Imagem e reflexo – religiosidade e monarquia no reino visigodo de Toledo (Séculos VI-VIII) | Ruy de Oliveira Andra de Filho

A Península Ibérica sempre ocupou dentro do mundo romano um espaço importante no tocante não apenas a sua localização, mas também como um dos mais ricos celeiros do Imperium. Com o fim político do Império Romano do Ocidente, a região, que, no passado, abrigou povos de etnias várias como lusitanos, iberos, celtas e celtiberos, vivenciaria até o século VIII a ocupação de seu território por dois povos de origem germânica, os quais para lá estenderam seus domínios após sua migração, a saber, suevos e visigodos. Estes últimos assentaram-se preferentemente na Hispânia romana, em um contexto sócio-histórico e religioso bastante peculiares. Exatamente sobre estas singularidades do mundo germânico em um território antes celta e romano debruça-se Ruy de Oliveira Andrade Filho.

Cada vez mais estudos historiográficos sobre a Alta Idade Média (ou Primeira Idade Média) [como queiram] realizados por pesquisadores brasileiros concentram-se sobre a movência, assentamento e contribuições de toda a ordem legados, apropriados, fundidos e refundidos pelo estrato populacional germânico no ocidente europeu. Vinícius Dreger, Mário Jorge Bastos, Leila Rodrigues da Silva, Renan Friguetto, apenas para citar alguns nomes, compõem esse espectro de investigadores. Caso nos ocupemos em especial com a Espanha medieval, o nome do professor da Universidade do Estado de São Paulo, citado no primeiro parágrafo, deve assomar como um dos principais e Imagem e reflexo – religiosidade e monarquia no reino visigodo de Toledo (Séculos VIVIII) preenche uma lacuna cronológica e historiográfica nesses estudos.

O medievista sintetiza em cinco capítulos e 253 páginas os acontecimentos sobre a relação Monarquia-Igreja presentes no desenvolvimento do reino visigodo de Toledo ao longo de três séculos e para alcançar este objetivo, divide seu trabalho em cinco capítulos teórico-práticos, nos quais expõe não apenas seu instrumental de trabalho e análise das fontes investigadas, como também seu vasto arcabouço teórico que subjaz as suas práticas de pesquisa.

No primeiro capítulo, “Uma Hispânia convertida?”, evidencia-se um levantamento crítico com opiniões de diversos renomados estudiosos acerca da extensão, penetração e aceitação do cristianismo na região, preferentemente entre os séculos IV e VIII. Ao lado da superstitio e das gentes que professavam o judaísmo e defendiam as heresias, assiste-se também a presença dos innumeri christiani (p. 40). O historiador aponta, com sólida erudição, as questões que perpassavam os citadinos de então, bem como a massa de camponeses, com suas visões e práticas muitas vezes diferenciadas da própria experiência cristã, em que escolhas (heresias) não ligadas à ortodoxia, como o caso do priscilianismo, também encontraram espaço de circulação dentro do território majoritariamente hispânico. Esse estado de coisas, assevera Ruy, serviu também como circunstâncias, nas quais as estruturas de Sippe visigodas foram lentamente sofrendo modificações em favor de uma monarquia consolidada. Para isso, a influência da Igreja e sua habilidade em amalgamar na imagem de unus Dei populus, unumque regnum, expressa no Terceiro Concílio de Toledo, foram fundamentais. O paulatino mas inexorável avanço do cristianismo sobre as práticas pagãs dos rustici fora aberto.

