Cena cosplay: comunicação, consumo, memória nas culturas juvenis – NUNES (RTA)

NUNES, Mônica Rebeca Ferrari (Org.). Cena cosplay: comunicação, consumo, memória nas culturas juvenis. Porto Alegre: Sulina, 2015. Resenha de: CUBA, Rosana da Silva. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v.8, n.18, p.457-462, maio/abr., 2016.

O último Estado da Arte sobre a temática da(s) juventude(s) na produção da pós-graduação brasileira, nas áreas de Educação, Ciências Sociais e Serviço Social foi publicado em 2009 e coordenado por Marília Sposito. Na época, a autora celebra o aumento das pesquisas sobre as juventudes, mas ressalta a necessidade de abarcar os jovens em suas múltiplas inserções: para além dos seus itinerários formativos escolares é possível empreender investigações numa perspectiva mais transversal e compreender como se dão as sociabilidades juvenis na rua, em suas intersecções e atuações em grupos religiosos e família, enfim, abarcar os diversos aspectos que compõem a vida cotidiana juvenil. Neste sentido, o livro organizado por Mônica Rebecca Ferrari Nunes, intitulado “Cena Cosplay: comunicação, consumo, memórias nas culturas juvenis” contribui para enriquecer o mosaico das pesquisas sobre jovens ao conjugar, em diferentes espaços e tempos, as categorias empíricas para uma compreensão dos jovens e a sua inserção no espaço urbano nas grandes cidades do sudeste do Brasil.

Mônica Rebecca Ferrari Nunes é docente e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), na cidade de São Paulo. Sua área de atuação envolve as áreas de comunicação, nas interfaces de produção midiática, cultura do consumo, processos de memória e cenas da cultura contemporânea.

O livro, segundo a autora, é uma proposta de cartografia, ainda que incompleta, sobre a prática cosplay entendida na tríade prática comunicativa, cultura e consumo. O livro é resultado de trabalho desenvolvido em grupo de estudos (Grupo de Pesquisa, Comunicação, Consumo e Entretenimento) da ESPM e vinculado ao CNPQ, e é organizado em seis partes: Cosplayers e poetas; Percepção, cognição e pertencimento; Moda e estilo urbano; Matérias sonoras; Games e colecionismo; Flânerie. Os textos que compõem a obra são de pesquisadores vinculados ao Grupo de Pesquisa e situados em diversos percursos acadêmicos, desde mestrandos a pós-doutores, imbuídos de um olhar comum: entender as relações dos jovens do Sudeste do Brasil com o cosplay, suas escolhas pelas representações, a relação com o consumo e a memória que se deseja construir.

A primeira parte é composta por dois trabalhos, de autoria da organizadora – Mônica Rebecca Ferrari Nunes – e de Marco Antônio Bin. Os dois textos versam sobre a compreensão da cena cosplay e da poesia marginal como formas de resistência ao cotidiano, materializadas em performances, sejam elas constituídas pelo prazer de encenar e pela captura dos ídolos para se fazerem ver e ouvir – caso dos cosplayers – ou pela ruptura com as mídias tradicionais e busca de uma visibilidade coletiva – caso dos poetas marginais. Os dois textos denotam para a necessidade de uma compreensão do cosplay juvenil como uma manifestação processual e cultural híbrida, entrelaçando formas de sociabilidades e constituição de identidades e fugindo de um olhar maniqueísta, segundo o qual os jovens cosplayers seriam meros consumidores e/ou reprodutores de ídolos midiáticos.

A segunda parte apresenta dois trabalhos que buscam se debruçar sobre as escolhas dos jovens que desejam e optam por serem cosplayers e a consciência que têm de si mesmos e de seus corpos. Ana Maria Guimarães Jorge e Gabriel Theodoro Soares assinalam o quanto o cosplay deve ser como interpretado não só como prática social, mas também como manifestação social, na medida em que o processo de constituição das identidades na contemporaneidade é marcado pela liquidez (Bauman, 2004). Assim o cosplay é uma possibilidade de constituir grupos para compartilhar vivências e, ainda, escolher representar um personagem que corresponda a determinados valores e significados com os quais há afinidade. Os dois textos constatam a relação entre o cosplay e a busca por um sentido à vida, numa espécie de jogo que propicia um tipo de fuga à vida cotidiana e promove o encontro consigo mesmo e com os seus pares. Essa fuga, contudo, não seria simplesmente fugir à ordem social vivida, mas a construção de outro espaço-tempo com uma ordem própria e condições de pertencimento.

