Lógicas e métodos – Das Filosofias às Teorias da História

The work of the critic 2. comic ar 650433 Imagem IFIAMidjourney jun. 2023 Lógicas e Métodos
The work of the critic 2. comic –ar 650:433 | Imagem: IF/IA/Midjourney (jun. 2023)

 

Colegas, boa tarde!

Neste texto, avançamos na empreitada de comparação entre manuais de Lógica e manuais de Teoria/Metodologia da História. Nosso o objetivo é reforçar uma hipótese: a ideia de que a estrutura dos mais conhecidos discursos sobre o método copia a estrutura dos manuais que ensinavam a arte de ordenar os raciocínios ou a Lógica.

Assim, na primeira parte do texto, inventariamos fins e temas de manuais de Lógica e examinamos o lugar do “método” nesses instrumentos propedêuticos. Na segunda, buscamos os significados de “método” nos textos de Lógica e algumas apropriações de Lógica nos manuais de Teoria e Método da ou para a Ciência Histórica.

Boa leitura!

Introdução

Manuais de Lógica, principalmente os produzidos em cátedras universitárias de Filosofia, na Itália, Espanha, França, Inglaterra e Alemanha, são um bom objeto de comparação com manuais de Teoria e Metodologia da História (TMH), mas, apenas em termos de analogia, isto é, como estímulo à compreensão de algumas escolhas dos escritores e não por encarnarem supostos ancestrais dos manuais propedêuticos.

É provável que o primeiro (entre os historiadores do método) a exercitar a comparação sistemática dos escritos de TMH do século XIX com os escritos de Lógica dos três séculos precedentes tenha sido o Filósofo (e autor de livros de Lógica) Giovanni Gentille (1875-1944), em artigo (bastante elogiado por B. Croce) publicado no ano de 1909.

Gentille (1909, p.138) foi também o primeiro historiador, entre os historiadores do methodus a identificar o par “investigação / exposição” ou, como ele mesmo escrevia, as operações de “metodologia” e as operações de “ars historica1 tanto nos manuais de “método histórico” como nos manuais de Lógica do século XVII. Ele, contudo, não gostou do que leu porque viu demasiada ênfase nas operações de comunicação em detrimento da pesquisa.

Cem anos antes deste artigo de Gentille, o Teólogo e professor de Filosofia da Universidade de Marburg, Ludwig Wachler (1767-1838) escrevera, talvez, a primeira história da Historiografia europeia, ressaltando a dicotomia que seria desprezada por Gentille tanto no título, História da pesquisa e da arte histórica (Geschichte der historischen Forschung und Kunst seit der Wiederberstellung der litterarischen Cultur in Europa 1812/13), como nos elementos textuais do seu trabalho, onde “pesquisa” designava matéria metahistórica e “arte” representava as coisas necessárias à escrita histórica de material substantivo (Wachler, 1813, p.vii, p.834-936).

Da nossa parte, percebemos o valor do par (investigação / apresentação) e da necessidade da comparação quando nos deparamos com a esparsa (embora crescente) referenciação de títulos de Lógica (o Órganon de Aristóteles e o Novo órganon de Bacon), autores de Lógica (I. Kant e W. Hegel) e, de modo mais significativo, com os apelos que os escritores de propedêutica histórica faziam aos termos “lógico” e “logicamente” para justificar os usos de procedimentos analíticos e sintéticos, por exemplo.

Vamos aprofundar essa comparação, inventariando fins e temas de manuais de Lógica e examinando o lugar do “método” nesses instrumentos propedêuticos.

Em seguida, vamos buscar os significados de “método” nos textos de Lógica e demonstrar algumas apropriações de Lógica nos manuais de Teoria e Método da Ciência Histórica ou para a Ciência Histórica, entre os séculos XVIII e XIX, nos ambientes de produção intelectual situados nos países que hoje conhecemos como da Itália, Espanha, França, Inglaterra e Alemanha.


1.  Fins e temas

A primeira analogia entre os domínios da Lógica e as concepções de methodus dos nossos escritores pode ser feita em termos de fins e temas para cada empreendimento.

No que se refere aos fins, os textos de Lógica2 poderiam ser classificados, tipicamente, como auxílios formais do conhecer – e é o que fizemos aqui (SILVA, 1813, p.446. v.1). Ao fundo de cada conhecimento professado estavam posições (céticas, dogmáticas ou críticas) sobre a possibilidade de apreender ou representar os objetos (as coisas ou a realidade), sobre lugar onde a realidade poderia ser encontrada, percebida e concebida (sentidos externos, imaginação e entendimento) (KANT, 2013, p.612-614) e, ainda, sobre a moral que governaria os fins e os meios prescritos pelos domínios da Lógica.

Na Introdução à doutrina da razão e no Exercício da doutrina da razão (1691), ambos escritos pelo professor de Direito da Universidade de Halle, Christian Thomasius (1655-1728), por exemplo, tal domínio tinha por objeto as regras para a descoberta e a comunicação das verdades racionais e das verdades históricas, cuja aquisição era uma obrigação de todo “ser decaído” (em versão agostiniana).

Inferiores (embora não opostas) à “verdade revelada” dos livros sagrados, as verdades do mundo deveriam ser buscadas, inicialmente, com o auxílio de um professor e, depois, sob os esforços dos poderes mentais de cada um, como forma de aperfeiçoar “diariamente” a sua compreensão sobre o mundo. (Thomasens, 1719, p. 5).

Contingências desse e de outros tipos (sobretudo, de compreensões mundanas) foram as principais razões para a variação dos fins, entre as primeiras iniciativas modernas de reforma do Órganon de Aristóteles, a exemplo da Lógica de Petrus Ramus (Ramee), e as Lógicas concomitantes à publicação dos textos propedêuticos de Droysen e Langlois e Seignobos, como aquela Lógica empiricista produzida por S. Mill (1843) e também aquela outra, opositora racionalista, escrita por W. Wundt (1883).

Assim, os textos de Lógica foram construídos como instrumentos viabilizadores da declaração da verdade ou da falsidade (Ramee), da certeza demonstrada e da natureza interpretada (Bacon), da verdade distinguida e bem julgada (Descartes) e do juízo verdadeiro e exato (Arnauld e Nicole).

Também foram os seus fins a verdade conhecida e racionalmente justificada (Balmes), o conhecimento certo / aprendido e o conhecimento provável / recitado (Meier) e as regras do julgamento ou o conhecimento avaliado ou retificado (Kant).

As variações, como vemos, além das clássicas divergências em termos de Moral, concepções de origem do conhecimento e de utilidade da Lógica, estavam, sobretudo, no número de coisas da Lógica, como nos casos da simples disputa ou raciocínio (Ramee) e da aprendizagem e da recitação (Meier).

As variações estavam também nos limites do alcance das suas normas, traduzíveis, por exemplo, nos graus de certeza de Bacon e nas regras necessárias (inatas) ou contingentes (dependentes dos sentidos externos) de Kant.

No fundo, excetuadas as situações nas quais os lógicos ocuparam todo o seu texto na definição de verdade (Hegel) ou se afastaram da função utilitária imediata demandada pela docência – a exemplo do ensinar a raciocinar por silogismos (Kant) –, as respostas sobre as finalidades da Lógica convergiram, dominantemente, para as generalizadas expressões de identificar as regras do conhecer e identificar as regras de comunicar.

Essa mesma estrutura predominante nas Lógicas foi empregada pelos escritores de textos de TMH, expressas, por exemplo, sob as díades conhecer e representar (Mortet), investigar e expor (Bauer e Ballesteros) e descobrir e sintetizar (Firth).

O vigor dessas estruturas em alguns escritos e a sua instabilidade em outros tantos, no século XIX, em países europeus, guardam certamente alguma relação com as mudanças no ensino de Lógica, efetivadas no século XVII.

Naquela época, o Organon de Aristóteles permanecia modelo escolástico (combinado ou contraditado com proposições extraídas de Platão ou dos filósofos Pré-Socráticos).

Contudo, da insatisfação com os seus limites emergiram alternativas que refletiam a arquitetônica dos programas de ensino em colégios de Artes ou em faculdades, reformados por seus respectivos catedráticos.

O aprendizado clássico (aristotélico) do instrumento necessário ao conhecimento das coisas prescrevia, então, as macro operações de conhecer e demonstrar: conhecer a estrutura de palavras, as proposições e as formas gerais de expressão (verdadeiro, provável ou falso) e demonstrar a verdade (analítica), a probabilidade (dialética) ou falsidade (sofística) das proposições.3

Por uma série de razões reiteradamente narradas nas histórias da Lógica,4 essa estrutura do instrumento do conhecer aristotélico foi alterada entre os séculos XVI e XVIII.

Naquele tempo, a operação de descobrir (inventar ou investigar) ganhou maior importância e o comunicar (expor ou compor) ganhou certa autonomia ou recebeu novas metas provenientes dos domínios da Retórica e da Poética.

A leitura de obras produzidas nesse período (ver quadro 1) nos possibilitou a clara percepção de que os escritores oscilaram entre a ênfase na operação de comunicar, a ênfase na operação de descobrir ou o equilíbrio entre a demonstração e a investigação, explicitada nas tarefas escolares de aprender para si e aprender para ensinar aos outros.

Um dos exemplos mais citados dessas mudanças foi a experiência de Giacomo Zabarella (1533- 1589), descrita no livro Opera logica [1597].

Condicionado pelas demandas dos alunos da Faculdade de Medicina, esse aristotélico ortodoxo e professor de Filosofia Natural da Universidade de Pádua reconheceu a existência de dois métodos relacionados às finalidades do conhecer e do aprender (ASHWORTH, 2008, p.615-616). Ao primeiro nomeava “methodus” (método “resolutivo” ou de conhecimento) e ao segundo “ordo ou ordines” (método “compositivo” ou de demonstração).

Para os fins atribuídos à Lógica no seu cotidiano de professor, entretanto, Zabarella priorizou as operações da “demonstração”, valorizando esse domínio como ferramenta para a melhoria da aprendizagem. (MIKKELI, 1992, p.81-82, p.86-87).

Outra mudança importante, efetuada na Lógica por Zabarela, foi a separação entre “Historica” e “ars historica” (MIKKELI, 1992, p.75-76), base para as diferenciações de “história” (evento, representação do evento e reflexão sobre o evento a partir das representações escritas), explicitadas pelo lexicógrafo Benjamin Herderich (1645-1748), em 1709. (Pandel, 1990, p. 130).

No seu Guia para as ciências históricas mais nobres (1709),5 ele empregou a palavra “método” apenas uma vez, atribuindo-lhe o significado de modo compacto para apresentação de um conjunto de “ciências auxiliares”. (HEDERICHS, 1711, p. viii-ix).

Mediado por Hederich, Zabarela também serviu à invenção de conceitos e à estruturação de domínios típicos da “Historiografia” (tomada como Teoria da História) e da “Historiomathia”, entendida como responsável pelas regras de aprender História (autodidática) e regras para ensinar História (didática).

Foi esse o esquema que Johann Christoph Gatterer (1727-1799) criou na Universidade de Göttingen (Pandel (1990, p.130-131, p.135; GEIGER, 1908, p.42, p.45), no último terço do século XVIII, interpretado como ponto zero da Teoria da História ou do método histórico por uns e, também, anacronicamente, como iniciativa de institucionalização da História na Universidade sob modelo interdisciplinar.

Foi também esse esquema dicotômico de significar methodus – conjunto de regras para escrever e conjunto de regras para ensinar – que Moeller (filho) recuperou como modelo formativo para os pós-graduandos em História e/ou futuros professores de História na Bélgica, no último quartel do século XIX. E ele fez isso mesmo sabendo que o seu responsável (Moeller-pai) havia escrito a proposta na primeira metade do século XIX, inspirando-se na experiência como aluno de universidades alemãs, onde a orientação de propostas semelhantes a de Gatterer (“historiografia” / “historiomathia”) era bastante comum.

A Lógica aristotélica também foi modificada com a agregação de operações do domínio da Retórica escolástica.

A inventio e o iudicium, segundo os desejos do francês Pierre Ramee (1515-1572), deveriam constar como elemento da Dialética (RAMEE, 1555, p.121). Diferentemente de Zabarella, que queria aprofundar o conhecimento sobre a Filosofia Natural, já abordada no texto de Aristóteles, nosso já conhecido Ramee era um professor de Eloquência e Filosofia, interessado em facilitar a aprendizagem e demonstrar a utilidade dos estudos de humanidades prescritos pela Universidade de Paris.

Seu propósito não era tanto a descoberta de novos conhecimentos e sim a sistematização e a organização dos argumentos conhecidos, ou seja, a melhoria do currículo, em termos de estratégias de ensino e de aprendizagem. A Lógica, então marcada pelas operações de análise e síntese, deveria ser útil aos alunos em todas as “artes” (História e Literatura, por exemplo).

Esse interesse o fez negar a diferença entre o “methodus” (com o significado de descoberta) e método como “ordo” (com o significado de ensino) e defender o emprego dos dois conjuntos de operações para uma mesma tarefa, no seu caso, a leitura dos antigos: decompor um texto em seus elementos lógicos e compor um texto seguindo os procedimentos adotados para a análise textual que se findava. (ERLAND, 2016).

Essa tentativa de unificação dos métodos inventada por Ramee foi o que possibilitou, em parte (VASOLI, 1996, p.8), a construção de uma das primeiras e mais controversas ideias de método histórico do século XVI: Methodus ad facilem historiarum cognitionem (1566).

Evidentemente, o seu responsável, o jurista Jean Bodin (1530-1596), não se empenhava em tornar científico um domínio chamado História. Seus interesses estavam bem longe dos debates sobre teoria do conhecimento histórico do final do século XIX.

Apoiando-se nas ideias de método de Ramee, os escritos de História examinados por Bodin foram transformados em instrumento para sistematizar corpos legais dispersos no tempo e no espaço e viabilizar a invenção e uma espécie de Direito Universal.

O método que lhe facilitaria a tarefa, a “aplicação da análise à leitura das histórias”, consistia na classificação dos gêneros de histórias, de historiadores e, adiante, a comparação de conteúdos substantivos como as formas de Constituição e de governo em várias partes do mundo. (BARROS, 2012, p.172, p.180, p.186- 187).

Bodin foi citado como exemplo positivo e negativo por quase todos os historiadores da passagem do século XIX ao XX que historiaram o “método”, o “método histórico” ou a “crítica histórica”.

Até mesmo o experiente escritor Bernheim, que cultivava a ciência Histórica como investigação e representação, atribuiu valores exagerados (BERNHEIM, 1888, p. 128) àquela invenção bodiniana de “método histórico”, centrado em práticas de classificar e de ler histórias.

Dois exemplos bem mais conhecidos de iniciativas modificadoras da estrutura das Lógicas de base aristotélica, deflagradas pela diferenciação dos objetivos perseguidos por seus cultores, foram o Novo organon (1620), de Bacon, e o Discurso do método (1637), de Descartes.

Ambos compreenderam a Lógica, respectivamente, como operações de “invenção” de “novas verdades” e operações para o “aperfeiçoamento do espírito”. Bacon quis “inventar” ou descobrir uma nova arte (as Ciências Naturais) e Descartes prontificou-se a aprender a usar melhor a sua capacidade de julgamento. (ROUX, 2012, p. 11-12, p. 15).

Os dois punham ênfase na investigação (descoberta) de novas verdades e reclamavam da insuficiência dos instrumentos disponibilizados pela escolástica: “nós rejeitamos (declarava Bacon) a prova por silogismos [método de indução] porque ela opera em confusão [de palavras e imaginação] e permite que a natureza escape de nossas mãos. [O silogismo está] bastante divorciado da prática e é completamente irrelevante para a parte ativa das ciências.” (BACON, 2014, p. 19).

Descartes (1989, p. 43) fazia crítica idêntica ao afirmar que a Lógica baseada em silogismos servia muito “mais para explicar a outrem as coisas que já se sabia”. Além disso, haveria nos silogismos bons preceitos, mas também preceitos “nocivos e supérfluos”, sendo quase tão difícil separá-los quanto tirar uma “Diana ou uma Minerva de um bloco de mármore que nem sequer está esboçado.”

Quando comparamos essas concepções, fins e temas de Lógica dos filósofos e as concepções fins e temas de método dos escritores de propedêutica histórica, percebemos com facilidade que a Lógica de Descartes (as condições do conhecer e as quatro regras fundamentais) foi consumida por Tardif e o princípio básico do raciocinar cartesiano – a dúvida metódica – atravessou as operações de interpretação de Seignobos.

Percebemos ainda a dedicação de Droysen à construção de um Órganon – uma Lógica – para a Ciência Histórica, com referências aos idola baconianos que depurariam a imagem construída pelo historiador, resultante da relação entre o que ele percebia nos restos do acontecido e o que ele desejava que pudesse acontecer no seu entorno.

Por fim, reiteramos, é fácil detectar o desprezo pelo silogismo aristotélico, não apenas como instrumento do conhecer em Ciências Naturais, mas também na História filosófica (ou na Filosofia histórica). Essa prática foi manifestada por Collingwood na construção da sua Lógica da História. Com esses casos, chegamos ao terreno dos métodos nas Lógicas e nas Ciências Históricas.


2.  Significações de método

Na Lógica de Aristóteles (2010, p. 347-350), o silogismo estava situado na Dialética (também chamada de Tópica). Era um instrumento para raciocinar que servia à invenção (investigação) e também demonstração (sustentação do argumento).

Aristóteles já grafava “métodos”, mas Ramee (1555, p. 3), como vimos, acusou um erro do estagirita: a distinção entre os caminhos para a demonstração da verdade (Analíticos) e os caminhos para a demonstração da opinião (Dialética). Para Ramee (1555, p. 119-120), contudo, haveria apenas um método, realizado no dispor as coisas no discurso (sintaxe). Método, na versão de 1555, significava “disciplina’ [ordem] e “disputa” a serviço do julgamento.

 

Quadro 1 – Lugares do método na arquitetônica dos textos de Lógica (Século XVI – Século XIX)
Autor
Ano
Estrutura
Aristóteles
335/323
Categorias / Interpretação / Analíticos / Dialética / Sofística
Ramee
1555
Invenção / Julgamento
Zabarella
1578
Lógica / Sylogismo / Método / Conversações, demonstrações em
definições…
Bacon
1620
Divisão das ciências / Novo órganon / Fenômenos do universo…
Descartes
1637
Discurso do método / Ótica-Meteorologia-Geometria
Port-Royal
1662
Concepção / Julgamento / Raciocínio / Método
Wolff
1712
Discurso preliminar / Teorética / Prática
Berkeley
1710
Princípios do conhecimento / [A segunda parte é desconhecida]
Meier
1752
Conhecimento / Aprender / Ensinar / [Características] do estudioso
Kant
1800
Analítica ou Doutrina Geral dos elementos / Dialética ou Doutrina
geral do método
Hegel
1812/13
Doutrina do Ser / Doutrina da Essência
Mill
1843
Nomes e proposições / Raciocínio geral / Indução / Lógica das
Ciências Morais
Balmes
1846
Faculdades auxiliares / Faculdade principal – entendimento / Método
Wundt
1880/83
DG do Método / Matemática / C. do Espírito / C. Históricas / C. de
Leis / Filosofia
Produzido pelo autor a partir de: Ramee (1555), Zabarella (1758), Bacon (1620), Descartes (1637), Port-Royal (1662), Wolff (1712), Berkeley (1710, Meier (1752), Kant (1800), Hegel (1812), Mill (1843), Balmes (1846) e Wundt (1880). Obs.: (DG) – Doutrina Geral.

Na estrutura do discurso de Bacon (1909, p.62, p.78, p.235), o instrumento de descoberta das ciências ocupava a parte central (quadro 1, linha 5). Seu método reunia os movimentos de (1) inferir os axiomas e (2) fazer novas experiências a partir dos axiomas já formados, designados como indução-experimentação e dedução-experimentação.

Já os movimentos sugeridos por Descartes (1637, p. 20-23) seguiam quatro regras: (1) evidência-intuição, (2) análise, (3) dedução e (4) enumeração. O Método era a primeira parte da publicação. A segunda demonstrava a serventia do instrumento para o cálculo e as respectivas descobertas no campo da Ótica. Observando a estrutura do Discurso de Descartes, percebemos que o seu “método” praticamente assumiu (ROUX, 2012, p. 6-7) as antigas funções da “Lógica”.

O mesmo não podemos dizer de Bacon que isolou as operações de método em uma parte da obra (com majoritário significado de ensino) e preferiu, dominantemente, os termos “via”, “ratio” e “organum” para referir-se aos caminhos da descoberta e avaliação do conhecimento (MENNA, 2014, p.12n).

Foi com esse tipo de informação e procedendo por analogia inversa no tempo (passado / presente) que conseguimos minimizar o nosso estranhamento em relação às Teorias de Droysen e de Seignobos, ou seja, a legítima possibilidade de a palavra e as coisas do “método” situarem-se como parte de uma Teoria (o Esquema de Droysen, versão 1882) ou serem transformadas, praticamente, em toda a Teoria da História (o “ensaio sobre o método”, de Langlois e Seignobos, e a primeira versão do Esquema de Droysen – 1857/8).

Quadro 2 – Métodos de análise e de síntese na Lógica Port-Royal (1662)
Análise
Síntese
Fins da Lógica
Descobrir a verdade
Provar a verdade aos outros
Designações de Método
Método de resolução
 
Método de invenção
Método de composição
 
Método de doutrina
Elaborado pelo autor a partir de Arnauld e Nicole (1668, p.391-392).

Na Lógica de Port-Royal (1662) – uma expressão exemplar da Lógica cartesiana (quadro 2) –, os jansenistas radicados em Paris, Antoine Arnauld (1612-1694) e Pierre Nicole (1625-1695), apresentavam apenas duas possibilidades de método, destinados, respectivamente, à resolução de problemas (problemas de palavras e de coisas) e à demonstração dos seus resultados.

Tal prescrição, situada na última parte do escrito jansenista, nos deu uma nítida ideia da profusão de termos e de significados para método (caminho para o descobrir / provar ou caminho analítico / sintético) que seriam empregados adiante em outros domínios e gêneros (quadro 2) e também no manual de Tardif (método de ensinar e método de investigar) que, por sua vez, se orgulhava de empregar a Lógica e a erudição francesas.

Uma dessas distinções (método como investigação e método como exposição) foi mantida na Arte de cultivar a razão (1712), texto seminal de Lógica em língua alemã, de C. Wolff (1735, p.46).

