Interdisciplinaridade e Meio Ambiente – Módulo I

Alunos em atividad interdisciplinar em cenario imaginario de Caatinga IA MJ Interdisciplinaridade
Atividade interdisciplinar em cenário imaginário de Caatinga 1 | Imagem: IA-MJ

Olá,

Bem-vindos ao módulo que discute conceitos básicos de multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Esta parte do curso é composta por três aulas de três horas cada e uma avaliação somativa.

Aqui, vamos apresentar definições de multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, apresentar padrões e exemplos de abordagem multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar e desenvolver habilidades de crítica aplicada a livros-tese e livros coletâneas sobre a matéria.


Programação e Conteúdo:

  • Aula 1 — Integração disciplinar em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (Acesse o texto aqui) e integração multidisciplinar e interdisciplinar (Acesso o texto aqui);
  • Aula 2 — Integração transdisciplinar (Acesso o texto aqui);
  • Aula 3 — A crítica à comunicação em livro que veicula de resultados de pesquisa multi, inter e transdisciplinar com abordagens memorialísticas e/ou historicizadas.

Avaliação:

Resenha individual, em dupla ou em trio, de livros publicados entre 2020 e 2023, cuja abordagem multi, inter ou transdisciplinar incorpore os domínios da história e/ou da memória, com autorização para a publicação na revista acadêmica Crítica Historiográfica.

Acesse aqui o plano de composição e os critérios de avaliação da resenha.


Método de ensino-aprendizagem:

Leitura e discussão de texto didático produzido pelo professor sobre os temas das respectivas aulas 1, 2 e 3;

Oficina de produção de textos do gênero resenha acadêmica.


Referências

DRAKE, Susan; BURNS, Rebecca. Meeting standards through integrated curriculum. Alexandría: ASCD, 2004.

INGRAM, James B. Curriculum intetration and lifelong education: A contribution to the improvement of school curricula. Oxford: Pergamon Press, 1979.

MORAN, Emilio. Nós e a natureza: Uma introdução as relações homem-ambiente: uma Introdução às Relações Homem-ambiente. São Paulo: Senac, 2008.

REZAEI, Nima; SAGHAZEDH, Amene. Introduction on integrated science: multidisciplinarity and interdisciplinarity in Healt. REZAEI, Nima (Ed.). Multidisciplinarity and Interdisciplinarity in Healt. Cham: Springer, 2022. p.1–39.

REZAEI, Nima; SEYEDPOUR, Simin. Introduction to integrated science: transdisciplinarity. In: REZAEI, Nima (Ed.). Transdiscilinarity. Cham: Springer, 2022. p. 1–11.


Para citar este texto

FREITAS, Itamar. Interdisciplinaridade e Meio Ambiente. Resenha Crítica. Aracaju/Crato, 26 mar. 2023. Disponível em <https://www.resenhacritica.com.br/a-cursos/interdisciplinaridade-e-meio-ambiente-modulo-i/>.

A integração multidisciplinar e interdisciplinar

Interdisciplinaridade em cenario imaginario de Caatinga IA MJ3 Interdisciplinaridade
Atividade interdisciplinar em cenário imaginário de Caatinga 2 | Imagem: IA-MJ

Na aula anterior, relembramos definições e modos de integração multi, inter e transdisciplinar. Aqui, vamos expandir e exemplificar a integração, explorando o potencial multi e interdisciplinar de projetos de intervenção, currículos e programas.


1. A integração multidisciplinar

Na integração multidisciplinar, promovemos a colaboração simultânea ou sucessiva de métodos, conhecimentos e princípios de uma disciplina à outra disciplina. O objetivo é resolução um problema para a sociedade.

Neste caso, experimentamos uma ruptura entre as fronteiras disciplinares. Uma disciplina ajuda a outra. Aqui, um especialista recebe o auxílio do outro especialista em termos de conceitos, princípios, questões, temas, métodos de processamento de dados ou resultados acumulados em sua área.

No tópico 1.2 desta aula, exemplificaremos esse caso típico, mas antes vamos tocar em um tipo multidisciplinar bastante raro que é o modo intradisciplinar de integração.

1.1. Várias subdisciplinas reforçam uma disciplina

No modo intradisciplinar, mobilizamos várias subdisciplinas para dar respostas a um obstáculo, um problema, um dilema, enfim, um desafio que emerge no ambiente escolar. Mas ela também pode ser planejada, simultaneamente, para desconstruir na mente do estudante ideia de que uma disciplina das CHSA, no primeiro ano do EM, é independente e autônoma e reforçar uma identidade disciplinar.

No caso hipotético abaixo, a discussão entre os estudantes se dá em torno de uma prescrição do CS: os conceitos de diversidade e de identidade cultural (quadro 1, coluna 3). A questão que mobiliza é a seguinte: “É a buchada de bode um prato típico da culinária sergipana?”

Quadro 1. Integracao intradisciplinar apoiada nas prescricoes do CS. Interdisciplinaridade

Para cumprir a expectativa de aprendizagem (quadro 1, coluna 4), o professor demonstra que a natureza da comida, o ato do consumidor ou a disposição do mobiliário são elementos integrados à determinada paisagem. Ele reitera que tais elementos podem ser desintegrados/compartimentados para enfrentar eficazmente um problema.

Buchada de bode no Recanto do Agrestreiro. Aracaju SE 2022 Imagem Rio4fun Interdisciplinaridade

Buchada de bode no Recanto do Agrestreiro. Aracaju-SE, 2022 | Imagem: Rio4fun

Ao observar virtualmente o “Recanto Agresteiro”, um estudante investido com as ferramentas de sociólogo pode se interessar pela produção, examinando a divisão do trabalho entre cozinheiros e garçons; pelos processos de produção da buchada ou pelos significados da comida para trabalhadores e clientes; e/ou pelos papeis de gênero, interações entre funcionários e clientes e assim por diante. (Best, 2020, p.47–48).

