Africanizar: resistências, resiliências e sensibilidades | Revista Transversos | 2021

A Revista Transversos em sua 22a edição propõe-se em um pensamento-ação. O dossiê Africanizar: resistências, resiliências e sensibilidades. A concepção temática emerge do encontro de pesquisadoras e pesquisadores brasileiros e africanos. Ele parte dos trabalhos realizados pela linha de pesquisa África e suas diásporas do Laboratório de Estudo das Diferenças e Desigualdades Sociais (LEDDES) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) em contato com a Universidade Eduardo Mondlane (Moçambique), a Universidade Católica de Angola (UCAN), a Universidade Federal da Bahia (UFBA), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES).

Africanizar como movimento é um imperativo de pensar as Áfricas para longe de cristalizações e essencializações redutoras. Africanizar surge como necessidade de ouvir as vozes do continente, as quais questionam os parâmetros fornecidos a partir do viés eurocêntrico, da branquidade, do androcentrismo, do heteronormativo, das metanarrativas nacionais homogeneizantes ou dos interesses dos dominantes, sejam eles, estrangeiros ou locais. Os conteúdos dos textos apresentados apontam para os agenciamentos e os saberes dos silenciados, dos invisibilizados e daqueles que foram colocados à margem. Leia Mais

Áfricas: história, literatura e pensamento social / Revista Transversos / 2016

História, Literatura e Pensamento Social

Esse número da Revista Transversos, além da costumeira seção de artigos livres, vinculada, em sua maior parte, às discussões problematizadas no Laboratório de Estudos das Diferenças e Desigualdades (LEDDES), responsável por esse periódico, oferece-nos dossiê intitulado Áfricas: história, literatura e pensamento social, com destaque para a seção Notas de Pesquisa. Essa duas partes do periódico são fruto de desdobramentos das atividades do grupo de pesquisa Áfricas – LEDDES (UERJ), vinculado a esse laboratório da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, bem como de parcerias com outros núcleos de estudos, pesquisa e extensão, tais como o Laboratório de Estudos Africanos (LEÁFRICA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Assim, como o tecido africano estampado na capa deste número da Transversos, o seu dossiê e notas de pesquisa tecem tramas com fios policromáticos: há uma diversidade de objetos e abordagens relativos à multifacetada África, mas que de certa forma, giram em torno do trinômio história, literatura e pensamento social africano, tema deste dossiê.

A trama inicia-se com o debate sobre a importância do documentário como fonte para a história angolana a partir da análise de Oxalá cresçam pitangas! Numa implícita formação discursiva fundamentada por Robert Rosenstone, que assinala que o cinema pode “transmitir um tipo de História séria (com H maiúsculo)”, a historiadora Paula Faccini de Bastos Cruz, pesquisadora do LEÁFRICA, ilumina como a aludida película cinematográfica explicita as resilientes identidades de luandenses após as guerras infindáveis, entre 1961 a 2002. O filme permite nos tornarmos testemunhas oculares de vidas vulnerabilizadas pelas sequelas persistentes dos conflitos e da desigualdade social.

Mas, os africanos não são só assujeitados pelas estruturas, pois geraram eloquentes lideranças na luta pelas transformações sociais. Seguindo essa motivação a historiadora Raquel Gomes, doutora pela UNICAMP, recorre a um romance histórico sul-africano Mhudi, An Epic of South African Native Life a Hundred Years Ago para urdir o pensamento e a práxis social do político, literato e jornalista sulafricano Sol Plaatje durante as décadas de 1910 e 1920, logo após o surgimento do domínio inglês da União Sul-Africana. É o único artigo do dossiê que se desvia da tendência predominante na historiografia brasileira sobre o continente: os estudos sobre as regiões africanas tocadas ou colonizadas pelos portugueses.

Por outro lado, Jane Rodrigues dos Santos, pós-doutoranda em Letras pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES) e uma das participantes da Oficina “Literatura, História em contextos africanos” oferecido pela linha “Áfricas” em 2015, abre uma nova tonalidade na trama, articulando as possibilidades dialógicas entre história e literatura, por meio da discussão comparativa entre as obras Becos da Memória da brasileira Conceição Evaristo com Amkoullel, o menino fula do africano Amadou Hampâte Bã.

Os três artigos que se seguem discutem diferentes dimensões de aspectos ligados à história e à literatura angolana, bem como ao pensamento social do escritor Uanhenga Xitu, um dos autores abordados naquela oficina. Assim sendo, Letícia Villela Lima da Costa, doutora em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), analisa as distintas formas de se contar a história por meio da tradição oral, fazendo por isso uma análise sobre um conto de Xitu.

