Nietzsche e Rée: psicólogos e espíritos livres – MACHADO (EL)

MACHADO, Bruno. Nietzsche e Rée: psicólogos e espíritos livres. Campinas-SP: Editora Phi, 2016. Resenha de: VECCHIA, Ricardo B. Dalla.  Eleuthería, Campo Grande, v. 2, n. 2, p. 125 – 130, jun./nov., 2017.

Bruno Martins Machado apresenta à crítica brasileira o seu primeiro livro: Nietzsche e Rée: psicólogos e espíritos livres, publicado pela Editora Phi de Campinas-SP. Com prefácio de Oswaldo Giacoia Jr. ele resulta de sua tese de doutoramento defendida no programa de pós-graduação em filosofia do Instituto de Filosofia e Ciência Humanas da UNICAMP, com estágio de pesquisa na Ernst Möritz Arndt Universität – Greifswald, sob supervisão de Werner Stegmaier.

Já nas primeiras linhas da apresentação Machado delimita o caminho de sua investigação, dividida em três capítulos: i) “Monumento de uma crise”, ii) “A pergunta sobre a origem” e iii) “A psicologia: o caminho para os problemas fundamentais” –, por sua vez subdivididos em seções que favorecem a apresentação das ideias, muito embora não constem no sumário. Trata-se de uma investigação temática sobre o conceito de psicologia no horizonte do período intermediário de produção de Nietzsche (1876-1882), mais especificamente na obra Humano demasiado Humano (1878), doravante HH.

Psicólogo de formação, Machado está atento à reciprocidade existente entre as análises de Nietzsche e a emergência da psicologia como ciência da subjetividade na segunda metade do séc. XIX. Reciprocidade, pois como ele sugere ao aproximar as obras do autor de Ecce Homo a textos do métier da psicologia há alguma razão na posição requerida por ele de “primeiro psicólogo”1, uma vez que a sua obra moldou e foi moldada no próprio movimento de emancipação das ciências humanas deste século.

Em que pese a irônica contradição entre as últimas aspas e aquelas do Crepúsculo dos Ídolos onde Nietzsche outorga a Dostoiévski o título de “único psicólogo, diga-se de passagem, do qual tive algo a aprender”2, Machado discute a originalidade do filósofo e nos revela como ele recorre a inúmeros interlocutores, no momento da redação de HH particularmente ao então filósofo Paul Rée (1849-1901), na tentativa de delinear um método próprio de análise das representações e sentimentos morais, religiosos e estéticos.

A psicologia tal como pensada por Nietzsche – no final da década de 1870 ainda caudatária do pensamento de Rée e também dos psicólogos ingleses (não necessariamente psicólogos nem ingleses) e da moralística francesa com seus mestres na “arte de polir sentenças” (HH 35) – é o objeto de análise do livro em questão.

O que significa “psicologia” para Nietzsche? Qual é a sua relação, no contexto da reestruturação do pensamento nietzschiano no período intermediário, com a filosofia histórica, a ciência natural e a química das representações e sentimentos? Qual é especificamente o ofício do psicólogo? O que somente a psicologia é capaz de revelar? Machado se propõe a investigar essas e outras questões, que mesmo a Nietzsche pareciam obscuras à época de HH, de forma ordenada, gradual e através de uma linguagem clara que resulta num bom guia de leitura sobre HH e uma introdução ao período intermediário da filosofia de Nietzsche.

No aforismo 23 de Além do bem e do mal, obra que aprofunda o esforço crítico de HH, Machado encontra a melhor definição para rotular a sua hipótese. “Rainha das ciências”, diz ali Nietzsche, “a psicologia é o caminho para os problemas fundamentais”. Machado se debruça sobre essa definição para evidenciar a especificidade do registro da psicologia em HH e a sua função no reconhecimento e na dissolução do que ali se denuncia como os erros da razão, “a falência psicológica dos pressupostos metafísicos” (p. 143). De acordo com o autor, além de um erro na produção do conhecimento a metafísica traz um erro psicológico na construção dos seus fundamentos. Uma crítica efetiva da metafisica exige, por isso, a análise da construção psicofisiológica dos seus significados. Como ferramenta crítica, “caminho”, a psicologia erige como a “ciência responsável pela explicação das diferentes formas de se apropriar da efetividade” (p. 131), capaz de responder à “pergunta pelo ilógico, mostrando como as sensações foram organizadas em torno de um sentido” (p. 142).

Uma comparação parece-me possível. De modo análogo ao procedimento que Nietzsche descreve no prefácio póstumo de O nascimento da tragédia – “ver a ciência com a ótica do artista, mas a arte, com a da vida”, uma vez que o problema da ciência não pode ser reconhecido no terreno da ciência –, também em HH Nietzsche se vale da estratégia do jogo de óticas para reconhecer e submeter à crítica o âmbito da metafísica. Parafraseando a última citação, se o problema da metafísica não pode ser reconhecido no terreno da própria metafisica é necessário articulá-lo a outro terreno, outra ótica, outra perspectiva, que seja capaz de revelar não apenas os seus significados, mas as motivações, as construções, as apropriações, as intenções que competem para eles. A psicologia é esta ótica. Ela é o caminho para as questões fundamentais dada a sua capacidade de desvelar o sentido do próprio sentido.

Contrastando a ótica da psicologia nietzschiana a alguns dos mais exponenciais sistemas filosóficos, de Platão a Schopenhauer, Machado enfatiza a desrazão (Unvernunft) escondida por trás da razão (Vernunft), os interesses por trás do suposto desinteresse, os erros e crenças por trás da verdade, a necessidade e o egoísmo por trás da liberdade e do altruísmo. Antes, Machado está preocupado em revelar o modo como Nietzsche mobiliza diversos elementos (interlocutores, métodos, estilos etc.) para construir uma nova perspectiva de análise. É o trabalho, diríamos “artesanal” de Nietzsche na construção de sua psicologia o que o autor pretende nos apresentar.