A terceira parte compõe-se de dois textos que tratam sobre moda e sobre como o estilo cosplay influencia e se expande para outros campos. O texto de Tatiana Amendola Sanches aponta vários exemplos de apropriação, por parte de grandes marcas, de estratégias similares aos cosplayers, com modelos vestidos de determinados personagens. Michiko Okano, por sua vez, apresenta as características da “Lolita”, prática que é definida pelos participantes muito mais como um estilo de vida do que como uma subcultura ou cosplayers, seja no Japão ou no Brasil. São analisadas as particularidades e o que há de comum em Lolitas nos dois países e salienta-se que há processos ambíguos que conjugam espetacularização, contestação e a procura de lugar e identificação em uma sociedade que se mostra hostil. As autoras destacam a articulação de consumo e ludicidade que parece constituir-se numa resistência ao mundo adulto e moderno desencantado.

A quarta parte, intitulada Matérias sonoras traz as contribuições de Luiz Fukushiro e Heloísa de Araújo Duarte Valente, em texto que discute a presença da música no universo cosplay: muitos dos cosplayers, ao se apresentarem, adquirem, não apenas as vestimentas, mas, também, as vozes dos seus personagens. Além das vozes, a música constitui-se num elemento chave dos eventos cosplay, e, embora o mercado, de forma geral, não aceite o j-pop (uma apropriação japonesa do pop do Ocidente), ele é abarcado pelos cosplayers. Vera da Cunha Pasqualin, no texto seguinte, destaca o quanto é importante atentar-se para as onomatopéias maciçamente presentes nos mangás e tão importantes quanto as imagens para a compreensão do texto. A autora também analisa as performances de “vocaloides”: pessoas que utilizam um programa para computadores denominado Vocaloid, com vozes gravadas e que podem ser recombinadas, para se apresentarem e cantarem em uma língua que não conseguiriam falar, por exemplo.

A penúltima parte é formada pelos textos de Davi Naraya Basto de Sá e Wagner Alexandre Silva, em torno da temática dos games e do colecionismo. Sá analisa o quanto os games redefinem a memória da mitologia, atualizando estereótipos em um processo constante de reedição. O autor também faz referência à constituição identitária daqueles cosplayers que escolhem determinados personagens: as pessoas são aquilo que desejam consumir. Silva irá mostrar como o colecionismo ligado aos cosplayers difere, em certa medida, da tradição das coleções já estudada pelo filósofo Benjamin. A aquisição dos objetos ocorre também por seus usos e aproximações com determinado personagem, pavimentando a relação de transição de cosplayer a colecionador, relação esta que pode tornar-se mais estreita quando se aumentam os cosplayers que se deseja assumir.

A sexta parte, Flânerie, propõe um passeio por fotografias feitas pelos pesquisadores ao longo de suas pesquisas.

O livro pode ser comparado, imageticamente, a um caleidoscópio que fornece combinações diversificadas à luz do cosplay. Além de proporcionar um aprofundamento ao universo cosplay juvenil presente na região Sudeste do Brasil, contribui para pensar também nas metodologias para se estudar as juventudes. A organizadora cita, por exemplo, a experiência de ter entrevistado duas pessoas que fazem cosplayers via Facebook. Ainda, apresenta uma alternativa à Antropologia, área na qual não tem formação, combinando uma flanêrie e um “engajamento narrativo” com origem em Benjamin e, posteriormente, McLaren.

Por fim, a obra também contribui para debater o consumo na contemporaneidade e o quanto é preciso calibrar o olhar ao debruçar-se sobre a semiosfera cosplay: em tempos modernos – ou pós-modernos – já não é possível compreender as culturas juvenis e a sua relação com o consumo buscando uma motivação linear e unívoca. Temos sujeitos de habitus (Bourdieu) híbridos e, portanto, com identidades que se mesclam e metamorfoseiam, confundindo olhares mais aligeirados.