Neste caso, o professor espera que o estudante perceba a distinção entre uma subdisciplina e outra (entre um sociólogo e outro) a partir da natureza da pergunta. Também neste caso, o professor espera que o estudante compreenda que quanto mais multifacetada for a observação, mais sofisticados serão o conhecimento e a compreensão de um fenômeno no interior de uma mesma disciplina.

Por mais contraditório que possa parecer, atividades reforçadoras de uma disciplina são também reforçadoras da identidade interdisciplinar das CHSA e do caráter integrativo da atividade dos seus especialistas.

Isso ocorre porque a divisão do trabalho a partir das questões e métodos em Sociologia é idêntica à divisão do trabalho a partir de questões e métodos em Filosofia, Geografia e História.


1.2. Uma disciplina ajuda outra(s) disciplina(s)

A integração multidisciplinar por soma ou colaboração é, provavelmente, a estratégia mais comum. Com mínimo gerenciamento entre dois professores, por exemplo, pode-se promover a integração de disciplinas das CHSA entre si e, ainda, de qualquer disciplina das CHSA com elementos disciplinares de outras áreas do EM (quadro 2).

Quadro 2. Integracao multidisciplinar apoiada nas prescricoes do CS Interdisciplinaridade

O que vemos na expectativa de aprendizagem de História (quadro 2, coluna 4) é o auxílio legitimado pelo CS das disciplinas de Filosofia e Língua Portuguesa no cumprimento da meta de compreender a pluri perspectividade sobre o fenômeno do nacionalismo brasileiro, no século XIX.

Durante uma ou duas aulas/semanas, a atividade se desenvolve, provavelmente (com ou sem a participação dos professores de Filosofia e Língua Portuguesa) por meio da crítica filosófica dos conceitos de “estética” e “arte” e o conhecimento das figuras de estilo e de linguagem empregadas pelos escritores românticos. A meta é ampliar a compreensão do fenômeno do nacionalismo, sem que a tarefa deixe de ser considerada “de História”.


2. A integração interdisciplinar

Na integração interdisciplinar (a exemplo da integração multidisciplinar), promovemos a colaboração simultânea ou sucessiva de métodos, conhecimentos e princípios de uma disciplina à outra disciplina com o objetivo de resolver um problema.

Contudo, diferentemente da integração multidisciplinar, as disciplinas veem suas fronteiras rompidas em função de expectativas de aprendizagem que lhes são comuns, mas são, em muitos casos, pautadas no exterior de cada uma delas. Não raro, esse tipo de integração gera uma nova disciplina.

2.1. Várias disciplinas ajudam a cumprir uma demanda escolar exterior a cada uma delas

Observe esse exemplo hipotético, inspirado em uma situação real.

Em estudos recentes, realizados sob orientação do CAED/UFMG, constatou-se que um sério problema dos estudantes sergipanos em termos de habilidades linguísticas básicas era a incapacidade de a maioria comparar “informações sobre um mesmo fato” e distinguir “fatos de opiniões”.

Essa insuficiência poderia, inclusive, ser uma das responsáveis pelo assentimento de parte desses estudantes às fake News veiculadas, sobretudo, nas redes sociais das quais usufruem cotidianamente.

Uma das soluções seria mobilizar todas as disciplinas durante duas semanas, no início de cada semestre letivo, para dar a conhecer a importância e ampliar essas duas habilidades típicas do pensamento crítico, como descrito no quadro 3.

Quadro 3. Integracao interdisciplinar apoiada nas prescricoes do CS Interdisciplinaridade

2.2. Várias disciplinas ajudam a cumprir uma demanda escolar de uma nova disciplina

Observe, agora, esse segundo exemplo de integração interdisciplinar, ilustrado pelo vídeo abaixo que lança uma questão: “Lampião, herói ou bandido?”.

Esse problema atrai estudantes sergipanos para uma discussão, em geral, conduzida de modo maniqueísta. Mobilizados por uma “Semana da Cultura Local”, que faz parte do programa de um hipotético componente transversal, intitulado “Cultura Sergipana”, por exemplo, um ou vários professores podem submeter a questão a distintos domínios das CHSA, gerando uma interpretação sofisticada e apoiada pelo CS, como podem acompanhar no quadro 2.

Debate entre professores Lampiao heroi ou bandido Imagem Micael Almeida dos Santos Interdisciplinaridade

Debate entre professores: Lampião, herói ou bandido? | Imagem: Micael Almeida dos Santos

Quadro 4. Integracao por fusao de disciplinas em sala de aula Interdisciplinaridade

Em posse de um plano, a turma pode visitar espaços especializados que proporcionem auxílios multidisciplinares à resolução do problema inicial. Salas-ambiente, laboratórios, memoriais, museus, centros de documentação e biblioteca, dentro ou fora da escola, servem a esse propósito.

O inverso também pode ocorrer. Professores especialistas podem ser revezar em uma mesma turma, oferecendo conhecimento e experimentação em seus específicos campos para observar, analisar, interpretar e dar respostas ao mesmo problema.

Essa integração mental, com vistas a dar respostas à questão (via comparação de abordagens disciplinares) ocorre, em grande parte, sob o interesse e o protagonismo do aluno.


Conclusões

Nesta aula, definimos integração multidisciplinar como o auxílio mútuo entre disciplinas em termos de questões, objetos, meios e teses, sem que a identidade da promotora seja apagada.

Definimos, ainda, a integração interdisciplinar como a colaboração simultânea ou sucessiva de questões, meios e teses de disciplinas, resultando o apagamento instrumental das suas fronteiras.

Demonstramos, por fim, que, em geral, o primeiro padrão ocorre no interior de uma disciplina, enquanto o segundo realiza-se na implantação de disciplinas transversais ou temporárias que exigem esforços coletivos.

Na próxima aula, trataremos de definições e exemplos de integração transdisciplinar (Acesso o texto aqui).


