de uma política de gestão documental no Poder Executivo do estado do Rio Grande do Sul, enquanto Zita Possamai e Benito Schmidt discutem as implicações e potencialidades da ampliação do campo de atuação do profissional da área de História em espaços como museus, arquivos, memoriais, centros de documentação, órgãos de gestão do patrimônio histórico, agências de políticas culturais e de turismo.

Este número de Anos 90 conta ainda com dois artigos gerais e uma resenha. O texto de Helenice Rodrigues da Silva busca examinar a relação entre a experiência vivida e a representação elaborada do acontecimento histórico na análise da entrevista realizada com um sobrevivente dos campos de concentração nazistas. Eliane Lucia Colussi e Valmíria Antonia Balbinot analisam, em seu artigo, a repercussão da campanha de educação sanitária “Povo desenvolvido é povo limpo”, protagonizada pelo personagem denominado “Sujismundo”, no contexto histórico do período militar e do projeto de desenvolvimento para o Brasil. Por fim, uma última colaboração está na resenha, assinada por Wagner da Silva Teixeira, do livro Jango, de Angela de Castro Gomes e Jorge Ferreira.

A equipe editorial de Anos 90 agradece a todos pareceristas que auxiliaram na avaliação dos artigos e ao apoio recebido da Pró- Reitoria de Pesquisa da UFRGS, e deseja aos leitores uma proveitosa leitura.

Os Editores


Apresentação. Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 28, dez., 2008. Acessar publicação original [DR]

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Caminhos da História / História em Revista / 2003

História em Revista, em seu 9º número, se dedica a incursionar pelos caminhos da história, tanto revisitando fontes e temas, quanto detendo-se na análise e teorização do conhecimento histórico e historiográfico atual.

Cada novo momento propõe novos desafios, mas também traz perigos à ciência histórica e não são poucos aqueles que prevêem seu fim como ciência e sua substituição por formas variadas do fazer literário. Entretanto, a enorme vitalidade da disciplina, sua incrível flexibilidade quanto a temas e sua abertura a novos enfoques, deixam claro que ela é, das ciências humanas, a que possui maior vitalidade e possibilidade de, aceitando as novas contribuições, continuar em seu papel básico, que é conhecer e interpretar o passado humano.

Os artigos incluídos nesse número, não tem uma resposta comum a essa questão, e muitos sequer se preocupam explicitamente com ela, mas trazem, individualmente, propostas diferenciadas de como lidar com os novos modos de fazer história.

Com relação à teoria e historiografia, temos o artigo de Silvia Petersen sobre a historiografia brasileira contemporânea, que, embora seja um trabalho feito para ser apresentado a um público estrangeiro, não perde nenhuma das qualidades necessárias a uma boa análise das influências, temas e tendências em voga atualmente no Brasil. Quanto ao artigo de Fernando Nicolazzi procura esmiuçar o pensamento de Paul Ricoeur com relação ao discurso historiográfico.

Quanto à forma de trabalho com as fontes, um instigante exemplo de utilização da poesia como fonte para a análise histórica é apresentado pelo estudo de Carlos Rangel, que versa sobre dois poetas de Rivera, no Uruguai, fronteira com o Brasil. Através de sua pesquisa, que incluiu a manipulação de outras fontes tradicionais, como documentos escritos e dados estatísticos, Rangel conseguiu explorar de forma inovadora a representação identitária dessa comunidade fronteiriça através dos versos de Olintho Simões e Agustín Bisio, bem como suas relações com o universo cultural e social brasileiro, que transparece nos próprios versos estudados.

Maria Cecília Pilla contextualiza o surgimento e evolução da noção de civilidade na sociedade européia, utilizando-se dos manuais de boas maneiras, que procuravam orientar as relações entre iguais nas classes superiores. Seu trabalho consegue nos apresentar uma interessante visão do desenvolvimento da noção de civilidade e boas maneiras na sociedade ocidental européia e na brasileira.

Mas, mesmo fontes já consagradas, como são as correspondências epistolares, ainda se constituem em campos abertos para a atuação histórica, como o comprova o artigo de Paulo Ricardo Pezat, baseado na correspondência trocada entre um membro da Igreja Positivista do Brasil, médico e militar, durante a Revolução Federalista, com lideranças positivistas do Rio de Janeiro, na qual se mesclam as visões do médico sobre a barbárie da guerra, as convicções do positivista sobre a difusão de sua doutrina e as simpatias do militar republicano para com os castilhistas durante a revolta. Embora bem explorada pelo autor, o próprio artigo deixa entrever vários outros usos dessa correspondência, especialmente em relação ao cotidiano e as relações familiares estremecidas pela guerra.

Ana Teresa Gonçalves traz, baseada em grande erudição, uma reflexão sobre a forma como os Severo, em Roma, utilizaram-se de várias estratégias, entre elas a representação de imagens, na formação de apoios entre alguns segmentos sociais, lidando com a evolução dessa representação ao longo das etapas da vida de Septimio Severo.

Por último, temos o artigo de uma recém egressa do curso de história da UFPel, Beatriz Zechlinski, sobre as relações entre literatura e história, tema de sua monografia de conclusão de curso. Até aqui, a revista sempre procurou oportunizar a publicação dos resultados dos trabalhos finais dos alunos, como forma de valorização do seu trabalho. Este artigo foi escolhido, entre outros três, por uma comissão de professores do curso.

[Caminhos da História]. História em Revista. Pelotas, v.9, 2003. Acessar publicação original [DR]

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