Wolff declarou que o conjunto de regras destinadas ao raciocínio e empregadas na Filosofia era o método matemático, ou seja, aquele que prescrevia o uso de sujeitos e predicados precisos, ordenados e admitidos como verdadeiros.

Wolff (1735, p.1, p.166-168) também referiu-se às verdades históricas como não demonstráveis e sim acreditáveis. Se esse tipo de conhecimento não possuía fundamentos incontestáveis (definições, axiomas e experiências claras), estabelecidos de modo irrefutável (via silogismos), “História” não seria, evidentemente, uma “ciência”, ele afirmou.

Esse raciocínio (entendido por nós a partir das premissas de Wolff) pode ter sido o problema que mobilizou os esforços de Johann Martin Chladenius (1710-1759) a construir uma Lógica para a História (História qualificada como Geschichtswissenschaft e não ars historica) a qual designou de Ciência Histórica geral (1752).

Era, então, o mesmo Chladenius abonado por Langlois e Seignobos no seu “ensaio sobre o método”. Contudo, apesar de oferecer caminhos para a aquisição da “certeza” e da “probabilidade” históricas, do “aprender uma História” e da “arte de escrever História” (temas, respectivamente, relativos à analítica, dialética, análise e composição), Chladenius (2013, p.231, p.257, p. 282, p. 292) não usou “método” ou “metodologia” (seja em latim, seja em alemão). Preferiu “regra” ou “regras gerais” para codificar o processo de produção do conhecimento histórico.6

Da segunda metade do século XVII ao início do século XIX, as Lógicas permaneceram como modelos de estrutura para os discursos sobre regramento da pesquisa e da exposição históricas e base para justificação dos métodos e de partes do método de escritos qualificados como “de História.” (CHLADENIUS, 1752, p. 21).

As mesmas dicotomias que acompanhamos no início desse texto seriam agora flagradas nos manuais enciclopédicos que circulavam nos Estados alemães, ganhando a estrutura de três ou quatro elementos e ressignificando o termo “metodologia histórica”.

No Esquema de ciências históricas auxiliares (1802), J. E. Fabri (1808, p.440-443) empregava esse termo7 para designar as coisas da “heurística”, “crítica”, “técnica” e “sofística” e constituir um domínio que servia à Cronologia, Genealogia, Diplomática, Heráldica, Numismática e à Geografia.

Era metodologia prescritora de princípios e regras para a “produção”, “composição” e “comunicação” históricas (regras para a Historik ou ars historica) e regras para o conhecimento das obras e dos conteúdos e os seus respectivos usos na vida prática (Historiografia).

Vemos aí uma estrutura similar (embora anterior) ao quadripartidismo de Droysen e de Bernheim, fundado em elementos da Lógica aristotélica: descoberta (heurística e crítica) / demonstração (concepção e representação).

Na Enciclopédia de ciências históricas auxiliares (1808) de J. G. Fesmaier a situação se inverteu: “método histórico” tornou-se elemento da “Crítica Histórica”, uma das ciências auxiliares históricas.

Tal método compreendia princípios para a apresentação (acadêmica e pragmática) (FESMAIER, 1802, p.202-293, p.308-309), cujas formas eram derivadas das regras da Lógica.

Para Carl Traugott Gottlob Schönemann (1765-1802), “metodologia abarcava as operações dos “estudos históricos” e do “ensino” histórico: preparação do material (busca e crítica de fontes) e tratamento do material (seleção, concatenação e representação) (SCHÖNEMANN, 1799, p.12) do mesmo modo que as díades privilegiadas pelos citados Moeller e Tardif.

Durante o século XIX, dada a sofisticação, por exemplo, nos escritos já canônicos de Kant e de Hegel, a apropriação das Lógicas se deu de modo mitigado (mesmo em termos de “método” – a palavra e a coisa atribuída pelos filósofos apropriados).

Na versão mais elaborada da lógica transcendental, inserta na Crítica da razão pura (1781/87),8 Kant (2013, p.96-97) dissertou sobre as regras do conhecer conceitual, isto é, sobre as leis que governavam o entendimento ou faculdade de pensar, mas distinguiu a Lógica do “uso universal do entendimento” (“Lógica elementar”) e a Lógica do “pensar corretamente sobre um certo tipo de objetos” (“órganon”).

Resultante da sua concepção fenomenológica (da separação entre o sujeito conhecedor e um objeto com hipotética existência em si mesma), a Lógica Geral Pura foi reservada ao estudo das formas do pensamento intuitivo ou conceitual, classicamente conhecidos como os imperativos categóricos tempo e espaço.

Sob a designação de “Lógica Transcendental”, o escrito de Kant (2013, p.40) determinava, desse modo, “a origem, o alcance e a validade objetiva” dos conhecimentos a priori (independentes dos objetos experimentados).

Foi justamente essa parte da Lógica kantiana (o entendimento do tempo como intuição pura e mais abrangente) que Droysen empregou para fundamentar parte da sua versão de Ciência Histórica. Ele caracterizou o domínio como modo de ver as coisas em sucessão (diferenciando-o da Geografia que, por sua vez, seria o modo de ver as coisas em simultaneidade). (DROYSEN [1882] 1977, p. 421; KANT, 2013, p. 71, p. 79-80).

Em polo oposto, foi justamente essa a parte da lógica de Kant que Xenopol reprovou em sua Teoria da História. Ele preferiu a concepção de tempo e espaço como coisas exteriores ao sujeito do conhecimento, apoiando-se na Lógica do inconsciente de Eduard von Hartmann (1842-1906).

Quanto à Lógica particular, que pensava objetos específicos constituintes de ciências particulares, ela não foi desenvolvida por Kant e se algo fizesse de semelhante, estaria, provavelmente, direcionado às Ciências Naturais.

Quem levou adiante a possibilidade de uma lógica particular aplicada à História foi Bernheim. Ele a desenvolveu sob a designação de “metodologia da História” (1889). Tratava-se de um novo domínio histórico que ofereceria os princípios e procedimentos práticos constituintes dos métodos empregados na pesquisa histórica, dentro dos mesmos critérios referidos e abonados por Kant.9

Mais à frente, a sofisticação de Kant, em termos da relação sujeito-objeto, foi ampliada por Hegel (2015, posição 697) que estabeleceu a integridade matéria-conceito (ou ser e vir-a-ser).

Hegel também tratava das leis do pensamento, mas admitia ser inapropriado abstrair a Lógica de todo “conteúdo” (o pensado): “uma vez que o pensar e as regras do pensar devem ser seu objeto, ela já possui imediatamente seu conteúdo peculiar.” Essas leis e regras do pensamento (forma e conteúdo da Lógica) constituíam para Hegel as coisas do “método” ou do “método científico”.10

Tais regras foram referidas intensamente na primeira parte do seu texto (doutrina do Ser). Contudo, foi o conjunto das operações distribuídas ao longo da sua Lógica (e experimentadas na constituição do Ser e da Essência) que ganharam algum espaço nos manuais de TMH produzidos na passagem do século XIX para o século XX.

Essa ideia hegeliana de que a realidade é pensamento (e vice-versa) e de que o pensado se configura nos movimentos de afirmação, negação e síntese (ou “ser”, “nada” e “tornar-se”) foi designada como “método dialético” e serviu de molde ao próprio Hegel para a invenção de uma História da Humanidade, provocando reações positivas e negativas por parte de escritores de TMH.

Em relação à forma dessa História (o método dialético), encontramos aprovações no texto de Collingwood, adversário do método experimental e de propostas realistas ingênuas do conhecimento.

Por outro lado, encontramos reprovação do método dialético no texto de Villari que defendia o “método experimental” e/ou o “método positivista” como freio à desreferencialização da realidade na representação disseminada do passado. As negações em termos de conteúdo, por seu turno, foram esboçadas na TMH de Labriola (embora, nesse ponto, já estejamos avançando muito mais para o campo da especulação metafísica).


Considerações finais

Nas histórias do método histórico ou nas histórias de como a História veio a se tornar “ciência”, é comum reivindicar a contribuição de um ou outro domínio de diferentes campos do conhecimento.

A Filosofia, em seus ramos retórico e dialético, mãe, madrasta ou concorrente da História, é o sujeito preferencial de comparações quando o século XIX ajuda a constituir o objeto historiado. A Lógica, ao contrário, tem merecido pouco atenção.

Com as breves informações sobre os conhecimentos e o ensino de Lógica e os conhecimentos e o ensino de História, via o exame de manuais propedêuticos em longa duração, esperamos que uma conjectura muito previsível tenha sido razoavelmente demonstrada e testada a respeito do tema: a ideia de que a arquitetônica dos mais conhecidos discursos sobre métodos históricos, produzidos na passagem do século XIX para o século XX, copia a arquitetônica dos manuais que ensinavam a arte de ordenar os raciocínios ou a Lógica, produzidos, principalmente, entre os séculos XVI e XIX.

A reflexividade de domínios dos Estudos Históricos em domínio da Lógica fica mais clara quando comparamos a segmentação (em quantidade e substância) flagrada em textos de Lógica e a segmentação operada pelo escritor de História que dele se apropriava, principalmente, ao tratar da divisão do methodus (histórico) em operações bi, tri ou quadripartite.

Entre meados do século XIX e meados do século XX, percebamos ainda alguns professores de Filosofia, produtores de manuais, impondo lógicas para a(s) ciência(s) da História – John Stuart Mill (1806-1873), Heinrich John Rickert (1863-1936), Wilhelm Maximilian Wundt (1832- 1920), Francis Herbert Bradley (1843-1924), William Brindley Joseph (1867-1943) e Henri Berr (1863-1954) – ou, de modo raro, aceitando a reflexão sobre objetos, fins e métodos produzidas por autodenominados historiadores como produtos dignos de figurar em compêndios gerais de Lógica – Susan Stebbing (1855-1943).

No mesmo período, contudo, assistimos à proliferação de manuais de TMH, com idêntico poder dos impressos de Lógica, legitimados que estavam com a instituição da História na condição de licenciatura em muitos países.

Nesse novo tempo, as escritas já praticavam verdadeiros programas de Lógica (busca da verdade, métodos destinados à investigação e à exposição), mas sem a preocupação de citar esse ou aquele filósofo ou sistema.

Além disso, incorporavam como históricas as questões relativas à natureza da verdade e às respectivas regras de validação, construídas sob ideais de imparcialidade e de objetividade.

A situação, agora, se invertia, estando as Lógicas dispersas no interior dos manuais de Teoria da História ou de Introdução aos Estudos Históricos.

Notas

1 A literatura sobre a ars historica é extensa. Consultamos apenas os textos da coletânea de Giana Pomata e Nancy Siraisi (2005) e os trabalhos monográficos de Antony Grafton (2005, 2007).

2 Para o mapeamento dos textos mais influentes na construção dos manuais de Lógica, consultamos sínteses de “História da Lógica”(FRANK, 1838; BLAKEY, 1851; NEIL, 1859; CROCE, 1917; BELNA, 2014), os volumes do Handbook of the History of Logic (GABBAY; WOODS, 2004/2009) e artigos monográficos sobre autores e manuais.

3 Segue a descrição das partes da Lógica de Aristóteles: 1. “Categorias” – formas do pensamento; “Interpretação” – formas gerais de expressão do pensamento (verdadeiro, provável ou falso); “Analíticos” (demonstração) – formas de expressão da verdade; “Dialética” (ou “Tópica”) – formas da probabilidade; e “Sofística” – formas do erro. O método (ou a Lógica) é constituído pelas três formas de expressão: Analíticos (demonstração), Dialética (tópica) e Sofística. Categorias e Interpretação são partes propedêuticas.

4 Uma das mais significativas, para o nosso trabalho, foi contada recentemente por Sellberg Erland (2016), que explora as disputas pelas significações de “método” (adquirir ou exibir conhecimento), de “ordo” (ensinar ou exibir conhecimento) ou da maneira correta de proceder (do geral para o particular e vice-versa).

5 [Anleitungzudenfuernehmsten historischen Wissenschaften].

6 [Die allgemeinen Regeln der hiſtoriſchen Erkentniß].

7 [Historische Methodologie]

8 Nas notas de aulas ministradas, desde 1765 e publicadas em 1800, método é definido como a “maneira pela qual há de se conhecer completamente um certo objeto, ao conhecimento do qual ele deve ser aplicado” (p.37). Método tem como objeto as regras e como fim a “perfeição lógica do conhecimento”. (KANT [1800] 1992, p.158, p.160, p.163).

9 “A lógica do uso particular do entendimento contém as regras para pensar corretamente sobre um certo tipo de objetos. [Pode ser denominada] o organon desta ou daquela ciência [e] é apresentada nas escolas, muitas vezes, como propedêutica das ciências.” Kant (2012, p.97).

10 Também grafa “método do cálculo infinitesimal”, “método do cálculo diferencial”, “método matemático” (geométrico e analítico).

Referências

ARISTÓTELES. Órganon. Bauru: Edipro, 2010.

ASHWORTH, E. Jennifer. Developments in the fifteent and sixteenth centuries. In: WOODS, Handbook of History of Logic. Amsterdam: Elsevier, 2008. p.609-646, v.2.

BACON, Francis. Novo Órganon [Instauratio Magna]. São Paulo: Edipro, 2014.

BACON, Francis. Novum Organum. New York: P. F. Collier, 1902.

BARROS, Alberto Ribeiro G. de. Jean Bodin. In: PARADA, Maurício (org.) Os historiadores clássicos da História. De Heródoto a Humboldt. Rio de Janeiro: Editora da PUC-RIO; Petrópolis: Vozes, 2012. p.171-191. v.1.

BELNA, Jean-Pierre. Histoire de la Logique. Paris: Ellipses, 2014.

BERNHEIM, Ernst. Lehrbuch der historischen Methode. Leipzig: Duncker & Humblot, 1889.

BLAKEY, Robert. Historical sketch of Logic, from the earliest times to the present day. London: H. Baillière, 1851.

BRADLEY, F. H. Principles of Logic. New York: G. E. Stechert, 1912 [1883].

CHLADENII, Johann Martin. Algemeine Geschichtswissenschaft, worinnen der Grund zu einer neuen Einsicht in allen Arten der Gelahrheit geleget wird. Leipzig: Friedrich Lanckischens Erben, 1752.

CHLADENIUS, Johann Martin. Princípios gerais da ciência histórica – Exposição dos elementos básicos para uma nova visão sobre todos os tipos de saberes. (1752). Campinas: Editora da Unicamp, 2013.

COUSINET, Marie-Dominique. Histoire et méthode à la Renaissance: une lecture de la Methodus ad Facilem Historiarum Cognitionen de Jean Bodin. Paris: Librairie Philosophique J. Vrin, 1996.

CROCE, Benedetto. Logic as the science of the pure concept. London: Macmillan, 1917. (Traduzido por Douglas Ainslie).

DESCARTES, René. Descours de la methode pour bien conduire as raison, e chercher la verité dans les sciences. Plus la Dioptrique. Les Meteores. Et la Geometrie. Lui sont des essais de cete Methode. [Leyde]. Ian Maire, 1637.

DESCARTES, René. Discurso do método. Brasília: Editora da UnB; São Paulo: Ática, 1989. Apresentação e comentários de Denis Huisman. Tradução de Elza Moreira Marcelina.

DROYSEN, Johan Gustav. Grundriss der Historik (Die erste Vollständige Hand- schriftliche Fassung (1857-1858). Stuttgart: Frommann-Holzboog, 1977. p.

ERLAND, Sellberg. Petrus Ramus, The Stanford Encyclopedia of Philosophy (2016). Disponível em https://www.plato.stanford.edu/archives/sum2016/entries/ramus/ Capturado em 12 dez. 2018.

FABRI, Johann Ernst. Encyclopädie der historischen Hauptwissenschaften und deren Hülfs-Doctrinen. Erlangen: Johann Jakob Palm, 1808.

FESMAIER, Johan Georg. Grundriss der historischen Hilfswissenschaften. Landhut: Anton Weher, 1802.

GABBAY, Dov M.; WOODS, John. Handbook of the History of Logic. Mediaeval and Renaissance Logic. Amsterdam: Elsevier, 2008. v.2

GENTILE, G. Contribuition à l’histoire de la méthode historique. Revue de Synthèse Historique, Paris, v.5, n.14, p.129-152, 1909.

GRAFTON, Anthony. The identities of History in Early Modern Europe: prelude to a study of the Artes Historicae. In: POMATA, Gianna; SIRAISI, Nancy G. (Eds). Historia: Empiricism and Erudition in Early Modern Europe. Cambridge, Mass, MIT University Press. 2005. p.41- 74.

GRAFTON, Antony. What was History – The Art of History in Early Modern EuropeCambridge: Cambridge University Press, 2007.

HEDERICHS, Benjamin. Anleitung zu den fürnehmsten historischen WissenschaftenWittemberg: Gottried Zimmermannen, 1711.

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Ciência da Lógica: a doutrina do ser. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2016. Tradução de Christian G. Iber, Marloren L. Miranda e Frederico Orsini.

JOSEPH, H. W. B. An introduction to Logic. Oxford: Claredon Press, 1906.

KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. 3ed. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Edusf, 2013.

KANT, Immanuel. Lógica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992.

MENNA, Sergio Hugo. Apresentação: Francis Bacon e o Novo Organum. In: BACON, Francis. Novo Organon [Instauratio Magna]. São Paulo: Edipro, 2014. p.9-15.

MIKKELI, Heikki. An Aristotelian response to Renaissance Humanism: Jacopo Zabarella on the nature of arts and sciences. Helsinki: [SHS] 1992.

MILL, John Stuart. System of Logic, ratiocinative and inductive. 3ed. London: John W. Parker, 1851. v.1

MORAES SILVA, Antônio. Dicionario da Lingua Portugueza. Lisboa: Typographia Lacerdina, 1813. t.1.

NEIL, Samuel. The Art of reasoning. London: Walton and Maberly, 1859.

PANDEL, Hans-Jürgen. Fragestellung. In: Historik und Didaktik: Das Problem der Distribution historiographisch erzeugten Wissens in der deutschen Geschichtswissenschaft von der Spätaufklärung zum Fühhistorismus (1765-1830). Stuttgart: Bad Cannstatt, 1990. p.11-22. 343

POMATA, Gianna; SIRAISI, Nancy G. (Eds). Historia: Empiricism and Erudition in Early Modern Europe. Cambridge, Mass, MIT University Press. 2005.

RAMEE, Piere de la. Dialectique. Paris: André Wechel, 1555.

ROUX, Sophie. Logique et méthode au XVIIe siècle. Cahiers Philosophiques de Strasbourg, Université de Strasbourg, p.21-46, 2012. Disponível em< halshs-00813053 > Capturado em 9 nov. 2018. 345

SCHÖNEMANN, Carl Traugott Gottlob. Grundrißeiner Encyclopädie der historischen Wissenschaften. Göttingen: Johann Chriſtian Dieterich, 1799.

STEBBING, L. Susan. The contrast between experimental and historical sciences. In: A modern introduction to Logic. 3ed. London: Methuen, 1933. p.375-388.

TARDIF, Adophe. Notions élémentaires de Critique Historique. Paris: Alphonse Picard, 1883.

THOMASENS, Christian. Einleitung zu der Vernunfft Lehre. Halle: Christoph Salfelds, 1719.

VASOLI, Cesare. Preface. In COUSINET, Marie-Dominique. Histoire et méthode à la Renaissance: une lecture de la Methodus ad Facilem Historiarum Cognitionen de Jean Bodin. Paris: Librairie Philosophique J. Vrin, 1996. p.7-15.

WOLF, Christian. Philosophiarational sive Logic – Methodo scientifica pertractata, et ad usum scientiarum atque vitae apptata. Verona: Dionysii Ramazini, 1735.

WUNDT, Wilhelm. Logik. Logik der Geisteswissenschaften. Stuttgart: Ferdinand Enke, 1908. t.2. 2023

 


Para citar este texto:

FREITAS, I. Lógicas e Métodos – Das Filosofias às Teorias da História. Ponta de Lança: Revista Eletrônica de História, Memória & Cultura. São Critóvão, v. 16, n. 31, p. 98 – 116, 3 fev. 2023. Disponível em <https://www.resenhacritica.com.br/a-cursos/logicas-e-metodos-das-filosofias-as-teorias-da-historia/>.

Critérios lógicos e retóricos para avaliação de resenhas acadêmicas

The work of the critic comic ar 650433 Imagem IFIAMidjourney jun. 2023 Lógicas e Métodos
The work of the critic. comic –ar 650:433 | Imagem: IF/IA/Midjourney (jun. 2023)

 

Colegas, boa tarde!

Hoje vamos discutir critérios para avaliar resenhas acadêmicas, dentro do princípio de que um avaliador criterioso é também um potencial escritor criterioso.

Os critérios de avaliação de textos acadêmicos podem ser tipificados de forma varia. Um dos marcos definidores é a sua proveniência. Nesta direção, temos, por exemplo, critérios provenientes da lógica, critérios da retórica e critérios provenientes da epistemologia de domínio histórico (que somam elementos dos dois primeiros).

Os critérios provenientes da epistemologia do domínio histórico são o objeto da aula 3. Para aprofundamento e a rememoração sobre a historicidade da epistemologia histórica como lógica, clique aqui.

Nesta aula, nosso objetivo é apresentar definições e regras lógicas e retóricas que possibilitem a você avaliar uma resenha acadêmica, próximo aos padrões exigidos pela revista Crítica Historiográfica.


1. Pensamento crítico e argumento

Os critérios de avaliação de resenha que reunimos aqui são buscados em textos de Lógica e Retórica que têm por objeto de conhecimento o “pensar criticamente” ou o “pensamento crítico”.

Os critérios mobilizados com fins de pensamento crítico, quando respeitados, legitimam os argumentos dos resenhistas.

Várias das definições de pensamento em circulação (limitados às referências listadas ao final da aula) são fundadas na ideia de pensamento isento de erros, sob parâmetros mais gerais de verdade exigida pela ciência moderna.

Assim, pensar criticamente é a ação de raciocinar com método, como um cientista. (Haber, 2020, p.36). Pensar criticamente é mobilizar padrões de habilidades mentais superiores (Bassham, 2022, p.23).

Além de convergirem nas habilidades mentais exigidas, estudiosos do pensamento crítico reforçam a ideia de que o raciocinar criticamente é útil à compreensão de argumentos e crenças, à crítica de argumentos e crenças e ao desenvolvimento e defesa de argumentos e crenças (Canale, 2022, p.22, 34).