Sugestão de atividade

Como atividade avaliativa final desta aula, convido vocês a produzirem sequência(s) didática(s) que exemplifiquem integrações multidisciplinar e interdisciplinar. Tentem fazer em pares. Em seguida, compartilhe o trabalho com a turma.


Referências

SANTOS, Isabela Silva dos; SOARES, Mariana Fátima Muniz (Org.) Currículo de Sergipe: Integrar e construir — Ensino Médio. Aracaju: Secretaria de Estado da Educação do Esporte e da Cultura, 2022.

TOLENTINO, Luana. Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula. Sdt.: Mazza, 2017.

OLIVEIRA, Zaqueu Vieira; ALVIM, Márcia Helena (Orgs.). Propostas didáticas para o Ensino de Ciências e de Matemática: abordagens históricas. Santo André: UFABC; GIHCEC; CAPES, 2020.

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Para citar este texto:

FREITAS, Itamar. Integrações multidisciplinar e interdisciplinar. Resenha Crítica. Aracaju/Crato, 26 mar. 2023. Disponível em <https://www.resenhacritica.com.br/a-cursos/a-integracao-multidisciplinar-e-interdisciplinar/>

Gênero & Interdisciplinaridade | Luciana Rosar Fornazari Kanovicz

Luciana Rosar Fornazari Kanovicz Imagem Unicentro Interdisciplinaridade
Luciana Rosar Fornazari Kanovicz | Imagem: Unicentro

A coletânea Gênero & Interdisciplinaridade organizada por Luciana R. F. Klanovicz (2020) inaugura a coleção “Desenvolvimento Comunitário e Interdisciplinaridade”. O livro reúne investigações e experiências de diversas/os pesquisadoras e pesquisadores brasileiras/os de variadas áreas do conhecimento que adotam perspectivas interdisciplinares a partir das quais a categoria gênero é discutida.

O volume está dividido em 16 capítulos, além de sua introdução, que assumem premissas teórico-metodológicas distintas e, ao mesmo tempo, imbricam-se, dialogando entre si e problematizando as relações de gênero em diversos campos ou segmentos da sociedade brasileira – no meio rural, nos espaços institucionalizados das universidades, em museus, no sistema prisional, no sistema de saúde e na mídia. Leia Mais

Delirantes | Olga Acosta

Olga Acosta Imagem Universidad de los Andes Interdisciplinaridade
Olga Acosta | Imagem: Universidad de los Andes

La publicación de un cómic2 académico en el campo de las ciencias sociales y las humanidades debe ser motivo de celebración por su impacto sobre la apropiación social del conocimiento. Como resultado de investigación, Delirantes es una fructífera alianza interdisciplinar entre el mundo académico, la industria editorial y la creación artística: el producto fue ideado por la historiadora del arte Olga Acosta, profesora de la Universidad de los Andes, en compañía del editor John Naranjo, especializado en cómics, y del ilustrador Adalberto Camperos, Electrobudista.

Como formato de comunicación que consiste en una sucesión de viñetas, el cómic evidencia procesos que ocurren en el tiempo y en el espacio —transmite el paso del tiempo a la vez que ubica espacialmente—, habla del cuándo y dónde, no solo da a entender, sino que da a ver. Mediante imágenes estáticas y sucesivas constituye un medio propicio para contar historias del pasado y del presente. Aquí se trata de un trabajo de no ficción, de historia e historia del arte, en el que la verosimilitud y la rigurosidad tienen su lugar.3 Leia Mais

Gênero & Interdisciplinaridade | Luciana Rosar Fornazari Klanovicz

A coletânea Gênero & Interdisciplinaridade organizada por Luciana R. F. Klanovicz (2020) inaugura a coleção “Desenvolvimento Comunitário e Interdisciplinaridade”. O livro reúne investigações e experiências de diversas/os pesquisadoras e pesquisadores brasileiras/os de variadas áreas do conhecimento que adotam perspectivas interdisciplinares a partir das quais a categoria gênero é discutida. Leia Mais

Corpos em Aliança: Diálogos Interdisciplinares sobre gênero, raça e sexualidade | Ana Claudia Martins e Elias Ferreira Veras

Nas últimas décadas, temos testemunhados constantes transformações sociais, históricas, políticas e culturais, que abalaram as estruturas cishetonormativas dos antigos padrões de gênero, raça e sexualidade. As lutas feministas, as conquistas LGBTQIA+, os movimentos trabalhistas e a descolonização dos países africanos, por exemplo, que perpassaram o século passado, desdobrando-se até os dias atuais, culminam em novas formas contemporâneas de fazer política e ciência.

A obra Corpos em Aliança: Diálogos Interdisciplinares sobre gênero, raça e sexualidade, organizada por Elias Ferreira Veras e Ana Claudia Aymoré Martins, professor/a da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), aparece nesse contexto teórico-metodológico-político de transformações, sendo oriundo dos debates realizados durante o II Colóquio diálogos interdisciplinares sobre gênero, raça e sexualidade: corpos em aliança, organizado pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em História, Gênero e Sexualidade (GEPHGS/CNPq), do Curso de História da UFAL – com apoio do CNPq -, em Maceió (AL), no mês de maio de 2019. Leia Mais

História, espaço, geografia: diálogos interdisciplinares | José D’Assunção Barros

A produção de trabalhos de História Regional são reveladoras de diversas situações históricas, culturais, sociais, econômicas e políticas que muitas vezes só podem ser percebidas quando estabelecemos um recorte espacial. Por isso, podemos considera-la como uma alternativa dentro da produção historiográfica brasileira que permite observarmos a atuação de diversos sujeitos muitas vezes anônimos se considerarmos a história escrita, ou almejada, de âmbito nacional.

