História, espaço, geografia: diálogos interdisciplinares | José D’Assunção Barros

A produção de trabalhos de História Regional são reveladoras de diversas situações históricas, culturais, sociais, econômicas e políticas que muitas vezes só podem ser percebidas quando estabelecemos um recorte espacial. Por isso, podemos considera-la como uma alternativa dentro da produção historiográfica brasileira que permite observarmos a atuação de diversos sujeitos muitas vezes anônimos se considerarmos a história escrita, ou almejada, de âmbito nacional.

Durval Muniz Albuquerque Júnior, porém, nos alerta para o risco de estabelecermos uma produção historiográfica hierarquizada na qual a História Regional seria secundária em relação à História Nacional. Albuquerque Júnior questiona a falta de crítica do lugar da produção do saber historiográfico por parte de quem faz a História Regional ao ponto de que esses historiadores estariam participando de uma divisão entre História Nacional e História Regional e, consequentemente, hierarquizando os espaços no campo historiográfico (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011, p. 39-40). Tal crítica nos permite refletir o fazer a História Regional não como resultado de uma série de operações limitadas territorialmente e desconectadas espacialmente de outras áreas, mas como uma abordagem interdisciplinar dialogando com a Geografia, Sociologia, Antropologia, Ciência Política entre outras.

A reflexão interdisciplinar que mencionamos anteriormente é o tom dos acordes da obra “História, espaço, geografia: diálogos interdisciplinares” de José D’Assunção Barros e que foi lançado em 2017 pela editora Vozes. Professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, José Costa D’Assunção Barros tem formação em História e em Música pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, além de outra graduação em Música com ênfase em Composição Musical pelo Conservatório Brasileiro de Música. Tanto o Mestrado quanto o Doutorado foram na área de História na Universidade Federal Fluminense2.

Destacamos a vasta produção de obras voltadas paras as discussões teóricas e metodológicas no campo da História como por exemplo a coletânea “Teoria da História” (publicada em 05 volumes), “O Campo da História” e “O projeto de pesquisa em História”. A dupla formação em História e Música acabou sendo levada adiante na sua produção historiográfica sendo recorrente na sua escrita o uso de metáforas musicais como um recurso para tornar mais didático o texto.

Seguindo o perfil de escrita preocupada em tornar textos teóricos facilmente assimiláveis e harmonicamente bem construídos é que encontramos a obra aqui resenhada. O trabalho “História, espaço, geografia: diálogos interdisciplinares” é um exercício de reflexão acerca do uso do espaço como uma categoria de análise do historiador. Neste trabalho, a relação interdisciplinar entre a História e a Geografia e os caminhos metodológicos da História Regional e Local são discutidos com vistas a refletir acerca do percurso do historiador que busca um perfil de pesquisa voltado para a problematização da noção de espaço/região.

O livro está dividido em 02 partes: 1ª) “Um Espaço em comum”; 2ª) “Interações possíveis”. A primeira parte está dividida em dois capítulos: 1) “História e Geografia: duas ondas que se abraçam”; 2) “Doze conceitos tradicionais da Geografia e mais uma nova proposta”. Nessa parte, o autor centra a discussão nos conceitos da geografia de modo a trabalhar com o diálogo com a História e observando os espaços em comum entre as duas disciplinas. Ele iniciou o capítulo com um breve balanço do diálogo interdisciplinar no século XX em que a História estava envolvida e destacando a interação com a Geografia, Sociologia e com a Economia (em especial, a partir da década de 1930). A interação com a Geografia foi mais explicitada neste capítulo indicando que no século XIX ocorreu o distanciamento entre as disciplinas (BARROS, 2017, p. 19).

O segundo capítulo preza mais pelos conceitos utilizados e construídos na Geografia numa perspectiva de refletir o uso pela História. A noção de “Região” foi apresentada como uma subdivisão conceitual de Espaço. O autor chamou atenção para as diferentes dimensões da noção de “Região”, mas que “[…] um dos fatores que permitem que pensemos em regiões é a sua homogeneidade (a homogeneidade do seu espaço), sempre com relação a um critério ou mais” (BARROS, 2017, p. 32).

Um dos conceitos que marca bem esta produção de Barros é o de Escala. Através da apropriação da noção da geografia de Escala é que o autor sugere um erro do uso do termo por parte da Micro-História. Ele apresentou o conceito de “Escala” ligado aos diversos patamares de observação e diferenciou a “Escala” cartográfica da geográfica sendo a primeira ligada aos mapas e a segunda atrelada às diferentes possibilidades de observação e análise acerca das variadas noções de espaço (BARROS, 2017, p 87).

Para concluir o segundo capítulo, Barros discutiu o conceito de “Território” e iniciou uma série de reflexões acerca da apropriação desses conceitos pela História. O conceito de “Território” atrela a noção de Espaço com a de Poder. Desse modo a demarcação de território é uma forma de estabelecer espaços de poder.

Após a discussão dos conceitos com diálogo com a Geografia, o capítulo (e a primeira parte do livro) é concluída com uma série de reflexões acerca da noção de fixos e fluxos atrelada aos conceitos apresentados. O recurso da escrita com o jogo de metáforas envolvendo a música torna inicialmente uma estratégia interessante para visualizarmos a interação interdisciplinar e conceitual feita por José D’Assunção Barros. Porém, ela poderia ter sido reduzida para dar mais objetividade ao texto. Ainda assim, é preciso levar em conta a criatividade do autor e que essa estratégia contribui para a assimilação das ideias apresentadas.