Referências

NUNES, Mônica Rebecca Ferrari (org.). Cena cosplay: comunicação, consumo, memória nas culturas juvenis. Porto Alegre: Sulina, 2015.

SPOSITO, Marilia Pontes (coord.) Estado da arte sobre juventude na pós-graduação brasileira: educação, ciências sociais e serviço social (1999-2006), volume 1. Belo Horizonte, MG: Argvmentvm, 2009.

Rosana da Silva Cuba – Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina. Brasil. E-mail: [email protected]

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Jovens e Cotidiano: trânsitos pelas culturas juvenis e pela escola da vida – STECANELA (ER)

STECANELA, Nilda. Jovens e Cotidiano: trânsitos pelas culturas juvenis e pela escola da vida. Caxias do Sul: EDUCS, 2010. Resenha de: ROSA, Marcelo Prado Amaral. Educação & Realidade, Porto Alegre, v.37 n.2, maio/ago., 2012.

O livro Jovens e Cotidiano é resultante do estabelecimento de elos entre a empiria e a teoria, tendo como objeto de análise a dimensão educacional não formalizada, pautado no diálogo entre a sociologia da educação e a sociologia da juventude, buscando interfaces como forma de compreender os processos informais da socialização juvenil. Tais entrelaçamentos foram possíveis através da ocorrência, ao longo da produção textual, de um diálogo em três dimensões, articulando as vozes dos interlocutores empíricos com os interlocutores teóricos e com os conhecimentos tácitos da própria autora, objeto de estudo e problema de pesquisa do projeto de doutoramento. Ainda, o livro apresenta três dimensões de abordagem que, mesmo integradas, oferecem contribuições originais e individualizadas sem prejuízo algum com relação ao todo, sendo as dimensões: discussão teórica sobre juventude; reflexão metodológica de pesquisa de acordo com a perspectiva etnográfica; e a construção dos itinerários de vida e dos processos identitários da juventude da periferia urbana de um município de porte médio do interior do Rio Grande do Sul. A leitura é recomendada para docentes atuantes em todos os níveis, graduandos e pós-graduandos da área de Ciências Humanas e Sociais e Licenciaturas em geral, além de todos os interessados em conhecimentos sobre os espaços não formais de educação.

A autora da obra, professora Nilda Stecanela, é doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, é professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Caxias do Sul (UCS), além de professora na Rede Municipal de Ensino de Caxias do Sul. Coordenadora do Observatório de Educação da UCS e do Programa Nossa Escola Pesquisa sua Opinião no Polo Rio Grande do Sul. Atua, principalmente, nas seguintes linhas de pesquisa: Gêneros e processos de socialização; Formação de professores para educação básica; Infâncias, juventudes e processos de socialização e Filosofia e história da educação. É autora e/ou organizadora de outras cinco obras, entre elas, Mulheres e direitos humanos: desfazendo imagens, (re)construindo identidades (2009); Interação com o mundo natural (2007); Construção de conceitos de Ciências (2006); Fundamentos da práxis pedagógica (2005).

A obra em questão se apresenta dividida em nove seções, organizadas de forma exemplarmente didática, a saber: introdução; capítulo 1 – A problemática do estudo; capítulo 2 – Os dilemas conceituais; capítulo 3 – Percursos metodológicos; capítulo 4 – Os percursos juvenis; capítulo 5 – Desafios interpretativos: o que comunicam as palavras sobre o cotidiano?; conclusões; referências; e, por fim, anexos. A obra completa apresenta 368 páginas. Ainda, os autores que inspiraram a forma de escrita do trabalho como um todo foram José Machado Pais e Alberto Melucci, o que proporciona uma escrita densamente descritiva pelos avanços e retrocessos realizados pela autora, além de emocionante, com conexões metafóricas com a poesia de Manuel de Barros, fazendo da exposição despida e ousada da escrita a característica peculiar da obra. Na seção dos anexos ainda são apresentados os perfis dos jovens entrevistados, o que possibilita ao leitor suscitar uma espécie de grau de empatia com os coautores1 do texto.