Durval Muniz Albuquerque Júnior, porém, nos alerta para o risco de estabelecermos uma produção historiográfica hierarquizada na qual a História Regional seria secundária em relação à História Nacional. Albuquerque Júnior questiona a falta de crítica do lugar da produção do saber historiográfico por parte de quem faz a História Regional ao ponto de que esses historiadores estariam participando de uma divisão entre História Nacional e História Regional e, consequentemente, hierarquizando os espaços no campo historiográfico (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011, p. 39-40). Tal crítica nos permite refletir o fazer a História Regional não como resultado de uma série de operações limitadas territorialmente e desconectadas espacialmente de outras áreas, mas como uma abordagem interdisciplinar dialogando com a Geografia, Sociologia, Antropologia, Ciência Política entre outras. Leia Mais

Encontros com Moçambique / Regiane A. Mattos, Matheus S. Pereira e Carolina G. Morais

“Encontros com Moçambique” é um livro fruto de apresentações e debates realizados durante a II Semana da África: Encontros com Moçambique, na PUC do Rio de Janeiro, entre os dias 21 e 23 de março de 2016. Se há uma década os colóquios e seminários reuniam pouco mais de uma dezena de pesquisadores interessados na grande área de História da África, abrangendo assim um amplo recorte temático e temporal de estudos, este livro é o retrato de como, hoje, encontramo-nos em um novo momento. Regiane Augusto de Mattos, Carolina Maíra Gomes Morais e Matheus Serva Pereira apostaram que seria possível organizar uma obra que reunisse pesquisas cujo tema principal fosse Moçambique. A investida não apenas se concretizou como é prova, como afirma Valdemir Zamparoni em seu prefácio à obra, de “um amadurecimento ímpar da área de estudos africanos”2 no Brasil.

Com a maioria dos trabalhos delimitados pelo período colonial ou que perpassam o período em sua análise, o livro conta com 10 artigos divididos em 3 unidades: Deslocamentos, conexões históricas e conflitos; Narrativas; e Agendas de um Moçambique contemporâneo. Na primeira parte, um ponto de união entre os textos são os fatores condicionantes e as consequências de deslocamentos, forçados ou não, em diferentes períodos históricos, além do uso de fontes oficiais, trabalho etnográfico ou registros de imprensa para as análises, com acurado rigor metodológico no uso da documentação.

O artigo de Regiane Mattos, “Aspectos translocais das relações políticas em Angoche no século XIX”, contempla as relações entre sociedades litorâneas e interioranas do norte de Moçambique, destacando os contatos não hierárquicos entre o sultanato de Angoche e as elites muçulmanas de outras localidades, em especial no Zanzibar. Mattos parte de um evento principal para orientar sua pesquisa e desafiar a interpretação tradicional da historiografia: a viagem do comandante militar de Angoche, Mussa Quanto, e seu parente sharif, em 1849. A autora, a partir desse deslocamento, avalia a formação de uma rede comercial e cultural no oceano Índico em consonância com o aumento da presença da religião muçulmana nesses territórios. Mais do que realizar a análise histórica de uma questão localmente específica, interessa a Mattos averiguar as conexões a partir da perspectiva da translocalidade, conceito desenvolvido pela historiadora Ulrike Freitag e central na abordagem proposta no artigo. Muito bem explicado no texto, o conceito ampara a pesquisa em seu objetivo de destacar as interconexões entre lugares e atores, abrindo espaços para ressignificações de aspectos globais em âmbito local.3

No artigo seguinte, “Algazarras ensurdecedoras: conflitos em torno da construção de um espaço urbano colonial (Lourenço Marques – 1900-1920)”, Matheus Serva Pereira aborda, a partir de notícias na imprensa local, a difícil relação entre o projeto urbano colonial português para Lourenço Marques, cuja área central de Maxaquene foi delimitada para a ocupação de famílias brancas europeias, e a insistência – e resistência – dos “batuques” da população local. O argumento de Serva Pereira é que, a despeito do projeto colonial urbano, do uso da violência física e simbólica no deslocamento forçado das comunidades para a periferia, as notícias veiculadas na imprensa da época põem em xeque o sucesso de tal empreitada. Pereira atesta que os batuques, como práticas culturais, revelam uma atuação “longe de passiva em relação as instituições criadas para regular e fiscalizar o perímetro urbano de Lourenço Marques”4, estabelecendo assim um diálogo estreito com as premissas teóricas de Frederick Cooper sobre a noção de resistência em espaços coloniais5. Do mesmo modo, o autor esforça-se em defender uma organização social não totalmente polarizada na cidade, ao recompor o espectro social dos batuques nas cantinas de Lourenço Marques, onde não era incomum a convivência, num mesmo espaço de diversão, de figuras oficialmente opostas na lógica colonial e urbana.6

Ainda sob a premissa dos deslocamentos e seus conflitos, o capítulo que encerra o primeiro conjunto de textos, “Saúde além das fronteiras: doenças, assistências e trabalho migratório ao sul de Moçambique (1930-1975)”, de Carolina Maíra Gomes Morais, analisa de que maneira a imigração de trabalhadores para a África do Sul, no período colonial, além de atender a uma demanda econômica, trouxe consequências sensíveis no âmbito da saúde e das relações pessoais em Moçambique. Para acessar as condições desse movimento migratório, Morais faz uso, sobretudo, de fontes oficiais de relatórios de inspetores administrativos e se questiona de que maneira se davam as relações entre medicina “oficial” e “tradicional”. Pela disponibilidade das fontes, há uma comprovação mais substancial em relação à atuação dos Serviços de Saúde do que ao recurso à medicina tradicional. Interessante é notar a fluidez de fronteiras entre Moçambique e África do Sul sugerida pela autora para os saberes e medicinas tradicionais, proporcionada pelo trabalho migratório, além da ampla modificação nas relações pessoais em Moçambique, quando do retorno dos trabalhadores.

Na segunda unidade do livro, composta por trabalhos de pesquisadores provindos de diferentes áreas do conhecimento, os artigos têm em comum o estudo de uma obra ou do conjunto da obra de moçambicanos. Nesta unidade, que traz fontes interessantes e pouco convencionais nas pesquisas sobre Moçambique, como a fotografia e o cinema, cumpre enfatizar como nota comum o superdimensionamento do contexto histórico nas abordagens. Nos trabalhos, o contexto é instrumentalizado de modo a legitimar as narrativas ficcional ou visual presentes na documentação, utilizada muitas vezes como mero exemplo comprobatório da realidade colonial. Não resta dúvida quanto ao esforço teórico de todos os textos da unidade, mas, de um modo geral, a metodologia utilizada para a análise da relação entre ficção e História, literatura e História e visualidade e História nesses trabalhos limitou o uso mais abrangente das fontes, negligenciando, em certa medida, as narrativas criativas das próprias obras como propositivas e autoras de discursos formadores do social.

Em “O cinema em Moçambique – história, memória e ideologia: análise dos filmes Chaimite, a queda do Império Vátua (1953) e Catembe: sete dias em Lourenço Marques (1965)”, Alex Santana França realiza uma interpretação sócio-histórica e comparativa entre os filmes Chamite… e Catembe…, ancorando-se na perspectiva teórica de Francis Vanoye. Com a análise sobre Chaimite, o autor demarca as principais características do cinema de propaganda portuguesa, que se dispunha a responder, na época, à crítica internacional sobre o colonialismo luso. Catembe…, ao mesmo tempo em que demonstra o empenho português em conformar uma imagem oficial das colônias, comprovado pelos diversos cortes impostos ao filme, é considerado pelo autor como um exemplo de crítica à colonização.

Em “Não Vamos Esquecer! A propósito da fotografia ‘Marca de gado em jovem pastor’ de Ricardo Rangel”, Isa Márcia Bandeira de Brito busca analisar uma imagem feita pelo fotógrafo moçambicano em 1973, na qual um menino havia sido ferido a ferro na testa por seu patrão, por ter deixado fugir um animal. O prisma da autora na interpretação da imagem, no entanto, não favorece uma análise aprofundada e complexa do objeto, já que toma a imagem como exemplo das relações de violência colonial de maneira generalizada e dicotomiza as relações colonizador/colonizado, enfoque do qual vem se distanciando a historiografia mais recente, amparada nos estudos pós-coloniais, como são exemplos trabalhos consagrados, como os de Frederick Cooper, Homi Bhabha e Mary Louise Pratt7. A autora, vale frisar, mobiliza uma bibliografia interessante para a teorização do objeto no campo das visualidades e o trabalho dimensiona possíveis significados simbólicos da fotografia.

Em “A poesia contestatória de Noémia de Sousa e a situação colonial em Moçambique (1948-1951)”, Gabriele de Novaes Santos se propõe a compreender como a imprensa se ofereceu como veículo para a poesia de contestação colonial da escritora moçambicana Noémia de Sousa. O trabalho de Gabriele Santos é ainda inicial e, portanto, muito promissor, uma vez que a autora abre, no próprio texto, possibilidades de pesquisa interessantes sobre a obra da moçambicana. Por fim, o texto que encerra Narrativas é de autoria de Fatime Samb, com o título “A mulher moçambicana e as práticas culturais”. Ainda no primeiro parágrafo, a autora atesta sua proposta de fazer uma análise sobre o livro Niketche: uma história de poligamia e sobre o papel da mulher na obra de Paulina Chiziane. Samb faz uma importante recapitulação sobre as relações de gênero em Moçambique e a posição social da mulher na “sociedade tradicional” moçambicana, além dos impactos da independência nas relações de gênero e atuação política feminina a partir do comando da Frelimo, um tema ainda pouco conhecido e abordado em pesquisas sobre Moçambique.

A terceira e última unidade do livro, Agendas de um Moçambique contemporâneo, é formada por três artigos, sendo que dois estão em profundo diálogo a respeito da inserção internacional moçambicana, e provêm de duas áreas de formação distintas: Administração e Antropologia. Elga Lessa de Almeida e Elsa Sousa Krayachete, em “Moçambique e a cooperação internacional para o desenvolvimento”, fazem um retrospecto sobre as relações bilaterais estabelecidas por Moçambique com seus parceiros internacionais, demarcando a diferença entre cooperações verticais e horizontais, estas firmadas por países em desenvolvimento, como África do Sul, China e Brasil. O estudo de Elsa de Almeida e Elga Krayachete e o de Fernanda Gallo, “(Des)encontros do Brasil com Moçambique: o caso da Vale em Moatize” complementam-se diante do leitor atento às investidas e consequências da presença brasileira no país. Com um interessantíssimo trabalho antropológico, Gallo busca a vivência da população diante das transformações provocadas pela chegada das empresas multinacionais, em especial a mineradora Vale, e pergunta-se se há alguma relação entre esses megaprojetos para o país e a retomada crescente dos conflitos com a Renamo e ataques a trens. A antropóloga, munindo-se das comprovações de seu trabalho de campo, torna evidente ao leitor o desrespeito das empresas sobre as relações das pessoas com seus locais de origem, ao decidirem, unilateralmente, os locais para reassentamento, por exemplo, e deixa às claras o descompasso entre o discurso oficial da solidariedade e a prática de maximização dos lucros das empresas estrangeiras no país.

O livro se encerra com o capítulo desafiador de Vera Fátima Gasparetto, no qual a autora se dispõe a discutir as possibilidades de uma pesquisa interdisciplinar feminista a partir de uma análise sobre a questão da veiculação da imagem feminina na mídia, comparando a atuação feminina sobre essa questão no Brasil e em Moçambique. A autora traz um panorama sobre a composição e atuação das mulheres em seus espaços de organização nos dois países, como o Fórum Mulher e a Rede Mulher e Mídia. De um ponto de vista feminista e das novas epistemologias no Sul, em diálogo com Boaventura de Sousa Santos, por exemplo, Gasparetto faz ainda uma crítica interna a algumas teorias feministas que essencializam africanas, fazendo do trabalho acadêmico também um trabalho militante na investida de produzir “[…] uma investigação interessada em conhecer a partir das mulheres, conceituadas como sujeitas conhecedoras e conhecíveis.”8

O livro sem dúvida é uma referência importante e necessária para quem deseja se aprofundar em alguns temas moçambicanos e os trabalhos são, em conjunto, uma contribuição valiosa que demonstra um país repleto de possibilidades de pesquisa e com múltiplas fontes possíveis para análise. Mostra-se especialmente interessante nessa obra organizada o diálogo bibliográfico entre os trabalhos e, sobretudo, os diferentes exercícios teóricos e metodológicos que ultrapassam as barreiras temáticas e configuram-se como inspiração aos pesquisadores leitores. Assuntos e referências atravessam alguns capítulos do livro, como o conceito de colonialidade de Aníbal Quijano9, mais profundamente abordado no artigo de Vera Gasparetto, a discussão de gênero, de trabalho e a noção de resistências, no plural, ao longo da história moçambicana. Esse é um livro que, sem dúvida, deve ser consultado para se conhecer mais e melhor sobre Moçambique.

Taciana Almeida Garrido de Resende – Doutoranda em História Social – USP. São Paulo, SP-Brasil. E-mail: [email protected].


MATTOS, Regiane A. de; PEREIRA, Matheus Serva; MORAIS, Carolina Gomes (Org.). Encontros com Moçambique. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2016. 286p. Resenha de: RESENTE, Taciana Almeida Garrido. Desafios metodológicos, interdisciplinaridade, História: Encontros com Moçambique. Outros Tempos, São Luís, v.13, n.22, p.238-243, 2016. Acessar publicação original. [IF].

Interdisciplinaridade e aprendizagem da Matemática em sala de aula – TOMAZ; DAVID (Bo)

TOMAZ, Vanessa Sena; DAVID, Maria Manuela Soares. Interdisciplinaridade e aprendizagem da Matemática em sala de aula. (Coleção Tendências em Educação Matemática) – Belo Horizonte: Autêntica, 2008. Resenha de: SOUTO, Daise Lago Pereira. BOLEMA, Rio Claro, v. 23, n. 36, p.801-808, ago., 2010.

O livro é um convite à reflexão sobre interdisciplinaridade e aprendizagem da matemática em sala de aula. Para isso, Tomaz e David apresentam alguns exemplos de situações em sala de aula nos quais são relatadas algumas práticas que possibilitam aprendizagens matemáticas, respaldadas em perspectivas histórico-culturais. Também expõem como algumas perspectivas teóricas podem auxiliar no desenvolvimento de uma percepção mais apurada sobre o que se aprende de Matemática e como se aprende.

No primeiro capítulo, intitulado “Os temas transversais e o fazer pedagógico” as autoras elucidam a concepção de interdisciplinaridade que adotarão. No entanto, já nas primeiras linhas, é possível verificar que se trata de uma ampliação da noção de interdisciplinaridade.

A pretensão é romper com o isolamento e a fragmentação dos conteúdos, alicerçando-se em dois princípios básicos para o ensino da Matemática: o da contextualização e o da interdisciplinaridade. Com relação à contextualização, o ensino da matemática deve ser articulado com várias práticas e necessidades sociais, por meio de inter-relações com outras áreas do conhecimento. Já o segundo princípio pode ser proposto de diferentes formas, segundo diferentes concepções, que vão desde aquelas que defendem um ensino aberto para inter-relações entre a Matemática e as diversas áreas do saber científico ou tecnológico, bem como, com as outras disciplinas escolares.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais apontam para uma abordagem dos conteúdos adotando uma organização que vai do global para o específico, com progressiva “disciplinaridade”, tendo em vista que o trabalho escolar está pautado na organização por níveis de ensino e em disciplinas que são, de certa forma, vistas como independentes, gerando assim uma situação de conflito aos professores que pretendem adotar uma prática interdisciplinar.

Uma proposta, apresentada por AlrØ & Skovsmose e compatível com a proposta dos PCNs, defende a potencialidade do trabalho por temas, respeitadas algumas condições: o tema deve ser algo conhecido dos alunos; ser de discussão possível; ter valor em si mesmo; ser capaz de criar conceitos matemáticos; desenvolver habilidades matemáticas; e privilegiar a concretude social.

Nessa perspectiva, a tematização pressupõe uma investigação, o que não significa necessariamente lidar com problemas sofisticados, mas procurar conhecer o que não se sabe, pesquisar, inquirir. Logo, o aluno é levado a explorar, formular questões, fazer conjecturas, testar e reformular questões.

Em relação à atitude investigativa, há três fases: introdução à situação problema; realização da investigação e discussão dos resultados. Nesse sentido, o trabalho de investigação em sala de aula pode ser expandido em direção ao trabalho de modelagem matemática: segundo Borba & Penteado, citados pelas autoras, “na modelagem matemática os alunos escolhem um tema e, a partir desse tema, com o auxílio do professor, fazem investigações”. No entanto, esse trabalho não pressupõe o estabelecimento de procedimentos matemáticos rígidos para resolução ou análise do problema.

A interdisciplinaridade configura-se pela participação dos alunos e professores nas práticas escolares no momento em que elas são desenvolvidas, quando se criam novos conhecimentos que se agregam a cada uma das disciplinas, partindo das interações dos sujeitos no ambiente e de elementos de uma prática comunicativa que eles desenvolvem, mas não necessariamente Bolema, Rio Claro (SP), v. 23, nº 36, p. 801 a 808, agosto 2010 803 conhecimentos inerentes às disciplinas.

Como o próprio título – “Prática e aprendizagem: diferentes perspectivas” – do segundo capítulo sugere, nele são abordadas questões referentes à aprendizagem, apresentando diferentes perspectivas com destaque nas que adotam a visão de aprendizagem situada, a qual é objeto de fundamentação teórica da obra.