“Cultura e Religião no Reino de Toledo” é o título do segundo capítulo, no qual o binômio “cultura/religião” é abordado no reino de Toledo, porém até chegar no medievo, o autor elabora um percurso histórico dessa relação, iniciando sua viagem na Tardoantiguidade, mais precisamente, no século III, com a sacralização do poder imperial, reafirmado e remoldado a partir da implantação do cristianismo como religião oficial do império um século depois. Contudo, ainda sentia-se na Hispânia uma forte presença de traços pagãos dentre os senadores e os camponeses, o que, a posteriori, com o fortalecimento da monarquia dos visigodos e em especial após a conversão do rei Recaredo, ainda tenderia a se manifestar. Um fator que contribui sobremaneira para a difusão da religião “oficial” foi, sem dúvida, uma rede de “escolas episcopais, paroquiais e monásticas, cuja finalidade principal era … a formação de clérigos” (p. 80). Igreja e Monarquia apoiam-se mutuamente em Toledo, porém no tocante à saúde, física e d´alma, sente-se uma simbiose de práticas e costumes populares com a utilização de elementos cristãos, configurando uma união perene entre corpo/alma e lhe dando juízo de fé pública. Interessante notar que o historiador ressalta dois aspectos importantes nesse processo: o primeiro prende-se à conversão dos monarcas e de seu séquito mais próximo; já o segundo, a cristianização, ainda necessitava de uma implementação maior, pois o maravilhoso, o insólito, o estranho que fugiam à compreensão dos eclesiásticos ainda rodeavam e povoavam estratos significativos da população visigótica da Hispânia e de Toledo.

Nada mais justo, portanto, que o próximo capítulo “Religiosidade ou Religiosidades?” também apresentasse uma indagação como tema central. A questão do encontro entre modos de vivenciar o sagrado expresso pela dicotomia paganismo X cristianismo no território hispânico é debatida e o historiador aponta desde o início para o fato de que obras como os Capitula Martini ou o De correctione rusticorum, de Martinho de Braga, “não parecem estar dotadas de uma intenção apenas preventiva ou lutando contra lembranças residuais ou obscuras, ´meras impurezas´” (p. 103). Tais textos demonstrariam a coexistência de duas formas de religiosidade, uma oficial e outra ´popular`.

Para Ruy Andrade, o termo `religiosidade popular` situa-se na esfera de um embate que oporia o cristianismo, uma religião da cultura escrita, a um conjunto de crenças e práticas, que sobressaiu exatamente a partir da expansão dominadora do credo cristão, pois o estudioso defende para o período “a religiosidade como elemento catalisador dos descontentamentos, e não seu agente elaborador.” (p. 109) Portanto, vislumbrar-se-ia uma antinomia campo X cidade, em que o meio rural manteria tradições e expressões de religiosidade dissonantes daquelas das cidades, ligadas ao círculo real e de certa forma aliadas ao poder eclesiástico. Esta “cisão de fé”, se é que assim podemos denominar tal fenômeno no reino visigodo de Toledo, colocava em lados opostos a magia pagã e o milagre cristã, embora, afirma o historiador, questionando-se ao fim do capítulo, se é realmente possível falarmos de ´religiosidade popular´, na medida em que este termo parece englobar mais que simplesmente uma escolha ou prática não referendada pela Mater Ecclesia, revelando-se como um outro viés da religião do Cristo.

No próximo capítulo, “A Utopia Monárquica Visigoda”, discute-se a partir da conversão ao cristianismo dos visigodos do reino de Toledo ocorrida no ano 589 o projeto de referendo da organização monárquica do reino em consonância com a esfera religiosa, já que “A unidade política assentava-se, pois, na unidade religiosa.” (p. 132) A coesão política do reino atrelava-se agora ao apoio eclesiástico, que ensejava e ansiava por uma “utopia monárquica”, em que bispos e nobres visigóticos possuiriam papel de destaque nos assuntos régios em Toledo.

Para a realização em terra de um ideal cristocêntrico até o fim do reino visigótico de Toledo em 711, a Igreja lança mão da metáfora do corpus Christi para direcionar os papéis sociais de todos, reis e súditos, no céu e na terra com a intermediação dos clérigos, representantes do Criador entre os homens. Para o historiador, uma aliança é estabelecida, tanto em nível civil quanto em teológico, entre realeza e igreja, a ponto de, cita o pesquisador brasileiro, se chegar em certos momentos “à promulgação pelos reis da lex in confirmatione concilii” (p.142). A lei e a Lei fundem-se, e a consagração em Toledo do rei Wamba, em 672, é marco na história ocidental.