Graças à expansão e aperfeiçoamento da cada vez mais variegada NietzscheForschung Machado é capaz de recompor um híbrido referencial teórico. Fazendo dialogar a melhor crítica internacional, como o célebre comentário de Peter Heller (1979) e a recepção brasileira de intérpretes como Giacoia (2001), ele extrai o melhor de uma interlocução “teuto-brasileira” como destaca Henry Burnett na orelha do livro e ainda transita por uma série de outros títulos como os da consagrada escola italiana com Fazio (2005) e Fornari (2006). Esta diversidade, aliás, é um dos pontos fortes do livro e corrobora para o seu vigor e atualidade.

O modo como Machado articula a sua investigação é ainda mais peculiar. Muito embora não desenvolva o método da interpretação contextual de Stegmaier3, sua obra gira em torno de apenas um aforismo que ele denomina como “ponto gravitacional”, precisamente o primeiro de HH. Intitulado Química dos conceitos e sentimentos esse aforismo pode ser lido como uma propedêutica não apenas ao primeiro volume de HH, mas a todo o período intermediário da obra de Nietzsche. O aforismo 1, como mostrará Machado a partir de uma série de digressões, condensa um vasto manancial de temas, referências e interlocutores que exigem do leitor um árduo exercício de reconhecimento e decifração, generosamente abrandado pelo autor.

A precisão no delineamento do objeto de análise não se estende, porém, ao método de abordagem. A decisiva questão “como ler Nietzsche?”, adensada pelo menos desde a década de 1990 por intérpretes como P. Wotling (1995), não recebe maior atenção. Na medida em que a análise do aforismo central avança e exige o autor realiza uma série de digressões promovendo mais a identificação dos referencias teóricos e a delimitação do horizonte semântico das questões do que o seu aprofundamento. Com isso, a obra de Machado resulta num mapeamento bastante amplo das temáticas que norteiam HH, especialmente os capítulos iniciais. Diferente de Nietzsche que pelo recurso de entimema retoricamente superestima a erudição de seu leitor desobrigando-se de apresentar as premissas básicas de seus argumentos, Machado parece optar por detalhá-los. Também não há um posicionamento muito claro sobre questões como o uso e o valor do Nachlass e do espólio, a necessidade do estudo de fontes ao qual ele eventualmente recorre, tampouco sobre o objetivo exato das frequentes digressões. Na verdade, ao adotar esses expedientes o autor acaba por legitimá-los sem parecer considerar mais cautelosamente a decisiva relação, com a qual o próprio Nietzsche passa a se ocupar de modo mais radical com o desenvolvimento da escrita aforismática em HH, entre forma e conteúdo. Uma vez que se trata de uma obra que já em seu titulo recobre a investigação de dois autores parece-me particularmente onerosa a ausência de uma reflexão sobre o que pode significar uma “influência” no pensamento de Nietzsche, o filósofo que no prefácio da mesma obra analisada por Machado confessa: “onde não encontrei o que precisava, tive que obtê-lo à força de artifício, de falsificá-lo e criá-lo poeticamente para mim”.

Quem é o Paul Rée de Nietzsche? O autor da Ursprung der moralischen Empfindungen que aparece no mosaico formado pela icônica foto que Machado escolhe para a capa de seu livro ou uma falsificação deste, um “valente confrade fantasma” como Nietzsche designa no mesmo prefácio após declarar explicitamente que os “espíritos livres” não existem, nunca existiram? Em que pese a comodidade da crítica na voz passiva, poderia Machado ter se demorado mais sobre os recursos do escritor Nietzsche, que estiliza mesmo os seus interlocutores mais declarados.

Ainda assim, a comparação que inspira o livro revela-se exitosa e, sobretudo, rara. Nietzsche e Rée: psicólogos e espíritos livres passa a ser um dos poucos estudos, particularmente entre nós, a debruçar-se sobre a subestimada relação entre Nietzsche e Rée. A esteira de intérpretes como Assoum (1982), Machado defende a sua relevância filosófica para além de um mero “evento biográfico” como o consideram, por exemplo, Jaspers (1950) e Halévy (1989) no espectro do rompimento com Wagner. Afinal de contas, lembra o autor, não por acaso no prefácio da Genealogia da Moral Nietzsche menciona o “livrinho” de Rée como o primeiro impulso para divulgar as suas hipóteses sobre a procedência da moral. No limite, como tem argumentado D’Iorio (2014), é a importância do período intermediário de Nietzsche o que se coloca em questão em análises como esta, posto que já em sua designação o seu valor é diminuído e com ele o de seus interlocutores.

Não só por resgatar o valor filosófico da interlocução entre os autores de Humano demasiado Humano e A origem dos sentimentos morais, mas por descer aos bastidores do pensamento de Nietzsche para mostrar como ele articulava os seus experimentos filosóficos, como lidava com os temas e personagens que figuravam no horizonte de suas preocupações, como se aproximava e afastava de determinadas referências o livro de Bruno Martins Machado tem a contribuir para os leitores de Nietzsche e será ocasião para novos e bons debates como aqueles da Vila Rubinacci que ainda hoje povoam o nosso imaginário.

Notas

1 “Não existiu antes de mim nenhum psicólogo”. Cf.: Ecce Homo, Por que sou um destino, 6. Todas as citações das obras de Nietzsche reproduzem a tradução de Paulo César de Souza publicada pela editora Companhia das Letras.

2 Cf.: Crepúsculo dos Ídolos, Incursões de um extemporâneo, 45.

3 Sobre o método da interpretação contextual, cf.: STEGMAIER, Werner. Nietzsches Befreiung der Philosophie: Kontextuelle Interpretation des V. Buchs der “Fröhlichen Wissenschaft”. Berlin/Boston: Walter de Gruyter, 2012.