Por fim, especialistas em pensar criticamente definem um argumento como uma uma declaração justificada mediante razões, ou seja, uma declaração composta por duas ou mais premissas, como neste exemplo: “Os patriotas do 8 de janeiro devem ser presos porque atentaram contra o regime democrático de direito [Declaração]. Eles estavam uniformizados em verde e amarelo, planejaram as ações autoritárias, viajaram dois dias antes em caravanas de ônibus e depredaram as sedes dos poderes executivo, legislativo e judiciário [Evidências].”

As premissas são realizadas por sentenças. A primeira sentença fornece um juízo racional [Patriotas devem ser presos porque atentaram contra a democracia]. A segunda fornece prova/apoio [Planejaram ações autoritárias e depredaram as sedes dos poderes republicanos].

As sentenças devem funcionar como: afirmações, negações, comandos acompanhados por um julgamento ou perguntas retóricas acompanhadas por julgamento. As sentenças, por fim, podem comunicar declarações verdadeiras, falsas ou abertas.

  • Exemplo de sentença afirmativa verdadeira: “Bolsonaro está no Brasil. “
  • Exemplo de sentença afirmativa falsa: “Bolsonaro está morto”.
  • Exemplo de sentença negativa verdadeira: “Bolsonaro não é mais o presidente da República”.
  • Exemplo de sentença negativa falsa: “Bolsonaro nunca impediu a vacinação contra a Covid 19”.
  • Exemplo de questão retórica: “Você deveria parar de defender Gilberto Uchoa. Não percebe que ele participou dos atos antidemocráticos em frente ao Quartel do 28 BC?”
  • Exemplo de sentença que expressa comando: “Pare de defender o dono da Havan: conspiradores contra as eleições presidenciais não merecem o respeito de cidadãos, como você.”
  • Exemplo de declaração aberta: “Deus não existe”.

2. Habilidades e obstáculos do pensamento crítico

Algumas das principais habilidades do pensamento crítico são, por si mesmas, padrões para a criação e a avaliação dos argumentos anunciados em resenhas. O reconhecimento e o desenvolvimento dessas habilidades, bem como dos obstáculos ao pensamento crítico fazem do avaliador de resenhas e do resenhista um potencial pensador crítico.

Nesse aspecto também a literatura é convergente. Em geral, autores listam qualidades do pensador crítico, com as que se seguem:

  • Clareza – distinção do problema enfrentado, das alternativas e das vantagens e desvantagens de cada alternativa de resolução do problema.
  • Precisão – uso de informação verdadeira na construção do argumento.
  • Relevância – reconhecimento do que é pertinente/importante na argumentação.
  • Consistência lógica – pensamento e comunicação coerente de coisas verdadeiras.
  • Consistência prática – comunicação e ação coerentes.
  • Correção lógica – pensamento ou comunicação com coerência entre a premissa de conclusão e a premissa de evidência.
  • Completude – profundidade na busca, análise e interpretação dos dados e comunicação das conclusões.
  • Justiça – comportamento imparcial (tratamento de pontos de vista e dos casos iguais com isonomia).

Já vimos que o pensamento crítico é benéfico à sociedade e ao cidadão. Ele auxilia a compreensão do argumento do outro, a crítica do argumento do outro e a construção de argumento para comunicarmos nossos interesses e posicionamentos.

Entretanto, diversas barreiras impedem que esse modo de pensar criterioso seja maioria na sociedade. (Bassham et al, 2023, p.37). Entre os obstáculos do pensamento crítico estão:

  • Egocentrismo – predisposição para medir toda a realidade a partir dos próprios valores.
  • Sociocentrismo – predisposição para medir toda a realidade a partir do pensamento do seu grupo, resultando em viés de grupo (nação, religião etc. superior às demais), tribalismo (lealdade) e conformismo (comportamento de rebanho).
  • Suposições injustificadas – predisposição de classificar algo como certo (estereótipo) sem lançar mão de evidências.
  • Relativismo – predisposição para tomar a verdade ou o comportamento como questão de opinião individual (subjetivismo epistêmico e subjetivismo moral) ou de opinião social ou cultural (relativismo cultural e relativismo moral).
  • Pensamento positivo – predisposição para acreditar em algo porque lhe faz bem e não porque há evidências para tal.

Conhecidas as habilidades e os obstáculos do pensamento crítico, podemos concluir o tópico retirando um princípio de procedimento para o avaliador de resenhas acadêmicas. Ele deve identificar potenciais inibidores de raciocínio correto na escritura da obra, observando indícios da presença de egocentrismo, sociocentrismo, suposições injustificadas, relativismos e pensamento positivo.

Além disso, o avaliador de resenhas tem que estar habilitado a identificar e a jugar um texto sob o ponto de vista da sua clareza, precisão, relevância, consistência (lógica e prática), correção lógica, completude e justiça.


3. Conhecer e identificar falácias de relevância e falácias de evidência

A ação do avaliador de resenhas não se limita ao conhecimento ou a identificação de potenciais habilidades e impedimentos relacionados ao exercício do pensamento crítico. Ele deve dominar um corpo mínimo de definições e exemplos das principais proposições falaciosas que ele mesmo faz uso no seu dia adia.

Assim, a formação do avaliador de resenhas exige que ele avalie a sua própria forma de comunicar ideias, modifique as formas falaciosas de comunicar ideias e, em seguida, identifique as formas falaciosas com as quais os autores das obras resenhadas, eventualmente, comunicam suas ideias.

Etimologicamente, falácia significa: “Engano, trapaça, manha”. Nos dicionários de sinônimos é concebida como “qualidade do que é falaz; falsidade e definida em três modos: 1 afirmação inverídica; inverdade ‹não respondo a falácias nem a hipocrisias›; 2 fil. no aristotelismo, qualquer enunciado ou raciocínio falso que, entretanto, simula a veracidade; sofisma; 2.1 fil. na escolástica, termo usado para a caracterização do silogismo sofístico do aristotelismo, que consiste em um raciocínio verossímil, porém inverídico. (Houaiss, sd.).

Entre especialistas do pensamento crítico, “Uma falácia lógica – ou simplesmente falácia – é um argumento que contém um erro de raciocínio” (Bassham, 2022, p.215).

É possível tipificar as falácias mais comuns em dois grupos: falácias de relevância e falácias de evidência insuficiente.

3.1. Identificando falácias de relevância

Falácias de relevância “são erros de raciocínio que ocorrem porque as premissas são logicamente irrelevantes para a conclusão.” (Bassham, 2022, p.215).

Declarações relevantes são as que contam (as que são importantes), em geral, para o grupo de pessoas envolvidas na discussão: “Uma declaração é relevante para outra declaração se fornecer, pelo menos algum motivo para pensar que a segunda declaração é verdadeira ou falsa”, ou seja, se “fornece, pelo menos, alguma razão [positiva, negativa ou lógica] para pensar que a conclusão é verdadeira” (Bassham, 2022, p.215-216). 

3.1.1. Exemplos de declarações de relevância positiva

  • Antônia é aluna de Petrônio Domingues (P1). Petrônio Domingues somente orienta pesquisas sobre pós-abolicionismo (P2). Antônia investiga pós-abolicionismo (C). [Lógica]

A relevância positiva aqui reside na regra exclusiva imposta pela segunda premissa: Petrônio Domingues somente orienta pesquisas sobre pós-abolicionismo. Isso significa que todos os estudantes sob sua orientação, incluindo Antônia, necessariamente estão pesquisando pós-abolicionismo. Portanto, se Antônia é aluna de Petrônio Domingues, de acordo com a regra estabelecida na Premissa 2, ela estará inevitavelmente investigando o pós-abolicionismo. As premissas (P1 e P2) fornecem evidências que, sob essas condições, forçam a conclusão (C) a ser verdadeira, demonstrando a relevância positiva de maneira forte e lógica.

  • Antônia é aluna de Petrônio Domingues (P1). Petrônio Domingues é especialista em pós-abolicionismo (P2). Antônia investiga pós-abolicionismo (C). [Plausível]

A relevância positiva aqui está no fato de que, em geral, os alunos tendem a seguir a especialidade de seus orientadores. Então, se Antônia é aluna de Petrônio Domingues e ele é especialista em pós-abolicionismo, isso aumenta a probabilidade de Antônia estar investigando o pós-abolicionismo. Portanto, as premissas (P1 e P2) fornecem evidências que apoiam a conclusão (C), o que demonstra a sua relevância positiva.

3.1.2. Exemplo de declaração de relevância negativa

  • Antônia flerta com partidos racistas e xenófobos de extrema direita (P1). Ela possui todos os requisitos para se transformar em uma liderança do Movimento Negro Unificado do bairro Rosa Else (P2).

A relevância negativa aqui está no fato de que há uma contradição implícita entre as declarações. Os movimentos de direitos dos negros geralmente se opõem fortemente ao racismo e à xenofobia, princípios muitas vezes associados a partidos de extrema direita. Portanto, se Antônia flerta com tais partidos, isso enfraquece a probabilidade de ela ser vista como uma potencial liderança em um movimento que se opõe a tais princípios. Portanto, a primeira afirmação é negativamente relevante para a segunda, pois fornece informações que, se verdadeiras, tornam a segunda afirmação mais provável de ser falsa.

3.1.3. Exemplos de declarações de irrelevância lógica

  • Antônia é aluna de Petrônio Domingues, pesquisador do pós-abolicionismo (P1). Então, provavelmente, Antônia conhece todas as contradições comunicadas pelos pesquisadores que escrevem sobre a experiência dos negros no pós-abolição. (C).

A irrelevância lógica aqui está no fato de que, apesar de Antônia ser aluna de Petrônio Domingues, um especialista em pós-abolição (P1), isso não garante que ela conheça todas as contradições comunicadas pelos pesquisadores que escrevem sobre a experiência dos negros no pós-abolição (C). Apesar de o professor Petrônio Domingues ser um especialista em pós-abolição, e portanto Antônia ter algum grau de familiaridade com o campo, a conclusão de que ela conheça todas as contradições deste campo de estudo é um salto lógico grande demais baseado apenas nesta premissa. Há muitos outros fatores que podem afetar o nível de conhecimento de Antônia sobre as contradições no pós-abolição, como a profundidade dos seus estudos sob a orientação de Petrônio, o tempo que ela tem estudado o assunto, entre outros.

3.1.4. Falácias mais comuns

Agora que você conhece as declarações de relevância positiva, de relevância negativa e de irrelevância lógica, leia os tipos que se seguem e tente localizar no seu próprio discurso cotidiano alguns dos tipos mais frequentes de falácias lógicas.

Se você comete estes erros de raciocínio, está na hora de corrigi-los. Se você encontrar alguns desses erros durante a leitura da obra resenhada, deve anotar imediatamente, sob pena de abonar erros crassos em lógica.

  • “Veja só quem está falando!” (atacar o caráter do argumentador).
  • “Ela é a pessoa mais interessada!” (atacar o motivo do argumentador).
  • “Você não tem moral para falar…” (atacar a hipocrisia do argumentador).
  • “Erro maior cometeu fulano e ninguém reclamou…! (justificar um erro maior por outro menor).
  • “Você sabe com quem está falando?” (ameaçar o argumentador ou o ouvinte).
  • “Professor, tenha compaixão de nós!” (evocar piedade ao argumentador ou ao ouvinte).
  • “Todo mundo faz isso, porque só eu não posso?” (evocar o direito de ser aceito ou valorizado segundo a moda/onda).
  • “Você mesmo acabou de dizer que…” (deturpar a visão/fala do argumentador).
  • “Isso não é verdade, como eu acabo de provar! (desviar o foco com uma prova que não responde à questão inicial ou distrair o argumentador ou o público).
  • “É exatamente como eu entendo…” (usar o sentido de uma palavra quando o contexto demanda outro) e reafirmar a conclusão com palavras diferentes.

3.2. Identificando falácia de evidência insuficiente

Falácias de evidência insuficiente são “erros de raciocínio em que as premissas, embora relevantes para a conclusão, não fornecem evidências suficientes para a conclusão” (Bassham, 2022, p.250).

Entre mais de uma dezenas de falácias do tipo, os especialistas citam: declaração citada incorretamente; declaração citada fora do contexto; declaração que contradiz a opinião de especialistas; declaração sobre algo do qual não se conhecem os especialistas; declaração de algo explicitamente improvável e declaração de algo falso.

São também comuns as falácias do tipo:

  • Requisição inapropriada à autoridade (autoridade/testemunha não confiável), ou seja, de pessoa incompetente no assunto: “O professor Itamar Freitas afirmou que Clovis Moura é ambivalente em termos de critério de julgamento dos movimentos negros no Brasil pós abolição.”
  • Declaração tendenciosa (ou de testemunha tendenciosa) à mentira ou ao engano: “Não devemos permitir a demarcação o de terras para negros auto identificados como quilombolas porque tal política estimula a preguiça e reduz a produtividade do trabalho no campo.
  • Declaração imprecisa: “Antônia é negra. Ela adora a cultura hip-hop. (Testemunha imprecisa).
  • Declaração (ou declaração de pessoa) reconhecidamente não confiável: “cota racial, assim como várias ações puxadas pelo ‘movimento negro’, são meros programas partidários.” (Hélio Bolsonaro). 

Conclusão

Nesta aula, apresentamos categorias e procedimentos que podem capacitá-lo a avaliar uma obra e, em seguida, escrever uma resenha de modo crítico, ou seja, atribuindo valores a partir de critérios retóricos e lógicos que estão na base do pensamento crítico moderno.

Assim, no trabalho com resenhas devemos admitir que: 1. criticar é atribuir valor (I. Kant); 2. a crítica se exerce, dominantemente, sobre os argumentos do autor da obra resenhada (declaração + evidências); 3. os argumentos podem possuir declarações verdadeiras, falsas ou abertas; 4. Podem cometer falácias de relevância e falácias de evidência.

Apontar estes problemas nas resenhas de livro é uma jeito simples de contribuir com a formação de pesquisadores das humanidades alinhados aos princípios epistêmicos/éticos implantados pela ciência moderna, nos últimos quatro séculos, e que regem a pesquisa acadêmica universitária, no caso brasileiro, desde o início do século XX.

Referências

BASSHAM, Gregory; IRWIN, William; NARDONE, Henry; WALLACE, James M. Critica thinking – A student’s Introduction. 7ed. New York: 2023.

CANALE, Ciuni; TUZET, Frigerio. Critical thinking – An introduction. Milano: EGEA, 2021.

HABER, Jonathan. Critical thinking. Cambridge: MIT Press, 2020. 


Para citar este texto:

FREITAS, Itamar. Critérios lógicos e retóricos para avaliação de resenhas acadêmicas. Resenha Crítica. 15 jun. 2023. Disponível em <https://www.resenhacritica.com.br/todas-as-categorias/criterios-logicos-e-retoricos-para-avaliacao-de-resenhas-academicas/>.

Gesamtausgabe. I/7. Zur Logik und Methodik der Sozialwissenschaften. Schriften 1900-1907 – WEBER (VH)

WEBER, Max. Gesamtausgabe. I/7. Zur Logik und Methodik der Sozialwissenschaften. Schriften 1900-1907, Wagner, Gerhard. Tübingen: Mohr Siebeck, 2018. 772 p. MATA, Sérgio da. A metodologia de Max Weber entre reconstrução e desconstrução. Varia História. Belo Horizonte, v. 36, no. 70, Jan./ Abr. 2020.

Max Weber morreu aos cinquenta e seis anos de idade, em 14 de junho de 1920. Dez anos depois, e apesar dos esforços de Karl Jaspers, Hans Freyer e Raymond Aron, eram poucos os eruditos alemães que ainda o mencionavam. Traduzido por mexicanos e norte-americanos, Weber atravessa o Atlântico e começa a ganhar a América, ao passo que na Alemanha nacional-socialista seus livros – compreensivelmente – juntavam poeira nas estantes. Essa longa hibernação só acaba em fins da década de 1950, quando fica clara a dívida da Escola de Frankfurt para com a tese weberiana da racionalização ocidental, e em especial com a publicação dos notáveis estudos de Wolfgang Mommsen, Reinhard Bendix e Friedrich Tenbruck. A partir de então já não era possível ler e interpretar este clássico das ciências humanas sem o suporte de disciplinas como a história das ideias, e, não menos importante, sem recorrer a este imenso monumento de erudição que é a edição crítica das obras completas de Weber, a Max Weber Gesamtausgabe (MWG).

A editora Mohr Siebeck e Academia de Ciências da Baviera acabam de publicar o volume I/7, contendo a maior parte dos ensaios que se tornaram conhecidos no Brasil e outros países sob o título de “Metodologia das Ciências Sociais”. O aparecimento deste livro de mais de 700 páginas, intitulado Sobre a lógica e a metodologia das ciências sociais. Escritos 1900-1907, pode ser considerado um evento editorial de grande importância. Isso vale igualmente para os historiadores, uma vez que é justamente nesse conjunto de textos que se encontra o essencial da teoria weberiana do conhecimento histórico.

Foi Marianne Weber quem coligiu, em 1922, os textos teórico-metodológicos publicados por seu marido entre 1903 e 1919, e que receberam o título um pouco pretensioso de Gesammelte Aufsätze zur Wissenschaftslehre, “Ensaios reunidos sobre doutrina da ciência”. A história de sua recepção é atribulada, pois via de regra as primeiras traduções para o inglês, o francês, o italiano e o espanhol não incluíram a totalidade do material selecionado por Marianne. O pecado não chega a ser grande, já que o conjunto de textos que conteria o fundamental da epistemologia weberiana é ainda uma questão em aberto entre os especialistas. A edição alemã de 1922 passaria por alterações significativas em 1951 e 1968, com a inclusão de textos que a viúva de Weber não havia selecionado em 1922 (Sell, 2018, p.321-322). Assim, não pareceu impróprio aos responsáveis pela edição inglesa mais recente a inclusão de textos inéditos como o agora famoso “Manuscrito de Nervi”, essencial para mensurar o peso da influência do filósofo Heinrich Rickert sobre Weber. Essa tumultuada história editorial está longe de terminar, uma vez que os editores da MWG optaram por uma solução que não chega a ser consensual: o conjunto de textos original foi cindido em duas partes, uma anterior e outra posterior ao biênio 1907-1908. Uma decisão que implica, literalmente, na implosão do volume organizado pela viúva de Weber.

Tenbruck foi o primeiro a questionar publicamente o que chamou de “desmontagem” (Tenbruck, 1989, p.102). Mas não convém superestimar suas consequências. Para o bem e para o mal, as decisões tomadas pelos coordenadores da edição crítica só muito raramente têm sido acompanhadas pelas traduções de Weber ao redor do mundo, e não há razão para supor que nesse caso há de ser diferente. O que nos parece particularmente interessante aqui é o fato de que os dois volumes resultantes estavam entre os primeiros anunciados da MWG. O primeiro deles, objeto desta resenha, deveria ter aparecido em 1984; e o segundo para 1987. Você leu corretamente: três décadas e meia de atraso!

Segundo nos disse há pouco uma das pessoas diretamente envolvidas, o editor originalmente designado para o volume não conseguiu levar adiante o penoso processo de preparação dos textos, o que implicou uma perda de tempo que, de resto, já vitimara outros importantes volumes da MWG, entre eles o que contém os famosos artigos sobre “a ética protestante”. Mas, independente das muitas possíveis razões envolvidas, tal lapso de tempo é eloquente o bastante, fala uma linguagem clara: não era uma prioridade disponibilizar ao público a edição histórico-crítica dos textos que sistematizam a concepção weberiana de ciência histórica e social.

Também na outra ponta há problemas. Trata-se de textos bastante desiguais em densidade analítica e em qualidade literária (alguns são inegavelmente prolixos), e cuja tradução impõe grandes dificuldades. Basta dizer que a versão brasileira (Weber, 2001), realizada em conjunto pelas editoras Unicamp e Cortez no início da década de 1990 (e atualmente em sua 5ª edição) está longe de ser adequada. Embora tenha sido deixada a cargo de um alemão radicado no Brasil, o falecido Augustin Wernet, é tal o número de erros ali cometido – de desvios terminológicos ao “sumiço” de parágrafos inteiros – que temos recomendado sempre o uso da criteriosa versão inglesa, traduzida por um dos maiores conhecedores deste corpus, o dinamarquês Hans Henrik Bruun (Weber, 2012).

Em que pesem tais dificuldades e o colossal atraso, Sobre a lógica e a metodologia das ciências sociais é um precioso instrumento de trabalho. De nossa parte, importa-nos sublinhar o seu valor para historiadores das ideias e interessados em teoria da história. Estes escritos, que contém o essencial da metodologia de Weber, são fruto de seu diálogo não apenas com clássicos como Ranke, Roscher e Droysen, mas também com os mais importantes nomes da teoria da história de inícios do século passado – de Dilthey a Simmel, de Rickert a Gottl. Seu objetivo é fundamentar a “ciência da realidade”, assim definida:

A ciência social que nós pretendemos praticar é uma ciência da realidade. Queremos compreender a realidade da vida ao nosso redor, e na qual nos situamos, em sua especificidade – por um lado: as conexões e a relevância cultural de suas diversas manifestações em sua configuração atual, e, por outro, as causas pelas quais ela se desenvolveu historicamente de uma determinada maneira e não de outra (p.174).

Aqui se estabelece o programa do Arquivo para a Ciência Social e a Política Social, revista que Weber tinha assumido em 1903 em parceria com Werner Sombart e Edgar Jaffé. As diferenças em relação ao funcionalismo durkheimiano saltam aos olhos. Para Weber a prioridade epistêmica não são as recorrências, as “leis” ou os “modelos”, mas os fenômenos singulares, considerados intersubjetivamente como relevantes. Vale dizer, “históricos”. Mais ainda, a elucidação de tais fenômenos deve se dar diacronicamente, historicamente. Somente desta forma se chega a saber como eles se tornaram o que são. Um programa, enfim, que se afasta não só do modelo francês, mas também daquele furor taxonômico que se apodera do próprio Weber ao longo das páginas de Economia e Sociedade (Mata, 2019).