A sacralização da monarquia, as etapas, as funcionalidades e as características deste momento histórico descritas no capítulo IV somam-se agora no capítulo V, Religiosidade e Monarquia no Reino de Toledo os resultados visíveis e depreensíveis de tal processo. Partindo de Paulo e Isidoro de Sevilha ter-se-ia a divisão do homem em sua integralidade em três instâncias: “espírito/pneuma, que corresponderia à parte que estava reservada para a imortalidade; alma/psykhe, que animaria o corpo; e corpo/soma, [este último par apenas para Paulo] a parte degradável que desapareceria.” (p. 166) O historiador analisa com argúcia a inserção do homem – visigodo – dentro do plano cosmológico cristão, em que a teia cultural do cristianismo e suas expressões de religiosidade servem de base e de argamassa para ordenar o mundo, já que, como bem explica Ruy Andrade, “´Cosmo´, significando ordem, estrutura, mundo, universo, também é uma palavra entendida como ´caos´…” (p. 171), o que logicamente pressuporia a existência prévia de uma falta de coesão. As uerba Dei mostram, num mundo ordenado, as belezas da Criação e caberia ao homem ser o espelho deste ordenamento e deste encanto. A natureza deve se sujeitar ao melhor specimen forjado por Deus, a cidade é eleita o seu melhor abrigo, embora sobre a terra ainda pairasse o a possibilidade da sedição do Mal.

Tal perigo, que lembraria ao ser humano a presença do demônio, pode ser polarizado pelos binômios catolicismo/arianismo devido à associação ao Mal de reis visigodos que professavam a doutrina de Ário. Todavia, o rei cristão verdadeiro traria a salvação e a saúde ao seu povo, sendo ambos os termos derivados etimologicamente de salus. Enfim, o Homem e o Reino do plano divino ver-se-iam então personificados e revividos na figura do monarca e seu reino terrestre. Nesse momento entende-se o porquê do título Imagem e Reflexo, como bem sumariza o historiador: “É uma condição básica: a moldura do espelho não lhe distorce a imagem, confere-lhe uma forma.” (p. 192)

Em suma, lançando questões, propondo interpretações aos moldes de uma História Argumentativa, amparado em sólida bibliografia e em uma linguagem acessível a estudiosos e leigos, Ruy de Oliveira Andrade filho leva-nos ao reino visigodo de Toledo, em uma viagem que se encerra no “eterno retorno” do mundo germânico medieval à plasmação da Europa que em grande parte ora conhecemos e que cada vez mais é objeto de investigação de historiadores brasileiros.

Álvaro Alfredo Bragança Júnior – Departamento de línguas Anglo-Germânicas. E-mail: [email protected]


FILHO, Ruy de Oliveira Andrade. Imagem e reflexo – religiosidade e monarquia no reino visigodo de Toledo (Séculos VI-VIII). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012. Resenha de: BRAGANÇA JÚNIOR, Álvaro Alfredo. Germanos na Espanha medieval – entre Reis e Deus (es). Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.13, n.1, p. 114-119, 2013. Acessar publicação original [DR]

Nachklassische Romane und höfische “Novellen” | Helmut Birkhan

Como produto de suas aulas ministradas durante o semestre de inverno de 2003- 2004, Helmut Birkhan apresenta ao público leitor o quinto volume da série História da antiga literatura alemã à luz de textos escolhidos, um manual dividido em oito volumes que contém, de maneira sucinta, porém bem embasada lingüística, literária e historicamente as principais obras escritas e ou compiladas no espaço germanófono continental durante a Idade Média. Neste número, o autor preocupa-se em discutir sobre textos menos conhecidos dos germanistas, tanto de língua alemã quanto estrangeiros.

À guisa de introdução ao volume, Birkhan circunscreve a época de sua análise, isto é, mais ou menos entre 1200 e 1300. O erudito austríaco abarca neste volume as obras, cuja temática se prende à Antigüidade ou a Bizâncio. É interessante notarmos que normalmente nos curricula universitários dos cursos de língua e literaturas de língua alemã muito pouco espaço é dado à produção literária em alemão anterior ao século XVIII [1], menos ainda ao período de tempo abarcado pela pesquisa do autor de Romances pós-clássicos e “novelas” corteses.