Referências

ASSOUM, P. L. “Introduction” In. : RÉE, Paul. De l’orige des sentiments moraux. Trad. Michel-François Demet. Paris: PUF, 1982.

D’IORIO, Paolo. Nietzsche na Itália: a viagem que mudou os rumos da filosofia. Trad. Joana Angélica d’Ávila Melo. Rio de Janeiro, Zahar, 2014.

FAZIO, Domenico. Paul Rée: Philosoph, Arzt, Philanthrop. Uberz. Francesca Pedrocchi. München: Martin Meidenbauer, 2005.

FORNARI, M. C. La morale evolutiva del gregge: Nietzsche legge Spencer e Mill. Pisa: Edizioni ETS, 2006.

GIACOIA JR., Oswaldo. Nietzsche como Psicólogo. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2001.

HALÉVY, Daniel. Nietzsche: uma biografia. Trad. Roberto C. Lacerda; Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1989.

HELLER, Peter. Von den ersten und letzten Dingen: Studien und Kommentar zu einer Aphorismenreihe von Friedrich Nietzsche. Berlin; New York: Walter de Gruyter, 1972.

JASPERS, Karl. Nietzsche. Trad. Henri Niel. 8ª ed. Paris: Galimard, 1950.

NIETZSCHE, F. Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe (KSA). Hg. G. Colli und M. Montinari. Berlin; New York: Walter de Gruyter; DTV. 1999.

WOTLING, P. Nietzsche et le problème de la civilization. Paris: PUF, 1995.

Ricardo B. Dalla Vecchia – Universidade Federal de Goiás (UFG).

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Lógica e Ciência em Aristóteles – ANGIONI (RA)

ANGIONI, Lucas (Ed). Lógica e Ciência em Aristóteles. Campinas: Editora. Phi, 2014. Resenha de: BERRÓN, Manuel. Revista Archai, Brasília, n.20, p.335-342, Maio, 2017.

El volumen compilado por Lucas Angioni contiene ocho artículos antecedidos por un prefacio de Rodrigo Guerizoli y Raphael Zillig y una introducción del p ropio Angioni. En dicha introducción, hace una somera per o valiosa presentación del contenido de los artículos. Éstos se abocan al examen de distintos aspectos de la filosofía de la ciencia de Aristóteles tales como, por caso, la teoría de la predicación, la teoría de la demostración y del silogis- mo en general, así como la importancia de la dialéctica en conexión con el conocimiento de los principios. El último artículo constituye una excepción puesto que se ded ica, como veremos, al examen de la aporía 11 de Metaph. B.

Tal como señalan Guerizoli y Zillig en el prefacio, el texto reúne un conjunto de artículos elaborados por investigadores vinculados a la Universidad de Campinas y orientados por Angioni. La unidad del grupo se observa por la coherencia en la perspectiva gene ral bajo la que se estudia Aristóteles. Un elemento característico de ella es la ponderación del silogismo como la herramienta adecuada para la expresión de las re la- ciones causales a las que aspira una genuina demostración científica. Tal tesis, opuesta a la interpretación más ortodoxa y difundida, entre otros, por J. Barnes en la década de 1970, constituye una interesante y destacada novedad en el plano de las interpretaciones de la filosofía de la ciencia del estagirita. En efecto, encontramos como característica general de esta nueva interpretación que la demostración científica posee una estructura tripartita fielmente expuesta en la estructura del silogismo; de esta manera, quedan unidos de modo indisoluble una herramienta formal como es el silogismo con la explicación causal científica.

El capítulo 1, “Os predicados per se em Aristoteles”de Carlos Terra, se dedica a examinar los sentidos en que se usa per se  (kath’hauto) en APo. I 4 y en Metaph. V 30. Terra defende la concordancia de ambos textos y, para probar la misma, se ocupa de comparar el listado de predicados per se en uno y otro texto. El problema del alcance de lo que es un predicado per se  es decisivo para la teoría de la demostración científica puesto que, tal como afirma Aristóteles en distintos lugares, dichos predicados son los requeridos para la demostración. En vista de la importancia del problema, el examen de Terra apunta a mostrar que las clasificaciones desarrolla- das en estos pasajes son armónicas pero, de un modo heterodoxo, pretende mostrar también que un sub- conjunto de sentidos de per se permite comprender a ciertos predicados no esenciales como per se. Esta tesis, enormemente sugerente, asume que los predi- cados “propios”, tal como se los conoce en Tópicos, y los concomitantes por sí mismos, aun no siendo esenciales son necesarios para sus sujetos y, así, podrían ser utilizados científicamente.

En el capítulo 2, “Demostração, silogismo e causalidade”, de Lucas Angioni, se examinan críticamente diferentes posiciones estándar sobre la relación en tre la demostración y el silogismo tales como la lectur a de Barnes, de Hintikka y las de Corcoran/ Smith. Según nos informa Angioni, estos intérpretes destacan el v alor que el aspecto formal del silogismo habría tenido para Aristóteles. En contra de estas lecturas, Angioni defiende en su artículo tres tesis centrales: i) que la de mostración tiene por objeto principal captar la causa par a un cierto explanandum; ii) a su vez, y como ha expuesto en otros artículos, defiende nuevamente que la noción de causa posee una estructura triádica fundamental y que esta estructura es clave para que el silogismo pueda explicar su propia conclusión; iii) por último, Ang ioni sostiene que Aristóteles habría utilizado el format o del silogismo justamente porque entre sus beneficios habría encontrado que dicho formato es el que mejor destaca la noción de explicación por la causa apropiad a. El texto tiene la particularidad de reunir sintéticamen te la opinión general de Angioni sobre distintos aspectos de la teoría de la ciencia aristotélica a los que ha dedicado muchos años de investigación y estudio.