É incomum que numa resenha se fale tão pouco da obra em si, mas o leitor há de admitir que se trata de um caso à parte. Embora mal traduzidos ou traduzidos apenas em partes para o português, a maior parte do material que compõe o volume I/7 da MWG já está à disposição do público brasileiro na Metodologia das ciências sociais. O que se pode esperar de uma edição crítica, além do minucioso trabalho de depuração filológica próprio de empreendimentos desta envergadura é, por um lado, a apresentação de eventuais “descobertas” (manuscritos inéditos, versões alternativas aos textos já publicados, etc), e, por outro, novas interpretações obtidas à luz do material inédito. De fato, salvo por alguns fragmentos de menor importância, a grande novidade é a publicação integral das notas de leitura feitas por Weber entre dezembro de 1902 e janeiro de 1903 num hotel nas proximidades de Gênova, os chamados “Manuscritos de Nervi”. Parte deste manuscrito foi previamente publicado em inglês por H. H. Bruun e Sam Whimster (Weber, 2012, p.413-418), mas é sem dúvida interessante para os interessados ler as anotações feitas Weber enquanto preparava o tratado “Roscher e Knies e os problemas lógicos de economia política histórica” (p.41-101; p.243-379). Numa de suas anotações, Weber se contrapõe secamente ao conhecido verso de Schiller: “A história não é o tribunal do mundo” (p.627). Fica evidente o considerável esforço desprendido por ele na leitura de O domínio da palavra, um inusual livro escrito por Friedrich Gottl (p.628-637); e assim por diante.

Com isso se chega à segunda e decisiva questão, a mesma questão colocada anos atrás por Wilhelm Hennis (Hennis, 2003, p.75): em que medida apuro filológico e algum material inédito nos permitem revisitar, com outros olhos, a metodologia de Weber? A solução salomônica dos editores não nos parece ter agregado muito de substancial nesse particular. Resta-nos, sob este ponto de vista, dar razão ao protesto de Tenbruck evocado mais acima. Até onde chega nosso conhecimento da literatura especializada mais recente, foram os 12 tomos contendo toda a correspondência ativa de Weber entre 1875 e 1920 (num total de 9.032 páginas) que mais claramente contribuíram para abrir novos caminhos para os Weber Studies.

De toda forma, a competente introdução preparada por Gerhard Wagner realiza um indispensável trabalho de contextualização, e a nosso ver acerta ao se contrapor ao senso comum que atribui a Weber um acento demasiadamente “interpretativo”. Além de realçar a importância do hoje esquecido Christoph Sigwart, Wagner dá seguimento à tendência recente (Mata, 2014Wagner e Härpfer, 2015) de se recuperar a importância das ciências naturais para Weber. Sua carreira docente teve início no momento em que a fama de Helmholtz e Du Bois-Reymond atingia seu ápice, e seu recurso moderado ao arsenal conceitual das hard sciences contradiz frontalmente os apóstolos da dicotomia radical entre ciências humanas e naturais, e que justamente naquela época começava a se estabelecer na Alemanha. Não parece ter sido menor a atenção que Weber devotou à lei da conservação da energia de Julius Robert Mayer e, em especial, aos estudos do fisiólogo Johannes von Kries sobre as categorias de causalidade e possibilidade. As evidências apresentadas por Wagner (p.18-24) mostram que foi considerável o influxo de Kries na preparação dos “Estudos críticos no campo da lógica das ciências da cultura” (p.384-480).

O ponto alto do volume é decerto o artigo programático “A ‘objetividade’ do conhecimento na ciência social e na política social” (p.142-234), mais conhecido na literatura especializada como o “ensaio sobre a objetividade”. A importância deste texto é dupla. Por um lado, ele permite mapear à perfeição como Weber concebeu A ética protestante e o espírito do capitalismo do ponto de vista do método. De outro, o fato de estudos recentes no campo da epistemologia histórica e teoria da história, como os de Lorraine Daston (2017) e Arthur Alfaix Assis,1 continuarem a referenciá-lo – e isso se dá sempre que o polissêmico conceito de “objetividade” é alvo de reflexão consequente – mostram o quanto ainda podemos aprender com ele. O uso das aspas no título revelam a distância do autor face a todo “objetivismo”. Ao mesmo tempo, Weber reconhece a inevitabilidade do recurso do historiador e do cientista social a determinadas ficções heurísticas, ou seja, os conceitos ou “tipos ideais”. Já em 1904, ele admite que a ficcionalidade é parte integrante da ciência da realidade. Mas, fique claro: como um meio, jamais como “destino”. A ciência weberiana não persegue apenas um ideal de rigor. Rigor e senso de responsabilidade precisam andar juntos.

No momento em que o obscurantismo político e religioso ameaça pôr abaixo as conquistas de gerações inteiras de pesquisadores brasileiros, dando à noção de “desconstrução” as consequências que seus adeptos relutavam em considerar possíveis hors-texte, duas passagens do ensaio sobre a objetividade (p.147; p.154) atestam seu valor duradouro. Concluamos com elas esta breve resenha: “Nenhum ser humano dotado de reflexividade, que age responsavelmente, pode deixar de ponderar sobre os fins e as consequências de seu agir”. Weber não endereça esta advertência aos donos do poder; é à comunidade científica que ele se dirige. Pois é ela, e sobretudo ela, que põe tudo a perder quando se esquece de que “em parte alguma o interesse da ciência é mais intensamente prejudicado, no longo prazo, do que naquelas circunstâncias em que não se quer ver os fatos incômodos e as realidades da vida em sua dureza”.

1ASSIS, Arthur Alfaix. Objectivity. In: KRAGH, Timme; RÜSEN, Jörn; MITTAG, Achim; SATO, Masayuki (eds.) Core Concepts of Historical Thinking (no prelo).

Referências

DASTON, Lorraine. Historicidade e objetividade. São Paulo: LiberArs, 2017. [ Links ]

HENNIS, Wilhelm. Im langen Schatten einer Edition. Zum Erscheinen des ersten Bandes der Max-Weber-Gesamtausgabe. In: HENNIS, Wilhelm. Max Weber und Thukydides. Tübingen: Mohr Siebeck, 2003. [ Links ]

MATA, Sérgio da. Max Weber e as ciências naturais. Ciência Hoje, v. 320, p.22-25, 2014. [ Links ]

MATA, Sérgio da. Realism and Reality in Max Weber. In: HANKE, Edith; SCAFF, Lawrence; WHIMSTER, Sam (eds.) The Oxford Handbook of Max Weber. London: Oxford University Press, 2019. [ Links ]

SELL, Carlos. Resenha de Verstehende Soziologie und Werturteilsfreiheit. Schriften und Reden 1908-1917. Tempo Social, v. 30, n. 3, p.321-334, 2018. [ Links ]

TENBRUCK, Friedrich. Abschied von der “Wissenschaftslehre”? In: WEISS, Johannes (Hrsg.) Max Weber heute. Erträge und Probleme der Forchung. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1989. [ Links ]

WAGNER, Gerhard; HÄRPFER, Claudius. Max Weber und die Naturwissenschaften. Zyklos: Jahrbuch für Theorie und Geschichte der Soziologie, v. 1, p.169-194, 2015. [ Links ]

WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais. São Paulo/Campinas: Cortez/Unicamp, 2001. [ Links ]

WEBER, Max. Collected Methodological Writings. London: Routledge, 2012. [ Links ]

Sérgio da Mata –Departamento de História, Universidade Federal de Ouro Preto, Rua do Seminário, s/n, Mariana, MG, 35.420-000, Brasil. [email protected].

 

Ciência da Lógica – HEGEL (V)

HEGEL, G. W F. Ciência da Lógica. Tradução de CHRISTIAN G. Ibrer e Frederico Orsini. Petrópolis; Vozes; Brgança Paulista: Editora universitária São Francisco, 2018. (A doutrina do conceito, V. 3). Resenha de: WOHLFART, João Alberto. VERITAS, Porto Alagre, v. 64, n. 3, jul.-set. 2019.

Veio a lume o livro III da Ciência da Lógica, A Doutrina do Conceito. Temos agora em nossa Língua Portuguesa e em nossas mãos a tradução completa da Ciência da Lógica, em um significativo passo para o estudo e o aprofundamento da filosofia hegeliana no Brasil. Isto significa dizer que agora podemos ler em nosso português uma das mais complexas obras filosóficas da história e da literatura universal. A tradução completa da obra é um convite à realização de seminários e congressos, à leitura direta do texto em cursos de Graduação e Pós-Graduação em Filosofia, especialmente é um convite para que os maiores conhecedores de Hegel no Brasil aprofundem os seus conhecimentos. Indiretamente, a leitura do texto hegeliano é um desafio para todo o universo acadêmico, pois se trata de um conhecimento fundamental para todas as áreas.

A tradução foi realizada por Christian G. Iber e Federico Orsini, coordenada por Agemir Bavaresco, com as colaboradoras Marloren L. Miranda e Michela

Bordignon e revisada por Francisco Jozivan Guedes de Lima. Os três volumes traduzidos, respectivamente intitulados A Doutrina do Ser, A Doutrina da Essência e A Doutrina do Conceito, integram a coleção Pensamento Humano, da Editora Vozes e da Editora Universitária São Francisco. Vai um cordial agradecimento aos tradutores e equipe tradutora pelo fantástico trabalho desenvolvido e pela contribuição ímpar à racionalidade filosófica.

A Doutrina do Conceito é o terceiro livro da Ciência da Lógica, dialeticamente significa uma síntese entre os dois volumes anteriores e aparece como centro de articulação de todo o sistema filosófico hegeliano. Ela é resultado da dura crítica hegeliana à filosofia de Kant e Espinosa, levada a cabo no final da Doutrina da Essência, especialmente na seção onde Hegel formula a relação absoluta estruturada em relação de substancialidade, relação de causalidade e interação. Como Hegel, na Doutrina da Essência, empreendeu um processo de demolição da metafísica tradicional, do transcendental kantiano e da substância spinozista, dessa crítica resulta a Doutrina do Conceito recentemente traduzida, editada e que ora resenhamos. Para compreender de forma adequada esse livro, a passagem da Necessidade para a Liberdade é a problemática básica empreendida por Hegel e sistematicamente exposta como conceito. Hegel, depois de um radical empreendimento crítico a que submeteu a filosofia clássica e a filosofia de seu tempo, formula a noção de contradição absoluta como dinamismo e como verdade de toda a realidade.

A partir do coração da Doutrina do Conceito, a referência básica para a compreensão da filosofia hegeliana é a lógica da contradição, que perpassa o pensamento, a realidade e articula o movimento.

A Doutrina do Conceito segue uma estrutura dialética tripartite, em subjetividade, objetividade e ideia. A parte sobre a subjetividade é estruturada em conceito, juízo e silogismo; a parte sobre a objetividade é estruturada em mecanismo, quimismo e teleologia; e a parte sobre a ideia é estruturada em vida, ideia de conhecimento e ideia absoluta. O conceito hegeliano não pode ser confundido com a denominação usual de conceito, segundo a qual o pensamento abstrai os objetos materiais e a realidade empírica em forma de conceito, como uma abstração do real, mas o conceito significa a força do movimento contraditório do pensamento em autodesenvolvimento e autodeterminação. De forma análoga, o conceito caracteriza a própria inteligibilidade do real em seu processo de contradição e autodesenvolvimento, portanto, não uma racionalidade conceitual aplicada às coisas, mas caracteriza a realidade mais íntima e o dinamismo mais profundo de tudo. Em relação à Essência, na qual as coisas são insuficientes nelas mesmas, razão pela qual são dispostas num sistema universal de relações, no Conceito cada determinação é a totalidade do conceito, razão pela qual a relação e a contradição constituem a estrutura de tudo.

Hegel expõe o centro de seu pensamento filosófico logo no começo da Doutrina do Conceito, precisamente enquanto conceito subjetivo, articulado nas categorias de universalidade, particularidade e singularidade. Trata-se de uma espécie de racionalidade dialética na qual as três categorias são dialeticamente integradas na exposição da genuína lógica da contradição, segundo a qual uma nega a outra, e na recíproca negação, conjuntamente se afirmam como sistema. Para Hegel, “o universal, ao contrário, mesmo quando se põe em uma determinação, permanece nela o que é. Ele é a alma do concreto, ao qual é imanente, sem impedimentos e igual a si mesmo na multiplicidade e diversidade dele” (2018, p. 68). Hegel não considera a universalidade como se fosse uma inteligibilidade transcendental oposta ao empírico e à diversidade, como na tradição kantiana, mas o universal é inseparável de sua negação e diferenciação na particularidade e na diversidade.

A universalidade não caracteriza um puro conceito separado, mas a autodeterminação na imanência da particularidade, em um processo de autoparticularização como um momento constitutivo seu. No interior da particularidade, o conceito se dá a si mesmo como um infinito processo de negação e de superação desta na negação da negação, quando se afirma positivamente enquanto conceito. O momento da particularidade, por sua vez, não é uma determinidade exteriormente acrescentada ao universal para preencher a sua indeterminação, mas caracteriza uma determinação intrínseca da própria universalidade. Para Hegel, “o particular é o próprio universal, mas ele é a sua diferença ou a relação com um outro, é o seu aparecer para fora; porém, não está presente nenhum outro do qual o particular seria diferente senão o próprio universal” (2018, p. 72). A particularidade não é o outro da universalidade, na forma de uma exterioridade vazia e posteriormente acrescentada, mas é o próprio universal na sua determinidade, na sua diferença imanente e na lógica de autodesenvolvimento e autocontradição. Dessa forma, a particularidade expõe a universalidade na sua determinidade, nas condições próprias da determinação e no momento preciso desse processo.

Na exposição hegeliana, a singularidade aparece como a síntese entre a universalidade e a particularidade, na forma do retorno da universalidade a si mesma por meio da determinidade do conceito universal. Para Hegel, “A singularidade, como resultou, já está posta pela particularidade; esta é a universalidade determinada, portanto, a determinidade que se relaciona consigo, o determinado determinado” (2018, p. 85). O retorno à universalidade por meio da particularidade não caracteriza o simples retorno à universalidade vazia do começo, mas um autodesenvolvimento dialético mais elevado na universalidade concreta da singularidade. Hegel caracteriza este momento como determinado, na dupla potencialidade da determinação, na segunda determinação positiva na qual a universalidade e inteligibilidade são devolvidas à determinação. É o determinado que se relaciona consigo mesmo na autorreflexividade. A singularidade pode ser interpretada numa dupla acepção, primeiramente na singularidade de Hegel e de Marx como síntese condensada entre a universalidade do gênero e a particularidade da espécie humana expressas na concretude da singularidade, na condição de sujeitos conscientes de si mesmos. O momento da singularidade também pode ser interpretado como universalidade e totalidade concreta, como síntese entre a universalidade do gênero humano e a particularidade do indivíduo na totalidade concreta da sociedade humana. Em um exemplo tipicamente hegeliano, a singularidade é a síntese entre a universalidade da Ciência da Lógica e a particularidade da Filosofia da Natureza na universalidade concreta da Filosofia do Espírito, contendo a totalização do movimento da lógica do sistema filosófico. Do ponto de vista estritamente lógico, a universalidade é a substancialidade intrínseca da multiplicidade da particularidade, na qual a singularidade expressa o sistema relacional no qual a universalidade e a particularidade são reciprocamente imanentes um no outro.

A teoria do juízo expõe as múltiplas formas de entrelaçamento entre o sujeito e o predicado, na perspectiva da identificação entre os mesmos.

Para Hegel, “Mas, enquanto agora o sujeito é o autossubsistente, assim aquela identidade tem a relação de que o predicado não tem um subsistir autossubsistente para si, mas, ao contrário, tem seu subsistir apenas no sujeito; ele lhe inere” (2018, p. 97). A mútua compenetração entre o sujeito e o predicado tem um desdobramento complexo e multifacetário, nas inúmeras formas de singularização e de universalização que esta lógica compreende. Numa primeira aproximação, o predicado é uma universalidade que inere, como uma substancialidade imanente, na estrutura do sujeito. Por outro lado, o sujeito caracteriza uma base real de aplicação de uma multiplicidade de predicados. A teoria hegeliana do juízo supõe uma multiplicidade de predicados e uma multiplicidade de sujeitos, todos eles implicados na mediação da cópula. Nessa implicação, a universalidade do predicado é ilimitada e a singularidade do sujeito é restrita e empiricamente determinada. Na medida em que a singularidade é uma das determinações do predicado, o sujeito singular é subsumido pelo predicado que o envolve em si mesmo. Na contramão deste movimento de inerência do predicado no sujeito, o sujeito é um sistema de predicados e de determinações concretas, transformando-se numa universalidade concreta. O predicado, por sua vez, se transforma em singularidade porque figura como uma das atribuições possíveis, enquanto preserva a sua universalidade em razão de sua inerência em múltiplos sujeitos. Dessa forma, sujeito e predicado invertem as suas atribuições fundamentais e as preservam, na medida em que o predicado não se restringe a nenhum sujeito, e o sujeito é uma síntese de uma multiplicidade de predicados, tornando-se concreto.

Assim, adentramos no terreno do silogismo. A compreensão dos silogismos é fundamental para a exposição do sistema filosófico hegeliano, pois além da formulação realizada por Hegel no coração de sua Ciência da Lógica, o faz em todas as esferas filosóficas e articula silogisticamente todo o seu sistema. Para Hegel, “Mas na razão os conceitos determinados estão postos na sua totalidade e unidade. O silogismo não é, portanto, apenas racional, mas todo o racional é um silogismo” (2018, p. 135). Hegel expõe a sua filosofia em silogismos com a finalidade de integrar a unidade e a diversidade, a totalidade e a unidade, para superar toda a forma de dualismos filosóficos e formas indiferenciadas de racionalidade. Na formulação hegeliana dos silogismos, a totalidade é o ponto de equilíbrio entre a unidade e a diversidade, pois a estrutura complexa se universaliza num sistema de relações, como uma unidade na diversidade, como substancialidade imanente ao diverso, e como diversidade na unidade, como diversidade interrelacionada na formação da universalidade concreta. Para Hegel, o silogismo não é apenas racional enquanto forma de pensamento possível, mas todo o racional é um silogismo porque a racionalidade é a integração e a mediação de múltiplos círculos de racionalidade e de realidade.

No formato de organização silogística exposta por Hegel em toda a sua obra, não há mais uma universalidade vazia contrastada à particularidade empírica, mas o silogismo é a expressão da universalidade preenchida de conteúdo, enquanto totalidade racionalmente articulada. De agora em diante, tudo passa a se transformar num sistema de mediações, no qual uma determinação ou círculo medeia na medida em que é mediado, e é mediado na medida em que medeia. As trilogias hegelianas verificáveis em toda a sua obra, tais como ser, essência e conceito; universal, particular e singular; Lógica, Natureza e Espírito; espírito subjetivo, espírito objetivo e Espírito absoluto, todas estas estruturas de racionalidade são expostas em silogismos nos mais variados formatos de mediação.

Na Doutrina do Conceito, a passagem da subjetividade para a objetividade é um momento estruturante. Na mediação da universalidade, alcançada pelo silogismo da necessidade e a consequente interiorização das determinações concretas de singularidade e de particularidade como constitutivas, o conceito é suprassumido em objetividade. Nesta dialética, a objetividade não é um momento exterior à subjetividade e a ela acrescentada, mas caracteriza o autodesenvolvimento da subjetividade em objetividade. Nessa exposição, Hegel retoma a prova ontológica, de Santo Anselmo, para afirmar que o conhecimento de Deus e a realidade de Deus não são momentos separados, como na tese kantiana da impossibilidade do conhecimento de Deus pela razão teórica, mas o conhecimento de Deus por parte do sujeito constitui momento do próprio Deus. Para Hegel, “Mas precisamente, enquanto é o objeto absoluto, Deus não se contrapõe à subjetividade como uma potência hostil e tenebrosa, mas a contém, antes, em si mesmo como momento essencial” (HEGEL, 1995, §194, Zusatz). Na passagem para a objetividade, Deus não é um objeto exterior à razão teórica e impossível de ser por ela conhecida, não é um objeto tenebroso contraposto à subjetividade finita e contingente, mas é determinado como objeto absoluto. Hegel já superou a oposição entre Deus e homem, entre absoluto e relativo, mas a subjetividade humana através da qual Deus pode ser conhecido é determinada como momento do autoconhecimento de Deus. Nessa formulação, todas as antinomias e relações assimétricas entre termos já foram superadas, porque Deus, na sua absoluticidade e totalidade, penetra tudo, perpassa tudo, interliga tudo, especialmente penetra no pensamento humano, na condição de Deus em tudo. Por outro lado, tudo se desenvolve e se relaciona em Deus como determinabilidade universal de tudo, no círculo segundo o qual tudo está em Deus. Nesta exposição, Hegel conjuga ontologia e epistemologia, na medida em que a objetividade da natureza e do mundo são racionalmente conhecidos, e o conhecimento é constitutivo da própria objetividade.

O ponto de chegada da Ciência da Lógica é a unidade dialética entre subjetividade e objetividade, alcançada na ideia. Esta esfera lógica é como um oceano no qual desembocam todas as estruturas categoriais e de racionalidade da Ciência da Lógica, estruturada por Hegel em ideia de vida, ideia de conhecimento e ideia absoluta. “O objeto, o mundo objetivo e subjetivo em geral, não devem meramente ser congruentes com a ideia, mas eles mesmos são a congruência do conceito e da realidade” (HEGEL, 2018, p. 239).

A unidade do conceito e da objetividade significa que o conceito não é mais restrito à sua formalidade meramente teórica, assim como a objetividade não é mais a exterioridade fenomênica imediata. A unidade entre o conceito, primeiro capítulo da Doutrina do Conceito, e a objetividade, segundo capítulo da Doutrina do Conceito, na Ideia significa que a objetividade corresponde ao seu conceito a ele intrínseco, e o conceito se determina na objetividade.

Dessa forma, no universo da Filosofia do real, o Estado corresponde ao seu conceito quando os cidadãos são efetivamente livres e as suas relações ético-políticas são estruturantes da vida ética e social. Uma igreja corresponde ao seu conceito quando ela é capaz de congregar os seus fiéis no amor e difundir no mundo a lógica do amor como realidade mesma de Deus.

Assim, no capítulo final sobre a Ideia, a confluência sintética entre conceito e objetividade caracteriza a imanência do conceito na realidade, a sua inteligibilidade, e marca o autodesenvolvimento da realidade no desdobramento metódico, enquanto estrutura do conteúdo. Sob o ponto de vista estrito do pensamento filosófico, o capítulo final da Ideia caracteriza o sistema da racionalidade filosófica em seu autodesenvolvimento metódico, na expressão da significação filosófica no conteúdo das estruturas macrossistemáticas da filosofia, como por exemplo, o desenvolvimento da totalidade da História da Filosofia o dos sistemas do Idealismo alemão.