A partir de uma discussão sobre o desenvolvimento dos conceitos metodológicos referentes às obras, primeiramente classificadas como “epigonais” e hoje em dia como pós-clássicas, Birkhan (2004, 10) discute e afirma a existência de “novos juízos valorativos em favor daquelas obras anteriormente difamadas”. Do mesmo modo são apresentados romances menos conhecidos com temática arturiana, mitológica [2], poemas com forma similar à das canções de gesta, alguns excertos de romances de amor e romances de aventura, trechos de quatro “novelas” em versos e, por fim, trechos de um drama medieval em médio-alto-alemão.

Como este volume, de número 5, integra a série História da antiga literatura alemã à luz de textos escolhidos e devido à temática ser circunscrita ao período cronológico visto no volume precedente, o autor prescinde de informações de cunho histórico-social, optando, pois, por uma análise das obras à luz das informações retiradas dos próprios textos, o que configura uma escolha metodológica, em nosso ver, pertinente, na medida em que sua análise literária traz consigo os elementos culturais da época em questão.

Aspecto importante para facilitar a apreensão dos dados acadêmicos sobre as obras e momento histórico estudados é a preocupação do autor em apensar ao fim do volume uma série de reproduções de iluminuras, fotos, capas de fac-símiles e páginas de manuscritos, quadros genealógicos, esboços arquitetônicos e até mesmo uma discutível partitura do Titurel de Wolfram. No trabalho com a Idade Média, para nós brasileiros distante e praticamente alheia ao nosso passado, é fundamental a disponibilização da maior quantidade possível de dados, a fim de tornar menos incompleto o painel do objeto que estudamos.

O cuidado de Helmut Birkhan não apenas com a apresentação do conteúdo, porém com sua efetiva e merecida valoração está expressa no comentário da última capa do volume, que traduzimos:

“O livro é dirigido àqueles que querem uma introdução na criação romanesca medieval (em especial no romance arturiano). Serão analisadas aquelas obras, que freqüentemente são desqualificadas como romances de aventuras, as quais, porém, são extremamente interessantes sob uma perspectiva psicológica, da ciência da cultura e sob várias outras.”

No tocante às obras em mittelhochdetusch com reminiscências da Antigüidade Clássica são arrolados autores como Herbort von Fritzlar, Albrecht von Halberstadt, Konrad von Würzburg, dentre outros. Um texto que nos chama a atenção pelo seu quase total desconhecimento pelos medievistas brasileiros é Eraclius, de Otte, de quem não há praticamente informação alguma. A obra, de datação provável entre 1190 e 1230, apresenta temática bizantina. Birkhan inicia sua análise com um resumo do texto, entremeado com comentários da mais variada ordem acerca da originalidade do fazer poético de Otte, composição da obra, intertextualidade e informações de cunho histórico contidos no conto.

Com relação aos temas arturianos encontram-se listados e discutidos pelo pesquisador de Viena os seguintes títulos: [3]

1 O Lanzelet de Ulrich von Zatzikhoven

2 O romance de Segremors em médio-alto-alemão

3 Os “fragmentos de Titurel” de Wolram von Eschenbach

4 Titurel mais recente de Albrecht – Merlin de Albrecht von Scharfenberg [4]

5 O Lancelote em prosa

6 Diu Crône [5] de Heinrich von dem Türlin

7 O casaco

8 O Wigalois de Wirnt von Grâvenberc [6]

A matéria mitológica, presente por exemplo em Gauriel e Muntabel, de Konrad von Stoffeln, traz o universo das fadas e elfos [7] ao leitor moderno, no que personagens humanos se envolvem sentimentalmente com seres pertencentes ao mundo místico. Nesse momento podem ser inferidos comentários intertextuais com relação ao Tannhäuser, romance em alemão do século XIII sobre um cavaleiro, que decide se dedicar exclusivamente ao amor venal, optando por viver com Vênus, depois de desventuras no mundo social perfeito da cavalaria cristã.