Já o pensamento social deste autor é analisado de forma comparativa ao do também angolano Luandino Vieira por Maria Cristina Chaves de Carvalho, pós-doutoranda pela Universidade Federal do Espirito Santos (UFES). Em seu artigo, ela analisa o quanto os dois apresentam, de forma ambivalente, o colonialismo no qual estavam inseridos.

A seção termina com o artigo de Itamar Pereira de Aguiar, pós-doutor pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) e professor Titular da Universidade do Estado da Bahia (UESB), juntamente com Nathalia Rocha Siqueira, pesquisadora do grupo Áfricas do LEDDES e Washington Santos Nascimento, doutor em História Social (USP) e professor da UERJ. Nesse artigo, os autores verticalizam a análise do pensamento social de Xitu, acerca das suas leituras sobre o universo kimbundu e as simbologias religiosas esquadrinhadas de maneira comparativa com o Brasil.

O primeiro artigo livre é um ensaio de Egbert Alejandro Martina, um intelectual elaborador do blog Processed Life e de Patricia Schor, pesquisadora afiliada à Universidade de Utrecht, Holanda, traduzido por Daniel Mandur Thomaz, pesquisador vinculado à Universidade de Oxford. Os autores trabalham com populações racial e etnicamente segregadas pelo planejamento urbano e gestão espacial holandeses. Um ensaio rico que certamente incitará ao leitor brasileiro comparações com os processos de vulnerabilização alicerçados em raça e classe existentes em nosso país e como eles também se espacializam em nossas cidades.

A História Econômica, campo que sofreu uma certa retração na produção recente da historiografia brasileira, diferencia-se neste número mais preocupado com questões culturais e sociais, com o artigo de Daniel Henrique Rocha de Sousa, Professor de Economia do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC), sobre os Monetaristas X Papelistas: Modelos Econômicos Importados e Inaplicáveis ao Brasil da Transição Republicana. Parafraseando o título do fundante artigo de Robert Schwarz, podemos dizer que Daniel de Souza aponta como vários modelos econômicos que se tentaram então aplicar no Brasil eram políticas econômicas “fora de lugar”.

Fechando a sessão de artigos livres, volta-se a abordagens caras à linha de pesquisa “Vulnerabilidades e Controle Social” também do LEDDES como a dos filósofos Nietzsche, Foucault e Deleuze. Esses autores são operados por Kássia de Oliveira Martins Siqueira, assistente social, doutoranda em Políticas Públicas e Formação Humana (UERJ), para contraditar as práticas de atendimento a adolescentes portadores de câncer em um hospital público do Rio de Janeiro.

Retomando o entrançar com as temáticas de nosso dossiê, a seção Notas de Pesquisa abre-se com o projeto de pesquisa de Angélica Ferrarez de Almeida, doutoranda (UERJ), assentado na literatura oral dos griôs senegaleses, recolhida entre 1960 e 1980, momento em que se está estruturando o Estado senegalês. Inquietado com as relações entre a linguagem, a memória e o poder, o projeto põe em alto relevo uma série de questões para solucionar.

Enlaçando a nossa africana teia, Carolina Bezerra Machado, doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense (UFF), propõe-se sondar as relações de poder na sociedade angolana, tais como são imbricadas em quatro romances de um dos maiores escritores de Angola, Pepetela. Os textos desse intelectual revelam que a literatura não é apenas “ficção”, mas pode nos oferecer os enredos que transpassam das macroestruturas do Estado à porosidade das micro- relações de poder que se entrelaçam na sociedade civil angolana.

Por fim, Marilda dos Santos Monteiro das Flores, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), propõe analisar Uma Cena: O uso do filme como estratégia para (re) construção da identidade dos Retornados de Angola (2005-2010). Sua pesquisa versa sobre como um filme e um livro, esse último, fruto de entrevistas jornalísticas, de investigação em arquivos e em jornais portugueses, são utilizados como dispositivos da preservação da memória e da ideação identitária dos retornados de Angola a partir do estertor do processo de descolonização.

Esperando termos entretecido belas e policrômicas narrativas como as texturas estampadas em nossa capa, desejamos uma saborosa leitura a todos, despertando novas reflexões e inauditos debates.

Silvio de Almeida Carvalho Filho – Professor Doutor (LEÁFRICA / UFRJ)

Washington Santos Nascimento – Professor Doutor (AFRICAS – LEDDES / UERJ)

Rio de Janeiro 22 de março de 2016.


CARVALHO FILHO, Silvio de Almeida; NASCIMENTO, Washington Santos. Apresentação. Revista Transversos, Rio de Janeiro, v. 6, n.6, mar., 2016. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê