Aristóteles ou o vampiro do teatro ocidental | Florence Dupont

Aristoteles Francesco Hayez Aristóteles
Aristóteles | Francesco Hayez, 1808

Aristóteles ou o vampiro do teatro ocidental, de Florence Dupont, traduzido no Brasil em 2017, pode provocar em seus leitores impressões muito distintas. Não se segue, neste comentário crítico, a sequência de argumentos e capítulos da obra em questão40, apenas uma análise mais particular de determinadas perspectivas ou, até mesmo, de posicionamentos que parecem estar na base da proposta do livro.

Um dos esforços mais longamente empreendidos por Dupont em Aristóteles ou o vampiro do teatro ocidental é o de revelar o quanto a Poética – principal alvo do estudo – não dá a atenção necessária a uma série de práticas que constituíam o acontecimento teatral na Atenas clássica. Como afirmado, desde a Introdução, “Aristóteles isolou o texto de teatro para fazer dele um objeto de análise” (p. 10), produzindo uma reflexão autônoma sobre “um texto objetivável” (p. 22). Esse isolamento faz com que a Poética ignore o papel da música na tragédia antiga; do coro, transformado “em um personagem como outro qualquer” (p. 17); do destinatário dos espetáculos, celebrante de um grande evento, o cidadão ateniense que, aliás, Aristóteles não era, como lembra Dupont. Criou-se, assim, um estatuto específico para os personagens, dentre outros efeitos decorrentes da análise centrada no texto trágico. Florence Dupont é enfática ao afirmar que “nunca se insistirá o bastante na distância que separa a Poética – que é uma teoria do texto trágico – da realidade histórica do teatro em Atenas” (p. 20). O rigor com que lê o texto aristotélico – em grego, como faz questão de ressaltar – e a erudição apresentada ao tratar da experiência teatral antiga, em seu “contexto litúrgico e epidítico” (p. 21), evidenciam o quanto de anacronismo há nas nossas leituras contemporâneas das tragédias gregas, centradas nas perspectivas do filósofo. Leia Mais

Educar na realidade – L’ECUYER (C)

L’ECUYER, C. Educar na realidade. São Paulo: Fons Sapientiae, 2019. Resenha de: GONZALEZ, Nancibel Webber. Conjectura, Caxias do Sul, v. 25, 2020.

Catherine L’Ecuyer é canadense e reside na Espanha. Graduada em Direito, possui especialização pelo IESE Business School e título de Mestre Europeu Oficial em Pesquisa. É doutora em Educação pela Universidad de Navarra e publicou o artigo “The Wonder Approach to Learning”, pela revista Frontiers in Human Neuroscience, em que apresenta sua teoria sobre aprendizagem. L’Ecuyer é autora de Educar en el asombro, traduzido ao português como Educar na curiosidade: a criança como protagonista de sua educação e Educar en la realidad, traduzido ao português como Educar na realidade, do qual trata a presente resenha.

L’Ecuyer assessorou o Governo do Estado de Puebla, no México, para uma reforma da Educação Infantil, formou parte de um grupo de trabalho para o Governo da Espanha sobre o uso das novas tecnologias pelas crianças e participou da elaboração de um relatório sobre leitura digital para o Centro Regional para a promoção do Livro na América Latina e Caribe (Cerlac) (Unesco). Recebeu o Prêmio Pajarita da Associação Espanhola de Fabricantes de Brinquedos. Ministra palestras sobre Educação em diversos países, mantém um blog educativo com mais de 1 milhão de visitas e escreve artigos sobre Educação para o jornal El País. Catherine L’Ecuyer também é colaboradora do grupo de pesquisa Mente-Cerebro da Universidad de Navarra, Espanha. Leia Mais

O Estado na teoria política clássica: Platão, Aristóteles, Maquiavel e os contratualistas | Doacir Gonçalves de Quadros

Doacir Gonçalves de Quadros tem graduação em Ciências Sociais, mestrado em Sociologia Política e doutorado em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), atualmente é professor do Centro Universitário Internacional (UNINTER) nos cursos de Ciência Política, Relações Internacionais, Direito, Comunicação Social e Secretariado Executivo. Como pesquisador atua nos seguintes temas: Teoria Política, Estado, Sociologia Política.

A obra intitulada O Estado na teoria política clássica: Platão, Aristóteles, Maquiavel e os contratualistas, contendo 139 páginas, se divide em três capítulos. O primeiro, nomeado O Estado na teoria política grega clássica, se fixa em levantar os pressupostos iniciais para pensar o Estado. Para tanto, retorna-se às formas de governo aplicadas pelas propostas dos filósofos Platão e Aristóteles, abordando de início a obra A república de Platão, em que são examinados os contornos de sua teoria e a posterior classificação das formas de governo. Leia Mais

Aristotle on Knowledge and Learning: The Posterior Analytics – BRONSTEIN (M)

BRONSTEIN, David. Aristotle on Knowledge and Learning: The Posterior Analytics. Oxford: Oxford University Press, 2016. xiii-272p. Resenha de ZUPPOLINI, Breno Andrade. Manuscrito, Campinas, v.40 n.4 Oct./Dec. 2017.

David Bronstein’s outstanding book is one of the greatest contributions to the study of Aristotle’s Posterior Analytics (hereafter, APo) of the last years. All of his claims are carefully argued in admirably clear prose. The book is original in many ways, but its main achievement is an illuminating reconstruction of Aristotle’s account of learning. Bronstein argues that we can get a better understanding of this account if we frame it as a reaction to Meno’s Paradox (Meno 80e 1-5). According to the Paradox, for any x, either we know x or we do not know it. In either case, we cannot search for x: if we do not know x, we cannot even identify the object of our investigation; if we already know x, investigating it is pointless. The fact that the APo contain only one explicit reference to this puzzle (APo I 1, 71a 29-30) is irrelevant. Bronstein convincingly argues that Aristotle is in many passages offering solutions for (and sometimes explicitly formulating) what can be taken as different versions of the Paradox. The result is a systematic discussion of three different kinds of learning (listed in Metaph. A 9, 992b 30-33): “learning by demonstration” is analysed in Part I, “learning by definition” in Part II, and “learning by induction” in Part III.

One of the main theses of the book is that inquiry, for Aristotle, follows a “Socratic Picture” (as Bronstein calls it), which can be divided into five stages:

Stage 1: We do not know whether a subject S exists and we seek whether it exists.

Stage 2: We know that S exists, and we seek what it is (its essence).

Stage 3: We know what S is, and we seek whether a predicate P belongs to it as one of its demonstrable attributes.

Stage 4: We know that P belongs to S as one of its demonstrable attributes and we seek why it belongs.

Stage 5: We know why P belongs to S.

This five-stage picture shows us that learning is not an “all-or-nothing” matter, providing therefore a way-out to Meno’s dilemma. First, we learn by induction preliminary accounts specifying the meaning of conceptual terms (also known as “nominal definitions”), so we can investigate whether or not they denote existing kinds (APo II 19 and Bronstein’s Chapter 13). We move from Stage 1 to Stage 2, for instance, when we know that there is a real kind satisfying our account of a given subject-term “S”. Second, we get from Stage 2 to Stage 3 by division or induction: if S is what Bronstein calls a “subordinate subject-kind” (a species of a genus, e.g. human being), its essence is discovered by division; if S is a “primary subject-kind” (a genus, e.g. animal), its essence is grasped by induction (APo II 13 and Bronstein’s Chapter 12). Once we know the essence of our subject S, we start investigating its demonstrable attributes. For Aristotle, knowing that a predicate P belongs to S is the same as knowing that P exists, so the passage from Stage 3 to Stage 4 also involves using a preliminary account to determine whether “P” corresponds to an existing kind (now, a “predicative” or non-substantial one). Finally, we move from Stage 4 to Stage 5 by grasping the cause of S being P, which for Aristotle is the same as discovering the essence of P (APo II 8 and Bronstein’s Chapter 10). As the inquirer moves from one stage to the other, she upgrades her epistemic status by engaging in the three types of learning. Before undertaking a proper “scientific” investigation, she learns preliminary accounts “by induction”. When she is on her way to become a scientist, she learns “by definition” the essence of attributes (by using demonstration) and subject-kinds (by using division or induction). Finally, once the inquirer becomes an expert scientist, she learns “by demonstration” by getting a better understanding of the explanatory power of previously obtained definitions (see p. 7 and p. 73).

Bronstein also offers a promising – although “admittedly speculative” (p. 49) – solution to a classic exegetical problem, recently revived in the literature by Michael Ferejohn (2013, 147 ff.). As we have seen, the Socratic account of inquiry Bronstein attributes to Aristotle involves the essence of subjects as well as the essence of predicates. In fact, Aristotle seems to endorse two different (and possibly incompatible) models of scientific explanation. According to what Bronstein calls “Model 1”, the cause of a subject S being P is the essence of S. A “Model 2” demonstration, on the other hand, is such that the cause of S being P is the essence (or the causal part of the essence) of P. Bronstein argues that Model 1 and Model 2 demonstrations are connected in the following way (pp. 48-50). We know, by demonstration, that the moon (minor term) is eclipsed (major term) because of the screening of the sun by the earth (middle term). Since the eclipse is defined as loss of light from the moon because of screening of the sun by the earth (APo II 2, 90a 14-18), we can say that the major (eclipse) and the middle term (screening of the sun by the earth) are definitionally, and therefore “immediately”, connected (see 93a 36). However, the connection between the middle (screening of the sun by the earth) and the minor term (moon) requires further explanation. This explanation probably involves a reference to essential features of the moon, like its natural movement and its position in the composition of celestial spheres. Thus, although the demonstration of the eclipse follows Model 2, once we pursue a demonstration of its minor premise we might end up with an explanation following Model 1. This solution is attractive for many reasons. First, it explains how the two models endorsed by Aristotle can be taken as parts of the same coherent doctrine. Second, it guarantees a prominent place to Model 2 demonstrations, which are often neglected or wrongly taken (to my eyes at least) to be secondary, less important types of explanations – other exceptions to this tendency include Goldin (1996)Charles (2000), and Angioni (2016). Thirdly, Bronstein’s account of these two models makes Aristotle’s theory philosophically interesting in a particular way: the reason why there is a regular, stable relation between a demonstrable attribute and its subject is that their essences are linked by a chain of causal connections.

Let me now discuss some unsolved problems in Bronstein’s book. We can distinguish two schools of interpretation, so to speak, when it comes to the relation between demonstrative knowledge (the knowledge a scientist has of demonstrable truths) and nous (the knowledge a scientist has of indemonstrable principles, mainly definitions). According to one of these schools (often referred to as “intuitionist” or “rationalist”), the principles become known in advance of any demonstrative practise and are grasped independently of their explanatory connections to other truths in the domain (see, for instance, Irwin 1988Ferejohn 19912009). The other school (sometimes called “interrelational” or “explanationist”) argues that having noetic knowledge of the principles, including definitions, involves grasping them as principles, i.e. as premises from which other truths are demonstrated, but which are not demonstrated from more basic premises (Kosman 1973Burnyeat 1981McKirahan 1992Charles 2000). Bronstein seems to be somewhere between the two schools. On the one hand, his Socratic Picture contradicts the “explanationist” approach, since we get to know the essence of a subject S before we start investigating the cause of S being P (Stage 3 precedes Stage 4). On the other hand, he also disagrees with “rationalist” interpretations, since, for him, having nous of the essence of S requires knowing this essence as the cause of S being P (p. 9; p. 73; p. 222).

The only way Bronstein can keep this intermediate position is by distinguishing non-noetic from noetic knowledge of essences, the first depending only on division and/or induction, the second requiring some demonstrative practice. For the “explanationist” interpretation, a non-noetic grasp of the essence of (e.g.) human being is the knowledge of the fact that human beings are two-footed tame animals (supposing that this is the essence of human beings). This merely factual knowledge differs from the (noetic) knowledge that being a two-footed tame animal is the essence of human beings, which involves grasping it as the cause of their demonstrable attributes. In Bronstein’s view, on the other hand, the method of division can give us knowledge not only of the fact that human beings are two-footed tame animals, but knowledge that this is the essence of human beings. He correctly points out that in APo II 13 Aristotle claims that division gets us to the definition of the object (97b 12-13). However, the philosopher never affirms or implies that division gives us the knowledge of the essence as an essence. For several reasons, the claim that we can know an essence as such independently of its status as a cause is anti-Aristotelian in spirit. The philosopher states that the way we distinguish indemonstrable premises (including definitions) from demonstrable ones is by organizing a whole body of truths based on their causal connections (APr I 30, 46a 17-27). His own scientific practice goes in the same direction. Treatises such as the Historia Animalium, which (one might say) presents a collection of facts grasped by division and induction, do not distinguish causally fundamental truths from demonstrable truths. This is a task Aristotle undertakes only in explanatory studies such as de Partibus Animalium or de Generatione Animalium. The fact that, for Aristotle, grasping an essence as such involves grasping it as a cause or explanatory factor is not exactly surprising. After all, essences are essentially causes of a certain kind (namely, formal causes). If division somehow allows us to distinguish essential from demonstrable attributes, the criteria are unclear, and the proponents of the “rationalist” interpretation may argue that some sort of “intuition” or “mental vision” (nous, according to them) must be part of the process. If, on the other hand, division itself involves explanatory concerns, the members of the “explanationist” school may think their case is already won.

A different but related difficulty concerns the essence of attributes, which, according to Bronstein, are not discovered by division or induction like the essence of subject-kinds. We get to know the essence of the lunar eclipse, for instance, by identifying the cause of the moon being eclipsed (or suffering a certain loss of light). Once this cause is identified, the eclipse can be defined as a loss of light from the moon caused by screening of the sun by the earth. Here, the reader might expect Bronstein to claim that “learning by definition” and “learning by demonstration” coincide, since he accepts that demonstration is the method for learning definitions of attributes. However, he insists that even here the two kinds of learning are distinct. “Learning by definition” is a process in which the inquirer (not the expert) engages, and consists in discovering essences previously unknown. On the other hand, only the expert can “learn by demonstration”, since she is able to acquire “a new understanding of the explanatory power of a definition she already knows” (p. 72). While learning by demonstration “proceeds from definitions”, learning by definition “proceeds to them” (p. 73). I must confess I fail to understand the distinction Bronstein is willing to draw. For him, learning by demonstration consists in grasping explanatory connections between previously recognized facts: knowing x and y in advance (x being the cause of y), the scientist realizes that x is the cause of y (pp. 39-40). However, a demonstration reveals the essence of (e.g.) the lunar eclipse precisely because it displays a causal connection between screening of the sun by the earth and the loss of light from the moon. It is unclear what kind of new information the expert can obtain by formulating (again?) a demonstration that has already revealed to him the cause and essence of eclipse. Still, Bronstein’s efforts to make this distinction are understandable. He is one of the few interpreters (if not the only one) that takes Aristotle’s use of the phrase “learning by demonstration” (APo I 18, 81a 39-40; Metaph. A 9, 992b 30-33) seriously and tries to explain it without reducing demonstration to a pedagogic procedure (as Barnes 1969, for instance, does). In fact, this is one of the most significant contributions of his book.

I would like to address a final issue. As we have seen, Bronstein claims that the essence of subject-kinds is grasped by division and induction, while the essence of attributes (and processes) is grasped by demonstration. The reason, according to him, is that the essences of attributes are “causally complex” and have the structure “A holds of C because of B”. In virtue of this causally complex structure, each of the elements in the essence of an attribute corresponds to one of the three terms involved in a syllogistic demonstration (Bronstein’s Chapter 7 and 10). On the other hand, the essences of subjects are “causally simple”, consisting in a combination of genus plus differentiae (Bronstein’s Chapter 12), which explains why they are grasped not by demonstration, but by division and/or induction. The relevant text here is APo II 9, where Aristotle affirms that only things “whose cause is something different” have definitions isomorphic to demonstrations (93b 25-28). Attributes and processes such as eclipse and thunder would somehow be “different” from their cause, which would make their essence “causally complex”. Subject-kinds (substantial beings, in particular) would be in a way “the same” as their causes, and hence their essences would be “causally simple” (Bronstein’s Chapter 9). I am not convinced that APo II 9 draws a distinction between attributes and subject-kinds (or between non-substantial and substantial beings). As a matter of fact, in Metaph. VII 17 and VIII 2-4, Aristotle applies to substances the theory of definition developed in APo II 8 (see Charles 2000Peramatzis 20112013). One may argue, as Bronstein does (p. 101), that the idea that sensible substances are analysable as compounds of form and matter (crucial to the arguments in the Metaphysics) is absent in the APo. However, Aristotle’s own examples in APo II 8, 93a 22-24, include substances (human being and soul), which suggests that the interdependence between defining and explaining holds good for subject-kinds as well. It is true that these examples are not fully explored, as thunder and eclipse are. Nevertheless, Aristotle might have thought that bringing hylomorphism to the (already complicated) discussion in APo II 8 would create extra difficulties unnecessarily. The absence of hylomorphic considerations in the APo is not a strong reason to think that Aristotle did not have consolidated views about the issue by the time the treatise was written – in APo II 11, for instance, he explores his theory of four causes, one the best-known doctrines of his philosophy of nature. Actually, in APo II 9, the entities whose essence is “not something different” seem to be conceptually simple items, rather than substances (Aristotle’s example is “unit”). Still, there is a sense in which defining and explaining remain interdependent activities even in the case of these simple entities. In a famous a passage from De Anima I 1, Aristotle claims that a definiens that does not help us understand the derivative properties of the definiendum is not properly scientific, but “dialectical and empty” (402b 16-403a 2). In other words, knowing the essence of X as the essence of X involves understanding how it explains X’s demonstrable attributes, even if there is not a demonstration isomorphic to the essence of X.

If this review focused on what I take to be difficulties for Bronstein’s interpretation, it is for a very simple reason: the merits of his book speak for themselves. As with any great philosophical work, even when the readers disagree with the views he advances, they will end up with a better understanding of their own ideas about the topics discussed. For anyone interested in Aristotle’s theory of knowledge, reading and reacting to this book is indispensable.

References

ANGIONI, L. “Aristotle’s definition of scientific knowledge (APo71b9-12)”. Logical Analysis and History of Philosophy 19: 79-105, 2016. [ Links ]

BARNES, J. “The Aristotle’s Theory of demonstration”. Phronesis 14 (2): 123-152, 1969. [ Links ]

BURNYEAT, M. “Aristotle on Understanding Knowledge”. In: Berti, E. Aristotle on Science: The Posterior Analytics, Proceedings of the Eighth Symposium Aristotelicum (pp. 97-139). Padova: Editrice Antenore, 1981. [ Links ]

CHARLES, D. Aristotle on Meaning and Essence. Oxford: Clarendon Press, 2000. [ Links ]

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PERAMATZIS, M. Priority in Aristotle’s Metaphysics. Oxford: Oxford University Press, 2011. [ Links ]

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Breno Andrade Zuppolini – University of Campinas. Department of Philosophy. Campinas, SP. Brazil. [email protected]

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Lógica e Ciência em Aristóteles – ANGIONI (RA)

ANGIONI, Lucas (Ed). Lógica e Ciência em Aristóteles. Campinas: Editora. Phi, 2014. Resenha de: BERRÓN, Manuel. Revista Archai, Brasília, n.20, p.335-342, Maio, 2017.

El volumen compilado por Lucas Angioni contiene ocho artículos antecedidos por un prefacio de Rodrigo Guerizoli y Raphael Zillig y una introducción del p ropio Angioni. En dicha introducción, hace una somera per o valiosa presentación del contenido de los artículos. Éstos se abocan al examen de distintos aspectos de la filosofía de la ciencia de Aristóteles tales como, por caso, la teoría de la predicación, la teoría de la demostración y del silogis- mo en general, así como la importancia de la dialéctica en conexión con el conocimiento de los principios. El último artículo constituye una excepción puesto que se ded ica, como veremos, al examen de la aporía 11 de Metaph. B.

Tal como señalan Guerizoli y Zillig en el prefacio, el texto reúne un conjunto de artículos elaborados por investigadores vinculados a la Universidad de Campinas y orientados por Angioni. La unidad del grupo se observa por la coherencia en la perspectiva gene ral bajo la que se estudia Aristóteles. Un elemento característico de ella es la ponderación del silogismo como la herramienta adecuada para la expresión de las re la- ciones causales a las que aspira una genuina demostración científica. Tal tesis, opuesta a la interpretación más ortodoxa y difundida, entre otros, por J. Barnes en la década de 1970, constituye una interesante y destacada novedad en el plano de las interpretaciones de la filosofía de la ciencia del estagirita. En efecto, encontramos como característica general de esta nueva interpretación que la demostración científica posee una estructura tripartita fielmente expuesta en la estructura del silogismo; de esta manera, quedan unidos de modo indisoluble una herramienta formal como es el silogismo con la explicación causal científica.

El capítulo 1, “Os predicados per se em Aristoteles”de Carlos Terra, se dedica a examinar los sentidos en que se usa per se  (kath’hauto) en APo. I 4 y en Metaph. V 30. Terra defende la concordancia de ambos textos y, para probar la misma, se ocupa de comparar el listado de predicados per se en uno y otro texto. El problema del alcance de lo que es un predicado per se  es decisivo para la teoría de la demostración científica puesto que, tal como afirma Aristóteles en distintos lugares, dichos predicados son los requeridos para la demostración. En vista de la importancia del problema, el examen de Terra apunta a mostrar que las clasificaciones desarrolla- das en estos pasajes son armónicas pero, de un modo heterodoxo, pretende mostrar también que un sub- conjunto de sentidos de per se permite comprender a ciertos predicados no esenciales como per se. Esta tesis, enormemente sugerente, asume que los predi- cados “propios”, tal como se los conoce en Tópicos, y los concomitantes por sí mismos, aun no siendo esenciales son necesarios para sus sujetos y, así, podrían ser utilizados científicamente.

En el capítulo 2, “Demostração, silogismo e causalidade”, de Lucas Angioni, se examinan críticamente diferentes posiciones estándar sobre la relación en tre la demostración y el silogismo tales como la lectur a de Barnes, de Hintikka y las de Corcoran/ Smith. Según nos informa Angioni, estos intérpretes destacan el v alor que el aspecto formal del silogismo habría tenido para Aristóteles. En contra de estas lecturas, Angioni defiende en su artículo tres tesis centrales: i) que la de mostración tiene por objeto principal captar la causa par a un cierto explanandum; ii) a su vez, y como ha expuesto en otros artículos, defiende nuevamente que la noción de causa posee una estructura triádica fundamental y que esta estructura es clave para que el silogismo pueda explicar su propia conclusión; iii) por último, Ang ioni sostiene que Aristóteles habría utilizado el format o del silogismo justamente porque entre sus beneficios habría encontrado que dicho formato es el que mejor destaca la noción de explicación por la causa apropiad a. El texto tiene la particularidad de reunir sintéticamen te la opinión general de Angioni sobre distintos aspectos de la teoría de la ciencia aristotélica a los que ha dedicado muchos años de investigación y estudio.

El capítulo 3, “Silogismo e demonstração na concepção de conhecimento científico dos Analíticos  de Aristóteles”, de Francine Maria Ribeiro, aborda en una primera parte del texto y de modo crítico dos interpretaciones fuertes sobre la silogística aristotélica en el Siglo XX, a saber: las lecturas de Łukasiewicz y de Corcoran. Como es sabido, el primero tendió a interpre tar la silogística como si fuera una teoría axiomática mientras que el segundo la concibió como un sistema de deducción natural. Ribeiro apunta a destacar que l a elección del silogismo como formato para la demostración se debería a que éste es el modelo deductivo más apto para expresar relaciones causales apropiadas o adecuadas. Ribeiro fortalece su posición examinando detalladamente APo. I 2 71b9-16 allí donde Aristóteles establece que el conocimiento es de lo necesario o de lo que no puede ser de otro modo. De modo sintético, su lectura es que el silogismo no es un mero aparato formal deductivo sino que es el mejor modelo deductivo en tanto que permite expresar fidedignamente la conexión causal existente entre dos términos logrando así elaborar una genuina prueba científica.

En el capítulo 4, “Fundacionalismo e Silogística”de Breno Andrade Zuppolini, se investiga sobre la relación que existe entre el silogismo y el modo en que éste da pie -o no- para una visión axiomática y fundacionista de la estructura de la ciencia. Según algunos intérpr e- tes tales como J. Barnes, el proyecto axiomático more geometrico no sería armónico con la naturaleza del silogismo. Para salvar esta dificultad, Zuppolini apun ta a redefinir la ciencia demostrativa centrándose en la noción de aitía. Hecha esta asunción, se logra mostrar que los principios de la demostración son aquellos que realmente operan en las pruebas científicas y que, por ello, exhiben la causa. Con este esquema, desliga los principios comunes y las suposiciones de existencia de la demostración científica y exime a la trama final que adquiere la estructura demostrativa de cumplir con la exigencia de contenerlos explícitamente. Tal estrategia vale, finalmente, para liberar al fundacionismo aristotélico de la dificultad del uso del silogismo como herra- mienta demostrativa y, en este sentido, no sólo liberarlo sino volverlo compatible con el silogismo.

En el capítulo 5, “As proposições categóricas na lógica de Aristóteles”, de Mateus Ricardo Fernandes Ferreira -que lamentablemente carece de una introducción y sus conclusiones- aborda críticamente tres interpretaciones relativas al modo en que se interpreta el cuadro de oposición de las proposiciones categóricas en Aristóteles. Una (1) primera posición deriva- da de la lógica formal clásica -posición denominada semántico-existencial- asumiría el valor existencial de las proposiciones para garantizar las relaciones lógicas entre las cuatro proposiciones. (2) Una opción distinta (Wedin y Parsons) reordena la formalización del cuadro de oposición puesto que asume que sólo las proposiciones categóricas afirmativas poseen valor existencial. (3) Una tercera opción heterodoxa viene propuesta por Malink y, apoyándose en une lectu- ra diferente del dictum de omni et nullo  de APr. I 1 24b28-30, construye una interpretación no extensio- nal de las proposiciones categóricas. En sendos apar- tados subsiguientes, Fernandes Ferreira se dedica a discutir detalles de las lecturas de Wedin y Malink contrastándolas con pasajes del corpus aristotélico.

El capítulo 6, “Silogismos e ordenação de termos nos Primeros analíticos “de Felipe Weinmann, tiene por objeto el examen de la definición fundacional de silogismo de APr. I 1 24b18-20. El autor se detiene en ponderar la Cláusula Final (CF) de la definición, “em virtude de serem tais coisas”(su traducción), puesto que la misma ha sido objeto de controversia erudita: la tradición estándar la considera super>ua y como una mera adición a la definición estricta y de carácter inferencial mientras que otra tradición, contrariamente, defende que la CF posee un valor relevante aunque no logra explicar satisfactoriamente por qué. Weinmann defiende que la CF establece una impor- tante restricción concebida por Aristóteles y referida al modo en que los términos del juicio están ordenados. Su hipótesis es que CF se establece para asegurar que de dos premisas dadas se deriva necesariamente una conclusión tal en la que el término A se predi- ca de C. Con la finalidad de sustentar tal afirmación, Weinmann estudia en detalle APr. I 4 y I 7 como dos capítulos en donde Aristóteles utiliza efectivamente la restricción CF, y así su existencia no sería para nada super>ua, para mostrar la conexión entre las premisas y la conclusión en el sentido señalado.

En capítulo 7, “A utilidade dos Tópicos  em relação aos princípios das ciências”de Martins Mendonça, F. se aborda un asunto muy discutido recientemente relativo a la función de la dialéctica en su carácter de herramienta apta para alcanzar los principios del conoci- miento en el contexto de las investigación científica. El autor se ocupa de examinar, y relativizar, la muy difundida tesis de que la dialéctica posee un genuino valor heurístico en relación con los principios. Mendonça considera que debemos tener una posición deflacionaria sobre el poder de la dialéctica y, como principal argumento, afirma que el problema más difícil para atribuirle dicho poder consistiría en la asimetría existente entre los éndoxa, los puntos de partida del examen dialéctico, y los principios. Los primeros son sólo plausibles mientras que los segundos son verdaderos: ¿cómo asegurar su verdad? Mendonça considera que esta asimetría no puede ser salvada (p. 312-20). El argumento que se apoya en la coherencia -y que da origen a la versión coherentista de Aristóteles- no lograría resolver esta asimetría. Su hipótesis, de modo contrario, pretende restringir la función de la dialéctica a su función de entrenamiento argumentativo, a su carácter gimnástico. Las ciencias y la filosofía, dado su carácter argumentativo, se benefician por las técnicas desarr o- lladas por la dialéctica, y sólo eso. A modo de crítica, podemos señalar que el examen de Mendoça se restringe únicamente a Top. I 2 cuando la mayor parte de la bibliografía que reivindica el uso de la dialéctica con carácter heurístico se apoya, desde Owen en adelante, en el celebrado pasaje de Ética a Nicómaco VII 1, don- de Aristóteles afirrma que la búsqueda de los principios parte de éndoxa y que esto será “prueba suficiente”.

En último lugar, en el capítulo 8, “A aporia 11 e o projecto aristotélico de fundação da filosofia primeira”de Wellington Damasceno de Almeida, se aborda, desde luego, la aporía 11 de Metafísica  III (beta) en su desarrollo y desenlace tal como es presentado en Metafísica X (iota) 2. Según el autor, Aristóteles se esfuerza por examinar la semántica del término “uno”(to hen) por medio de la semántica del término “ele- mento”para poder luego discutir las interpretaciones que del “uno”, en primer lugar, hicieron los físicos materialistas y, en segundo lugar, los pitagóricos y Platón. Los primeros entendieron al “uno”como naturaleza subyacente mientras que los segundos hicieron de él una naturaleza en sí misma. El recorrido de la aporía concluye en establecer que el concepto de “uno”es un concepto de segundo orden utilizado para hacer referencia a una multiplicidad de entes de la misma clase. De este modo, “uno”permitiría algo así como conferir cognoscibilidad a la multiplicidad de entes de los que se predica (p. 365). Este término, así como causa, elemento, principio y otros, son “transcategoriales”y aseguran la inteligibilidad de las cosas, pero no logran establecer la naturaleza de las cosas (reservada a las definiciones de la esencia). En síntesis, según Damas- ceno de Almeida, los conceptos de este tipo son indis pensables para la construcción del conocimiento aun- que son incapaces por sí mismos de denotar la esencia de las cosas.

Para cerrar, quisiera destacar algunos detalles gene- rales y de forma: cada capítulo contiene la bibliografía utilizada al final pero, quizá, hubiera sido más útil el armado de una bibliografía común al final del volumen evitando las repeticiones innecesarias. Por otra parte, la obra carece de índices de nombres y lugares que seguramente hubieran sido de mucha utilidad a los lectores.

Manuel Berrón Chora. Über das zweite Prinzip Platons Albert-Ludwigs – Universidad Nacional del Litoral (Argentina). E-mail: [email protected]

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Postmodern Aristotle – MARCOS (C-RF)

MARCOS, Alfredo. Postmodern Aristotle. Newcastle: Cambridge Scholars Publishing, 2012. 172p. Resenha de: OLIVEIRA, Deivide Garcia da Silva. Cognitio – Revista de Filosofia, São Paulo, v.14, n.2, p.325-328, jul./dez. 2013.

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Aristotle’s Concept of Chance – DUDLEY (FU)

DUDLEY, J. Aristotle’s Concept of Chance. 1ªed. Albany: Suny Press, 2012. Resenha de: HOBUSS, João. Filosofia Unisinos, São Leopoldo, v.14, n.1, p.105-111, jan./abr., 2013.

A obra de Dudley tem vários méritos, dentre os quais o mais importante é a análise minuciosa e exaustiva da concepção aristotélica de “acaso” (tuché), que aparece na Física, onde Aristóteles busca refutar, segundo o autor, a ideia sustentada por Demócrito de que a ordem existente no universo deve-se ao acaso (Dudley, 2012, p.2). Obviamente, a preocupação aristotélica no que concerne ao acaso não se restringe à Física, podendo ser encontrada nos seus tratados éticos e mesmo nas suas obras biológicas.

Evidentemente, o interesse acerca do acaso não se restringe a Aristóteles, mas pode ser encontrado em diversos filósofos, com diferentes abordagens ao longo da História da Filosofia. Podemos encontrá-las, assumindo diversos matizes (Dudley, 2012, p.3-12):

(i) o acaso aparece em pensadores tais como Heráclito, Empédocles1 e Anaxágoras, defensores de um tipo de determinismo universal, que entendem que certos eventos necessários são causados pelo acaso;

(ii) outra visão concebe que um evento marcado pelo acaso é de “natureza desconhecida e imprevisível” (Dudley, 2012, p.3). Essa visão açambarca pensadores tão variados como Cícero, Voltaire, Russel;

(iii) na Física (Aristóteles, 1999b, II 4), Aristóteles menciona os que consideram o acaso uma causa misteriosa e divina, o que seria o entendimento, por exemplo, de Platão;

(iv) Hume e Demócrito atribuem ao acaso a ausência de vinculação com uma causa: a afi rmação da primeira constitui-se em uma negação da segunda;

(v) já Epicuro defende a realidade dos eventos associados ao acaso, salientando seu caráter completamente não causado, o que pode ser percebido na célebre ideia do clinamen, entendido como a conditio da vontade livre (free will) dos homens, semelhante à defesa que faz W. James do acaso como causa da vontade livre.

A essas cinco concepções acerca do acaso, que serão retomados ao longo da obra de Dudley, acrescentar-se-á a de Aristóteles, que aparece primeiramente na Física (Aristóteles, 1999b, II 4) de Aristóteles. Antes de voltar a Dudley e ao que me interessa mais especialmente na sua leitura, seria interessante mostrar o que encontramos no capítulo mencionado da obra aristotélica, bem como nos capítulos seguintes (5 e 6).

Em Física (Aristóteles, 1999b, II 4), Aristóteles vai analisar o acaso e a espontaneidade (automaton), afirmando que é sustentado que ambos contam como causa (Aristóteles, 1999b, 195b31), na medida em que determinadas coisas ocorrem através do acaso e da espontaneidade. A questão é saber (i) de que modo o acaso e a espontaneidade operam como causa, tendo como pano de fundo o que Aristóteles sustentou no capítulo precedente da Física; (ii) se acaso e espontaneidade são uma mesma coisa ou coisas diferentes; (iii) e o que define o acaso e a espontaneidade. Antes de responder a tais indagações, Aristóteles considera três teorias correntes.

(a) Segundo ele, alguns até mesmo questionam a existência de tais noções, na medida em que, para eles, nada que ocorre no mundo pode ser produzido pelo acaso, pois para cada coisa que ocorre deve existir uma causa determinada (Aristóteles, 1999b, 196a1-3). (b) Outros, diferentemente, creem ser a espontaneidade a causa de todos os mundos existentes, que foi a partir dela que se produziu o movimento em vórtice “que separou e organizou os componentes do universo na sua disposição atual” (Aristóteles, 1999b, 196a25-28). (c) Por fim, temos os que acreditam que o acaso é uma causa, embora não possa ser percebida pela inteligência humana, pois é divino e supralunar (Aristóteles, 1999b, 196b5-8).

Com base nessas três teorias, Aristóteles buscará explicitar o que são realmente o acaso e a espontaneidade, e se são, como já observado, o mesmo, ou são coisas distintas. Isso ele faz no capítulo 5.

Neste capítulo, Aristóteles estabelece a diferenciação, bastante conhecida por todos, entre o que ocorre necessariamente, ou seja, do mesmo modo, e o que ocorre nas mais das vezes. O acaso não entre em nenhuma dessas duas categorias, do que ocorre por necessidade ou nas mais das vezes (Aristóteles, 1999b, 196b1013: oute tou ex anankês kai aiei oute tou hos epi to polu). Mas não podemos restringir todas as coisas a essas duas categorias, pois existem as que se realizam para além das duas e que seriam efeito do acaso. Logo, para Aristóteles, o acaso e a espontaneidade têm realidade (Aristóteles, 1999, 196b15).

Para estabelecer seu ponto, Aristóteles apresenta algumas divisões (Aristóteles, 1999b, 196b17-29):

(a) Dentre os eventos, alguns se produzem em vista de algo, outros não;

(b) Em relação aos primeiros, alguns se produzem por escolha deliberada, outros não, embora essas duas categorias pertençam ao que é em vista de alguma coisa;

(c) Entre as coisas que se produzem à margem do necessário e do que se produz nas mais das vezes, a algumas pode pertencer a característica de ser em vista de alguma coisa;

(d) É em vista de alguma coisa tudo o que pode ser produzido pelo pensamento ou pela natureza;

(e) Por conseguinte, quando tais coisas se produzem por acidente, afirmamos que são consequência do acaso;

(f) Assim, a causa em si é determinada, enquanto a causa por acidente é indeterminada, já que um número indefinido de acidentes pode advir a uma mesma coisa.

A partir do desdobramento garantido pelas divisões acima, Aristóteles afirma que, quando isso ocorre entre os eventos “em vista de”, isto é, a consequência seja do acaso, seja da espontaneidade. Dessa forma, ele pode ressaltar que:

É, então, evidente que o acaso é uma causa por acidente nas coisas que advêm por escolha deliberada, entre as que viriam em vista de algo. Eis porque o pensamento e o acaso dizem respeito ao mesmo objeto: é que não há escolha deliberada sem pensamento (hê gar proairesis ouk aneu dianoias) (Aristóteles, 1999b, 197a5-7).

Mas resta ainda especificar a distinção entre acaso e espontaneidade, o que é feito em Física (Aristóteles, 1999b, II 6). Ora, conforme Aristóteles, tudo o que ocorre por acaso ocorre por espontaneidade, mas nem tudo que acontece por espontaneidade ocorre por acaso, já que a espontaneidade possui uma maior extensão do que o acaso. Lembremos que o acaso pressupõe a escolha deliberada, o que exclui do acaso todo ser inanimado, bem como qualquer animal ou criança recém-nascida. Inversamente, a espontaneidade refere-se aos animais e a seres inanimados. Mas, é necessário salientar, e Aristóteles o faz, que entre as coisas que se produzem espontaneamente, ocorrem por acaso todas as que envolvem escolha deliberada, própria de quem possui a capacidade de escolher (Aristóteles, 1999b, 197a36-197b23). Nesse sentido, entre os variados tipos de causa, o acaso e a espontaneidade pertencem àquelas de onde deflui o princípio do movimento (Aristóteles, 1999b, 198a1-5), e são causas por acidente, sempre posteriores às causas em si2.

Uma vez delineados em termos gerais como operam, na Física, o acaso e a espontaneidade, iremos nos deter mais apuradamente na noção de acaso na ética aristotélica, bem como na sua relação com o pretenso determinismo aristotélico, na medida em que escolhas devem ser feiras diante das múltiplas questões tratadas por John Dudley.

Um tema bastante complexo, e absolutamente importante, é a discussão levada a cabo por Dudley a respeito das relações entre acaso, vontade livre, acidentes e o determinismo que alguns comentadores atribuem a Aristóteles.

Como afirma Dudley, geralmente “o determinismo pode ser definido como a teoria de que todos eventos ocorrem necessariamente” (Dudley, 2012, p.271), em outras palavras, tudo que ocorre ocorre, necessariamente, a partir de uma causa antecedente. Dudley vai procurar distinguir, no que concerne à ideia de causalidade final, uma necessidade absoluta, própria da esfera supralunar e do Primeiro Motor Imóvel, e uma necessidade que não é absoluta, própria do mundo sublunar, onde se realiza a agência humana. A causalidade final do Primeiro Motor Imóvel, na esfera sublunar, funciona diretamente tão somente sobre as espécies, e, indiretamente, na medida, por exemplo, em que o sol e a lua se movem por necessidade absoluta devido à causalidade final do Primeiro Motor (Dudley, 2012, p.273). Logo, o determinismo “devido à causalidade final […] não pode ser encontrado na área sublunar” (p. 278). Do mesmo modo que não encontramos um determinismo a partir da causalidade final, também não encontraremos um determinismo baseado na causalidade eficiente.

Dudley observa em Aristóteles uma rejeição da visão mecanicista do mundo que pode ser encontrada em Demócrito, onde está assentada a concepção de um necessitarismo relacionado a causas eficientes per se (p. 278). Essa rejeição estaria baseada na ausência do referido necessitarismo, tendo como razão as noções aristotélicas de (i) escolha livre, (ii) acidentes e (iii) acaso:

Estas causas quebram as cadeias de causas necessárias, explanam a realidade da contingência dos eventos futuros (sublunares), e tornam o futuro inerentemente imprevisível (Dudley, 2012, p.278).

(i) Segundo Dudley, “todos os seres humanos possuem liberdade (freedom), isto é, eles são livres para agir ou não agir” (Dudley, 2012, p.280), pois, como é sabido, tanto a virtude quanto o vício dependem de nós (to eph’ hêmin), como pode ser visto quando lemos o texto da Ética Nicomaquéia III 7. Depreende-se da argumentação de Dudley que essa passagem, bem como outra citada por ele na Ética Eudemia, (Aristóteles, 1996, 1223a4-9)3, onde aparece a afirmação de que o homem é o princípio primeiro e mestre de todas as ações, implicam a possibilidade do agente agir diferentemente diante das circunstâncias que se lhe apresentam, pois depende dele agir ou não agir, já que as mesmas dependem tão somente dele (eph’ autôi)4. Ora, sem apresentar nenhuma dúvida (ele afirma: it is clear) a despeito de muitas passagens embaraçantes que parecem ir de encontro ao menos à ideia de “clareza” neste tópico, Dudley reitera a sua leitura do texto aristotélico, ou seja, de que há uma rejeição absolutamente incontornável da visão que sustenta o determinismo causal dos seres humanos (Dudley, 2012, p.280). Mas é válido mencionar que Dudley reconhece que não é possível encontrar uma justificação a posteriori – nos tratados éticos de Aristóteles – no que diz respeito à liberdade concedida aos seres humanos: esta justificação dá-se somente a priori, como em Kant (Dudley, 2012, p.286). Infelizmente, ele não trata de modo mais vertical o problema da liberdade, deixando o leitor ávido por um maior desenvolvimento do problema, certamente complicado, embora ele afirme que [it is clear] que “somente os seres humanos são livres, porque a liberdade (como a felicidade) requer a possessão do intelecto” (Dudley, 2012, p.281-282), intelecto que pressupõe deliberação e escolha. (ii)

Nessa seção, Dudley vai restringir sua análise dos acidentes aos acidentes inusuais, e que estes são outra fonte da existência da contingência do mundo sublunar – e da introdução da mesma no interior de uma cadeia de causas necessárias -, o que vai se agregar à sua análise da livre escolha como um dos fundamentos da crítica ao determinismo (Dudley, 2012, p.286). O autor faz um exame exaustivo do ponto, mas, para fins pragmáticos, mostraremos os principais pontos da argumentação.

Dudley detém-se na análise do difícil livro VI 3 da Metafísica, locus da possível defesa aristotélica da incompatibilidade dos acidentes inusuais com o determinismo5, que seria o objetivo precípuo deste capítulo da Metafísica. A primeira frase do capítulo aponta que há princípios (archai) e causas (aitiai) que estão sujeitos à geração e à corrupção, sem que venham a ser ou se corromper, o que deixa claro, para Dudley, que estamos tratando da existência de causas acidentais, bem como sublinhando o fato de que “não há genesis ou phthora de acidentes” (Dudley, 2012, p.290), pois os acidentes não tem como característica própria existir por si mesmos, diferentemente da substância, já que eles estão presentes apenas no momento em que estão presentes e permanecem assim até o momento que deixam de estar. Um exemplo utilizado por Dudley é o do camaleão. O camaleão é verde e se se torna amarelo; é ele, e não a cor, que devém: quem se torna algo é a substância, e não o acidente, porque este se inere na substância (verde é sempre verde, e amarelo é sempre amarelo). Isso significa que o acidentes possuem uma “existência potencial real”, embora não existam por si mesmos.

A interpretação da primeira frase é crucial, pois remete à ideia de que a existência de causas acidentais impediria que o determinismo fosse verdadeiro. Logo, existem causas acidentais, e o determinismo não é o caso (Dudley, 2012, p.292), recusando, mais uma vez, a implementação de um necessitarismo inflexível, pois se isso ocorresse, acarretaria a existência tão somente de causas por si mesmas, ou seja, somente causas substanciais, o que reivindicaria a verdade do determinismo, o que é enjeitado por Aristóteles, a partir da construção de Dudley. Deste modo, evitar-se-ia interpretar Aristóteles, embora Dudley não faça essa alusão, a partir de uma perspectiva estoica, ou seja, a partir de um encadeamento causal necessário (posto pelo Destino), o que nos permitiria inclusive prever o futuro [ou adivinhá-lo…]. Claro que Aristóteles reconhece que quem está vivo morrerá, mas essa é uma concessão menor à visão determinista, pois o ponto é saber como ocorrerá a morte, se por doença, ou por violência, visto que a causa da morte é indeterminada (Dudley, 2012, p.294-295), embora seja possível traçar um caminho inverso até a origem, ou ponto de partida, que levou até tal acontecimento, mas ponto de partida que não implica que algo ocorra de um modo ou outro, no caso, a morte de um indivíduo: é exatamente a existência de causas acidentais que impede o determinismo e sustenta a ideia de que os eventos não são necessários, decorrendo disto a impossibilidade da predição do futuro (Dudley, 2012, p.299):

o futuro não pode ser predito, porque a cadeia de causas envolve não somente causas per se, mas também causas acidentais ou coincidências (tanto quanto, evidentemente, escolhas humanas).

As causas acidentais nos “salvam” do determinismo6. O determinismo, seja o hard determinismo, seja o soft determinismo, não poderia coerir com a doutrina aristotélica, pois todo evento não sujeito à ciência é, para Dudley, contingente. (iii)

Bem, a rejeição ao determinismo por parte de Aristóteles, para além da vontade livre e dos acidentes, encontra um terceiro e definitivo aspecto, qual seja, o papel desempenhado pelo acaso.

Segundo Dudley, os eventos ocorridos por acaso são “inesperados e imprevisíveis, devido ao fato de não serem acessíveis à ciência” (Dudley, 2012, p.314), pois esta última refere-se apenas às coisas que se produzem sempre ou nas mais das vezes, enquanto os eventos devido ao acaso não podem ser reduzidos à necessidade, já que são inusuais e indeterminados: “o que é essencialmente imprevisível não é pré-determinado” (Dudley, 2012, p.316), o que não pode ser afirmado do que é determinado, que é, essencialmente, cognoscível.

É por isso que Dudley sustenta que o acaso pressupõe a escolha livre e os acidentes:

Assim segue que as duas razões para rejeitar o determinismo tratadas nas seções (i) e (ii), a saber, livre escolha e acidentes [inusuais], são, cada um a seu modo, pressupostos pelo termo ‘acaso’. Não poderia haver acaso se não houvesse escolha livre, e não poderia haver acaso se não houvesse acidentes [inusuais].

Busquei, nesse pequeno extrato do livro de Dudley, mostrar seus aspectos principais, especialmente na ideia de Dudley de que Aristóteles rejeita o determinismo, ideia com a qual concordo plenamente. E o livro é muito importante, pois nos mostra elementos importantes para construir uma tese forte a esse respeito em Aristóteles, sobretudo no que me interessa no momento, isto é, no seu corpus ético.

Devido a isso, Aristotle’s Concept of Chance traz uma contribuição bastante valiosa, especialmente por tratar com minúcia a concepção aristotélica de acaso, algo que não recebeu tanta atenção dos comentadores ao longo dos anos, e essa análise rigorosa desperta nos comentadores aristotélicos um interesse maior pelo mesmo, o que já é um reconhecimento do mérito do trabalho de Dudley.

Observado esse aspecto, cabe ressaltar que, embora as soluções do autor representem uma contribuição importante, por vezes fica a impressão de que os argumentos muitas vezes ignoram evidências textuais que podem complicar muito a defesa da rejeição do determinismo em Aristóteles e que poderiam ter sido enfrentadas por Dudley para reforçar sua tese, o que enriqueceria, ainda mais, o seu trabalho. Cito duas delas:

Contudo, se assim ocorre que leva uma vida de modo acrático e não obedece aos médicos, adoecerá voluntariamente. Por um lado, era-lhe, em um momento, possível de não adoecer; tendo dissipado a saúde, não lhe é mais possível, assim como não é mais possível àquele que lançou uma pedra recuperá-la; no entanto, estava em seu poder o lançar, pois o princípio estava nele. Similarmente, era possível ao injusto e ao intemperante não se tornarem tais no início, e por isso o são voluntariamente. Porém, aos que se tornaram injustos ou intemperantes, não lhes é mais possível não o serem” (Aristóteles e Zignano, 2008, EN 1114a14-21)7.

As coisas não se apresentam, efetivamente do mesmo modo no caso das ciências e das capacidades, e naquele das disposições (hexeis), pois uma mesma capacidade ou ciência parecem fazer ou conhecer as coisas contrárias, enquanto uma disposição que tem um contrário não engendra os contrários (Aristóteles, 1999a, 1129a11-15).

Essas duas passagens podem dar a entender que uma dada disposição [de caráter], uma vez adquirida, funciona como uma [segunda] natureza, ou seja, se me tornei injusto ou intemperante, não posso mais deixar de sê-lo, já que uma disposição não produz o seu contrário. Ora, se uma disposição se traveste de tamanha inflexibilidade, obviamente o papel da escolha livre, dos acidentes e do acaso deverão ser contrastados com o peso de tais evidências textuais que encontramos na Ética Nicomaquéia para indicar uma solução para a possível contradição. Isso, Dudley não faz, e seria importante que tivesse feito, pois são passagens que devem ser enfrentadas com muita precisão e tenacidade.

De qualquer modo, e independentemente dessas últimas considerações, o livro deve ser lido e recomendado, pois nos apresenta uma análise instigante e de muito fôlego de questões cruciais nas obras de Aristóteles.

Notas

1 Estes dois são citados por Cícero, no De Fato XXXIX, como deterministas incontornáveis. O nome de Aristóteles aparece, muito discutivelmente junto a eles, o que o vincularia a alguma forma de determinismo. Na realidade, um tsunami determinista assola a interpretação das obras aristotélicas hodiernamente, tendo como importantes defensores S. Bobzien (1998, 2013), M. Frede (2011) e S. Sauvé Meyer (2011), e, antes deles, D. Furley (1977), J. Hintikka (1977) e P. Donini (1989). Carlo Natali (2004, p.181) afi rma, penso eu que com total razão que “a tendência em ler a fi losofi a de Aristóteles em termos próximos do estoicismo se percebe claramente […] em Susan Sauvé Meyer […] Pessoalmente cremos também que a solução do problema do determinismo consiste na distinção de tipos de causa, e nisso Sauvé Meyer tem razão, mas ela consiste na distinção aristotélica, não na distinção crisipiana”. A respeito de Furley, Natali ressalta o mesmo equívoco: “na reconstrução de Furley, a teoria aristotélica da ação humana toma uma forma estoica: ele coloca a existência de duas cadeias causais determinadas […], quando as duas cadeias se encontram, o resultado só pode ser uma ação necessária (Natali, 2004, p.181).

2 Para um excelente comentário dessas passagens, ver Aristóteles (2009, p.277-328).

3 A esse respeito, ver também Aristóteles (1996, 1225b8-10; 1226a23-33).

4 Não há uma discussão por parte do autor sobre de que modo podemos tornar coerente o conteúdo da EE e aquele da EN, já que podemos encontrar, em alguns comentadores de Aristóteles, a afirmação, como é o caso de Donini (1989, cap. IV), que o quadro conceitual da EN é diferente e mais sofisticado do que o encontrado na EE. Por exemplo, a passagem citada de Ética Nicomaquéia (Aristóteles, 2008, III 7), mencionada por mim, que parece estar de acordo com o que encontramos na EE, difere profundamente de uma outra passagem da (Aristóteles, 2008, III 7), e que apontaria um desacordo total também com a Ética Eudemia (Aristóteles, 1996, II 6). Retornarei a isso posteriormente.

5 Para uma visão distinta ver Donini (1989, cap. II).

6 Donini, contrariamente a Dudley, afi rma (1989, p.42-43), que “I testi di Metaph. E 3 [e di De interpr. 9] non dovrebbero, nemmeno indurre a credere che Aristotele sostenesse uma forma di indeterminismo così estremo, di giudicare il futuro como qualcosa di completamente opaco ala capacità di previsione dell’uommo perché sempre totalmente aperto a qualsiasi esito”.

7 Tradução de Marco Zingano.

Referências

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ARISTÓTELES. 1999a. Nicomachean Ethics. 2ª ed., Indianapolis/Cambridge, Hackett, 364 p.

ARISTÓTELES. 1999b. Physique. Paris, Vrin, 336 p.

ARISTÓTELES. 2009. Física I-II. Campinas, Ed. da UNICAMP, 416 p.

ARISTÓTELES; ZINGANO, M. 2008. Aristóteles. Ethica Nicomachea I 13–III 8. Tratado de Filosofi a Moral. São Paulo, Odysseus, 224 p.

BOBZIEN, S. 1998. The inadvertent conception and late birth of the free-will problem. Phronesis, 43(2):133-175. http://dx.doi.org/10.1163/15685289860511069

BOBZIEN, S. 2013. Aristotle’s Nicomachean Ethics 1113b7-8 and free choice. The Cambridge Companion to Nicomachean Ethics. [no prelo].

DONINI, P.L. 1989. Ethos. Aristotele e il determinismo. Alessandria, Edizioni dell Orso, 155 p.

FREDE, M. 2011. A free will. Origins of the notion in ancient thought. Berkeley, University of California Press, 208 p.

FURLEY. D.J. 1977. Aristotle on the voluntary. In: J. BARNES; M. SCHOFIELD; R. SORABJI (eds.), Articles on Aristotle: ethics and politics. London, Duckworth, vol. 2, p.47-60.

HINTIKKA, J. 1977. Aristotle on modality and determinism. Acta Philosophica Fennica, 29(1):7-124.

MEYER, S.S. 2011. Aristotle on moral responsibility. Character and cause. 2ª ed., Oxford, Oxford University Press, 216p.

NATALI, C. 2004. L’action éffi cace. Études sur la philosophie de l’action d’Aristote. Louvain-La-Neuve, Éditions Peters, 252 p.

João Hobuss – Universidade Federal de Pelotas. Departamento de Filosofia. Pelotas, RS, Brasil. E-mail: [email protected]

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[DR]

 

A felicidade na ética de Aristóteles – PICHLER (C)

PICHLER, Nadir A. A felicidade na ética de Aristóteles. Passo Fundo: Ed. da UPF, 2004. Resenha de: VIANA, Luisa Andrea. Conjectura, Caxias do Sul, v. 17, n. 1, p. 238-240, jan/abr, 2012.

Pichler possui graduação em Filosofia pela Fundação Educacional de Brusque (1992) e Mestrado em Filosofia pela Unisinos (2003).

Doutor em Filosofia pela PUCRS (2009), na área de Filosofia Medieval, com tese sobre A beatitude na filosofia moral de Tomás de Aquino. Atualmente, é professor adjunto na Universidade de Passo Fundo. Publicou vários artigos, produções técnicas, textos em jornais e revistas, trabalhos em anais de congressos, capítulos de livros e livros, tais como Filosofia e pós-modernidade (Imed, 2011) e A felicidade na filosofia moral de Tomás de Aquino (Méritos, 2011).

O livro A felicidade na ética de Aristóteles, de Nadir Antônio Pichler, nasceu da sua Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Unisinos, em 2003. Leia Mais

Sobre ética: Aristóteles, Kant e Levinas – NODARI (C)

NODARI, Paulo César. Sobre ética: Aristóteles, Kant e Levinas. Caxias do Sul: Educs, 2010. Resenha de: CROCOLI, Daniel José. Conjectura, Caxias do Sul, v. 16, n. 1, Jan/Abr, 2011.

A obra Sobre ética apresenta as diferentes formas de se pensar a dimensão ética, fazendo referência ao olhar teleológico, ao deontológico e ao da alteridade. A primeira parte do texto, organizada no primeiro capítulo, descreve, a partir de Aristóteles, o entendimento teleológico da ética. A segunda parte, constituída de três capítulos, coloca a visão deontológica de Kant. O quinto capítulo se configura a partir dos estudos de Levinas e a alteridade como pano de fundo para se pensar a problematização das questões éticas. O texto é uma leitura acessível do ponto de vista argumentativo, passando pelos principais conceitos referentes ao entendimento ético dos autores em discussão. A riqueza do texto também se confirma pela vasta bibliografia consultada pelo autor ao escrever essa obra. Nas notas de rodapé, o autor nos possibilita um contato direto com os originais referidos no texto, abrindo um importante espaço para esclarecimento de conceitos.

Na abordagem aristotélica, o autor retoma a pergunta de Aristóteles: “Qual o bem supremo do homem e o fim a que tendem todas as coisas?” (p. 9) e retoma o conceito de felicidade como sendo o bem supremo a que se dirige o ser humano pela atividade racional que esteja de acordo com a virtude. O autor destaca que “Aristóteles interpreta a ação humana segundo a categoria de meio e fim”. (p. 16). E, nessa relação, há a necessidade de se pensar um limite para essa sequência. Se todas as coisas tendem a um fim, a um bem, esse bem não é unívoco, pois há uma multiplicidade de fins a que cada ser se dirige. Essa multiplicidade de bens, ou de fins, é organizada em categorias o que faz pensar em um bem supremo. “Aristóteles acredita que a felicidade é este bem soberano, porque é algo final e autossuficiente.” (p. 18). Mas como entender a felicidade no sentido universal sem cair na concepção subjetiva de que cada um possui um conceito próprio de felicidade e, ao mesmo tempo, se distanciar de Platão e manter o caráter imanente do bem soberano? A resposta surge com a ideia de natureza racional do homem, ou seja, “se nós somos seres racionais, por nossa forma natural, então, fica claro que o fim natural será agir segundo a razão”. (p. 20). A felicidade só é alcançada na medida em que o homem se orienta pela razão: “Portanto, para ser feliz, o homem deve viver pela inteligência e segundo a inteligência.” (p. 21). O homem chega à felicidade somente pelo uso da razão em conformidade com a virtude. Essa proximidade entre razão e virtude permite afirmar que o homem feliz é aquele que pensa e age a partir da virtude, e a sabedoria é virtude por excelência.

A virtude está associada à atividade da alma, própria do homem, que se divide em três partes: duas irracionais, presentes em todos os seres vivos, e uma racional, própria do homem. “Então, a parte da alma especificamente humana, que consiste em dominar as tendências e os impulsos, que são por si desmedidos, Aristóteles chama virtude ética.” (p. 25). As virtudes éticas não estão dadas por natureza, mas se desenvolvem com a prática, pelo hábito. É somente realizando ações justas que o homem se torna justo. O autor reforça que, para Aristóteles, o hábito, a ação virtuosa, é que consolida a verdadeira virtude, pois nenhum homem se torna virtuoso da noite para o dia, mas pelo conjunto de suas ações. A virtude se caracteriza não pela falta, nem pelo excesso, mas pela equidade, pelo equilíbrio.

O texto apresenta a divisão feita por Aristóteles entre as virtudes éticas e dianoéticas, ou seja, enquanto as virtudes éticas estão ligadas ao hábito, à ação, as dianoéticas estão ligadas à parte mais elevada da alma e se relacionam com a phronesis [prudência] e com a sabedoria. A phrónesi: “consiste em saber dirigir corretamente a vida do homem”. (p. 29).

Nessa primeira parte do texto, fica claro o entendimento global da abordagem aristotélica sobre a ética, de aproximar a razão, o conhecimento e a prática. A felicidade somente é alcançada a partir de uma vida virtuosa, orientada pela razão. A ética e a política estão próximas em Aristóteles, de forma que as ações concretas, realizadas de acordo com a sabedoria prática, possibilitam que o homem chegue à sua finalidade, ao seu bem, que se identifica com a felicidade e com a visão teleológica da ética.