A vida não é apenas o processo interno do autossentimento de si mesmo, mas é traduzida no processo vital de posição da objetividade externa da universalidade real no processo de gênero. Na exposição hegeliana, o gênero consiste na superação da restrição imposta pela exterioridade objetiva ao sujeito, pela autoposição dele mesmo no processo de gênero, no qual o relacionamento com a exterioridade caracteriza uma relação fundamental consigo mesmo. “Este universal é o terceiro estágio, a verdade da vida, na medida em que essa ainda está encerrada no interior da sua esfera. Este grau é o processo que se relaciona consigo do indivíduo, onde a exterioridade é o seu momento imanente” (HEGEL, 2018, p. 258). No processo de gênero, o sistema de objetividade não é mais estranho ao indivíduo, mas o seu próprio processo de universalização transforma a objetividade em determinação imanente sua; por outra, a subjetividade do indivíduo é a próVERITAS pria inteligibilidade da objetividade. Dentro da multiplicidade de indivíduos autossubsistentes, o gênero integra no sentimento de si mesmo do indivíduo o sentimento recíproco em relação a todos os outros, significa dizer que a coletividade é constitutiva do sentimento de si. A reflexão do gênero dentro de si mesmo produz a universalidade genérica em que todos os indivíduos são entrelaçados em relações que formam todo o sistema, como uma força intrínseca que se desdobra a todos os seres vivos. “A reflexão do gênero dentro de si é, segundo esse lado, aquilo através do qual o gênero obtém efetividade, na medida em que o momento da unidade negativa e da individualidade é posto nele – a propagação das gerações vivas” (HEGEL, 2018, p. 259). A reflexão do gênero em sua interioridade produz a efetividade no desdobramento das gerações, na negatividade preservadora da unidade fundamental e incrementa o desenvolvimento qualitativo no qual uma geração se atualiza em relação à outra. A questão de gênero formulada por Hegel na parte da Lógica compreende dois movimentos sistemáticos integrados, na unidade intrageracional da atual geração, em seu sistema de vida, e na projeção intergeracional impulsionadora do desenvolvimento e a atualização do movimento genético.

A ideia de conhecimento acontece no duplo movimento integrador das formas do analítico e do sintético. O conhecimento analítico se restringe ao imediatamente conhecido, sem a consideração de suas determinações e de seus desdobramentos. Integra apenas a forma do conhecimento, sem a consideração do seu conteúdo. Quando se considera, por exemplo, o conhecimento matemático, o momento analítico se restringe simplesmente aos números matemáticos e às suas operações, sem a aplicação à realidade quantificada a partir dessas fórmulas. Trata-se apenas do conceito de racionalidade, sem a consideração de suas estruturas reais e concretas. Na consideração da racionalidade filosófica, o conhecimento analítico se restringe às formas lógicas mais elementares, não entrando em consideração o desdobramento histórico dessa racionalidade e as mediações históricas efetivas. Esse momento integra apenas a genética originária da racionalidade, o seu momento mais indeterminado e vazio, sem a consideração de seus mais variados desdobramentos. Para Hegel, “A partir da natureza a ideia do conhecer resultou que a atividade do conceito subjetivo, por um lado, tem de ser vista somente como desenvolvimento daquilo que já está no objeto” (2018, p. 275). Por esta via, o conhecimento analítico considera o objeto em sua imediaticidade, em sua pura objetividade, como um dado apriorístico, sem a mediação da subjetividade. “O conhecer sintético visa ao compreender daquilo que é, quer dizer, visa apreender a multiplicidade de determinações em sua unidade” (HEGEL, 2018, p. 281).

Enquanto o conhecimento analítico separa as determinações como um atomismo epistemológico, o conhecimento sintético apreende a realidade na riqueza sintética das suas determinações dialeticamente integradas como uma totalidade concreta. O conhecimento sintético não aborda apenas a estrutura concreta e o sistema de interconectividade do real apreendido pela subjetividade, mas o processo de desdobramento das determinações, no desenvolvimento intersistemático em estruturas cada vez mais complexas e concretas. Trata-se de um processo de determinação do que estava indeterminado no momento analítico, numa progressiva evolução do círculo dialético do conhecimento em sempre mais extensa concretude e objetividade, e em sempre mais intensiva subjetividade e interioridade.

A Ciência da Lógica conclui com o capítulo intitulado “A ideia absoluta”. Em um dos mais difíceis textos da filosofia hegeliana, para ele desemboca toda a estrutura dialética da Ciência da Lógica em sua evolução dialética, como também abre para as outras esferas do sistema filosófico na Filosofia da Natureza e na Filosofia do Espírito. Na formulação hegeliana, a ideia absoluta não é apenas uma esfera lógica, mas uma esfera interdisciplinar e interesférica que interliga os círculos da Lógica, da Natureza e do Espírito.

Na ideia absoluta, Hegel aborda a questão do método, não como uma forma externa aplicada ao conteúdo, mas como autodeterminação racional do próprio conteúdo, no movimento da atividade absoluta. Para Hegel, “O método é, por isso, a alma e a substância e qualquer coisa é compreendida e sabida na sua verdade somente enquanto está perfeitamente submetida ao método; ele é o método próprio de cada Coisa mesma” (2018, p. 315). A ideia absoluta é estruturada por Hegel como unidade entre ideia teórica e ideia prática, entre conceito e objetividade, entre ideia de conhecimento e ideia de vida no movimento racional do próprio conteúdo. No método, o conceito é a alma impulsionadora do movimento e o conteúdo é a estrutura de objetividade, na síntese do automovimento do próprio conteúdo.

Como alma do conteúdo, a universalidade do método se determina na objetividade do conteúdo enquanto sistema de totalidade sistemática, em círculos de universalidade que são formas de autodeterminação da ideia absoluta. A Lógica, a Natureza e o Espírito caracterizam círculos diferenciados de autoparticularização da ideia que se determina em objetividade e em oposição à objetividade. Em cada círculo de autodeterminação, a ideia se universaliza, retorna a si mesma e se abre para outra esfera de efetivação, estabelecendo um sistema de totalidade em movimento, no qual ela própria é a força articuladora desta estrutura e mediadora universal.

O método caracteriza um processo de autodesenvolvimento imanente e de contínua ampliação das estruturas de objetividade, sustentado com o retorno à subjetividade enquanto reflexividade do método.

Resenhamos alguns pontos que consideramos estruturantes na Doutrina do Conceito hegeliana. Porém, ela não se restringe ao sistema e à filosofia hegeliana, mas ela é estendível aos nossos tempos. Na atualidade, partir dessa parte da filosofia hegeliana permite atribuir a ela outras funções e estendê-la para o complexo campo da realidade atual.

Hegel nos legou a ideia de contradição como estrutura fundamental do pensamento e da realidade, e a apresenta como um processo em construção em círculos de negação, de contradição e de novos níveis de afirmação. Depois de Hegel, a Doutrina do Conceito ainda é a melhor referência filosófica que temos para compreender a realidade dinâmica, complexa e contraditória. O processo de particularização e de singularização exposto no começo indicam essa lógica. A teoria do silogismo, na forma de sistemas de mediação, é um recurso lógico e epistemológico que nos abre à totalidade do mundo e seus processos.

Agora temos em mãos a tradução completa da Ciência da Lógica, de Hegel, em português. É uma das principais e mais difíceis obras da literatura universal. É uma obra que precisa ser estudada sempre, em razão de seu conteúdo e de sua significação inesgotáveis. Mesmo que ela seja estudada durante uma vida inteira, jamais alguém seria capaz de apreender toda a sua estrutura de racionalidade. Como Hegel escreveu uma Filosofia da História universal, a História universal vai manifestando o seu significado, e, coextensivamente, a Ciência da Lógica ajuda a compreender o significado profundo da História universal. Mesmo com uma vasta bibliografia já acumulada em estudos e comentários, na condição de literatura secundária, ainda estamos longe de conhecê-la satisfatoriamente.

A complexidade da obra desafia qualquer leitura, estudo e grau de conhecimento que se tenha dela, especialmente porque ela vai explicitando novos sentidos e possibilidades de interpretação. Na Doutrina do Conceito, de modo particular, aprendemos de Hegel a não aplicação de uma racionalidade a um conteúdo determinado, a não separação entre universalidade e particularidade, mas um desenvolvimento dialético que parte de dentro e se universaliza progressivamente. Essa noção de racionalidade, estendida ao campo do real, significa que o mundo não é consequência de uma força superior e exterior, mas especialmente a História universal se desdobra a partir de uma racionalidade que carrega dentro, e a própria História aprofunda essa racionalidade.

João Alberto Wohlfart- Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Professor no Instituto Superior de Filosofia Berthier (IFIBE), Passo Fundo, RS, Brasil. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-4126-3961. E-mail: [email protected] Ciência da lógica | João Alberto Wohlfart João Alberto Wohlfart1 Instituto Superior de Filosofia Berthier, Passo Fundo, RS, Brasil. Endereço Postal: Instituto Superior de Filosofia Berthier R. Sen. Pinheiro, 350 – Vila Rodrigues, Passo Fundo – RS, CEP 99070-220

 Acessar publicação original

Peirce’s Speculative Grammar: Logic as Semiotics – BELLUCCI (C-RF)

BELLUCCI, Francesco. Peirce’s Speculative Grammar: Logic as Semiotics. New York/ London: Routledge, 2018. Resenha de: TOPA, Alessandro R. R. Cognitio – Revista de Filosofia, São Paulo, v. 20, n. 1, p. 159-202, jan./jun. 2019.

Although the designation speculative grammar does not make its appearance in Peirce’s writings before 1895,01 the plan to erect an edifice of logical studies in the spirit of the medieval trivium that would reflect the triadic structure and essential relations of a sign to itself, its object and its interpretant, is part and parcel of his semeiotic conception of logic since the Harvard Lectures of 1865.02 Inasmuch as Speculative Grammar contemplates the most fundamental property of every sign, namely, its capacity to refer to something other than itself, and thus, have meaning as a necessary prerequisite to “be fit to embody truth and falsity”,03 this first branch of Peirce’s semeiotic logic is foundational for its other two branches––Critical Logic and Speculative Rhetoric (or: methodeutic as Peirce seems to prefer to call it after 1902),––because it deals with that property of signs which is presupposed both in their capacity to refer to objects (and thus be either true or false) and to represent the logical truth of a sign as being a consequence of the truth of other signs (and thus be either validly or invalidly derived from them). Hence, because validity and truth are grounded in ‘semanticity’, Speculative Grammar, which studies “the modes of signifying, in general”,04 constitutes the Elementarlehre of Peirce’s semeiotic logic.05 With his study Speculative Grammar: Logic as Semiotics, Francesco Bellucci does not offer a vaguely systematizing recompilation of the many outstanding papers on Peircean logic and semeiotics he has published, but rather something far more coherent and substantial. He aims at providing us with “as complete an account [of speculative grammar] as possible” (p. 9). Thus, it is a monographia in the strict sense of the term that we are holding in our hands and, as it will soon become clear, a marvelous piece of scholarship. Bellucci’s reconstruction of the development of Peirce’s conception of the foundations of his semeiotic logic succeeds in accomplishing the aim it sets itself with paradigmatic erudition, impressive expository perspicuity and great care for the most minute details––“as though”, one is tempted to say, these “were intended for the eye of God”.06 It, therefore, represents one of the most important contributions to this central branch of scholarship in Peirce since PIETArINEN’s Signs of Logic, ShOrT’s Peirce’s Theory of Signs and STJErNfELT’s Natural Propositions.

As this is a book one can learn a lot from, and––if you are working on Peirce’s semeiotics––will have to learn a lot from, in what follows I shall first sketch the methodology and general structure of the work. Subsequently, I shall, en detail, focus on the main strands of Bellucci’s reconstruction, so as to illustrate the value of his work and indicate some fundamental problems he wisely––thus: legitimately–– stays away from.

The author’s methodological aim to offer of a purely “historical reconstruction” (p. 10) of Speculative Grammar that has no other aim but to “understand Peirce’s ideas, their genesis, and their development” (ibid.), could easily be regarded as revealing a lack of systematic interest. A lack of interest that philosophers, semioticians and logicians accustomed to read historical texts through the lenses of contemporary debates will see exacerbated by Bellucci’s exclusive focus on “the ‘internal’ justification of the evolution of Peirce’s ideas on signs”––contraposed to “the ‘external’ justification of these ideas themselves” (ibid.)––and by his ascetic renouncement “to evaluate them or bring them to bear on subsequent philosophical and semiotic discussions” (ibid.).

Is there a rationale for this suspensio iudicii? And, is it a skeptical suspension of judgement or rather a critical suspensio iudicii indagatoria? Firstly, it should be noted that an account of virtually any of the central aspects of Peirce’s philosophy requires the expositor to come to grips with and find her own ways through the labyrinth of unpublished manuscripts. In the case of Speculative Grammar, the philological challenge is even greater, inasmuch as semeiotics constitutes one of Peirce’s central domains of research between 1902 to 1908, while the chronological edition of the Writings of Charles S. Peirce has not proceeded further than to the year 1892. Secondly, it should be noted that the task of giving a genetic account of Speculative Grammar requires not only a thorough grasp of Peirce’s philosophical development as a whole, but also of his work in the other two branches of the semeioto-logical trivium and, in particular, of his mathematical logic in algebraic and diagrammatic form, which, as Bellucci shows, had the strongest impact on the theorydynamics within Speculative Grammar. Thirdly, the study of Peirce’s semeiotics is still catching up to Peirce, well knowing that this will require us to go beyond him at some point, especially as Peirce himself “perceived that his powers were insufficient to cope with the task” (p. 10). As Bellucci is planning to complement his account of the grammatical foundations of Peirce’s logical trivium with monographs on Critical Logic and Speculative Rhetoric (cf. p. 1), the present volume represents the first part of a project that aims at a complete reconstruction of Peirce’s semeiotic logic, in order to––so we assume––become able to contribute to it as soon as the suspensio iudicii indagatoria has identified the grounds on which it can build its verdicts.

Thus, the author’s abstinence from critical judgment, systematic contextualization and argumentative confrontation with other theory-options serves a higher purpose: the purpose of doing things in that order that promises to do them right.

Although Bellucci’s account takes the form of a comprehensive diachronic reconstruction of the problems, ramifications and solutions appearing on each developmental stage of Speculative Grammar, it is nonetheless possible to read his whole account as an analysis of the process that thrice forced Peirce to broaden his conception of the fundamental logical triad and thence undertake ‘reforms’ of Speculative Grammar.

In the Minute Logic of 1902, Peirce realizes that the trichotomy of symbols–– term, proposition, argument––is not a subdivision of the trichotomy of signs into icons, indices and symbols, but rather constitutes an independent dimension of signhood which––combined with the first trichotomy––yields a classification of signs that is no longer a taxonomy of classes of signs but rather of semeiotic parameters. Out of nine combinatorially possible classes of signs, six are recognized as semeiotically possible on the basis of unsystematized ad hoc rules (cf. p. 199). This “‘first reform’ of speculative grammar” (p. 196), consequently, generates two tasks.

Firstly, the task to broaden the fundamental logical division of term, proposition and argument in such a way that it is no longer restricted to representing parameters of symbols exclusively, but of all signs as such. Secondly, the task of identifying those rules of compossibility in accordance with which semeiotic parameters can be combined so as to yield classes of signs. Both tasks are tackled in the context of the Lowell Lectures of 1903 and its accompanying Syllabus, in which Peirce replaces the classic fundamental logical triad with the trichotomy of rheme, dicisign and suadisign and, moreover, identifies the rules of parameter-compossibility for linearly ordered trichotomies.

But in “Nomenclature and Divisions of Triadic Relations”, composed in late 1903, Peirce already moves on to the “‘second reform’ of Speculative Grammar” (p.

256) and introduces a third trichotomy of parameters in which signs are regarded in relation to their own mode of being and thus divided into signs that are possibles (qualisigns), existing events (sinsigns), or generals: types, habits or laws (legisigns).

Out of twenty-seven mathematically possible combinations, ten are shown to be semeiotically possible classes of signs.

Finally, in a draft of the “Prolegomena for an Apology of Pragmaticism”, Peirce in 1906 replaces the fundamental logical triad of rheme, dicisign and suadisign with the new triplet of Seme, Pheme and Delome. The second of these terms, i.e.

the Pheme, “embraces […] not only Propositions, but also all Interrogations and Commands, whether they be uttered in words or signalled by flags”.07 As we shall see, the introduction of this new version of the fundamental logical triad marks the moment in which––thus Bellucci will argue––Peirce’s “findings in speech act theory necessitate a new grammatical terminology” (p. 315).

This necessitation is due to the fact that, according to Bellucci, the real driving force behind the “third reform of speculative grammar” (p. 286; cf. p. 311)––which starts to emerge in the doctrine that a sign has two objects and three interpretants,–– is the insight that the proposition ought to be differentiated from the act of asserting  it, as “the act of assertion is not a pure act of signification”.08 It is, thus, the ‘semantic impurity’ or ‘pragmatic surplus’ of the act of assertion that necessitates the introduction of additional “illocutionary” and “perlocutionary trichotomies” (cf. pp.

310 ff.) that are capable of accounting for the various effects sign-action generates (cf. p. 298). Bellucci’s understanding of the nature of the third reform of Speculative Grammar thus is that of a late Peircean speech-act-theoretical turn.

As all three reforms occur between 1902 and 1905, the first half of the book (ch. 1 to 5) deals with the emergence and formation of Speculative Grammar, whereas the second part (ch. 6 to 8) analyzes the dynamics of the aforementioned reforms. Thus, whereas the two initial chapters deal with Peirce’s early semeiotic theory (1865-1873), a subsequent triplet of chapters tackles the development from 1880 to 1900, before the last three chapters analyze the progressive ‘reformatory’ broadening of Speculative Grammar into a General Semeiotic, i.e. into “a theory of all possible kinds of signs, their modes of signification, of denotation, and of information, and their whole behaviour and properties”.09 In a closing chapter, Bellucci eventually focuses on both Peirce’s metalogical justification for conceiving of logic as a theory of signs and on his methodological reasons for extending the domain of Speculative Grammar to comprise all forms of signs, including those that he refers to as “emotional and imperative signs” and are to be distinguished from “cognitional signs”10 or “logons”.11 Although Bellucci’s account doubtless offers its most fruitful systematic contributions in chapters 6 to 8, he nonetheless manages to add substantial insights to the literature in virtually every chapter. Accordingly, his study of Peirce’s earliest conception of a semeiotic logic in the Harvard and Lowell Lectures of 1865/1866 reconstructs in unprecedented detail and clarity the project of a science named “Objective Symbolistic”, bringing to the fore how the substance of most later developments is already present in these earliest semeiotic texts and thus also helps us to better understand how Peirce’s semeioto-logical inquiries are originally related to his theory of categories, if a more nuanced account of his early philosophical development is superadded (see below).

Peirce’s “Objective Symbolistic” is his first attempt to present a semeiotic logic in the tradition of Locke’s third branch of science named “σημειωτική, or the Doctrine of Signs”.12 As Bellucci’s reconstruction shows, this first attempt contains a sequence of––as I would put it––‘basal theoretical operations’ that will remain omnipresent in Peirce’s methodology. Let me only highlight the seven most important operations, and permit me to initially skip the first: there is (ii.) the definition of logic in semeiotic terms, which is presented in the context of (iii.) an analysis of the constitutive elements of the sign-relation. Moreover, we can recognize the basal operations of (iv.) a classification of signs and of (v.) a classification of symbols. Finally, there is the basal operation of (vi.) a classification of arguments, including (vii.) an account of inferential validity on the basis of (ii.)-(vi.).

Now, according to Bellucci, this methodological sequence is initially established independently of a theory of categories. Rather, it will only be when Peirce has consolidated his system of logic that he can perform “the Kantian step”13 to derive metaphysical categories from logical forms. In this sense, so Bellucci argues, the first basal operation that we need to add––and which coincides with the first step in the argumentative order of “On a New List of Categories”: derivation of categories first (§§1-14), deduction of a system of logical forms next (§15)––represents a reversal of the historical order of discovery which saw Peirce moving from conceiving all logical form to be rooted in the sign-relation to establishing his precisive gradation of categorial concepts of second intention constituting the intelligibility of sensuous manifolds in the unity of the proposition (pp. 49 ff., 71).

Bellucci’s claim that the accomplishment of the operative endeavors (ii.) to (vii.) which erect Peirce’s first semeiotic logical doctrine, “[h]istorically […] came before the problem of determining a new list of categories” (p. 50), however, is only half the truth. As the student of Peirce’s early theory of categories (1857-1865) knows, these thoroughly anti-transcendentalist essays––i.e. attempts to outline a theory of categories that aims to show that the Kantian categories can only be apprehended as concepts under the supposition of their also being structures of being, i.e. concepts that do not only have empirical validity as conditions of the possibility of experience, but are also transcendentally real as conditions of the possibility of “creation”14–– left Peirce, as he remembers, “blindly groping among a deranged system of conceptions”, so that he, “after trying to solve the puzzle in a direct speculative, a physical, a historical, and a psychological manner […], finally concluded the only way was to attack it as Kant had done from the side of formal logic”.15 The approval of the “Kantian step of transferring the conceptions of logic to metaphysics”16 thus is the result of a categoriological failure that involves a shift from an idealism-morethan- transcendental (before 1865) towards the “realistic phenomenalism of Kant”,17 which is the fruit of a close second reading of and “personal enthusiasm for Kant”.18 Peirce’s appreciation of the “Kantian step”, therefore, must mature between “Letter Draft, Peirce to Pliny Earle Chase”19 and the “Harvard Lecture I.” (February 1865), i.e. in the second half of 1864, in which he focuses on Aristotelian and Hamiltonian Logic, Boolean Algebra20 and probably discovers “Prantl, the historian of Logic”.21

Unsurprisingly, it is in the “Harvard Lecture I.”––in which the project of an Objective Symbolistic is originally exposed––that we still can see how the relational structures articulated in Peirce’s former pronominal categories I-Thou-It still guide him in conceptualizing his logical triads (before the former are then supplanted by the new terminology developing between 1865 and 1867): A symbol in general and as such has three relations. The first is its relation to the pure Idea or Logos and this (from the analogy of the grammatical terms for the pronouns I, IT, THOU) I call its relation of the first person, since it is its relation to its own essence. […] The third is its relation to its object, which I call its relation to the third person or IT.22 Now, independently of these developmental details, the basal operation in Peirce’s account of his semeiotic logic will always consist in (i.) a categorial derivation of the conception of representation or signhood (the schema of all schemata of understanding). The vexed question to what extent this derivation––that Bellucci insightfully reconstructs in line with De Tienne (1996)––is “a metaphysical or a transcendental deduction” (p. 51), however, seems to me misleading, inasmuch as it prevents bringing into view what Peirce––building on Kant (cf. pp. 51-54)––truly accomplishes in “On a New List of Categories”: a deduction of the categories “from above” (as Bellucci, p. 54, rightly sees) that moves regressively from a “highest point”,23 i.e. from the propositional unity of a sensuous manifold sealed in the conception of Being, to its categorial constituents, without requiring a Leiftaden, Transzendentale Deduktion and Schematismuskapitel, because it articulates what remained implicit in Kant’s sketchy metaphysical deduction: the common triadic structure of those complex “functions” or “acts” of the understanding which––as it is operative in both the bringing about of analytical conceptual unities and in the bringing about of the unity of a sensuous manifold24 in the threefold synthesis25––is constitutive for establishing our reference to objects in judgments qua “representations of representations”,26 as Hoeppner (2011) has shown. This common triadic structure or abstract identity of analytical and synthetical acts of the understanding consists in their (i.) necessary reference to a sameness (“reference to a ground”/predicateterm/ synthesis of reproduction), which presupposes (ii.) a necessary reference to a numerically different entity (“reference to a correlate”/subject-term/synthesis of apprehension), which in turn presupposes (iii.) a necessary reference to an act of mediation (“reference to an interpretant”/conceptus communis/synthesis of recognition) which represents the unity of sameness and difference: A representation that is to be thought of as common to several must be regarded as belonging to those that in addition to it also have something different in themselves; consequently they must antecedently be conceived in synthetic unity with other (even if only possible representations).27 For the middle period of Peirce’s development from 1880 to 1895, dominated by work on the Algebra of Logic (including the Logic of Relatives), chapter 3 provides us with a technically sophisticated account of how Peirce’s work in mathematical logic transformed his understanding of Speculative Grammar as it is––incognito––represented in the first part of the paper “On the Algebra of Logic” of 1885. Here Peirce––as a consequence of the discovery of quantification with his student O. H. Mitchell––for the first time moves to a position that attributes an essential function in reasoning to each of the three kinds of signs, inasmuch as (necessarily symbolically represented) generality, (necessarily indexically represented) reference to a universe of discourse and the (necessarily iconical) representation of the arrangement of the parts of an argument are essential components of any reasoning and thus require corresponding semeiotic functions: “We interpret symbols and we are referred to objects by indices, but the form in which symbols and indices are connected (the syntax of a formula) can only be observed in iconic signs” (p. 121), summarizes Bellucci.