As canções de gesta, embora de tradição mais antiga no continente europeu e de influência predominantemente francesa, foram bem representadas entre os séculos XII a XIV no espaço germanófono. Uma outra vertente da produção de gesta liga-se às sagas com a personagem Guilherme – em francês Guillaume d´Orange – 8, cujos primeiros textos remontam à primeira metade do século XII! Em alemão, a obra Willehalm de Wolfram von Eschenbach tematiza essa personagem e dentre todas as outras é a mais conhecida.

Os romances de amor e de aventura, bem como as novelas corteses em verso e como também o drama medieval são analisados através de exemplos textuais, nos quais Birkhan atenta pra detalhes lingüísticos, exegéticos e filológicos das obras.

Na História da antiga literatura em alemão à luz de textos escolhidos – parte V: romances pós-clássicos e “novelas” corteses há a versão completa de todos os fragmentos textuais para o Neuhochdeutsch, moderno-alto-alemão, o que acreditamos ser de capital importância não apenas para o leitor germanofalante, porém principalmente para os discentes de língua portuguesa, interessados em acompanhar a evolução histórica do idioma alemão, investigar suas características e ter, com isso, facilitado seu acesso às fontes primárias.

Por fim, se lembrarmos que as aulas de Saussure serviram de base à Lingüística Moderna e guardando as devidas proporções, somos de opinião de que a obra de Helmut Birkhan ora resenhada se inscreve dentro daquelas que podem se constituir entre nós como marco para o início de uma tradição de pesquisa com textos quase que totalmente desconhecidos, conferindo à Medievística Germanística e à Filologia Germânica o velho motto latino Labor omnia vincit. O trabalho tudo vence!

Notas

1. Para um maior detalhamento sobre o assunto cf. BRAGANÇA JÚNIOR, Álvaro Alfredo. Deutschsprachige Literatur des Mittelalters – Beispiel einer methodischen Perspektive zur Behandlung von älteren Texten im Literaturunterricht. In: WIESINGER, Peter et alii. Akten des X. Internationalen Germanistenkongresses Wien 2000. Bern: Peter Lang, 2002. Jahrbuch für Internationale Germanistik, Reihe A, Volume 57, p. 203-209.

2. Trata-se neste caso de contos, cujos temas giram ao redor de problemas no casamento de seres humanos com seres femininos da “baixa mitologia”, como fadas e elfos. Cf. BIRKHAN, 2004, p. 159.

3. Não nos esqueçamos de que no volume

4. são trabalhados textos arturianos vistos pelo cânone como modelares, acompanhados por uma concisa, mas eficiente listagem com dados sobre o surgimento do mito e sua comprovação histórica. Cf. BRAGANÇA JÚNIOR, Álvaro Alfredo. Literatura romanesca da época dos Staufer. In: SILVA, José Pereira da. (Org). Revista Philologus. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2005. Ano 11, nº 32, p.156-159.

4. A obra de Scharfenberg é vista por Birkhan como continuação da estruturação estrófica temática de Titurel. Cf. BIRKHAN, 2004, p. 99-100.

5. Em português, “A coroa”.

6. Para a listagem completa remetemos o leitor interessado a Birkhan, 2003, p.5.

7. Convém lembrar que elfos pertencem à mitologia germânica, diferenciando-se de duendes, de fundo celta.

8. Orange, aqui, é uma cidade do provençano Departamento de Vaucluse, cuja etimologia provém do galoromano Arausio. Cf. BIRKHAN, 2004, p. 195.