El capítulo 3, “Silogismo e demonstração na concepção de conhecimento científico dos Analíticos  de Aristóteles”, de Francine Maria Ribeiro, aborda en una primera parte del texto y de modo crítico dos interpretaciones fuertes sobre la silogística aristotélica en el Siglo XX, a saber: las lecturas de Łukasiewicz y de Corcoran. Como es sabido, el primero tendió a interpre tar la silogística como si fuera una teoría axiomática mientras que el segundo la concibió como un sistema de deducción natural. Ribeiro apunta a destacar que l a elección del silogismo como formato para la demostración se debería a que éste es el modelo deductivo más apto para expresar relaciones causales apropiadas o adecuadas. Ribeiro fortalece su posición examinando detalladamente APo. I 2 71b9-16 allí donde Aristóteles establece que el conocimiento es de lo necesario o de lo que no puede ser de otro modo. De modo sintético, su lectura es que el silogismo no es un mero aparato formal deductivo sino que es el mejor modelo deductivo en tanto que permite expresar fidedignamente la conexión causal existente entre dos términos logrando así elaborar una genuina prueba científica.

En el capítulo 4, “Fundacionalismo e Silogística”de Breno Andrade Zuppolini, se investiga sobre la relación que existe entre el silogismo y el modo en que éste da pie -o no- para una visión axiomática y fundacionista de la estructura de la ciencia. Según algunos intérpr e- tes tales como J. Barnes, el proyecto axiomático more geometrico no sería armónico con la naturaleza del silogismo. Para salvar esta dificultad, Zuppolini apun ta a redefinir la ciencia demostrativa centrándose en la noción de aitía. Hecha esta asunción, se logra mostrar que los principios de la demostración son aquellos que realmente operan en las pruebas científicas y que, por ello, exhiben la causa. Con este esquema, desliga los principios comunes y las suposiciones de existencia de la demostración científica y exime a la trama final que adquiere la estructura demostrativa de cumplir con la exigencia de contenerlos explícitamente. Tal estrategia vale, finalmente, para liberar al fundacionismo aristotélico de la dificultad del uso del silogismo como herra- mienta demostrativa y, en este sentido, no sólo liberarlo sino volverlo compatible con el silogismo.

En el capítulo 5, “As proposições categóricas na lógica de Aristóteles”, de Mateus Ricardo Fernandes Ferreira -que lamentablemente carece de una introducción y sus conclusiones- aborda críticamente tres interpretaciones relativas al modo en que se interpreta el cuadro de oposición de las proposiciones categóricas en Aristóteles. Una (1) primera posición deriva- da de la lógica formal clásica -posición denominada semántico-existencial- asumiría el valor existencial de las proposiciones para garantizar las relaciones lógicas entre las cuatro proposiciones. (2) Una opción distinta (Wedin y Parsons) reordena la formalización del cuadro de oposición puesto que asume que sólo las proposiciones categóricas afirmativas poseen valor existencial. (3) Una tercera opción heterodoxa viene propuesta por Malink y, apoyándose en une lectu- ra diferente del dictum de omni et nullo  de APr. I 1 24b28-30, construye una interpretación no extensio- nal de las proposiciones categóricas. En sendos apar- tados subsiguientes, Fernandes Ferreira se dedica a discutir detalles de las lecturas de Wedin y Malink contrastándolas con pasajes del corpus aristotélico.

El capítulo 6, “Silogismos e ordenação de termos nos Primeros analíticos “de Felipe Weinmann, tiene por objeto el examen de la definición fundacional de silogismo de APr. I 1 24b18-20. El autor se detiene en ponderar la Cláusula Final (CF) de la definición, “em virtude de serem tais coisas”(su traducción), puesto que la misma ha sido objeto de controversia erudita: la tradición estándar la considera super>ua y como una mera adición a la definición estricta y de carácter inferencial mientras que otra tradición, contrariamente, defende que la CF posee un valor relevante aunque no logra explicar satisfactoriamente por qué. Weinmann defiende que la CF establece una impor- tante restricción concebida por Aristóteles y referida al modo en que los términos del juicio están ordenados. Su hipótesis es que CF se establece para asegurar que de dos premisas dadas se deriva necesariamente una conclusión tal en la que el término A se predi- ca de C. Con la finalidad de sustentar tal afirmación, Weinmann estudia en detalle APr. I 4 y I 7 como dos capítulos en donde Aristóteles utiliza efectivamente la restricción CF, y así su existencia no sería para nada super>ua, para mostrar la conexión entre las premisas y la conclusión en el sentido señalado.

En capítulo 7, “A utilidade dos Tópicos  em relação aos princípios das ciências”de Martins Mendonça, F. se aborda un asunto muy discutido recientemente relativo a la función de la dialéctica en su carácter de herramienta apta para alcanzar los principios del conoci- miento en el contexto de las investigación científica. El autor se ocupa de examinar, y relativizar, la muy difundida tesis de que la dialéctica posee un genuino valor heurístico en relación con los principios. Mendonça considera que debemos tener una posición deflacionaria sobre el poder de la dialéctica y, como principal argumento, afirma que el problema más difícil para atribuirle dicho poder consistiría en la asimetría existente entre los éndoxa, los puntos de partida del examen dialéctico, y los principios. Los primeros son sólo plausibles mientras que los segundos son verdaderos: ¿cómo asegurar su verdad? Mendonça considera que esta asimetría no puede ser salvada (p. 312-20). El argumento que se apoya en la coherencia -y que da origen a la versión coherentista de Aristóteles- no lograría resolver esta asimetría. Su hipótesis, de modo contrario, pretende restringir la función de la dialéctica a su función de entrenamiento argumentativo, a su carácter gimnástico. Las ciencias y la filosofía, dado su carácter argumentativo, se benefician por las técnicas desarr o- lladas por la dialéctica, y sólo eso. A modo de crítica, podemos señalar que el examen de Mendoça se restringe únicamente a Top. I 2 cuando la mayor parte de la bibliografía que reivindica el uso de la dialéctica con carácter heurístico se apoya, desde Owen en adelante, en el celebrado pasaje de Ética a Nicómaco VII 1, don- de Aristóteles afirrma que la búsqueda de los principios parte de éndoxa y que esto será “prueba suficiente”.