This position is then refined in Peirce’s first mature attempt to produce a summa of his logic in the extensive manuscript How To Reason (1894), to which chapter 4 is devoted. Together with the Minute Logic of 1901/2 and the Syllabus and Lowell Lectures of 1903, How to Reason represents one of the most comprehensive Peircean efforts to give a systematically, i.e. philosophically grounded account of his complete logic. Again, Bellucci’s reconstructive focus on formal grammar pays off substantially, not only because these roughly 600 manuscript-pages could be tackled from a variety of developmental points of view––e.g. by considering if and how Peirce’s Evolutionary Metaphysics, worked out in the preceding years, impinges on logical conceptions, or by studying the germs of the coenoscopic conception of philosophy,––but also because Bellucci never forgets to connect the landmarks of his narrative: In How To Reason we are, on the one hand, still moving in a theoryarchitecture in which the main systematic ideas stemming from “On a New List of Categories” (1867) and “On the Algebra of Logic” (1885) are still foundational, while, on the other hand, the analyses of Speculative Grammar gain profile and start to build up a complexity that indicates the necessity to identify additional dimensions of signhood (p. 129-135). This necessity is arising, firstly, with a view on the symbolical nature of quantificational indexical signs establishing a reference to the universe of discourse, which thus leads to a refined typology of indexical signs, comprising direct-objective (attention-steerers like pronouns and pointers etc.), relative (anaphoric expressions indicating objects of discourse) and indirectselective indications acting as instructions for the selection of objects in quantifying expressions (cf. p. 139-141). Secondly, this need to classify signs in accordance with respects other than their representative character emerges in the context of the differentiation between two kinds of iconic signs operating on different levels of semeiosis: There are icons that are involved by symbols (exciting ideas or likenesses of object-properties and relations) and are labelled as “icons of first intention”;28 and there are “monstrative” “icons of second intention”29 which represent logical form in syntactical arrangements, logical constants and argumentative structures.

The specific iconicity of these “monstrative signs” is grounded in their nature as signs that can neither be indicated nor symbolized but only shown (cf. p. 142-147).

The broader systematic context, in which the aforementioned taxonomical complications emerge, is defined by the analysis of assertion (cf. p. 136-143, 150- 168), which constitutes the basic semeiotic function of an intelligence capable of learning from observation and reasoning30 and thus becomes the central subject matter of the first branch of an exact logic. This branch is now explicitly referred to as Speculative Grammar, inasmuch as “to study those properties of beliefs which belong to them as beliefs, irrespective of their stability […] will amount to what Duns Scotus called speculative grammar”.31 As this discipline “must analyse an assertion into its essential elements, independently of the language in which it may happen to be expressed”,32 the reader might desire to hear more about the linguistic aspects and backgrounds of Peirce’s analysis of the universal structures of assertion,33 especially because the respective passages from the “Short Logic”,34 or from the Minute Logic35 have not been published in the main editions of Peirce’s works. Bellucci, however, prefers to focus on the primordial semeioto-logical aspects and designs chapter 5 as a backdrop on which the reforms taking place after 1900 will unfold.

In this sense, we can see how Peirce’s earlier versions of the analysis of assertion already anticipate the pincer-movement of the Syllabus of 1903 which proceeds by establishing the mutual confirmation of coenoscopic observation (the “rhetorical evidence”36) with the a priori deduction of the semeiotic functions necessarily required to represent truth as something that “consists in the definitive compulsion of the investigating intelligence”.37 But we can also recognize that Peirce’s conception of assertion still appears to be enclosed in the representationalist horizon defined by the § 19 of Kant’s CPR (cf. p. 157). As a consequence, Peirce does not as yet realize that assertion is “more an act that we perform with a symbol than something inherent to the symbol itself”, as Bellucci aptly puts it (p. 163).

Moreover, the variety of signs emerging from the analysis of assertion as requiring three elementary semeiotic functions––namely, (i.) an iconic sign of an idea to be attributed to (ii.) an indexically denotated occasion of belief-compulsion to which (iii.) an icon must symbolically be represented to be applicable (cf. p. 157 ff.) –– emphasizes the existence of modi significandi that cut across the taxonomy and thus display the limits of a theory that cannot explain the mixed nature of signs that are both iconic and symbolical––like the copula,––or indexical and symbolical, inasmuch as a weathercock indicatively asserts while a quantifier symbolically indicates (cf. p. 166 f.). Finally, the years 1895 to 1897 see emerging an approach to the analysis of deductive reasoning that will soon supersede the algebraic methods predilected in the decennia before: logical graphs (cf. p. 168-179).

Reacting to the taxonomical difficulties sketched above, Peirce, in the Minute Logic (1901-1902), introduces a radically modified approach to the classification of signs which Bellucci reconstructs as the “‘first reform’ of speculative grammar” (p.184 ff.). This reform, however, takes place in the broader context of a quite radical architectonic revamping of Peirce’s philosophy that is for the first time systematically presented in the Minute Logic and subsequently consolidated in the Carnegie Application (1902) and in the Harvard and Lowell Lectures of 1903. The major element of this architectonic reorganization is the triadic organization of Philosophy as a positive coenoscopic science based on common experience which––in the Comtean order of principle-dependence––is preceded by Mathematics only and has Phenomenology (methodologically recasting category-theory), the new Normative Sciences (Esthetics, Ethics and Logic) and Metaphysics as its three main divisions. Bellucci does not spend too much time on elucidating how radical a break with the past Peirce’s new architectonic constitutes––and for which it would take “[m]ore than six lectures […] to set forth in the tersest manner the reasons which have convinced me that Philosophy ought to be regarded as having three principal divisions”,38 as Peirce writes in 1903,–– but he gives an informative general overview of the Minute Logic (pp. 183-188) which elucidates the teleological character Peirce now explicitly ascribes to logica utens and consequently is reflected in the normative aspects of its systematic study as a logica docens dependent on esthetic and ethical principles (cf. p. 185-188).

The closer analysis of Speculative Grammar is then premised by a highly interesting consideration of the relation of logic to semeiotics (p. 188-193, cf. also p. 353-363) in which Bellucci arrives at a modification of Max Fisch’s account of the development of Peirce’s semeiotic logic from an early logic-within-semiotic to a mature logic-as-semiotic.39 Although Bellucci can confirm that Peirce in the Minute Logic factually identifies both disciplines when he defines Logic as “the science of the general necessary laws of Signs and especially of Symbols”,40 he nonetheless emphasizes that the mature Peirce’s position is rather one better labeled as semiotics-within-logic, inasmuch as logic is primarily taken to be a science that deals with arguments and thus with symbols, although the necessary task to provide an account of all possible signs is assigned to Speculative Grammar for reasons that will become increasingly relevant in the final years of Peirce’s semeiotic inquiries from 1904-1908. Logic, thus Bellucci explains, “is identified with the theory of signs because one of its departments is identified with that theory” (p. 192), so that for the mature Peirce the ultimate reason for the identification of Logic with general semeiotics is Speculative Grammar. Consequently, the possibility of erecting a logical theory that is thoroughly anti-psychologistic, inasmuch as it sees the actualization of sign-relations in psychological processes such as human thoughts as secondary to their determinant form, is grounded in the possibility of establishing a formal theory of the essential conditions signs need to conform to in order to represent inference.

Bellucci’s magisterial account of Peirce’s Speculative Grammar in the Minute Logic carefully reconstructs the foundations of such as formal semeiotic by moving through that series of basal operations we have noted to be its methodological backbone since 1865. By moving from the categorial division of the significant character of a sign into two degrees of degeneracy (icon, index) and one genuine kind (symbol) to the division of symbols and the grammar of arguments (differentiating abduction; corollarial and theorematic deduction; crude, qualitative and quantitative induction), Bellucci, however, surveys the familiar material of Peirce’s semeiotic logic (cf. p. 193-212) with particular interest for what he refers to as “the real novelty of the Minute Logic” (p. 198). What is this novelty? It consists in the way how the two trichotomies of signs Peirce had been working with for many years are related to each other. Prior to the Minute Logic (thus from 1865 to 1901), Peirce was conceiving of the trichotomy of symbols (terms, propositions, arguments) as a subdivision of the first trichotomy which has the representative character of a sign––being either a resemblance (icons), a real relation (indices) or a habitual use (symbols)––as its ratio divisionis. With the Minute Logic, however, Peirce starts to conceive of the trichotomy of symbols no longer as subordinate to the first trichotomy, but rather as coordinate. As a consequence, Peirce’s taxonomy of signs is no longer a division of objects into exclusive classes, but rather a taxonomy of “ways of classifiying signs, i.e. as semiotic parameters by the combination of which the classes of signs are obtained” (p. 183). The classification of signs henceforth becomes an operation consisting of two major steps, where the first step aims at the identification of the essential semeiotic parameters, while the second step––on the basis of rules of semeiotic compossibility––must ascertain which combinations of parameters yield possible signs (cf. p. 198). With the six possible classes of signs that can be obtained from combining both trichotomies, we are thus finally able to taxonomically explain symbols that indicate (qua symbolic terms) or indices that assert (qua indexical propositions).

With Chapter 7, Bellucci’s account turns to the most fruitful period in the development of Speculative Grammar: the autumn months preceding the Lowell Lectures of 1903 see Peirce also working on a pamphlet designed to provide the audience with a synopsis of his most fundamental ideas concerning his philosophical architectonic in general and his graphic and normative logic in particular. It is in these manuscripts (MSS 478, 800, 539, 540) which constitute the material for A Syllabus of Certain Topics of Logic, that Speculative Grammar takes on the general form Peirce will try to perfect and expand in the final years of his life. And it is especially with a view on the fermentation of ideas in these complex manuscripts that Bellucci’s methodological focus on their compositional history pays its dividends, as nobody has ever with such care and lucidity reconstructed their most likely compositional sequence (cf. p. 215 f., 259 f.). In doing so he unearths a wealth of insights that allow us to better understand the questions Peirce is asking and the developments these give rise to.

These developments are taking place in the framework of a conception of Speculative Grammar that, by the end of 1903, has become a science the main distinctions of which––whether in the theory of relations or in the theory of signs properly speaking––are all thoroughly grounded in the phenomenological categories of Firstness, Secondness and Thirdness with their respective degenerate modes. Inasmuch as all three Normative Sciences are taken to have a physiological, a classificatory and a methodical compartment, Speculative Grammar is now defined as the “physiological [department]” of a “general theory of signs”.41 The main development this chapter reconstructs is the “second reform” of Speculative Grammar (p. 259) which will eventually lead us from a taxonomy of signs consisting of two trichotomies in “Sundry Logical Conceptions” (SLC) to one consisting of three trichotomies in the “Nomenclature and Divisions of Triadic Relations” (NDTR).

Moreover, Peirce’s analysis of the dicisign in SLC already prepares the ground for the later typology of interpretants. The first step in the direction of a triple-trichotomytaxonomy, however, results as an immediate consequence from the first reform of Speculative Grammar in the Minute Logic: If the second trichotomy of classes of signs (differentiating between terms/rhemes, propositions and arguments) is no longer construed as a subdivision of the last element of the first trichotomy (differentiating between icons, indices and symbols) of classes of signs, but rather as a coordinated set of semeiotic parameters (i.e. of properties signs can have along with other properties), then, as it is no longer necessarily the case that whatever is a symbol cannot be an icon or an index, it becomes a desideratum to introduce new terminology for the trichotomy, as this in its former shape was exclusively applying to symbols and not to all signs. Thus, Peirce in SLC introduces sumisigns, dicisigns and suadisigns as parameters referring to the explicitness of the relational complexity of a sign that are not exclusively featured in terms, propositions and arguments, but rather in all signs having either one, two or three essential parts made explicit.

Whereas this first step concerns the perfecting of the conception of the second triad as reflecting the parameters of a completely independent dimension of signhood (that, eventually, will be grounded in the relation of a sign to its proper interpretant in MS 800 and NDTR), the second step to be noticed propels us towards the discovery of a third trichotomy (which in NDTR will be grounded in the relation of the sign to its own mode of being). As Bellucci had already remarked in an earlier stage of his account, the distinction between quali-, sumi-, and legisigns has its roots in the differentiation between two different modes of generality pertaining to symbols (cf. p. 134, 219). These signs, so Peirce had clearly seen in How To Reason, are not only general formaliter, i.e. in terms of their signification, but also materialiter, i.e. in so far as they exist only as actualizations of a general type (cf. p. 134). But as Peirce now realizes in 1903, existing-as-the-replica-of-a-type is not a mode of being restricted to symbols, but pertains no less to such signs as conventional icons (i.e. hypoicons) and linguistically articulated indices (i.e. subindices). And as the formulation of the conventions for the Gamma graphs (“graphs of graphs” in which graphs are considered materialiter and do thus also need to be represented as referring to a specific occurrence of a graph and not to its legisign), the distinction between types and tokens becomes both more general and more urgent in 1903 (cf. p. 249, 259), thus motivating the systematic account of the matter in NDTR which will eventually introduce the mode of being of a sign as a third dimension of signhood with its respective trichotomy.

By November 1903, Peirce’s Speculative Grammar has thus become a science which presents a substantial portion of its results in the guise of three trichotomies of semeiotic parameters which are grounded in the sign’s relation to itself, its object and its proper interpretant. The identification of the three trichotomies, however, will yield no classification of signs as long as the rules determining the compossibility of semeiotic parameters have not been specified, inasmuch as it is only through the combination of parameters that classes of signs can be obtained. Therefore, the question arises whether these resulting classes can be validated as possible on the basis of semeiotic rules of compossibility. Chapter 7 thus closes with an account of Peirce’s methodology of identifying the possible classes of signs in NDTR (p. 264- 278). More on this below.

Peirce’s true hothouse of semeiotic insights in the Fall of 1903, however, is the analysis of the proposition, to which Bellucci refers as the “deduction of the dicisign” (p. 220). This deduction is the continuation of the analysis of assertion that we had already seen taking central stage in the Speculative Grammar of 1895-1897 and starts to now yield the most fundamental insights into the structure of the sign-relation itself. The two drafts of the deduction of the dici-sign in SLC aim to demonstrate that dici-signs––according to the newly devised terminology for the second trichotomy and on the basis of the division of signs in virtue of their relational complexity–– must necessarily be composed of two parts in order to be that kind of sign that “represents its object as if Second to itself”.42 But, in which sense is this so? Why must a proposition (as a kind of dicisign) necessarily represent its object as standing in dyadic relation to itself? Bellucci introduces us to Peirce’s intricate and much reworked demonstration in two major expository steps. Firstly, a proposition is the representation of a fact. As such, however, it needs to represent that its object is such-as-it-is-represented-to-be independently of its being represented. Thus, secondly, the central question arises, how it is possible for a proposition to represent a fact as being independent of itself.

As this necessarily requires that the object ought to be represented as having the determinateness it is represented to have, not as a consequence of the proposition (i.e. as a relation of reason expressible only symbolically with an argument), but as a consequence of its being whatever it is, i.e. as an existential relation of fact expressible only indexically in a sign that professes of itself to be true, the demonstration of the possibility of such a representation becomes the semeiotically concretized aim of the deduction of the dici-sign. In Bellucci’s reconstruction, this deduction might be broken down into three major argumentative steps. In the first step it is shown that it is possible for a dici-sign to represent a fact as being independent of a proposition by representing itself as an index of its object (p. 220-224). In the second step it is shown that a dici-sign––in order to represent itself as an index of its object––must in the first place be able to represent itself as a sign of a certain kind. In the third step (belonging to the second draft of the deduction in SLC) it is eventually shown that a dicisign, in order to be represented by its interpretant as an index of its object, must be internally structured accordingly, i.e.

consist of two parts (p. 231-232). Quod erat demonstrandum.

There is, however, an important complication occurring in the second step: as Peirce answers the second subquestion concerning the possibility of the selfdepiction of the dici-sign by introducing the interpretant of the dici-sign as that semiotic function which allows for the representation of the dici-sign as an index of its object (understood as a concrete thing, not as a state of affairs, which would force on us a picture-theory of the proposition that necessarily conceives of propositions as structured entities mirroring structured states of affairs, thus deriving their structure from states of affairs; cf. p. 223 f.), a conception of the sign-relation is emerging which is no longer compatible with the definition of a sign as a triadic relation in which the sign brings an interpretant into the same triadic relation to one and the same object to which the sign itself stands, because the interpretant of a dicisign as an index of its object does not represent (and thus does not have) the same object as the dicisign, but rather represents (and has as its object) the relation of the sign to its object. In Bellucci’s words: “[W]hile the sign represents an object, the interpretant represents the sign’s representation of the object” (p. 224 f.; emphasis added). As Peirce’s ad hoc solution of this fundamental problem, namely the introduction of the distinction of a primary and a secondary object of the dici-sign in MS 478, boils down to reduplicating the distinction between the relation of the sign to the object and the relation of the interpretant to the object, Peirce will soon be led to consider the possibility of differentiating kinds of interpretants.

As Bellucci rightly emphasizes, however, the idea of differentiating between two semeiotic functions of the interpretant is already palpable in the definition of the sign provided by the final draft of SLC. Here Peirce, after having characterized the sign-relation as a triadic relation obtaining between the representamen (as a first), its object (as a second) and its interpretant (as a third), in which the first determines the third “to assume the same triadic relation to its object in which it stands itself to the same object”,43 he adds that “besides that, it [the Third] must have a second triadic relation in which the Representamen, or rather the relation thereof to its Object, shall be its own (the Third’s) Object, and must be capable of determining a Third to this relation”.44 The task of unpacking the consequences of this fresh insight into the existence of a potential plurality of semeiotic functions of the interpretant constitutes the motor of the developments Speculative Grammar takes after the Syllabus of 1903. Now, in order to chart the contours of the still expanding territory of semeiotic inquiries to the exploration of which the eighth chapter of Bellucci’s developmental account of the years 1904 to 1908 is devoted, it might be useful to first indicate the main directions into which Peirce’s semeiotic inquiries move and, moreover, to rehearse the methodological principles of the classification of signs.

Firstly, there is a “third reform of speculative grammar” (p. 286) to be noted, which consists in the refined articulation of the internal structure of the sign-relation by introducing the distinction of dynamic and immediate object on the one hand, and the differentiation between three kinds of interpretants on the other hand.

On the backdrop of this fundamental remodelling of the sign-relation––already adumbrated in the final stages of Peirce’s work on the Syllabus of 1903––Bellucci, like ShOrT (2007) and others before, sees emerging three main taxonomical schemes; namely (i.) schemes based on six trichotomies (1904-1905), (ii.) such based on ten trichotomies (1906-1906), and (iii.) similar tenfold schemes (1908) with which, however, a different approach to establishing parameter-compossibility is taken (cf. p 286). Within this final development, so Bellucci claims (cf. p. 286), Peirce manages to arrive at a final position concerning the first of the two tasks that a complete classification of signs requires (i.e. the task of providing a complete system of semeiotic parameters by trichotomizing the categorial aspects of the signrelation), but he fails to solve the problems connected to the second (i.e. the task of determining the rules of compossibility of the semeiotic parameters, so as to be able to determine the classes of possible signs).

Bellucci introduces Peirce’s principles of sign-classification on the basis of the three-principles-reconstruction given in Burch (2011). Thus, we start out by claiming that each trichotomy produces triads consisting of three ordered elements: <1, 2, 3>.

We add, secondly, that the Triads themselves are linearly ordered : I. <1, 2, 3>, II. <1, 2, 3>, III. <1, 2, 3> etc. On this basis, a third principle of combination specifies that in order to obtain a––as one could say––mathematically or combinatorially possible class of signs, we have to form a triplet of elements {m/n/r} to which each of the three triads contributes one element, e.g. {1/1/2} or {3/3/2}. As the combinatorially possible classes of signs in a system with three triads of sign-parameters, based on three trichotomies of an elementary respect of the sign-relation––i.e. of the sign (i.) to its mode of being, (ii.) to its object, (iii.) to its interpretant––are 33 = 27, the question arises how many of these are semeiotically possible (cf. p. 265). A task, we might add, that is analogical to the one Aristotle needs to tackle after having established the four logical forms of non-modal premisses45 and the three figures of the syllogism which,46 as is well known, consists in identifying the logically valid syllogistic argument-schemes within the 192 mathematically possible ones.