Álvaro Alfredo Bragança Júnior – Departamento de Letras Anglo-Germânicas Faculdade de Letras Programa de Pós-Graduação em História Comparada UFRJ. E-mail: [email protected]


BIRKHAN, Helmut. Geschichte der altdeutschen Literatur im Licht ausgewählter Texte. Wien: Edition Praesens, 2004. 296 Seiten. Band 12, Teil V: Nachklassische Romane und höfische “Novellen”. Resenha de: BRAGANÇA JÚNIOR, Álvaro Alfredo. Romances Pós-Clássicos e “Novelas” Corteses. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.5, n.2, p. 114-116, 2005. Acessar publicação original [DR]

Mittelhochdeutsche, vor – und frühhöfische Literatu | Helmut Birkhan

Atualmente, onde cada vez mais é incrementado o diálogo interdiscursivo, interdisciplinar e interepistemológico, percebe-se a necessidade de revitalização de estudos de base diacrônica, que procurem ajudar ao homem contemporâneo entender os processos e mecanismos de desenvolvimento social, no que a linguagem literária possui uma forte participação como repositório cultural. Consoante essa assertiva, pesquisadores de História, Literatura, Antropologia, Arqueologia, dentre outras ciências, devem procurar o estabelecimento de Grupos de Trabalho Integrados, os quais, com a utilização das metodologias específicas de pesquisa, contribuem para uma melhor apreensão do objeto comum em análise. Talvez, nesse momento, no campo dos estudos germânicos ligados a uma proposta de Germanística Intercultural, encontre-se na Medievística Germanística a episteme necessária que integralize uma junção de lingüistas, teóricos das literaturas germanófonas, historiadores – para apenas citar alguns profissionais – com o intuito de trazer ao homem do século XXI as riquezas do homem medieval expressas em seus textos. [1]

Um dos mais respeitados eruditos, professor catedrático da Universidade de Viena, germanista, celtólogo e medievalista, Helmut Birkhan lega-nos uma série de oito Studienbücher – livros de iniciação ao estudo universitário -, publicada pela Editora Praesens, a saber: parte I –Literatura em antigo-alto-alemão e em antigo-saxão; parte II – Literatura em médio-alto-alemão pré-palaciana e em seus primórdios corteses; parte III – Trovadorismo e poesia sentenciosa da época dos Staufer; parte IV – Literatura romanesca da época dos Staufer; parte V – Romances pós-clássicos e “novelas” corteses; parte VI – Épica heróica da época dos Staufer e no início dos Habsburgos; parte VII – Trovadorismo, poesia sentenciosa e contos versificados da última fase dos Staufer e dos primeiros Habsburgos.[2] Pelo exposto através dos títulos, Birkhan pretende fornecer aos estudantes de Germanística manuais de iniciação à literatura medieval em alemão, conjugando a isso em sua obra elementos de ordem histórica, em nosso ver indispensáveis para uma melhor compreensão da época estudada.

O texto é dividido em capítulos, que sempre são precedidos de uma contextualização histórica sobre as dinastias, de onde as obras são provenientes, i.e., os sálios (p.8-14) e os Staufer (p.130-135). Posteriormente têm-se comentários elementares sobre os principais textos, de ordem religiosa no tocante aos sálios (p.18-109) e acerca das duas obras consideradas como “literatura histórica”, (p.109). Ao apresentar a primeira delas, a Canção de Anno, Birkhan demonstra quão indispensável é a união entre discurso literário e contexto histórico no mundo medieval:

“A Canção de Anno é a primeira epopéia contemporânea em língua alemã. Ela reúne história da humanidade, história cristã da salvação e história mundial com uma apresentação tipológica da vida do bispo Anno de Colônia.”(p.109)

Ao tratar da segunda, a Crônica dos Imperadores, (p.117-129) o estudioso austríaco discorre sobre as características da obra, desde a transmissão do texto, com dados sobre o compilador ou autor da obra, tece comentários sobre a datação da mesma e sobre as fontes para a sua composição com alguns excertos textuais.

Se durante o período dos Sálios há a predominância de uma literatura religiosa, vêse, por outro lado, o início da afirmação de um tipo de escrita, que se centra nas práticas e costumes, no modus vivendi e modus cogitandi dos bellatores. Canções, Lieder, que descrevem heróis da Antigüidade e suas façanhas, Alexandre, Rolando, temas que lidam com o Oriente, Flôre e Blanscheflûr, assim como as épicas trovadorescas Duque Ernesto e Rei Rother e epopéias trovadorescas lendárias [3], Oswalt, Orendel e Salomão e Markolf, configuram esta nova arte da palavra, que tem na corte seu modelo.