En último lugar, en el capítulo 8, “A aporia 11 e o projecto aristotélico de fundação da filosofia primeira”de Wellington Damasceno de Almeida, se aborda, desde luego, la aporía 11 de Metafísica  III (beta) en su desarrollo y desenlace tal como es presentado en Metafísica X (iota) 2. Según el autor, Aristóteles se esfuerza por examinar la semántica del término “uno”(to hen) por medio de la semántica del término “ele- mento”para poder luego discutir las interpretaciones que del “uno”, en primer lugar, hicieron los físicos materialistas y, en segundo lugar, los pitagóricos y Platón. Los primeros entendieron al “uno”como naturaleza subyacente mientras que los segundos hicieron de él una naturaleza en sí misma. El recorrido de la aporía concluye en establecer que el concepto de “uno”es un concepto de segundo orden utilizado para hacer referencia a una multiplicidad de entes de la misma clase. De este modo, “uno”permitiría algo así como conferir cognoscibilidad a la multiplicidad de entes de los que se predica (p. 365). Este término, así como causa, elemento, principio y otros, son “transcategoriales”y aseguran la inteligibilidad de las cosas, pero no logran establecer la naturaleza de las cosas (reservada a las definiciones de la esencia). En síntesis, según Damas- ceno de Almeida, los conceptos de este tipo son indis pensables para la construcción del conocimiento aun- que son incapaces por sí mismos de denotar la esencia de las cosas.

Para cerrar, quisiera destacar algunos detalles gene- rales y de forma: cada capítulo contiene la bibliografía utilizada al final pero, quizá, hubiera sido más útil el armado de una bibliografía común al final del volumen evitando las repeticiones innecesarias. Por otra parte, la obra carece de índices de nombres y lugares que seguramente hubieran sido de mucha utilidad a los lectores.

Manuel Berrón Chora. Über das zweite Prinzip Platons Albert-Ludwigs – Universidad Nacional del Litoral (Argentina). E-mail: [email protected]

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Schopenhauer, niilismo e redenção – RODRIGUES (V-RIF)

RODRIGUES, Eli Vagner Francisco. Schopenhauer, niilismo e redenção. Campinas: Editora Phi, 2017. Resenha de: SOUZA, Cláudia Franco. Voluntas – Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v. 8, n.1, p.211-214, 2017.

A partir do século XIX o niilismo se torna um tema central da historia da filosofia. Nietzsche ocupa certamente um lugar de destaque no panorama desta tema tica, principalmente devido ao aforismo 125 da Gaia Ciência, em que o filosofo anuncia que Deus está morto. O livro Schopenhauer, niilismo e redenção apresenta uma nova perspectiva de leitura da questão do niilismo na obra de Schopenhauer, mostrando a profundidade deste tema no pensamento filosófico do pensador em questão, que dialoga proximamente com a crise da razão.

Ao mesmo tempo em que o autor Eli Vagner Francisco Rodrigues utiliza as interpretações do pensamento de Schopenhauer realizadas tanto por Nietzsche quanto por Heidegger, o pesquisador mostra também os limites destas interpretações, como fica claro na seguinte passagem do seu livro:

A tentativa de identificar aspectos da filosofia de Schopenhauer com algumas características apontadas por Nietzsche e Heidegger em suas análises do niilismo se mostra, ao meu ver, produtiva para a compreensão da natureza do pensamento schopenhaueriano. Muitas vezes, porém, as análises de Nietzsche e Heidegger levam a ambiguidades que podem comprometer este trabalho (p. 105).

Salientar os limites da interpretação da filosofia schopenhaueriana que e feita tanto por Nietzsche quanto por Heidegger e de suma importância porque acentua a independência e a relevância da potencia do pensamento filosófico de Schopenhauer, que ocupa um lugar de especial importância na Historia da Filosofia no que toca a questão do niilismo, como esclarece o pesquisador Eli Rodrigues.

Um outro aspecto metodológico importante presente no livro em questão e a utilização do trabalho da Professora Maria Lu cia Cacciola para esclarecer pontos centrais da filosofia de Schopenhauer, como a questão do nada (p. 97). A perspectiva de leitura de Maria Lu cia Cacciola aparece em outros trechos do livro, revelando a importância e a profundidade da pesquisa sobre Schopenhauer que e realizada no Brasil.

Ao longo dos quatro capítulos que compõem o livro Schopenhauer, niilismo e redenção, o Professor Eli Rodrigues vai mostrando como a questão do niilismo encontra-se presente na filosofia de Schopenhauer ainda que este termo na o apareça na obra do filosofo, como esclarece a seguinte passagem, logo no início do primeiro capítulo:

Antes de ocupar-se das considerações sobre a origem do termo “niilismo” ou da derivação “niilista” é necessário esclarecer que os mesmos não aparecem em nenhum momento na obra de Schopenhauer. As considerações metafísicas, estéticas e éticas do filósofo enceram sem dúvida, posições niilistas em relação ao mundo, como aqui é defendido (p. 45).

Ao tratar das origens do niilismo, Eli Rodrigues destaca o aparecimento deste termo tanto na literatura, como aponta Franco Volpi, ao ressaltar a utilização do termo no romance Pais e Filhos de autoria de Turgueniev, quanto na filosofia ao comentar a carta escrita por Jacobi endereçada a Fichte, onde aparece o problema filosófico da “desvalorização dos valores supremos” (p. 47).

O autor de Schopenhauer, niilismo e redenção mostra que no livro Niilismo, de Franco Volpi, a obra filosófica de Schopenhauer na o ocupa o devido lugar:

O aspecto que se mostra pouco explorado na obra de Volpi é o da influência da filosofia de Schopenhauer no contexto da efervescência das ideias niilistas. O autor aponta a importância da reflexão schopenhaueriana como inspiração do enfoque nietzschiano sobre o tema, porém dá maior importância ao desenvolvimento efetuado por Nietzsche do que propriamente à análise da influência (p. 54).

Neste sentido, o livro de Eli Rodrigues acaba por preencher esse espaço vazio deixado por Volpi no que toca a importância da filosofia de Schopenhauer em relação ao tema do niilismo, tornando-se uma leitura imprescindível para todos os estudiosos que pretendem se debruçar sobre esse tema.

Ao tratar da metafísica da vontade e do niilismo no segundo capítulo, o pesquisador Eli Rodrigues mostra como a questão do nada ocupa um lugar de destaque na filosofia de Schopenhauer, como podemos ler neste trecho:

histórica para a humanidade contraria radicalmente a concepção que Schopenhauer tem do mundo. O mundo para o filósofo, não oculta uma ordenação originária de uma inteligência e nem encontra na razão um ponto de partida ou um fundamento para uma possível ordenação que possa estabelecer um sentido de “justificação” para a existência da natureza e dos seres vivos, racionais ou não. A teologia, as teodiceias e as filosofias tributárias de uma justificação da totalidade se opõem radicalmente à concepção de Schopenhauer (p. 88).

Eli Rodrigues mostra que a filosofia pessimista, e ate irracionalista e sombria para alguns interpretes mais radicais do pensamento de Schopenhauer, se constitui como um polo essencial na historia da filosofia no que tange a problema tica do niilismo. E através de suas reflexo es, o autor brasileiro revela quão debitaria e a filosofia de Nietzsche do seu mestre da juventude que foi Schopenhauer.

Ainda no segundo capítulo, ha a discussão sobre a metafísica da vontade e a e tica da compaixão. A e tica, ao ocupar um lugar de destaque na filosofia de Schopenhauer, e a ascese como caminho para a libertação, representaria o desprendimento da vontade (pp. 96-97). E o homem liberto da vontade e um homem de frente para o nada. A posição niilista seria, neste sentido, um caminho para a redenção (p. 97).

Nos dois últimos capítulos do livro, o autor Eli Rodrigues mostra as relações de Nietzsche com o niilismo schopenhaueriano. Todas as reflexo es desenvolvidas ao longo destas paginas são relevantes se considerarmos que o maior discípulo de Schopenhauer foi Nietzsche, e, frente a grandiosidade de Nietzsche, ha o risco de se interpretar a filosofia de Schopenhauer sob a perspectiva nietzschiana. Nestes dois capítulos, fica clara a diferença entre a filosofia, de certo modo niilista de Schopenhauer, e a interpretação nietzschiana do pensamento schopenhaueriano.

Para além destes aspectos, no terceiro capítulo Eli Rodrigues estabelece a relação entre a e tica e a teoria da arte schopenhaueriana, como podemos ler na seguinte passagem:

A ética de Schopenhauer está ligada à sua teoria da arte. Para o filósofo, a contemplação estética tem dois elementos inseparáveis: o conhecimento do objeto considerado, – não como coisa particular, mas como exemplar da ideia platônica, isto é, como forma permanente de uma espécie -, e a consciência do puro sujeito do conhecimento, sem a vontade (p. 113).

O pesquisador brasileiro desenvolve toda uma reflexa o entre sujeito do conhecimento e abandono do princípio da razão, revelando que o artista, de acordo com a visa o de Schopenhauer, se ocuparia da essência do mundo, desconectado do princípio da razão (p. 114).

No ultimo capítulo encontra-se uma importante discussão sobre a questão do suicídio a partir da filosofia de Schopenhauer. O suicida ainda estaria preso a s teias da vontade, segundo o filosofo em questão (p. 138) e, então, o suicídio na o se relacionaria de modo algum com a redenção, que só poderia ser alcançada por meio da ascese, que por sua vez, como sabemos, ocupa um lugar muito próprio nessa filosofia.

O livro Schopenhauer, niilismo e redenção e uma leitura incontornável para todos aqueles que desejam conhecer mais sobre a filosofia schopenhaueriana, mas também para os pesquisadores inclinados ao aprofundamento dos debates em torno da questão do niilismo. Trata-se de uma obra solida, bem estruturada e uma importante referencia para os estudos sobre Schopenhauer e o niilismo.

Cláudia Franco Souza – Pós-doutoranda em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). Bolsista FAPESP. E-mail: [email protected]

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Nietzsche: além-do-homem e idealidade estética – BARROS (Ph)

BARROS, Roberto. Nietzsche: além-do-homem e idealidade estética. Campinas: Editora Phi, 2016. Resenha de: MACHADO, Bruno Martins. Philósophos, Goiânia, v. 21, n. 2, p.351-359, jul./dez., 2016.

Nietzsche: além-do-homem e idealidade estética, livro escrito pelo professor Roberto de Almeida Pereira de Barros da Universidade Federal do Pará (UFPA), publicado pela Editora Phi em 2016, é resultado de um rigoroso trabalho interpretativo.

Já na apresentação é possível vislumbrar essa situação, pois o professor Ernani Pinheiro Chaves (UFPA) destaca o nível de aprofundamento da pesquisa que o leitor terá em mãos. Ele ressalta que o trabalho de Roberto Barros alçou um desenvolvimento continuado desde as investigações na graduação, passando pelo mestrado, pelo doutorado e chegando ao seu formato atual, balizado por pesquisas recentes conduzidas na UFPA e em importantes centros da Alemanha.