O primeiro capítulo do trabalho em questão – A problemática do estudo –, tem como objetivo situar sobre os caminhos percorridos para a construção do objeto, intenções e o problema de pesquisa que deram a direção do estudo. Este capítulo encontra-se subdividido em quatro seções.

m Caminhos e motivações para a definição do objeto, é exposta rapidamente a trajetória dentro do curso de mestrado da autora, em que se tem o princípio de um olhar para a dimensão não formalizada da educação a partir de indícios sobre a ausência do diálogo entre as trajetórias juvenis e os conhecimentos escolares. Ainda, aqui, é explicitado os marcos teóricos para o ajustamento focal deste estudo.

Já em Os objetivos, o problema e as hipóteses de investigação, é apresentada a definição do objetivo que norteou o trabalho, sendo “[…] conhecer e compreender as dinâmicas que envolvem os processos educativos não-escolares dos jovens de uma periferia urbana, a fim de possibilitar releitura das práticas educativas escolares” (p. 20), juntamente com a conceituação de periferia. Desta forma, a autora julga prudente o afastamento da escola para compreendê-la, navegando pelos usos temporais e espaciais que os jovens praticam na possibilidade de identificação de como e quais conhecimentos os mesmos constroem nas suas práticas culturais cotidianas. Sobre as hipóteses, a autora afirma categoricamente que não elaborou hipóteses prévias, evitando, assim, o condicionamento das lentes sobre o panorama da pesquisa, adentrando tal cenário munida de intuições.

Na subseção O cenário e os sujeitos da pesquisa, são apresentadas sucintas retomadas históricas da formação e desenvolvimento da cidade de Caxias do Sul e da comunidade O Reolon onde estão localizados os sujeitos da pesquisa, dezoito jovens de ambos os sexos, em situações divergentes em relação à escola, à família e ao trabalho. Para análise detalhada são reconstruídas as trajetórias de quatro jovens (capítulo 5). Em As fronteiras disciplinares, é declarada a característica de interdisciplinaridade do trabalho, tendo como porto seguro a Educação, justificando o entrelaçamento de disciplinas no hiato comunicativo existente entre a Sociologia da Educação e a Sociologia da Juventude. Sobre o distanciamento entre estas duas possibilidades da Sociologia, Abrantes (p. 26) expõe “[…] ocorre um distanciamento entre os “alunos” dos estudos sobre educação e os “jovens” dos estudos culturais, deixando transparecer, em várias situações, que não se está falando dos mesmos atores”. Os principais autores utilizados para a contextura teórica deste capítulo são José Machado Pais, Paulo César Carrano, Juarez Dayrell, Paulo Freire e Alberto Melucci.

O objetivo do segundo capítulo da obra – Os dilemas conceituais – foi contextualizar teoricamente os temas e conceitos implicados no estudo, baseando-se na produção sociológica sobre o assunto. Encontra-se subdividido de acordo com os subtítulos A pesquisa com jovens com base na sociologia do cotidiano, que focaliza a sociologia da vida cotidiana como perspectiva metodológica. Segundo Pais, quando se adota tal ponto de vista como propulsão para o conhecimento, se “[…] condena os percursos de pesquisa a uma viagem programada […] que facultam ao pesquisador a possibilidade de apenas ver o que seus quadros teóricos lhe permitem ver” (p. 31). Ainda, a autora aqui, apresenta como justificativas para adotar essa abordagem metodológica os aspectos de ser este um posicionamento de abertura ao inusitado, afastando-se da “lógica do preestabelecido”, procurando apreender algo que está presente de modo bruto; ao passo que procura transformar o cotidiano em durável admiração ou espanto, centrando sua atenção nos desaterros dos detalhes da vida cotidiana. Nesse capítulo, é colocado à vista o mergulho etnográfico realizado pela autora, visando à potencialização da decifração dos enigmas contidos nos trânsitos dos jovens participantes da pesquisa.