Como por nós mencionado em resenha previamente feita [4], Birkhan não se preocupa com uma introdução ao seu texto, mas sim arrola a bibliografia por ele analisada. Já que os fragmentos textuais estão em médio-alto-alemão, estágio segundo do desenvolvimento do idioma alemão, não há a versão para o Neuhochdeutsch, o que demonstra a natureza da obra voltada para alunos e estudiosos nativos. Entretanto, por considerarmos o trabalho meritório, ficaria aqui uma sugestão para a preparação de um glossário com os principais termos do médio-alto-alemão em alemão moderno, à guisa de facilitação para o pesquisador estrangeiro.

No que diz respeito à organização do volume, nota-se a observância ao aspecto cronológico, que leva o leitor a relacionar mais seguramente o mundo das idéias e o mundo dos homens em mudança nos séculos XI e XII.

Preocupações com o conteúdo (p.42 et alii) e com a paráfrase de excertos originais (p.39-40 et alii) perpassam a obra, com o intuito de fornecer as informações lingüísticas, estilísticas e literárias básicas sobre os textos. No entanto, os Anexos merecem comentário à parte.

De significativa importância para a visualização das informações transmitidas, os Anexos colocam à disposição mapas lingüísticos, excertos de manuscritos, documentos e testemunhos em runas e língua alemã. Uma genealogia dos otônidas, sálios e Staufer, além de um gráfico sobre os romances alexandrinos medievais em alemão, latim e francês completam o quadro, que une Iconografia, Arqueologia, Língua e Literatura a partir do mundo germânico pagão até à época abarcada no volume.

Neste volume há uma presença ínfima de textos em língua latina, o que corroboraria o vernáculo como língua de prestígio dentro do fazer artístico no Sacro Império. Como o título da série prende-se à Geschichte der altdeutschen Literatur im Licht ausgewählter Texte, História da antiga literatura em alemão à luz de textos escolhidos, tal seleção nos induz à pergunta, não formulada na Parte I: quais os critérios para selecionar e indexar determinados textos em detrimento de outros? Cremos que o cânon, aliado à experiência docente do pesquisador, tenha sido os fatores decisivos para a escolha. Somos, outrossim, de opinião que o autor deveria discorrer a respeito em uma reedição da obra.

Por fim, Mittelhochdeutsche, vor- und frühhöfische Literatur, volume II da série supra citada, apesar da linguagem mais simples, é extremamente útil, organizada com precisão e muito bem fundamentada, prestando à Medievística Germanística uma valiosa ajuda para tornar contemporâneo o medievo germanófono, daí ser para nós indispensáveis as palavras anônimas

Quidquid homo nescit, vix discit, quando senescit.

O que o homem desconhece, dificilmente aprende quando envelhece!

Notas

1. Cf. BRAGANÇA JÚNIOR, Álvaro Alfredo.Resenha de BIRKHAN, Helmut.Geschichte der altdeutschen Literatur im Licht ausgewählter Texte. Wien: Edition Praesens, 2002. 217 Seiten. Teil I: Althochdeutsche und altsächsische Literatur.. In: KESTLER, IZABELA (Org.) Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2005. Volume IX (no prelo).

2. A parte VIII ainda não foi publicada.

3. Epos, no original, equivalendo à epopéia clássica, ao narrar a história de um herói ou coletividade

4. Cf. nota ii.

Álvaro Alfredo Bragança Júnior – Departamento de Letras Anglo-Germânicas Faculdade de Letras Programa de Pós-Graduação em História Comparada UFRJ. E-mail: [email protected]


BIRKHAN, Helmut. Geschichte der altdeutschen Literatur im Licht ausgewählter Texte. Wien: Edition Praesens, 2002. 217 Seiten. Band 7, Teil II: Mittelhochdeutsche, vor – und frühhöfische Literatu. Resenha de: BRAGANÇA JÚNIOR, Álvaro Alfredo. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.5, n.1, p. 141-143, 2005. Acessar publicação original [DR]