Composto por uma apresentação, uma introdução, quatro capítulos (I- “A perspectiva trágica”; II- “Filosofia, ciência e as novas possibilidades da arte”; III- “A fala poética em Assim falava Zaratustra”; IV- “O além-do-homem enquanto ideal estético”) aos quais se seguem as considerações finais, o livro tem o curso de suas divisões sustentado por duas linhas fundamentais. Elas foram extraídas do modo singular como Nietzsche, valendo-se de uma “compreensão valorativa inerente ao pensar” (p.18), empenhou seu “esforço filosófico” (p.18) para destacar o papel da “arte enquanto manifestação vital e antídoto (Heilmittel) contra o desafio apavorante do existir” (p.19).

A primeira linha gira em torno da concepção e consequências colocadas pelo conceito de além-do-homem. A escolha do conceito justifica-se pela sua centralidade tanto no modo como foi apresentado em Assim falava Zaratustra1, quanto na maneira como tomou forma no desenvolvimento da teoria nietzscheana. Para Roberto Barros, o conceito de além-do-homem exerce a função de “princípio atenuante do peso que a percepção e aceitação dos outros ensinamentos [de Zaratustra] trazem consigo” (p.18). No pensamento nietzscheano, a sua função geraria condições para que a gravidade trágica fosse incorporada à existência como uma perspectiva possível, ou seja, o conceito de além-do-homem abriria a possibilidade para que o peso da condição de verdade do conhecimento fosse transformando em um saber sobre a vida, abrindo as portas para uma “alegre ciência” (p.18).

Tais contornos proviriam de um continuado processo de maturação de pensamentos já expostos em O nascimento.da tragédia2. Nesse sentido, emblemáticas são as noções de dionisíaco, arte, tragédia, inspiração, verdade, conhecimento, função da história, vida, ciência. Concebendo, assim, uma espécie de dinamismo conceitual, é possível visualizar os traços que fomentam a segunda linha. Os aspectos extraídos da concepção de arte trágica defendida por Nietzsche em O nascimento seriam ressignificados em Humano, demasiado humano3, chegariam ao ápice em Zaratustra. Livro, este último, em que a arte se liga tanto à composição conceitual, quanto ao formato da obra, resultando em características específicas que lançam a filosofia nietzscheana para além da concepção de neutralidade do conhecimento típica dos modernos. A consequência extraída desse movimento aponta para o fato de que alguns problemas atribuídos à filosofia de Nietzsche, a exemplo de uma suposta falta de coerência lógico e semântica, poderiam ser resolvidos caso se observasse como a arte adquiriu uma posição de destaque no pensamento nietzscheano de maturidade.

Após esse primeiro panorama, proposto a partir das duas linhas citadas acima, é possível enunciar a ligação dos conceitos e das obras de acordo como foi apresentada pelo próprio Roberto Barros, certamente como umas das hipóteses centrais de seu livro: “ que se pressuponha o fato de que o anúncio do ensinamento do além-do-homem no prólogo de Assim falava Zaratustra e antecedendo o pensamento do eterno retorno, possa ser compreendido segundo os princípios utilizados por Nietzsche em seu primeiro livro para descrever os aspectos formadores da tragédia. Desse modo, o além-do-homem poderia ser entendido como ensinamento preparatório ao anúncio da visão dionisíaca do mundo implícita no ensinamento do eterno retorno. Isso pressuposto, o ensinamento do além-do-homem pode ser retomado como a bela imagem apolínea, posta previamente como forma de consolo e meio de suportar o pensamento dionisíaco do eterno retorno do mesmo” (p.136).

Passando a uma apresentação mais direta dos capítulos do livro, no primeiro, “A perspectiva trágica”, o autor evidencia que, ao escrever O nascimento, Nietzsche manteve em seu horizonte a intenção de expor aos seus contemporâneos uma “nova compreensão do verdadeiro conteúdo do sofrimento e da arte trágica dos gregos” (p.36). Seu propósito de mostrar que a compreensão da existência, com todas as suas possíveis desventuras e sofrimentos, poderia ser transfigurada em um “caráter estético afirmativo” (p.36), consistiria no sentido mais proeminente da arte trágica grega. Mas tal leitura só poderia ser efetivada desde que se olhasse para a proveniência dessa construção artística. O resultado foi a concepção da relação entre Apolo e Dionísio.

A interpretação dada por Roberto Barros para a leitura nietzscheana dos impulsos apolíneos e dionisíacos estrutura- se sobre uma percepção singular que servirá de lastro para os outros capítulos. Barros insere Nietzsche em uma tradição interpretativa que busca entender a arte grega “a partir de uma ‘interpretação’ naturalista” (p. 27). Um movimento que tem como representantes Winckelmann, Lessing, Herder, Goethe, Schiller e Hölderlin. Em todos eles, seria possível observar a tendência de “identificar uma forma natural de manifestação artística” (p.28). Considerando este aspecto, é possível entender um outro elemento que aumentaria a distância entre Nietzsche e os filólogos de sua época. Enquanto os últimos buscavam interpretar a arte grega como “uma mera forma de expressão artística” (p.32), Nietzsche considerava a arte grega como “manifestação dos impulsos artísticos naturais, procedentes da vontade, que, atuam no sentido de criar modos estéticos de representação do mundo, enquanto forma de justificação do sofrimento inerente à existência” (p.32).

Barros assinala que O nascimento atacou um problema não só dos filólogos, mas também de toda cultura de uma época: o massivo distanciamento da arte em relação aos problemas da existência. Tal diagnóstico, gerado pela excessiva “racionalização e moralização do sentido original da arte” (p. 44) decorreria, de acordo com Nietzsche, do desprezo pelas forças dionisíacas.