Analogically, a set of rules needs to be established which allows us to distinguish the combinations which are combinatorially possible from those that are semeiotically possible. As the set of rules that Peirce gives in NDTR47 is incorrect, as it factually does not allow us to obtain the table of ten classes of signs worked out in NDTR,48 and as he will not come to a correct statement of the rules of parameter combination before 1908 (cf. p. 267), Bellucci’s statement of the rule stays in line with Burch49 and ShOrT, according to whom “nothing can determine anything of a higher category than itself”.50 Or, as Bellucci’s puts it (p. 266), who cum Short also assumes that, as each preceding trichotomy acts as the determinant of a subsequent determined trichotomy, the same relation consequently also holds of the elements of the triads: “a determinant element in a combination cannot have a lesser categorial value than the determined element” (p. 266). Accordingly, the ten classes of semeiotically possible signs are: {1/1/1} = rhematic-iconic qualisign or qualisign; {2/1/1} = rhematic-iconic sinsign; {2/2/1} = rhematic-indexical sinsign; dicent indexical sinsign = {2/2/2}; {3/1/1} = rhematic-iconic legisign; {3/2/1} = rhematic-indexical legisign; {3/2/2} dicent-indexical legisign; {3/3/1} = rhematic symbolic dicisign or rhematic symbol; {3/3/2} = dicent-symbolic legisign or dicent symbol; {3/3/3} = argumentative-symbolic legisign or argument.

On the backdrop of this reconstruction of Peirce’s ‘ten out of three’- classification, it is easy to understand the nature of the problem which arises once additional trichotomies are identified and corresponding triads of parameters are established: Will there still be a linear order in which determinant triads determine subsequent determined triads? If not, then the project of a complete classification of all possible signs seems to become impossible. Peirce held on to this project, but he neither succeeded in arriving at a satisfactory linear ordering nor in fully working out an alternative non-linear approach (cf. p. 334-348), thus leaving the task in its generality unresolved (cf. p. 286).

The distinction between two kinds of objects and three interpretants, which introduces three additional relates into the sign-relation, emerges in a letter Peirce writes to Victoria Welby in October 1904.51 The reason for introducing these new elements, however, does only start to become clearer in October 1905, when several entries in the Logic Notebook allow us to reconstruct the new ‘post-NDTR’ classification of signs, as it takes shape in manuscripts and letters of the years 1904 to 1905.52 The first thing to gain clarity in this transitory context, is the relation of the old three relates of the sign-relation to the three new ones: The object that was since 1865 referred to as the object tout court, and the relation to which grounded the triad of icon-index-symbol, is now referred to as the dynamic object.

Moreover, the interpretant that was since 1865 referred to as the interpretant tout court, and the relation to which (since 1903) grounded the triad of rheme-dicisignsuadisign, is referred to as the “Significant Interpretant”,53 “signified interpretant”54 or “representative interpretant“55 in the transitory period in which Peirce operates with six trichotomies. Thus, the new distinctions that become particularly pressing to comprehend, both in their motivation and in the outlook they encapsulate,

are those referred to with the terms (i.) ‘immediate object’, i.e. the “object as it is represented”, (ii.) ‘immediate interpretant’, i.e. the “interpretant in itself’, and (iii.) ‘dynamic interpretant’, i.e. the “interpretant as it is produced”.56 As Bellucci shows, the theoretical outlook in which Peirce takes (i.) the immediate object to play its role is that of quantification. The ratio divisionis of the relation a sign has to its immediate object, thus, is not that to another entity, but rather to a part of the dynamic object, namely to its quantity. In this sense, the relation of a sign to its dynamic object is either vague, actual, or general, i.e. particular, singular or universal. As this specification is only possible as the specification of a dicisign, “the immediate object”, thus Bellucci summarizes his analysis, “is the manner in which the dynamic object is quantitatively given (i.e., quantified) within a propositional context” (p. 293).

Building up on ShOrT’s57 “brilliant intuition” of a ‘speech-act-theoretical’ motivation guiding Peirce in his hexadic reconfiguration of the sign-relation for the sake of obtaining further trichotomies (p. 298), Bellucci, furthermore, offers a reconstruction of Peirce’s conception of (ii.) the immediate and (iii.) dynamic interpretant which sees these distinctions as originating in the Peircean insight into the necessity of distinguishing between propositional content and act of assertion. Now, as Bellucci shows with reference to NDTR (cf. p. 297 and EP 2:292 f.), Peirce in 1903 was still tending to assimilate assertion with the psychological act of judgment as he had been doing in the 1890s when both terms were sometimes even identified, inasmuch as a proposition was taken to be a semeiotic structure the purpose of which is to assert a fact (cf. p. 295 ff.). The distinction between proposition and assertion, however, is worked out immediately after having delivered the Lowell Lectures, when Peirce, in “Καινὰ στοιχεῖα” (Winter 1904), writes that “[o]ne and the same proposition may be affirmed, denied, judged, doubted, inwardly inquired into […], taught, or merely expressed, and does not thereby become a different proposition”.58 Consequently, the trichotomy that has as its subiectum divisionis the relation of the sign to the immediate interpretant has its ratio in the differentiation of the representative matter which the sign determines the interpretant to take on as being either “feeling (Interjection), Action (Imperative), Sign (Indicative)”.59 And this means that (ii.) the immediate interpretant ought to be construed as a sign’s relation to its communicative purpose (being either an interjection, an imperative or an indicative), thus producing the sign with a respective interpretant in view, while the trichotomy which has as its subiectum divisionis (iii.) the relation of the sign to the dynamic interpretant, might be construed as having its ratio in the differentiation of instrumental modes of determination of the immediate interpretant through the mode of sign-action “by Sympathy, by Compulsion, by Reason”.60 Based on this reading, thus, the triad of the dynamic interpretant gives us the modes of bringing about the intended interpretive effects specified in the triad of the immediate interpretant. Dynamic and immediate interpretant would thus relate to each other as means relate to ends, or, to put it more prudently: the distinction of types of interpretants starts to reflect a normative outlook in its ordering.

Bellucci’s interpretation, however, does not dwell too long on this classificatory scheme: As much as October 8th, 1905, is the day on which Peirce produces the first classificatory scheme based on six trichotomies that is terminologically explicit enough to be intelligible, this is also the day on which he quits the hexadic system and starts to work on classifications with decadic bases exclusively. As this move is actually nothing but a consequence of the thorough grounding of all semeiotic distinctions on the phenomenological categories and thus already formally prescribed by the approach taken in the Syllabus of 1903, one could be surprised not to see Peirce approaching the matter from a purely formal point of view earlier.

Now, according to this point of view, in any triadic subdivision there will be one first (I), two seconds (II.i and II.i) and three thirds (III.i, III.iii, III.iii), thus also two subdivisions of II.ii (i.e. II.ii.1 and II.ii.2), two subdivisions of III.ii (i.e. III.ii.1 and III.ii.2) and three subdivisions of III.iii (i.e. III.iii.1, III.iii.2, III.iii.3). This will thus give us a classificatory system with ten trichotomies of parameters, in which we will find one division according to the nature of the sign (I), one division according to the immediate (II.i) and two according to the dynamic object (II.i.1 and II.1.2), one according to the immediate (III.i), two according to the dynamic (III.ii.1 and III.ii.2) and three according to the third interpretant (referred to as ‘representative’ in 1905, but also as ‘normal‘ and ‘final’ in subsequent years): III.iii.1, III.iii.2, III.

iii.3. As Bellucci suggests (p. 307 f.), Peirce’s move to the hexadic system might be motivated by the decision to bracket the question concerning the linearity––and thus: definiteness––of the ordering of the trichotomies, in order to first determine which trichotomies must be considered, “before order can be brought in”.61 Now, on the basis of the exegetical maxim that “by reconstructing the steps by which Peirce came to his tenfold taxonomy of signs in October 1905, we are ipso facto reconstructing his speech act theory” (p. 311), Bellucci arrives at a quite coherent general picture and interpretation of the hexadic classifications Peirce produces in 1905 and 1906. The key components of this account, building up on ShOrT62 and PIETArINEN63 are two. Firstly, there is the insightful projection and localization of Peircean distinctions on the blueprint of speech act theory with its differentiation of locutionary act (i.e. the uttering of meanings embodied in the sign’s relation to the ‘representative’ or ‘final’ interpretant qua rheme, dicisign or argument), illocutionary force (i.e. the using of signs with a definite communicative intention playing out in the sign’s relation to its immediate interpretant qua interrogative, imperative, or assertoric) and perlocutionary acts (i.e. the effects of a sign materializing as its relation to the dynamic interpretant qua feeling, fact or sign).

Secondly, there is a systematically very fruitful account of the nature of the ordering of the three interpretants ensuing from the speech act theoretical reading: If we interpret the immediate and the dynamic interpretant as the Peircean demarcation between conventional and natural effects of signs (cf. esp. p. 312 f.), it becomes possible to comprehend the immediate interpretant as the conventional interpretant represented by the sign, i.e. as “the sign that a sign aims to procude”, while the dynamic interpretant is the interpretant causally determined by the sign, i.e. “the sign that it [the sign, A.T.] actually produces”, so that the normal interpretant eventually becomes the télos of semeiosis which “sufficient scientific consideration of the sign ought to produce” (p. 315).

Thus, with a view on the interpretive problems soon provoked by Peirce’s introduction of the seemingly alternative division of interpretants into the emotional, energetic, and logical in “Pragmatism” of 1907,64 Bellucci can confirm Short’s interpretation of the division of the interpretant into immediate, dynamic and final (hereafter referred to as IDF-trichotomy) as a “»modal gradation« among interpretants” (p. 327) which expresses “the essential structure of Peirce’s later semeiotic”, as ShOrT65 puts it. As this structure is “essentially purposive” (ibid.), we might say that it discloses the normative dimension of Peirce’s “Normative Semeotic”,66 whereas the division of the interpretant into emotional, energetic, and logical (hereafter referred to as EELtrichotomy), at least according to ShOrT, “places thought in a naturalistic context, where it may be seen as a development of more primitive forms of semeiosis”.67 Bellucci, however, hopes to develop a genetically more coherent and systematically nuanced approach when he suggests conceiving of both divisions of the interpretant as “the instruments by which speculative grammar came to include a pioneering speech act theory” (p. 327). Accordingly, so he argues, the modal gradation (i.e. the IDF-trichotomy) was needed “to differentiate the illocutionary, perlocutionary and locutionary levels of analysis”, while the EEL-trichotomy, “from 1905 onwards” (p.

327 f.), was designed to provide “a typology of perlocutionary effects” (p. 328).

Now, this is true only in so far as this triad factually functions as a subdivision of the dynamic interpretant in spring 1906;68 but it cannot escape attention that it also appears as the subdivision of the immediate interpretant in 1904,69 and as a subdivision according to the “Purpose of the Eventual [i.e. final, A.T.] Interpretant” in Summer 1906;70 a view that eventually seems to be confirmed in Peirce’s last classification of signs produced in 1908, where the EEL-trichotomy, i.e. the very triad of interpretants consisting in a subdivision of what might be called the ‘event-type-category’ of the interpretant (feeling, action, thought) is, again, not conceived of as a subdivision of the perlocutionary (i.e. of the non-conventionally determined effects of the sign), but rather as a subdivision “[a]ccording to the purpose of the final interpretant”, aiming either at being “[g]ratific”, or “[t]o produce action”, or “[to produce self-control”.71 As a consequence of these interpretive frictions, Bellucci’s fine interpretation of the EEL-trichotomy as the main conceptual tool used to purge the pragmatic maxim of 1878 in “Pragmatism” (cf. p. 328-330), does not cohere with his general speech-act-theoretical reconstruction of Peirce’s theory of the interpretant, as he is interpreting the EEL-trichotomy in “Pragmatism” as a subdivision of the final interpretant. Bellucci is ready to admit these incongruencies (cf. p. 328, par. 2) and, moreover, points out clearly that the EEL-trichotomy “is the most difficult to interpret”, as it “seems to be linked to neither the illocutionary, nor the perlocutionary dimension of analysis”, and Peirce “never explains what he meant with it]” (p. 344, my emphasis). – Now, this might be a bit exaggerated, as the determination of the subdivision as being performed “according to the purpose of the final interpretant”72 or “according to the Purpose of the Eventual interpretant”73 indicates that we are here dealing with a dimension of signhood that seems to be essential for a “Normative Semeotic”,74 i.e. for a theory of signs developed on the basis of two prelogical normative sciences grounding Logic in the order of principle-dependence.

Namely, firstly “ethics [which] studies the conformity of conduct to an ideal”, and secondly esthetics, being the “theory of the ideal itself”, which studies “the nature of the summum bonum” by working out a “theory of the deliberate formation of […] habits of feeling”.75 Thus, if it is true, as Peirce claims in 1902, that “[i]t is absolutely impossible that the word «Being» should bear any meaning whatever except with reference to the summum bonum”, and if “[t]his is true of any word”,76 then some conception of the summum bonum seems to be necessarily incorporated in the final interpretant of any possible sign, thus constituting the ultimate horizon in which signs can have a potential meaning for sign-producing agents that are not the creators of the world they live in. Or, in other words: the trichotomy of the final interpretant in accordance with its purpose, is a subdivision the ratio divisionis of which are “ways of life”,77 “classes of men”,78 “human lives”,79 “types of men”,80 or “Suicultural, Civicultural, and Specicultural Instincts”.81 As this categoriological “Division of Human Life into Life of Enjoyment, Life of Ambition and Life of Research”82 is patterned on Aristotle’s distinction of three βίοι or ‘designs of life’ that the Stagirite interprets as different apprehensions of the μέγιστον ἄγαθον qua εὐδαιμονία that are embodied in the praxis of those devoting their life primarily to certain esthetic ideals––pleasure, political action or contemplation, 83––we might say that the ratio divisionis of the EEL-trichotomy is a division in accordance with βίοι or grasps of the summum bonum, which, in turn, is rooted in the different modes of being of the respective esthetic ideals apprehended. There are, however, good reasons to conceive of problematizations of the kind raised here as not belonging to Speculative Grammar as such, but rather to the third branch of semeiotics which considers signs in their thirdness, i.e. in their utility for their interpretants.

Bellucci’s account of the final stage of Peirce’s efforts to produce a complete classification of signs (p. 330-348) in the years 1907-1909 confronts us with a thinker who even at the end of his life preserves the intellectual power to start from scratch in order to further deepen analyses of conceptual distinctions and systematic interconnections. In this sense, the new conceptions of collateral observation and of the continuous predicate are shown to be intimately related to the ongoing development of Peirce’s analysis of the structure of the proposition and of his conception of the immediate object (cf. p. 321-325, 331-340) as “the manner in which the sign indicates the dynamic object” (p. 336).

Moreover, Bellucci sketches how Peirce in 1908 and 1909 embarks on a methodological journey that has the potential to free him from the constraint of operating on the basis of a linear order of the trichotomies of semeiotic parameters.

This move was necessitated by the fact that even though we can know that on the basis of ten linearly ordered triads the mathematically possible combinations amount to 310 = 59.049; and even though we have some reasons to assume that the ordering relation should be derivable from the hierarchy of relations of determination obtained within the sign-relation, so that “[I.] the dynamic object determines [II.] the immediate object, which in turn [III.] determines the sign, which in turn determines [IV.] the ‘destinate’ (final) interpretant, which in turn determines [V.] the ‘effective’ (dynamic) interpretant, which in turn determines [VI.] the ‘explicit’ (immediate) interpretant” (p. 342; roman numerals added by A.T.); nonetheless, we have no proper basis to apply the two rules of parameter compossibility––namely R1: “[A] Possible [First] can determine nothing but a Possible’, and R2: “[A] Necessitant [Third] can be determined by noting but a Necessitant”,84 conjointly implying that all possible combinations of semeiotic parameters satisfy the partial ordering 0sp: “first element ≥ second element ≥ third element” (p. 285 f.)––to the decadic system of trichotomies, as long as we do not know how to position the four other trichotomies in relation to the four linearly ordered ones (cf. p. 340 ff.). Consequently, in the classifications of December 1908 that are all developed in versions of a letter to Victoria Welby, we are surprised to see Peirce approaching the business of classification by focusing exclusively on the compossibility of two trichotomies, namely on the compossibility of the elements of the trichotomies of the sign in itself and of those of the sign’s relation to the immediate object.

The reason for this puzzling approach that seems hopelessly inadequate for determining all possible classes of signs on the basis of ten trichotomies of paramaters emerge in Peirce’s last entries concerning the taxonomy of signs in the Prescott 84 SS:84, 1908; my additions in brackets.

http://dx.doi.org/10.23925/2316-5278.2019v20i1p159-202 200 Cognitio, São Paulo, v. 20, n. 1, p. 159-202, jan./jun. 2019 Book 85 and the Logical Notebook 86 of October and November 1909. As Bellucci conjectures, Peirce eventually arrives at the conclusion that a linear ordering of all ten trichotomies is methodologically problematic, and thus resorts to an approach that exploits the idea of there being generalizable relations obtaining between couples and triples of trichotomies belonging to the same orders of classification (e.g. ‘immediate trichotomies’ and ‘dynamic trichotomies’ of the relation of the sign to the object and the interpretant), which thus “suggests a method of study”87 that is proceeding step-by-step without having to presuppose a linear order. I am not sure in which sense this method––barely sketched by Peirce and thus only roughly unpacked by his interpreter––“presupposes that the trichotomies are hierarchically rather than linearly ordered” (p. 348), as Bellucci claims. Of course, the “‘tree of trichotomies’” (p. 348) he seems to have in mind and which we can easily draw on the basis of Peirce’s retrospective appreciation of the “excellent notation of 1905 Oct 12”,88 gives us three levels of complexity, where seven trichotomies––of the sign’s relation to the dynamic object (II.ii.1 and II.ii.2) and the various non-immediate interpretants (III.ii.1, III.ii.2, III.iii.1, III.iii.2, III.iii.3)––are third-order divisions (i.e. subdivisions of subdivisions), two trichotomies––of the sign’s relation to the immediate object (II.1) resp. to the immediate interpretant (III.1)––are second-order divisions, and only one––the mode of being of the sign in itself (I.)––is a first-order division; but the way Peirce articulates himself on November 1st 1909 in The Logic Notebook might also be read as representing purely heuristic reflections concerning the question of which paths of inquiry ought to be considered as the most fruitful avenues across the wonderland of 59.049 mathematically possible classes of signs. The identification of such heuristic paths along which additional laws of compossibility of parameters of signs seem more likely to be discovered would not necessarily have to imply anything about the form in which the trichotomies themselves are related to each other in the universe of formal semeiotics. But these are speculations. The last entries in the Logic Notebook from November 1st, 1909 rather seem to show that Peirce’s immediate answer to the methodological problems sketched above consisted in starting anew––with a definition of a sign as an ens.89

References

ArISTOTLE. Philosophische Schriften. Hamburg: Meiner. 1995.

Burch, Robert. Peirce’s 10, 28 and 66 Sign-Types: The Simplest Mathematics. Semiotica, 2011, vol. 184/1, pp. 93-98.

DE TIENNE, André. L’analytique de la représentation chez Peirce. La genèse de la théorie des catégories, Bruxelles: Publications des Facultés universitaires Saint-Louis, 1996.

fErrIANI, Maurizio. Peirce’s Analysis of the Proposition: Grammatical and Logical Aspects. In: BuZZETTI, Dino & fErrIANI, Maurizio (Eds.). Speculative Grammar, Universal Grammar, and Philosophical Analysis of Language. Amsterdam: J. Benjamins. 1987. p. 149-172.

fISch, Max. Peirce, Semeiotic and Pragmatism. Bloomington: Indiana University Press. 1986.

hOEPPNEr, Till. Kants Begriff der Funktion und die Vollständigkeit der Urteils- und Kategorientafel. In: Zeitschrift für philosophische Forschung. 2011. v. 65/2.

kANT, Immanuel. Critique of Pure Reason. Translation and ed. by GuyEr, P. & WOOD, A. W. Cambridge: Cambridge University Press. 1998. (Cited as CPR, followed by page number of the first and/or second edition).

LOckE, John. An Essay Concerning Human Understanding. Oxford: Oxford University Press. 1979.

PEIrcE, Charles S. The Collected Papers of Charles Sanders Peirce, 8 vols.

hArTShOrNE, c. & WEISS, P. (eds.). Cambridge, vols. 1-6, 1931-1935; BurkS, A.

(ed.). Cambridge, vols. 7-8, 1958. (Cited as CP, followed by volume number and paragraph number).

_____. Writings of Charles S. Peirce. A Chronological Edition. MOOrE, E. & kLOESEL, J. c. W. et al. (Eds.). Bloomington: Indiana University Press. 1982-2009. Vols. 1-6, 8.

(Cited as W, followed by volume and page number) _____. The essential Peirce. Peirce Edition Project (Ed.). Bloomington: Indiana University Press. 1992-1998. Vols. 1 & 2. (Cited as EP, followed by volume and page number).

_____. Manuscripts of Charles S. Peirce in the Houghton Library of Harvard University, as identified in: rOBIN, R. (1967): Annotated Catalogue of the Papers of Charles S. Peirce, Amherst, and in: rOBIN, R. (1971): The Peirce Papers: A supplementary catalogue, in: TSPS 7, p. 37-57. (Cited as MS, followed by page number to indicate Peirce’s pagination, or by a zero preceding the page number to refer to the numbering stamped on each page of the microfilm edition of the Harvard manuscripts).

_____. Semiotic and Significs: the correspondence between Charles S. Peirce and Victoria Lady Welby. hArDWIck, C. S. (Ed.), Bloomington: Indiana University Press. 1977. (Cited as SS, followed by page number).

_____. Reasoning and the Logic of Things: the Cambridge Conferences Lectures of 1898. kETNEr, k.L. (Ed.). Cambridge: HUP, 1992. (Cited as RLT, followed by page number).

PIETArINEN, Ahti-Veikko: Signs of Logic: Peircean themes on the philosophy of language, games, and communication. Dordrecht: Springer. 2006.

ShOrT, Thomas. Life among the Legisigns. Transactions of Charles Sanders Peirce Society. v. 18, n. 4, p. 285-310, 1982.

_____. Interpreting Peirce’s Interpretant: a response to Lalor, Liszka, and Meyers.

Transactions of Charles Sanders Peirce Society. v. 32, n. 4, p. 488-541, 1996.

http://dx.doi.org/10.23925/2316-5278.2019v20i1p159-202 202 Cognitio, São Paulo, v. 20, n. 1, p. 159-202, jan./jun. 2019 _____. Peirce’s theory of signs. Cambridge: Cambridge University Press. 2007.