Na perspectiva de aprendizagem situada, ensino e aprendizagem são coisas distintas e podem estar ou não inter-relacionadas a uma situação escolar. Lave, referenciada pelas autoras, defende que a aprendizagem é mudança de participação em práticas sociais e, por isso, pode ocorrer sem que uma atividade intencional de ensino a preceda.

Uma questão polêmica dentro da aprendizagem situada, segundo as autoras, diz respeito à noção de transferência de aprendizagem, quando definida como movimento de um conhecimento abstrato e descontextualizado que pode ser aplicado em um amplo conjunto de situações, por não se encaixar bem na perspectiva desta aprendizagem.

No entanto, nas práticas escolares, partindo do pressuposto de que toda a aprendizagem é situada, nenhuma aprendizagem pode ser separada do seu contexto de origem, uma vez que ela é a própria participação em práticas sociais. Transferir a aprendizagem, ao contrário do que se possa pensar num primeiro momento, no entendimento das autoras, não significa transportar um conhecimento, abstrato e descontextualizado, mas algo que pode ser viabilizado a partir do estabelecimento de relações – entre os conhecimentos adquiridos e aqueles necessários em novos contextos – para a ressignificação da noção de transferência de aprendizagem.

A discussão, aqui, gira em torno do modo como a interdisciplinaridade em sala de aula se efetiva na perspectiva da tematização. A atividade, portanto, configura-se pelas ações dos professores e alunos direcionadas para a mobilização de conteúdos matemáticos para a discussão do tema “água” (um dos exemplos), bem como pelas possibilidades de fazer inter-relações entre as aprendizagens de várias disciplinas, percebidas no ambiente em que essas ações são realizadas.

Para discutir as aprendizagens tendo a totalidade como pano-de-fundo, e não apenas os alunos e professores, adotou-se uma noção da abordagem ecológica da percepção. Tal noção considera um aspecto da interação das pessoas ou dos animais com o ambiente, sendo a percepção entendida como um sistema que capta a informações para coordenar as ações das pessoas nos ambientes.

A Psicologia Ecológica considera que a aprendizagem é resultado de percepções recíprocas de possibilidades do ambiente e ações no ambiente. Nessa perspectiva, a aprendizagem é vista como prática intencional, consciente, ativa, construtiva e socialmente mediada em atividades que se realizam integrando a tríade intenção-ação-percepção.

Para analisar os processos cognitivos teve-se como referencial a linguagem como adotada por Greeno. São fundamentais, nesse aspecto, os termos “possibilidades” e “habilidades”, os quais fazem uma ligação entre os aspectos de cognição e do comportamento humano, do seguinte modo: as habilidades necessárias para uma pessoa participar de uma atividade dependem de sintonias para restrições e possibilidades a serem percebidas pela pessoa como condições do ambiente. O termo “possibilidades” refere-se a tudo aquilo que, no ambiente, contribui para o tipo de interação: são as pré-condições para a atividade que, por sua vez, estão diretamente relacionadas às restrições. Dessa forma, os termos possibilidades e habilidades são conceitos internamente inter-relacionados.

Por outro lado, se uma pessoa não consegue realizar transferência de aprendizagem, ou seja, tem dificuldade de aplicar o conhecimento em outras situações, então ela não adquiriu esse conhecimento de forma eficaz. Em suma, esta é a relação entre transferência e aprendizagem. O processo de transferência é influenciado não só pelas habilidades cognitivas da pessoa, mas também pelos aspectos culturais, pela interação das pessoas tomadas historicamente no ambiente.

As autoras concluem que numa atividade interdisciplinar o aluno realiza transferência de aprendizagem de uma situação para outra, já que essa transferência é a própria propulsora da aprendizagem situada, pois não se espera que algum conhecimento se preserve intacto de uma situação para outra nem que se crie sempre um conhecimento totalmente novo em cada situação. Complementam, ainda, afirmando que, toda vez que ocorre uma ampliação de sintonias para restrições e possibilidades percebidas no ambiente, ou uma ampliação de significados, pode-se dizer que foi construído um conhecimento novo, mesmo que ele não seja totalmente novo.

Nos capítulo terceiro e quarto (“O tema água gera uma atividade escolar interdisciplinar” e “Aulas de artes gerando oportunidades de interdisciplinaridade”) são narradas situações de sala de aula em que ocorrem diferentes abordagens interdisciplinares dos conteúdos escolares.

Duas das situações desenvolvidas estão pautadas num tema amplo: água. Na primeira, o tema foi desenvolvido pelas professoras das disciplinas de Português, Geografia e Matemática. A expectativa era de que, dessa forma, iria ocorrer uma ampliação de significados por parte dos alunos, levando-os a uma descontextualização dos conceitos matemáticos desses contextos específicos, porém, verificou-se que a ampliação dos significados ocorreu, mas a descontextualização desses significados não, e a participação dos alunos nas práticas em torno do tema focado foi marcada por contradições e rupturas que ficaram visíveis na transformação dos objetivos dos alunos e das professoras para este estudo ao longo do decorrer da atividade.

Além da tensão resultante de objetivos divergentes, a abordagem do tema em tempos diferentes, deixou mais complexo o conjunto de práticas escolares, e as autoras tiveram que recorrer à teoria da Atividade, a qual permite uma abordagem geral e interdisciplinar que oferece ferramentas conceituais e princípios metodológicos que se concretizam de acordo com a natureza específica da atividade desenvolvida em sala de aula. Além disso, esse enfoque possibilita a identificação de elementos dentro de um sistema, pois a cada elemento dessa atividade podemos associar outros conceitos importantes.

As características da interdisciplinaridade na atividade com tema “água”, segundo as autoras, são evidenciadas pela integração de idéias, ferramentas, linguagens, regras e conceitos das diferentes disciplinas envolvidas.