O dionisíaco seria um “impulso natural relacionado à inconsciência, ao esquecimento de si, à embriaguez e ao orgiástico” (p.41). Uma força oposta à apolínea que, por sua vez, destaca-se pelo transbordamento de consciência, edificando- se sobre o princípio de individuação. Nesses termos é importante identificar a base sobre a qual Roberto Barros identifica a elaboração de O nascimento: o livro seria a análise da tragédia a partir da “manifestação natural dos instintos, responsáveis por estados fisiopsicológicos, que atuam na superação da percepção direta da verdade da existência” (p.45). Também o ocaso da tragédia é lido por Barros como produto desmedido de um agente natural: o socratismo estético. Este empurra o homem para busca por clareza e moderação (aspirações apolíneas) através do emprego da racionalidade. Apropriando-se de todas as formas de conhecimento, através de uma suposta ideia de verdade, o socratismo torna-se a força hegemônica, destitui o dionisíaco. No lugar do desmedido, do insconsciente é instaurada a tirania da ciência com seus pressupostos de verdade alcançados a partir dos saberes conscientes. Ainda no primeiro capítulo, verifica-se o propósito do autor em mostrar conteúdos que denotam como as análises de Nietzsche já se erguiam sobre especulações extraídas da “relação entre saber e vida” (p.64).

No segundo capítulo, Barros passa pelas obras intermediárias de Nietzsche, seu foco é mostrar que a noção de arte adotada por Nietzsche em O nascimento sofreu um grande ajuste. Roberto indica a mudança como prenúncio à ideia da transvaloração dos valores, como se a nova mirada filosófica fomentasse uma nova concepção de arte. Tal mudança se iniciaria a partir de Humano, quando Nietzsche toma Wagner e Schopenhauer como inimigos declarados, pois eles representariam os “efeitos da percepção dos perigos da hegemonia da metafísica e da religião cristã oposta ao dionisíaco” (p. 67). Nesse capítulo, o dionisíaco é apontado como: (i) modo de Nietzsche avançar contra as categorias de valor da tradição metafísica e cristã e (ii) forma de embelezamento artístico do viver. Desse modo, Roberto pretende mostrar que o dinonisíaco não sucumbe no chamado período intermediário da filosofia nietzscheana. Pelo contrário, ele persiste, passando por uma reconfiguração que se apoiaria na ressignificação da noção de arte, efetivada sobre uma também nova mirada da concepção de ciência.

Os capítulos terceiro e quarto articulam uma leitura em conjunto do pensamento de Nietzsche, não como um corpo sistemático, mas como um agrupamento de construções conceituais fluidas, que transmutam através da obra, e ressignificam em virtude da busca de uma forma possível de afirmar e elevar a vida.

Fundamental nesse percurso é a forma como Barros explora as noções de eterno retorno do mesmo, grande saúde, morte de deus, transvaloração dos valores, além-do-homem, dionisíaco e arte. O eterno retorno do mesmo, o pensamento mais abissal de Zaratustra, já é anunciado desde A gaia ciência, em último grau, o pensamento do eterno retorno manifesta “uma pluralidade de contextualizações possíveis, que se desdobram em pretensões científicas, morais estéticas, cosmológicas” (p.103). Também denota uma experiência própria ao âmbito individual que se traduz psicofisiologicamente como afirmação ou negação da existência.

Frente ao eterno retorno, a grande saúde se mostra como “a capacidade de suportar os perigos e sofrimentos” (p.111) que a existência coloca ao homem e, mais ainda, o desejo de enfrentar tais condições para poder conseguir criar algo afirmativo. A morte de deus pode ser descrita como a face do niilismo que liberta o homem de seu apequenamento na moral, ela impulsiona o indivíduo para uma busca por superação. Esse o faz desde que consiga transvalorar os valores. Justamente aqui incide o alcance do conceito de além-do-homem, este é o símbolo da necessidade humana de superar a si mesmo, o termo estético com o qual o “ensinamento do eterno retorno pode ser interpretado a partir de sua significação afirmativa para a existência humana” (p.114). Sob tal configuração, o dionisíaco emerge como indicativo da crise dos fundamentos da tradição filosófico-científica e da religião – “ele é o ato decisivo de retorno da humanidade a si própria e que no autor faz carne e gênio” (p.114). A arte liga-se ao dionisíaco através da “postura heróica” (p.180) com a qual o homem entende a existência em sua tragicidade, empurrando-o em uma viagem épica movida pelo “desejo de conhecer com suas representações interpretativas” (p.180) as possíveis, novas e positivas valorizações da vida e da existência (cf. 180).

Destaca-se também a centralidade da tese sobre o renascimento do pensamento trágico na obra de Nietzsche.

Barros mostra como tal concepção ganha importantes traços a partir de A gaia ciência, a tragicidade inunda a filosofia com o ímpeto dionisíaco. Ela se traduz na aceitação incondicional da vida que é levada por Nietzsche a sua mais alta expressão através da escrita de Assim falava Zaratustra.

Uma obra onde o filósofo reconcilia seu pensamento com a natureza, a vida, o conhecimento, a arte e a afirmação de si.

O livro escrito por Roberto Barros é um trabalho robusto, no texto, obras e conceitos são articulados com coerência e originalidade mostrando um duplo caráter do pensamento nietzscheano – seu lado crítico e seu lado afirmativo.

Tudo isso realizado através de um claro fio condutor mantido do início ao fim da obra, a saber, a noção de além-do-homem. Enquanto trabalho interpretativo, restanos reafirmar o elogio escrito por Oswaldo Giacoia Júnior, para quem “o livro de Roberto A. P. Barros é um excelente guia de viagem para um fascinante percurso pela obra de um dos espíritos mais vigorosos de nossa tradição, tanto no rebelde ímpeto crítico-destrutivo quanto na extraordinária potência de criação e beleza”.

Notas

1 Doravante Zaratustra

2 Doravante O nascimento.

3 Doravante Humano.

Referências

BARROS, Roberto de A. P. Nietzsche: além-do-homem e idealidade estética.Campinas: Editora Phi, 2016, pp.198.

Bruno Martins Machado – Professor Adjunto do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Aracaju, SE, Brasil. E-mail: [email protected]

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