m Para além da hegemonia da forma escolar, os processos educativos não escolares, a autora tece a trama escolar através da história e procura compreender, através da trajetória dos jovens da pesquisa, a questão da exclusão social e escolar provocada tanto por fatores endógenos quanto exógenos à escola. Seguindo no texto, a autora se concentra nos alicerces da crise da escola. Aponta as mutações que a instituição escolar sofreu ao longo do século passado, na qual “[…] a escola passou de um contexto de certezas para um contexto de promessas, situando-se hoje num contexto de incertezas” (p. 43) e a “[…] invasão da escola pelo social, e o social invadido pela escola” (p. 45) e a “[…] nostalgia das representações que acreditam ser possível à escola dar conta de todas essas [qualificação escolar, educativa e de socialização] funções” (p. 48) como pontos nevrálgicos da mutação da escola. Para finalizar esse subcapítulo, concentra cuidados sobre o “saber de experiência feito” (p. 64) através da metáfora escola de borracha.

m A juventude possível reinventada pelas classes populares, a autora aborda as divergentes tipologias de passagem à vida adulta, problematizando, assim, a categoria juventude. Para isso, parte da perspectiva das transições, buscando tramar as culturas juvenis com as correntes teóricas da sociologia da juventude desenvolvidas por José Machado Pais: a corrente geracional e a corrente classista. Ao final, faz uma reflexão sobre a relação entre as biografias padronizadas e as biografias de escolha nos percursos da composição das identidades juvenis em contextos de pressão do cotidiano.

or fim, Nas cronotopias do cotidiano, o rolar das identidades juvenis, a autora encadeia as identidades juvenis com a articulação cronotópica do cotidiano, marcada principalmente pela dessacralização do espaço físico. É destaque nesse capítulo a estruturação dos subcapítulos, pois a leitura dos mesmos pode ser realizada independente da sequência temporal apresentada na obra sem o risco de incompreensões. As principais referências neste capítulo são Alberto Melucci, Rui Canário, Juarez Dayrell, François Dubet, Phillipe Áries, Jaume Trilha, Paulo Freire, Alfred Schutz, José Machado Pais, Pedro Abrantes Maria das Dores Guerreiro, Joaquim Casal, Michel Certeau, Marília Sposito, Gisela Tartuce, Mario Margulis e Marcelo Urresti.

No terceiro capítulo de Jovens e Cotidiano – Percursos metodológicos –, é apresentado os percursos metodológicos da pesquisa, incluindo as posturas assumidas pela autora em relação ao cenário da investigação. Este capítulo encontra-se seccionado em subcapítulos, a saber: Do estudo exploratório aos “inventários dos usos dos tempos”; Vozes que compõem o diálogo: a sociologia da amostra; A arte da escuta na pesquisa com o cotidiano; Da escavação do cotidiano à escovação das palavras: o tratamento dos dados.

No primeiro, a autora descreve suas incursões pela comunidade e imersões nas estratégias de abordagem da pesquisa. No segundo, a autora clarifica aspectos referentes à amostra do estudo. Já no terceiro, os aspectos-chave da escrita recaem sobre a “presença participante” (p. 145) e a “escuta sensível” (p. 146) da autora no cenário da pesquisa. O primeiro aspecto é tomado como um procedimento alternativo frente à impossibilidade de imersão na realidade dos jovens do estudo; o segundo, “evoca a habilidade do observador em perceber e respeitar a fala do outro […]. Para ser sensível, a escuta não deve compreender somente a audição, mas convocar os demais sentidos para perceber os gestos, os silêncios, as pausas, as emoções […]” (p. 146).

Na quarta e última seção, a parte mais densa do capítulo, pois, aqui, a autora organiza e trata os dados da pesquisa. O procedimento adotado para a análise e interpretação das narrativas dos jovens participantes da pesquisa é a análise textual discursiva. Neste subcapítulo, a autora descreve minuciosamente toda a sua trajetória dentro do procedimento adotado, desde a organização do corpus até a produção do metatexto que comunica os resultados a que chegou a pesquisa, tendo como norte a metáfora do mosaico. Neste capítulo, no decorrer da escrita da autora, são destaques os referenciais Alberto Melucci, Howard Becker, José Machado Pais e Roque Moraes.