A segunda parte do livro “Interações possíveis” é um exercício de reflexão teórico-metodológica que nos leva aos debates acerca da História Regional e Local. Novamente temos dois capítulos que dão sequência à parte anterior: 3) “A relação entre História e Geografia no século XX”; 4) “História Local e História Regional: A historiografia do pequeno espaço”. Como exposto no título dessa parte, o que encontramos nos dois capítulos finais do livro são possibilidades de interações entre História e Geografia e, em especial, um debate teórico e metodológico acerca da História Regional e Local.

Inicialmente, Barros apresenta a influência de Vidal de La Blache dentro da Geografia e das primeiras gerações da Escola dos Annales. Fernand Braudel foi apontado como um dos principais historiadores influenciados por La Blache e sua Geo-História teria lançado a Geografia como parte das leituras para a História (BARROS, 2017, p. 139). A partir daí a História Local ganha centralidade no trabalho de José D’Assunção Barros que explicou que na França dos anos 1950 a abordagem do “Pequeno Espaço” teria ficado conhecida como História Local (BARROS, 2017, p. 144). Barros também explicou que em alguns países a História Local foi denominada de História Regional e que teria surgido como uma possibilidade de confirmar ou corrigir as formulações projetadas para nível nacional:

A História Local nascia, aliás, como possibilidade de confirmar ou corrigir as grandes formulações que haviam sido propostas ao nível das histórias nacionais. A História Local – ou História Regional, como passaria a ser chamada em alguns países com um sentido um pouco mais específico – surgia como a possibilidade de oferecer uma iluminação em detalhe de grandes questões econômicas, políticas, sociais e culturais que até então haviam sido examinadas no âmbito das nações ocidentais (BARROS, 2017, p. 145).

O último capítulo está voltado para um dos principais produtos da multiplicação entre História e Geografia: a História Local e Regional. Neste capítulo José D’Assunção Barros traça a diferenciação entre a História Local, História Regional e a Micro-História. Esta distinção é necessária se considerarmos as recorrentes confusões que por vezes são feitas principalmente por quem não é próximo nem da primeira abordagem e nem da última.

A diferença entre a História Regional e Local com a Micro-história foi definida por Barros considerando que para a última a referência é a escala de observação e para as duas primeiras a referência é o espaço. Porém, a distinção entre História Local e Regional é ambígua. O que é apontado como História Local na França é indicado como História Regional no Brasil que por outro lado, por ser um país de dimensão continental, termina por impor algumas pequenas diferenças:

Assim, a “História Local”, na historiografia brasileira, não raramente se refere a cidades, bairros, vizinhanças, aldeias indígenas, enquanto que a expressão “História Regional” volta-se mais habitualmente para as regiões mais amplas (o Vale do Paraíba, o sul de Minas, O Estado do Piauí, e assim por diante). Mas, isso é praticamente uma especificidade de países de dimensões continentais como o Brasil (BARROS, 2017, p. 197).

Barros considera então que a Região seria uma categoria intermediária entre o nacional e o local (Id. p. 199). Vale lembrar o alerta para o problema da delimitação regional nas pesquisas historiográficas (e que possivelmente vale para outras disciplinas): Não consideramos a região formada previamente e unicamente pelas divisões político-administrativas (Id. p. 192). Lina Maria Brandão de Aras já havia explicado a importância da atenção com a constituição histórica na escolha de uma região: “A escolha de uma região como objeto de estudo exige, portanto, que tenhamos como ponto de partida sua constituição histórica e busquemos identificar seus habitantes, suas formas de ocupação da terra e suas relações produtivas aí estabelecidas” (ARAS, 2010, p. 193) José D’Assunção Barros segue o mesmo tom e explica que a unidade geopolítica pode ser quebrada no recorte estabelecido pelo historiador:

O objeto constituído pelo historiador pode exigir que ele quebre uma determinada unidade geopolítica tradicional, que misture o pedaço de uma com o pedaço de outra. Para um historiador, a região não será tanto aquilo de onde a pesquisa partirá, mas sim aquilo mesmo que a pesquisa pretende produzir historiograficamente. A região, para a operação historiográfica, não é ponto de partida; frequentemente é o ponto de chegada (BARROS, 2017, p. 193).

O trabalho de José D’Assunção Barros, “História, espaço, geografia: diálogos interdisciplinares”, é uma valiosa contribuição para historiadores interessados na aproximação com a geografia, bem como, e principalmente, para aqueles interessados na História Regional, Local e na Geohistória. A revisão bibliográfica feita pelo autor e a organização da obra permitem a assimilação dos conceitos de modo simples tanto para doutores quanto para estudantes de graduação.

Nota

2 Informações coletadas no currículo lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4775874Y6Acessado em 01 mar. 2018.


Resenhista

Rafael Sancho Carvalho da Silva – Doutorando em História pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestre em História pela UFBA. Professor de História do Brasil e da Bahia da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB).


Referências desta Resenha

BARROS, José D’Assunção. História, espaço, geografia: diálogos interdisciplinares. Petrópolis: Vozes, 2017. Resenha de: SILVA, Rafael Sancho Carvalho da. Fronteira: Revista de História. Dourados, v.20, n.36, p.219-223, jul./dez. 2018. Acessar publicação original [DR]

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