O capítulo segundo dá início à segunda parte do texto, que se prolonga juntamente com os capítulos terceiro e quarto e faz referência à filosofia de Kant voltada ao estudo da ética. A proposta dessa parte é pensar a chamada revolução copernicana levanta para o entendimento da ética kantiana. Assim como a revolução copernicana traz a possibilidade de pensar que o conhecimento não se regula a partir do objeto, mas do sujeito que conhece, “a intuição dos objetos não deve se regular pela natureza dos objetos, mas, antes, pela natureza da nossa faculdade de intuição”. (p. 54). Assim também o fundamento da ética deve ser buscado na própria razão. A ética nos sentidos universal e racional não pode depender de fundamentos externos (como é o caso de uma fundamentação metafísica), ou pela tradição. Nesse caso, a razão deve ser entendida como autônoma e capaz de dar-se a si mesma uma vontade e uma vontade boa em si mesma. “Kant revoluciona a ética com a ideia da autonomia moral da razão, capaz de determinar a ação.” (p. 61). A autonomia nada mais é do que a possibilidade de pensar o homem com a capacidade de dar-se a própria lei no sentido universal. “O bem não deve mais ser pressuposto ou se constituir em fundamento da lei moral, mas deve, antes, ser deduzido dela.” (p. 62). Para Kant, acentua o autor, a lei moral leva à constituição do bem, ao passo que na metafísica a ideia de bem-trazida pela tradição – determina a lei moral. A parte final desse segundo capítulo reforça a ideia de que a virtude é a capacidade do homem de guiar-se pela razão, é uma conquista de si próprio como ser moral.

O capítulo terceiro apresenta o texto da Fundamentação da metafísica dos costumes para mostrar que os conceitos de lei moral e liberdade não tornam contraditória a argumentação sobre a autonomia e de que a razão se impõe uma lei justamente para se distanciar das determinações da natureza sensível. O imperativo categórico representa um acréscimo ao sujeito na medida em que esse não é somente razão, mas influenciado pelos sentidos. O caráter imperativo do “dever ser” dá condições à vontade de se manter guiada por proposições sintéticas a priori, de caráter universal e que superam as inclinações sensíveis, “de modo que aquilo para o qual as inclinações e os apetites o estimulam em nada pode lesar as leis de seu querer como inteligência”. (p. 97). Dessa forma, o imperativo categórico é uma determinação da vontade que tem como pressuposto a liberdade. É justamente por ser a vontade livre, que essa se lhe apresenta o dever-ser, fortalecendo a ideia de autonomia e de não determinação externa a si mesma. O entendimento de que é a razão, que determina os objetos no campo da ciência pelas condições de possibilidade de todo o conhecimento é a mesma razão, que no campo da ética, torna-se o fundamento de toda lei moral. Assim, se abre a noção de revolução copernicana para o entendimento da ética kantiana tendo a razão no seu aspecto normativo como fundamento da ética.

No capítulo quarto, o autor apresenta o conceito de “sumo bem”, de Kant, argumentando que a moralidade e a felicidade são os dois elementos que o compõem. Acrescenta que a felicidade e a moralidade não podem ser os princípios da vontade, pois essa deve ter seu fundamento em princípios formais o que reforça a necessidade de que a vontade tenha em si a causa de suas ações. (p. 117). Desse modo, a felicidade e a virtude se tornam consequência da lei moral e não o contrário. “O conceito de sumo bem é usado, portanto, para ligar especialmente natureza e liberdade, felicidade e moralidade”. (p. 125-126). O texto faz distinção entre saber e acreditar, mostrando a não contradição entre esses dois termos na medida em que o primeiro se refere ao mundo fenomênico, e o segundo aos elementos que estão além da experiência como é o caso dos postulados da razão (Deus, imortalidade e liberdade).

Para esse estudioso, a existência de Deus é necessária na argumentação kantiana, pois a razão coloca Deus como condição de se pensar a natureza como causada, e a felicidade como elemento subordinado à moralidade.

O sumo bem representa a totalidade dos fins morais, e essa ordenação racional exige um fim do qual decorre toda derivação, por isso a exigência de admitir a existência de Deus. A felicidade torna-se um conceito racional que indica a capacidade de autodeterminação da vontade, sendo o segundo elemento do sumo bem. A capacidade da razão de dar-se a própria lei pela determinação da vontade caracteriza a visão deontológica da ética.

A terceira parte da obra se concentra no quinto capítulo e aborda a visão de Levinas sobre a ética. Destaca o autor, já no título do capítulo, a importância do conceito de rosto como apelo à responsabilidade e à justiça. “O rosto do outro ser humano é a sua forma de apresentar-se, não de ser representado, diante do eu que o olha e o toca, mas sem objetivá-lo.” (p. 175). Pelo rosto, do encontro face a face, Levinas entende que ocorre a superação da visão ontológica do ser, pois essa aprisiona e neutraliza o outro na medida em que o reconhece a partir do eu. A descoberta do outro é a descoberta do totalmente outro, ou seja, que não se opõe ao eu, mas se apresenta como diferente. “O outro não é o que eu sou. Não é um alter ego, mas um alter do ego.” (p. 174). Significa dizer que o outro faz uma exigência ao eu, de ser reconhecido como diferente, que não se aprisiona. Na relação face a face, o outro é o fundamento da ética. “O rosto do outro é um mandamento, […] exige justiça.” (p. 177).

O eu perde seu lugar, torna-se vulnerável e é exigido a ele ser responsável e justo. Para o autor, Levinas, ao se distanciar da ontologia, permite que se pense a dimensão ética como um movimento que é anterior à própria consciência, referindo-se ao conceito de proximidade. “Bem antes da consciência da escolha, o homem aproxima-se do homem. É tecido de responsabilidade.” (p. 183). O outro, que está próximo, possibilita a criação de sentido para a subjetividade e, dessa forma, o eu se torna responsável originariamente pelo outro. A alteridade é a “relação sem relação”, originária da responsabilidade e da justiça.

Daniel José Crocoli – Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Caxias do Sul (UCS). E-mail: [email protected]

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Introdução à teoria da predicação em Aristóteles – ANGIONI (FU)

ANGIONI, L. Introdução à teoria da predicação em Aristóteles. Campinas, Editora da Unicamp, 2006. Resenha de: FERREIRA, Mateus R.F. Filosofia Unisinos, São Leopoldo, v.11, n.2, p.196-199, mai./ago., 2010.

Introdução à teoria da predicação em Aristóteles consiste em um resultado mais acabado do trabalho que Lucas Angioni iniciou com uma publicação interna ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP sob o título de Ontologia e predicação em Aristóteles. Em termos editoriais, o livro não se constitui predominantemente de um texto em corpo único. Ao contrário, ele é composto por um estudo introdutório acrescido de tradução e comentários de textos de Aristóteles, selecionados por Angioni com vistas ao tema principal desse seu trabalho: a teoria aristotélica da predicação. Não obstante ocupar uma pequena parte do livro, o estudo introdutório consegue cumprir muito bem o propósito que lhe reservou o autor, o de sistematizar alguns aspectos centrais da teoria aristotélica da predicação (p. 9). Nesse estudo, Angioni se atém aos aspectos filosóficos principais de suas teses, deixando para a seção de tradução a apresentação dos textos em que se baseia e para a seção de comentários a análise filológica e argumentativa mais minuciosa, bem como a avaliação da bibliografia secundária pertinente.

Esse formato adotado pelo autor se mostra muito útil na análise de escritos como os de Aristóteles, nos quais os elementos para se reconstruir o pensamento do filósofo geralmente precisam ser recolhidos em fontes esparsas. Aliado a um estilo claro de escrita e domínio do tema, tal formato também confere ao livro utilidade a um público bastante diverso. Ele fornece subsídios para pesquisadores e professores experientes, uma vez que, além de analisar com detalhes os textos selecionados e seus argumentos, também apresenta e avalia competentemente a literatura especializada. Não deixa de ser, todavia, um precioso material didático para iniciantes e alunos de graduação. Não é uma tarefa pouco árdua se familiarizar com textos tão elípticos e terminologicamente não unificados como os de Aristóteles. O livro tem a vantagem de facilitar a consulta e manuseio deles, reunindo em língua portuguesa os mais relevantes ao tema proposto.

Visando a delimitar a estrutura de uma predicação, Angioni ressalta que Aristóteles tem especial interesse em um tipo de enunciado: as declarações. Todo enunciado ou frase possui um significado, mas apenas as declarações possuem uma pretensão de verdade, isto é, apenas esse tipo de enunciado tem a pretensão de que o mundo se comporte como ele o descreve. Aristóteles deixa de lado enunciados com função de exprimir desejos, preces, ordens, etc., e se atém apenas às declarações porque somente elas são capazes de carregar informações e conhecimento de como as coisas são (Angioni, 2006, p.93, 180). Nessa direção, Angioni defende que, apesar de existirem na língua grega ordinária estruturas gramaticais mais comuns, Aristóteles concebe a estrutura predicativa “S é P” (ou “S não é P”) como a forma lógica da declaração (Angioni, 2006, p.18-19). Essa forma estabelece uma relação entre dois itens. Se tem a pretensão de que eles estejam unidos no mundo, a declaração é uma afirmação. Estando de fato unidos, a afirmação é verdadeira; estando, ao contrário, separados, a afirmação é falsa. Se tem a pretensão de que eles estejam separados no mundo, a declaração é uma negação. Estando de fato separados, a negação é verdadeira; estando, ao contrário, unidos, a negação é falsa.