As práticas escolares, avaliam, incorporaram as especificidades da escola, dos seus sujeitos, do currículo, os traços culturais presentes no grupo e as práticas sociais mais recorrentes dentro e fora da sala de aula, apresentando as mesmas características das que eram desenvolvidas nas disciplinas, ainda que adquirissem significados diferentes.

Na disciplina Matemática, os episódios analisados evidenciam que os alunos participam de uma atividade (estudar sua conta de água) enquanto a professora está em outra atividade (ensinando regra de três). Como os motivos são diferentes, cria-se um sistema em que a transformação de motivos é também a transformação do objeto. Após encontrarem resultados e fazerem comparações, os alunos não conseguiam relacionar o procedimento adotado com a regra de três estudada anteriormente em sala. Esta dificuldade de associação gera barreiras para a transferência do que já sabiam de regra de três para aplicar na nova atividade. No entanto, as pesquisadoras constatam que os alunos ampliaram os significados associados à regra de três e citam, como exemplo, um aluno que desenvolve seu próprio método para realizar os cálculos.

Uma outra constatação das pesquisadoras é a de que os alunos utilizaram todas as informações adquiridas na matemática, por exemplo, nas atividades das outras disciplinas, atribuindo significados diferentes, adaptando a linguagem à nova situação em que estavam sendo usadas, reforçando o caráter situado das noções matemáticas.

A segunda atividade consistiu na resolução de problemas: foram definidas normas, regras, relações e ferramentas, ou seja, ficaram mais explicitas as possibilidades e as restrições que se apresentaram nesse ambiente. Os alunos utilizaram as informações das atividades das outras disciplinas, atribuindo-lhes significados diversos, também reforçando o caráter situado das noções matemáticas, relacionando saber escolar e não escolar.

Já a abordagem interdisciplinar desenvolvida nas aulas de Artes não apresenta ligação direta com um tema específico. As autoras relatam que as aulas ofereciam oportunidades ricas para exploração matemática, tais como das noções de ângulo, projeção, perspectiva e simetria. Estas noções, ao serem abordadas no campo das artes, adquiriram outros significados relacionados ao contexto, gerando uma aprendizagem situada da Matemática.

Uma turma optou por fazer uma peça teatral para conscientização sobre o problema da escassez da água. Para isso, utilizou técnicas de desenho artístico e geométrico, organizando dados numéricos em diagramas, gráficos e tabelas, além de se valerem do gênero narrativo para a elaboração do texto da peça.

As noções de perspectiva e leitura de planos numa obra de arte foram utilizadas por duas alunas em um desenho produzido para um trabalho de geografia. O grupo dessas alunas deveria apresentar propostas para a criação de estações de tratamento de água. Destaca-se, aqui, as potencialidades da explicação que usa como ferramentas as noções de perspectiva e planos, ressaltado o papel, para a construção dessas noções, das análises de pinturas de Van Gogh, o que torna explícita a transferência de aprendizagem. O empenho das alunas quanto à integração de conhecimentos de diferentes áreas configura-se como uma forma de interdisciplinaridade, que passa despercebida pelas professoras das disciplinas envolvidas. Resta uma dúvida: embora, para os alunos, as aprendizagens sejam resultantes de interações entre as disciplinas, não fica claro em que medida os professores envolvidos nas atividades tomam conhecimento delas (no próprio momento que as atividades eram desenvolvidas ou só após a discussão entre os professores e pesquisadores sobre a situação).

No último capítulo, “Implicações para a prática docente”, são apresentadas, como sugere o título, algumas implicações para as práticas de um professor que pretenda promover a interdisciplinaridade.

Fazendo uma reflexão sobre a forma como a atividade interdisciplinar com a temática “água” foi desenvolvida, evidenciou-se que a participação dos alunos não se resumia à simples recepção e reprodução de métodos ou informações transmitidas pelos professores. Tal atividade possibilitou um relacionamento positivo com a matemática, tendo em vista que proporcionou a ampliação da participação dos alunos nas atividades, integrando-os às suas realidades pessoais.

O poder de ação do aluno quando participa de uma atividade interdisciplinar ganha força, uma vez que a matemática é utilizada para propor soluções alternativas, criar argumentos, desenvolver métodos, enfim, ampliar significados. A ampliação deste poder de ação resulta no desenvolvimento da capacidade dos alunos de transferir métodos, formas de participação, linguagens e aprendizagem de uma disciplina para outra. Esta mudança quanto ao poder de ação caracteriza a trabalho como uma atividade interdisciplinar, ou seja, os alunos são capazes de criar ou questionar métodos de solução de problemas, adotando ou adaptando aos métodos escolares usuais seus próprios métodos.

O texto não deixa dúvidas de que a forma de organização dos conteúdos conduziu a práticas que geraram um ambiente favorável à participação mais ativa dos alunos. Destacam-se, neste cenário, duas iniciativas que podem gerar condições para que ocorra a aprendizagem por meio de transferência e para que seja possível concretizar atividades interdisciplinares. São elas: organizar propostas de ensino de matemática articuladas com outras disciplinas, optando pela tematização, e utilizar situações problemas que possibilitem a tradução matemática escolar de situações do cotidiano. Porém, ao destacar o sucesso do trabalho não se pode deixar de considerar o objeto de estudo, que pode ser um limitador para o desenvolvimento da proposta.

Por fim, Tomaz e David trazem uma constatação pertinente e fundamental para um trabalho interdisciplinar – a necessidade e vitalidade da interlocução entre os professores das diversas disciplinas – que pode ser um caminho para o desenvolvimento de ações mais sistemáticas.

Daise Lago Pereira Souto – Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Estadual Paulista – UNESP/Rio Claro. Mestre em Ensino de Ciências no Domínio da Modelagem Matemática, UNIJUÍ (Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul). Professora da UNEMAT (Universidade do Estado de Mato Grosso), Faculdade de Ciências Exatas, Departamento de Matemática. E-mail: [email protected]   

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