No quarto capítulo, Os percursos juvenis, a autora apresenta os percursos juvenis por via das trajetórias de quatro jovens da pesquisa, reconstruídas na forma de mosaico. A voz dos interlocutores empíricos é trazida em primeiro plano e, a partir da descrição, são recompostas suas narrativas, orientadas por categorias emergentes na forma de trânsitos, agregando diferentes temporalidades e espacialidades. Assim como os outros capítulos, este também se encontra dividido em subcapítulos, a saber: Trajetórias de Preto: o “Educador do Cotidiano”; Trajetórias de DL: um MC de um grupo de Rap; Trajetórias de Benhur – B-boy de um grupo de Rap e, por fim, Trajetórias de Daiana: a jovem escondida na Caderno de segredos. As trajetórias, expostas aqui, compõem extratos da biografia dos jovens e não tem o objetivo de representar o mundo juvenil, “[…] mas podem representar um mundo juvenil, através dos quais outros casos poderão ser analisados a partir do efeito da reflexividade” (p. 165).

No capítulo Desafios interpretativos: o que comunicam as palavras sobre o cotidiano?, procurou-se informar as categorias que emergiram no campo de investigação, de modo a entrelaçar os sentidos das narrativas dos jovens, estando organizado em “unidades contextuais” (p. 323). A divisão capitular aqui é entre: Trânsitos com a pressão do cotidiano, Trânsitos com as biografias de escolha e Trânsitos com a escola da vida. Neste capítulo também existe a preocupação da autora em expor a incompletude do trabalho perante a gama possível de análises da realidade a partir da realidade. Houve o cuidado em nomear cada jovem participante da pesquisa a partir de suas próprias palavras ou dos significados que elas produziam no entender da autora. As referências base neste capítulo são Alberto Melucci, Rui Canário, Juarez Dayrell, Gisela Tartuce e Mario Margulis.

Nas Conclusões é destaque a tentativa da autora em manter um distanciamento do olhar sobre o conjunto de palavras que compõem o estudo, ou seja, procurou-se um afastamento das peculiaridades da juventude analisada para vislumbrar uma aproximação com o contexto jovem de modo generalizado. Pode-se evidenciar com este trabalho, que a moradia, educação e trabalho são os elementos que mais afetam diretamente o trânsito dos jovens da pesquisa, sendo a escola um dos primeiros recuos ante aos desafios na garantia da sobrevivência. Nesse cenário, de intensa pressão do cotidiano, aparecem como alternativas de descompressão as culturas juvenis, como a música baseada nos ritmos rap e rock e a religião, sendo possível assim vincular a cultura local dentro do contexto de mundo externo à periferia. Analisar as narrativas dos jovens permitiu conhecer as experiências criativas que os mesmos aplicam no seu contexto para viver numa sociedade em mutação. O desafio destes cidadãos é viver em um intenso movimento de reinvenção baseado na aprendizagem que se fundamenta na experiência não escolar, sendo assim possível afirmar que os jovens da periferia aprendem e ensinam, convertendo o conhecimento em ação a partir da ação cotidiana, “[…] relembrando que somos seres incompletos, e que a vida é uma escola […]” (p. 349).

Para finalizar esta resenha, o desafio imposto à autora nesta jornada pelo cotidiano dos jovens foi “compor uma sinfonia” (p. 148) partindo de acordes e notas musicais inaudíveis e talvez até descompassadas quando ouvidas individualizadas. Entretanto, com a regência musical empregada, eclode aqui com toda a dramaticidade, emoção e paixão, sem notas destoantes na partitura ou cacofonia na união do coro, uma composição de melodia harmônica ímpar que ao descer das cortinas se reconhece, através da entonação das palavras e na afinação do arranjo instrumental da orquestra, numa sublime trilha sonora sobre as dimensões não escolares da educação, digna das mais belas óperas.

NotaS

1 Para a autora, os sujeitos da pesquisa são os coautores do trabalho, pois somente através da escuta sensível das palavras dos sujeitos da pesquisa é que foi possível o surgimento de categorias nomeadas com expressões nativas, como pressão do cotidiano e escola da vida (exposição oral).

Marcelo Prado Amaral Rosa – Graduado em Química Licenciatura pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), campus de Frederico Westphalen. Especialista em Metodologia do Ensino de Química pela Universidade Gama Filho (UGF). Mestrando em Educação na Universidade de Caxias do Sul (UCS), Rio Grande do Sul, vinculado à linha de pesquisa em Educação, Linguagem e Tecnologia, E-mail: [email protected]

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