A análise que Angioni desenvolve tem como seu ponto forte o fato de ele distinguir, a partir dos textos de Aristóteles, dois aspectos de uma predicação. Em primeiro lugar, uma predicação pode ser classificada através de critérios, por assim dizer, lógicos (Angioni, 2006, p.25, 27). Tais critérios envolvem basicamente relações extensionais e definicionais (ou de essência) entre o predicado e seu sujeito. Dada uma sentença “S é P”, (i) “se x é S, então x é P” e (ii) “se x é P, então x é S” são critérios que delimitam a relação entre a extensão de S e a extensão de P; além disso, P pode ou não estar contido na essência de S. Essa análise lógica resulta em uma lista de tipos de predicados (Angioni, 2006, p.28, 38) ou, em outros termos, uma lista de predicáveis (p. 144). Estes são alguns exemplos. Um gênero é um predicado que satisfaz (i), mas não (ii), e está contido na definição do sujeito (e.g. homem é animal). Certos atributos necessários também satisfazem (i) e não satisfazem (ii), mas se diferenciam do gênero pelo fato de não compor a definição do sujeito (e.g. homem é mortal). O segundo tipo de atributo per se enunciado em Seg. An. I 4 – atributo cujo sujeito faz parte de sua essência – satisfaz (ii), mas não (i), e não está contido na definição do sujeito (e.g. número é par). As definições e os atributos próprios satisfazem (i) e (ii), de sorte que S e P são coextensivos, mas um atributo próprio (e.g. homem é capaz de aprender a ler) não expressa a essência de S, diferentemente de uma definição (e.g. homem é animal bípede racional). Por sua vez, um atributo contingente não satisfaz nem (i) nem (ii), nem compõe a essência do sujeito a que pertence (e.g. homem é branco).

Observando a lista de predicáveis do autor, cumpre ressaltar uma escolha sua de tradução. Por motivos deveras procedentes, ele abandona a opção tradicional que verte o termo “συμβεβηκὸς” por “acidente”. De fato, dos predicáveis que Aristóteles designa por συμβεβηκότα nem todos são propriamente acidentais. O predicável acima chamado contingente o é, mas há alguns que, ao contrário, são necessários, ou pelo menos concebidos como tais. Para verificar isso, basta considerar os atributos formados a partir da disjunção de atributos per se (e.g. número é par ou ímpar, animal é macho ou fêmeo) ou aqueles que Aristóteles chama de concomitantes per se (καθ’αυτὰ συμβεβηκότα) (e.g. o triângulo possui a soma de seus ângulos internos igual à soma de dois ângulos retos). Na verdade, tanto esses dois predicáveis como o contingente não são denominados συμβεβηκότα por serem acidentais ou contingentes, mas, dentre outros motivos, por não fazerem parte da essência do sujeito a que pertencem. É claro que encontrar uma tradução que dê conta disso e que seja perfeitamente equivalente ao termo grego pode ser considerada uma tarefa inexequível, e talvez “concomitante” não seja a melhor escolha. Entretanto, é certo que termos como “acidente” e “acidental”, apesar da tradição, são por demais enganadores para serem aceitáveis.

Angioni ainda apresenta outra ordem de critérios para classificar os termos de uma predicação quando tomados em si mesmos, independentemente de suas relações com outro termo (Angioni, 2006, p.146). O autor defende que tais critérios fundamentam a tradicional classificação das categorias e que, sendo semânticos e ontológicos, de modo algum se reduzem aos critérios lógicos acima mencionados (Angioni, 2006, p.34-35). Os entes designados por um termo possuem uma de duas características. Alguns deles são tais que suas propriedades são homogêneas entre si e podem todas ser reduzidas, em última instância, a algo único; outros são tais que pelo menos algumas de suas propriedades são heterogêneas em relação às demais, de modo que elas não formam, em conjunto, algo único. Os entes do primeiro tipo, Aristóteles os denomina substâncias (οὐσίαι); os do segundo tipo – os quais podem ser qualidades, quantidades, relações ou outras categorias –, Aristóteles os agrupa sob o título de concomitantes (συμβεβηκότα). Ele assim procede porque os concomitantes apresentam algo em comum: aquilo a que eles pertencem precisa também ser algo diverso, isto é, precisa ser essencialmente uma outra coisa que o próprio concomitante (Angioni, 2006, p.33-34). Por exemplo: um x que é branco é sempre algo branco ou um objeto branco. “Algo” ou “um objeto” denota uma lacuna a ser preenchida por uma entidade que, ao contrário do próprio branco, existe sem depender de uma outra essencialmente especificada por propriedades diversas das suas. Essa dependência faz de um concomitante uma entidade deficitária cujo contraponto está na entidade à qual pertencem suas propriedades heterogêneas: a substância.

Essa relação de dependência ontológica se articula com uma dependência semântica: o concomitante também não é definido sem referência à categoria da substância (Met. VII 1, 1028a 34-36). A brancura, por exemplo, é definida como uma qualidade (“uma cor de tal e tal tipo”); e toda qualidade é uma qualidade de uma substância. É verdade que essa última não está delimitada. O branco não é uma qualidade exclusivamente de um homem ou dos homens, ou de um cavalo ou dos cavalos, e assim por diante. Há, entretanto, uma lacuna na sua definição a qual pode ser preenchida apenas por uma substância. Se for um homem, branco será uma qualidade sua; se for um cavalo, uma qualidade sua. Essa é a razão pela qual a referência de um termo que denota um concomitante pressupõe algo de natureza extrínseca. Quando “branco” é capaz de denotar um objeto, este já está previamente identificado por um conjunto mínimo de propriedades diversas das especificadas na definição de branco. Essas propriedades pertencem à substância que nessa ocasião preenche a lacuna da definição desse concomitante. Uma substância, por outro lado, não possui tal lacuna, por isso o termo que a designa é capaz de desempenhar um papel que o termo que designa aquele concomitante não é, qual seja, referir-se por si só a um objeto no mundo.

Angioni interessantemente observa que essa natureza do concomitante explica o desinteresse de Aristóteles em fornecer listas exaustivas das categorias (p. 31-32, 34). A despeito de quantas sejam as classes de concomitantes, todas envolvem entes deficitários que pressupõem a existência de uma substância. Assim, qualquer uma das listas de categorias que o filósofo apresenta pode ser reagrupada primordialmente em apenas dois conjuntos: a categoria da substância e as demais categorias.

A discriminação dos critérios semântico-ontológicos relatados tem interesse filosófico, mas sobretudo interpretativo, porque confere a Angioni a capacidade de unificar de modo efetivamente convincente os textos coligidos. Seja qual for o interesse preciso de Aristóteles em cada um deles, a distinção entre dois grupos de categorias exerce em todos um papel fundamental. Pois essa distinção exibe a natureza de uma predicação. Em última instância, sujeitos lógicos (e não meramente gramaticais) são entidades capazes de denotar um objeto por si só. São, portanto, substâncias. Predicados lógicos, por sua vez, são entidades que formam com o sujeito uma composição, decorrendo daí as características peculiares a uma declaração relatadas acima. Nessa composição, ou o predicado não acrescenta ao sujeito nada diferente do que este já é em si mesmo ou lhe acrescenta algo diverso. Nesse último caso, o predicado constitui algo extrínseco ao sujeito e dele dependente; ele é, portanto, um concomitante (Angioni, 2006, p.30). Pois bem: essas características explicam por que Aristóteles considera uma sentença como “(o) branco é musical (i.e. é capaz de produzir música)” pragmaticamente eficaz, mas não uma predicação no sentido estrito do termo. Angioni mostra que essa sentença precisa ser decomposta em duas predicações: há um mesmo item (e.g. um homem) que recebe os atributos “branco” e “musical” e ao qual eles são extrínsecos (Angioni, 2006, p.120). Esse item, por sua vez, não pode se comportar do mesmo modo em relação a outro, sob pena de a predicação retroceder ao infinito e nunca se enunciar aquilo ao qual os dois atributos são, em última instância, extrínsecos. Por isso, tal item deve ser, em si próprio, uma substância. Também se explica, por exemplo, por que para Aristóteles compostos de concomitantes ou mesmo de uma substância e um concomitante não são dotados de unidade interna (Angioni, 2006, p.99, 181). A sentença pragmaticamente eficaz acima, por exemplo, expressa, de uma mesma substância, dois atributos independentes entre si; sinal disso é que ela não constitui uma única pretensão de verdade nem duas pretensões de verdade vinculadas uma à outra. Por sua vez, uma determinada sentença que possui uma única pretensão de verdade, mas não se limita a descrever o sentido de um termo, é uma composição gerada pela união de uma substância e de um concomitante. Isso significa que algo extrínseco – o concomitante – já foi acrescentado a uma unidade prévia e independentemente constituída – a substância.

A análise semântico-ontológica de Angioni tem ainda o mérito de captar precisamente as preocupações filosóficas de Aristóteles quando este propõe, como forma lógica de uma proposição, a estrutura “S é P”, em vez de, por exemplo, algo similar à estrutura corrente na literatura filosófica “P(a)”. Nesta, a é um indivíduo que permite tornar o predicado – uma expressão insaturada “P(x)” – uma sentença com valor de verdade determinado. Essa capacidade só é dada aos indivíduos, os verdadeiros sujeitos lógicos, e nenhuma expressão insaturada pode ocupar esse papel. Sem dúvida, também na estrutura “S é P” S deve ser substituído por um indivíduo, como Sócrates, para que ela apresente um valor de verdade determinado, mas não é aí que reside, aos olhos de Aristóteles, a diferença fundamental entre S e P. Embora “homem” seja universal, ele não é um atributo de Sócrates tal qual “branco” ou “musical”; estes são-lhe atribuídos extrinsecamente, mas não aquele (Angioni, 2006, p.122-123). Pois ser homem é a condição pela qual Sócrates é identificado como um legítimo sujeito de predicação. Em suma, o interesse primordial de Aristóteles com a estrutura “S é P”, pelo menos na maior parte de seus textos, não está em contrapor particulares e universais, mas antes em contrapor entes similarmente designados por termos universais, porém, de naturezas distintas.

É por todos esses motivos que, com Introdução à teoria da predicação em Aristóteles, Angioni dá importante contribuição aos estudos aristotélicos atuais e deixa à disposição dos estudantes de filosofia um excelente material.

Referências

ROSS, D. 1924. Aristotle’s Metaphysics. Vol. II. Oxford, Clarendon Press, 528 p.

Mateus R.F. Ferreira – Doutorando da Universidade Estadual de Campinas. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas, SP, Brasil. E-mail: [email protected]

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