STJErNfELT, frederick. Natural Propositions. Boston: Docent Press, 2014.

Notas

01 Cf. MS 595:22. EP 2:19, 1895.

02 Cf. W 1:175, 274, 304. 1865-66.

03 MS 787:10. 1896.

04 MS 595:22. EP 2:19, 1895.

05 Cf. CP 2.206, 1902.

09 MS 634:14 f., 1909.

10 MS 676:6, 1911.

11 MS 675:26, 1911.

12 LOckE, Essay, IV.21.4.

13 RLT:146, 1898.

14 Cf. W 1:44, 47-49, 85-90, 94.

15 CP 1.563, 1898.

16 RLT:146 1898.

17 CP 8.15, 1871.

18 W 1:160, 1865; cf. W 1:240-256.

19 W 1:115-117, 1864.

20 Cf. W 1:574 f.

21 Cf. W 1:360 (1866).

22 W 1:174, 1865; cf. 165, 169.

23 kANT, CPR, B 134 n.; cf. § 19.

24 Cf. kANT, CPR A 79/B 104 f.

25 Cf. kANT, CPR A98-104.

26 kANT, CPR A 68/B 93.

27 kANT, CPR B 133-134 n.

28 Cf. MS 787, 1896.

29 Cf. MS 409, 1894.

30 Cf. CP 2.227, 1897.

31 CP 3.430, 1896.

32 Ibid.

33 Cf. fErrIANI, 1987.

34 Cf. EP 2:504 n. 5.

35 Cf. MS 427:242-273, 1902.

36 Cf. CP 2.279, 2.333, 1896.

37 MS 787:19, 1896.

38 EP 2:146, 1903.

39 Cf. fISh, 1986, p. 338 ff.

40 MS 425:133, 1902. CP 2.93; emphasis added.

41 MS 478:42, 1903.

42 MS 478:0180, 1903.

43 MS 478:43 f., 1903; emphasis added.

44 bid.; emphasis added.

45 ArISTOTLE, An. Pr. I, 1-2.

46 ArISTOTLE, An. Pr. I, 4-6.

47 Cf. EP 2:290, 1903.

48 Cf. EP 2:296, 1903.

49 Cf. Burch, 2011, p. 94 f.

50 Cf. ShOrT, 2007, p. 240.

51 Cf. SS:32-35.

52 Cf. MSS 914, 939, 517, 284, and L 67 and L 107.

53 MS 339:252r, 1905.

54 SS:34, 1904.

55 MS 339:253r, 1905.

56 SS:32, 1904.

57 Cf. ShOrT, 1982, p. 293 ff.

58 EP 2:312, 1904.

59 MS 339:252r, 1905.

60 MS 339:252r, 1905.

61 MS 339:253r, 1905.

62 Cf. ShOrT, 1982 and 2007.

63 Cf. PIETArINEN, 2006.

64 Cf. EP 2:409 ff.

65 ShOrT, 1996, p. 496.

66 CP 2.111, 1902.

67 ShOrT, 1996, p. 495.

68 Cf. MS 339:275r, 1906.

69 Cf. L 463:030, 1904.

70 MS 339:285, 1906; my emphasis.

71 MS 463:0134-0145, 1908.

72 L 463, 1908.

73 MS 339:285r, 1906.

74 CP 2.111, 1902.

75 EP 2:376 f., 1906.

76 CP 2.116, 1902.

77 MS 407:1, 1893; and MS 604 (n.d.).

78 CP 1.43 f., c. 1895; and MS 14:6, 1895.

79 MS 1334:16-18, 1905.

80 EP 2:445, 1908.

81 MS 1343:34 ff., 1903.

82 MS 477:01, 1903.

83 ArISTOTLE, EN, 1095 b14-1096 a5.

85 MS 277:077, 1908.

86 MS 339:360r, 1909.

87 MS 339:360r, 1909.

88 MS 339:360r, 1909.

89 Cf. MS 339:360r f., 1909.

Alessandro R. R. Topa American University In Cairo– Egypt Otto-Friedrich-Universität Bamberg. E-mail: Germany [email protected]

Acessar publicação original

A doutrina da Essência – HEGEL (V)

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. A doutrina da Essência. V. 2. Equipe de Tradução: Christian G. Iber e Federico Orsini. Coordenador: Agemir Bavaresco; Colaboradores: Marloren L. Miranda e Michela Bordignon. Revisor: Francisco Jozivan G. de Lima. Petrópolis, Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2017, pp. 271. Resenha de: WOHLFART, João Alberto. Veritas, Porto Alegre, v. 63, n. 2, p. 801-813, maio-ago. 2018.

Veio a lume a tradução do segundo volume da Ciência da Lógica intitulado “A Doutrina da Essência”, uma tradução realizada por Christian Iber, Federico Orsini, resultante de um trabalho em equipe coordenado pelo professor Agemir Bavaresco. O belo livro que temos em mãos integra a coleção de obras filosóficas denominada Pensamento Humano, editado e publicado pela Editora Vozes. Com esta tradução, os falantes de língua portuguesa e os estudantes de filosofia de todos os níveis têm em mãos uma obra fundamental do pensamento hegeliano para a leitura, abordagem em aula, produções filosóficas e aprofundamento do conhecimento da filosofia hegeliana, especialmente no Brasil. Para os que lemos uma das principais obras filosóficas da história, durante anos, no idioma do filósofo Hegel, agora temos a agradável surpresa de ter em mãos este texto difícil na nossa língua portuguesa.

Esta tradução já fora antecipada pela tradução do primeiro volume da Ciência da Lógica, a Doutrina do Ser, e a sua adequada leitura e compreensão deve ser antecipada pela leitura do primeiro volume. A Doutrina do Ser termina com o círculo categorial da desmedida, portanto na abstração e na indeterminação universal, sem que nada possa ser determinado e diferenciado em relação a outras coisas. Por este viés, a primeira questão a ser abordada por Hegel na Doutrina da Essência é a determinação e diferenciação das coisas, o estabelecimento do estatuto lógico da multiplicidade e da diversidade. Do ser para a essência qual a indeterminação universal do ser mergulha na interioridade de sua reflexão, o que resulta no revestimento do ser por determinações concretas.

Hegel, na Doutrina da Essência, não ressuscita a velha noção metafísica de essência e não se apropria da sua noção kantiana, mas submete a metafísica tradicional a uma radical crítica. Dualismos metafísicos de toda a espécie são demolidos, aplainados e integrados num mesmo círculo relacional no qual cada polaridade subsiste na outra e pela outra. De modo geral, a Doutrina da Essência pode ser interpretada como uma crítica radical, demolidora e destruidora da metafísica tradicional, dos dualismos clássicos, do pensamento moderno e das formas estáticas de pensamento. Desta forma, ao longo deste volume da Ciência da Lógica são unificados dialeticamente binômios como essência e aparência, condicionado e incondicionado, necessidade e contingência, substância e acidente, absoluto e relativo, substância e interação etc. Ao longo da exposição hegeliana, estes opostos vão sendo progressivamente integrados, dissolvidos em outros níveis de pensamento, ao mesmo tempo em que o filósofo vai expondo a mais profunda crítica filosófica até então conhecida, especialmente no processo de dissolução de estruturas consagradas da metafísica tradicional.

O livro não é apenas surpreendente no seu processo de exposição, com uma linguagem filosófica dificilmente compreensível a partir de uma simples leitura, mas surpreende com um olhar atento do índice do livro. A segunda parte que trata do aparecimento surpreende porque sinônimos como aparência e fenômeno não são mais interpretados como contrários à razão, mas a aparência se torna uma dimensão fundamental da própria razão. Neste sentido, uma das novidades fundamentais da Doutrina da Essência é a introdução, como constitutiva da razão, de uma dimensão que sempre lhe foi negada. Com esta abordagem hegeliana, não há mais nenhum fundamento inabalável para a razão, nem de ordem metafísica, ou teológica, ou lógica, mas a razão se autofundamenta no seu próprio caminho de constituição, de forma que a Lógica hegeliana não tem o recurso a uma esfera exterior a ela.

A Doutrina da Essência apresenta uma trilogia dialética constituída pela essência, pelo aparecimento e pela efetividade. Cada uma destas seções é também tripartite, na essência estruturada em aparência, nas determinações da reflexão e no fundamento; o aparecimento estruturado em existência, em aparecimento e em relação essencial; a efetividade estruturada em absoluto, na efetividade e na relação absoluta. Para traduzir em palavras simples o significado filosófico das três seções da Doutrina da Essência, a essência se refere às determinações imanentes da essência, tais como a identidade, a diferença e o fundamento; o aparecimento se refere à exteriorização da essência, especialmente na destruição da coisa, na interação entre as coisas e na relação essencial; a efetividade se refere ao substancial processo de aparecimento da razão, especialmente na lógica das modalidades e no sistema da relação absoluta, no qual conclui a Doutrina da Essência. Em toda a trajetória desta exposição, conceitos opostos vão se integrando, se alternando, e a razão como um todo se constitui através do processo de mediação. Assim, com a incorporação do aparecimento como constitutivo da razão, ela se transforma num movimento sistêmico de negação e de constituição.

A primeira seção da Doutrina da Essência trata das determinações da reflexão, especialmente a identidade, a diferença e a contradição. Talvez, nesta seção compreendemos a razão para se escrever uma Doutrina da Essência, não para legitimar a clássica noção de essência, mas para dissolvê-la por completo. Por este viés, não existe mais uma simples noção de identidade na clássica fórmula A=A, com a exclusão do outro, mas a identidade somente é tal com a inclusão da diferença. Ela somente pode ser explicada e fundamentada pela diferença, pois somente algo é idêntico pela sua diferenciação em relação à alteridade, e a diferença somente é tal diante da identidade. Na formulação hegeliana, identidade e diferença se compenetram mutuamente, pois a identidade se constitui diante da diferença, e a diferença é identidade consigo mesma e diferença em relação à identidade. Por seu curso, a identidade é diferença em relação à diferença, de modo que, identidade e diferença, cada qual, é duplamente constituída pela identidade e pela diferença. Neste raciocínio, cada uma destas determinações somente é pela outra, pois cada uma é refletida em si mesma a partir de seu outro. As várias modalidades de diferença expostas por Hegel são a diferença absoluta, a diversidade, a oposição e a contradição, pois a diferença absoluta diz respeito à relação da diferença em relação a si mesma, na medida em que absolutamente tudo estabelece relação com a sua diferença.

Hegel estabelece a unidade entre a identidade e a diferença na categoria de fundamento. Para Hegel, fundamento não significa uma base incondicionada e imóvel sobre a qual é edificada uma consequência ou uma causalidade segunda linearmente deduzida do fundamento primeiro, mas o fundamento constitui o círculo relacional entre a identidade e a diferença. O fundamento caracteriza uma espécie de totalidade relacional segundo a qual todas as coisas são idênticas consigo mesmas na medida em que se diferenciam, e tudo se diferencia na identidade. Trata-se, portanto, de uma extensão universal de interpenetração entre a identidade e a diferença, pois estas duas determinações da essência se encontram distribuídas por tudo. O fundamento, portanto, não é mais a identidade originária e absoluta de algo que exclui de si a alteridade, mas caracteriza a universal interpenetração da identidade e da diferença. Para Hegel, “a essência, na medida em que ela se determina como fundamento, determina-se como o não determinado, e somente o suprassumir de seu ser determinado é seu determinar-se” (93). Desaparece, em Hegel, a noção clássica de essência como algo determinado e específico, para dar lugar à indeterminação universal capaz de integrar os opostos como um círculo de autofundamentação universal. Neste sentido, se todas as coisas são confluência de identidade e de diferença, o fundamento constitui a estrutura universal integradora e sintetizadora de tudo.

Hegel expõe várias expressões e desdobramentos da categoria fundamento. A primeira delas é fundamento absoluto, em binômios categoriais como forma e essência, forma e matéria, forma e conteúdo. Nesta modalidade de fundamento, o primeiro é a condição e o segundo é o condicionado e a essência é o fundamento do aparecimento, da efetividade, enfim, o fundamento incondicionado de toda a Ciência da Lógica. A segunda modalidade de fundamento é fundamento determinado, expressa na necessidade de determinação geral e múltipla nas diferentes dimensões da razão e da realidade. Em outras palavras, o fundamento somente é tal na medida em que se expressa e se determina numa condição fundada, enquanto o fundamento é restringido pela condição de sua determinação. A terceira modalidade de fundamento é o fundamento completo, desdobrado no relativamente incondicionado e no incondicionado absoluto. Esta última modalidade é a bilateralidade relacional entre condição e condicionado, pois a condição se determina diante do condicionado, e o condicionado contém em si mesmo a condição.

A noção hegeliana de incondicionado absoluto não fixa uma dimensão diante da outra como polos irredutíveis e excludentes, mas desencadeia-se uma determinação recíproca entre condição e condicionado. Mesmo que não seja esta a problemática abordada por Hegel nesta seção, por exemplo, Deus somente pode ser considerado como absoluto e incondicionado se o homem o determina como absoluto na sua capacidade de pensá-lo e conhecê-lo.

A essência passa dialeticamente para o aparecimento. A noção hegeliana da essência não a deixa escondida num espaço numinoso e impenetrável, atrás das aparências, mas a essência deve aparecer na forma da diferença e da exterioridade. Desta forma, o aparecimento não significa uma expressão posterior e superficial de uma essência imóvel e incomunicável, mas no aparecer a essência se determina e põe as suas determinações racionais no processo de aparecimento. Para Hegel, “mas este ser, em que a essência se transforma, é o essencial, a existência; um ser que saiu da negatividade e da interioridade” (143). O aparecimento não é uma manifestação posterior e secundária, mas no aparecimento a essência se determina como essência, na condição dialeticamente qualificada da existência. Trata-se de um movimento de saída da interioridade abstrata e superficial, porque a existência é estruturada no equilíbrio entre a interioridade e a exterioridade, num contínuo processo de exteriorização e de interiorização, em níveis nos quais estes dois movimentos se integram e se diferenciam em novas configurações. Na noção hegeliana de aparecimento, fenômeno e existência têm em comum a lógica do movimento, porque nada mais pode ser interpretado como simplesmente dado, mas todas as determinações de racionalidade, mesmo as de caráter estritamente ontológicas e essencialistas, são resultado de um movimento de aparecimento.

A existência, tal como exposta por Hegel, pode ser considerada como uma densificação e universalização do fundamento, na dialética entre a mediação e o mediado. Mediação e mediado constituem-se reciprocamente na posição da mesma realidade. Assim, “a mediação através do fundamento se suprassume, mas não deixa o fundamento embaixo, de modo que aquilo que surge dele seria um posto, o qual teria sua essência em outro lugar, a saber, dentro do fundamento, mas esse fundamento, enquanto abismo, é a mediação desaparecida” (137). Desaparece a relação unilateral entre fundamento e fundado, entre

mediação e mediado, de modo que o que é fundado é portador da mesma fundamentação que o fundamento, ou seja, a mediação determina o mediado da mesma forma que o mediado determina a mediação. A noção hegeliana de existência, exposta nesta parte da Doutrina da Essência, forma uma espécie de abismo universal reintegrador e unificador de todos os dualismos metafísicos clássicos e kantianos, na condição de uma existência preenchida. Assim, ficou suprassumida a noção de essência enquanto fundamento da existência e do fenômeno, e o fundamento enquanto determinação primeira ficou positivado no fundamento universal. Em termos teológicos e religiosos, apenas para exemplificar, Deus não é mais uma transcendência inatingível pelo conhecimento finito, mas o abismo universal também preenchido e mediado pelo conhecimento humano.

Esta argumentação converge num aspecto estruturante no universo da Ciência da Lógica. Refere-se a um item intitulado por Hegel “a destruição da coisa”, pois ali o filósofo quebra com um dos dogmas fundamentais da velha metafísica sustentada em coisas densas, incomunicáveis e impenetráveis, e as dissolve numa espécie de configuração de relações. Coisas fixas são dissolvidas e substituídas por um movimento universal de interpenetração de matérias e de intercruzamento de movimentos de organização. De mônadas incomunicáveis, as “coisas” se transformam em polos abertos pelos quais e através dos quais outras matérias perpassam e o universo material é suprassumido num sistema universal de intercâmbio material. Assim, em todas as coisas são compreendidas múltiplas outras coisas, de forma que Hegel atualiza um fundamento clássico de racionalidade dialética segundo o qual “tudo está em tudo” e tudo está implicado em tudo. Isto expõe o princípio segundo o qual em cada coisa elementar está compreendida a totalidade, estruturada a partir da dialética do microcosmos e do macrocosmos, da elementaridade e da totalidade, do simples e do complexo etc. Para Hegel, “essa dissolução é um tornar-se determinado externo, tal como também o ser da mesma; mas sua dissolução e a exterioridade e seu ser é o essencial desse ser; ela é somente o também; ela consiste somente nesta exterioridade” (150). Para Hegel, as coisas não são constituídas na identidade própria, num conjunto de predicados que constituem o seu ser absoluto e incomunicável, mas são constituídas pela exterioridade de outros materiais e movimentos externos. Em outras palavras, uma coisa não é a identidade de si mesma, mas uma coisa é a sua própria exterioridade e diferença, em cujo movimento é muito mais forte e intensiva a heterodeterminação e heteronomia que a autodeterminação.

A Ciência da Lógica, especialmente na Doutrina da Essência, procede duplamente um caminho de destruição e de construção. Na segunda seção da Doutrina da Essência, que trata do aparecimento, Hegel destrói a essência e a aparência, mas suprassume estas determinações destruídas por uma configuração racional mais elevada e mais complexa. A pergunta é esta: qual seria a síntese mais elevada entre a essência e a aparência destruídas? Se Hegel destruiu o que sempre foi considerado como existente necessário, a essência metafísica, o que efetivamente existe? A resposta hegeliana a esta questão está no terceiro capítulo da segunda seção, a relação essencial. A relação dissolve e suprassume a essência e a aparência porque, por um lado, é constituído um sistema global no interior do qual tudo está relacionado, pois o que é fundamental em tudo e em todas as coisas são as relações que estabelecem. Nesta configuração, nada é imediatamente idêntico consigo mesmo, mas a relação é a unidade entre a referência a si mesmo e a referência a outro, pois na referência a outro se torna referente a si mesmo. Nesta sistemática, cada coisa ou sujeito está constitutivamente aberto a múltiplos outros sujeitos, e entre todas as coisas e sujeitos se estabelece um sistema de relação universal no qual todas as coisas estão relacionadas com todas as coisas, cada coisa e cada sujeito se relacionam com a totalidade e a totalidade com cada coisa, enquanto todas as coisas se constituem no interior da teia infinita e complexa que é a totalidade. Para Hegel, “ela é, portanto, algo quebrado dentro de si mesmo; mas esse seu ser suprassumido consiste no fato de que ela é a unidade de si mesma e de seu outro, portanto, um todo, e justamente por isso ela tem existência autossubsistente e é reflexão essencial dentro de si” (172).

Hegel fecha a Doutrina da Essência com a terceira seção dedicada à efetividade, qualificada como unidade dialética entre interioridade e exterioridade, essência e aparência. A efetividade não deve ser entendida como o resultado de uma reflexão anterior produtora de um efeito, mas enquanto unidade de essência e aparecimento, ela se determina como um movimento reflexivo de autodeterminação e autodesenvolvimento universais, na forma de aparecimento sistêmico e permanente. Hegel, como nas partes anteriores, estrutura esta seção na trilogia dialética

composta por “o absoluto”, “a efetividade” e “a relação absoluta”. Evidencia-se, nesta parte, uma teoria sobre o absoluto, numa densíssima exposição que vai além de todas as abordagens e formulações já realizadas até então pela História da Filosofia. Nesta construção, o absoluto é inseparável de um sistema de relações conjugada em binômios dialéticos como necessidade e contingência, substancialidade e acidentalidade, absoluto e relativo, substancialidade e relacionalidade. Para Hegel, “a identidade do absoluto é, por conseguinte, a identidade absoluta, pelo fato de que cada uma de suas partes é, ela mesma, o todo, ou seja, cada determinidade é a totalidade” (194). O absoluto não é verticalmente sobreposto ao mundo relativo e contingente, mas o absoluto é a totalidade universal internamente estruturado por um sistema de determinações no qual cada determinidade é a totalidade. Isto significa dizer que cada uma está mergulhada no abismo universal do absoluto como todas as outras, razão pela qual todas elas convergem em cada uma como configuração densificada de um sistema de relações. Vale aqui a proposição neoplatônica segundo a qual tudo está em tudo e por meio de tudo num sistema de interpenetração universal, como um movimento de singularização da totalidade e de totalização da singularidade. Para Hegel, “mas o próprio absoluto é a identidade absoluta; essa é a sua determinação, na medida em que toda a multiplicidade do mundo que é em si e do mundo que aparece ou da totalidade interior e exterior está suprassumida nele” (194). Não há uma exterioridade fora o absoluto ou uma manifestação externa rebaixada, tal como a noção criacionista cristã na qual o mundo está fora do absoluto, mas uma universalidade sistemática ilimitada que suprassume num único universo a interioridade e a exterioridade.

Dentro desta lógica, Hegel expõe o atributo do absoluto e o modo do absoluto. O atributo do absoluto não caracteriza dois lados de sua estrutura imanente, tais como o essencial e o inessencial, o númeno e o fenômeno, mas o atributo absoluto caracteriza simplesmente o absolutamente absoluto. Para Hegel, “dentro do absoluto, pelo contrário, essas imediatidades diferentes são rebaixadas à aparência, e à totalidade, que é o atributo, é posta como seu subsistir verdadeiro e único; mas a determinação, na qual ele é, está posta como o inessencial” (197). Os atributos não representam, para Hegel, diferenças qualitativas substancialmente diferentes entre si e, por consequência, incomunicáveis, mas as diferenças internas se tornam inessenciais na medida em que estão mergulhadas na mesma substancialidade universal. A curiosa inessencialidade indiferente universal é idêntica à essencialidade absoluta, pois, como veremos logo abaixo, a intercomunicação universal de todas as coisas produz uma espécie de substancialidade indiferente na qual as diferenças de coisas mergulham na indiferença global. Enquanto o atributo do absoluto produz a sua interiorização como lógica da identidade absoluta, o modo absoluto produz a exteriorização e a diferenciação, na radical cisão e contradição interna. Para Hegel, “o absoluto é a forma absoluta, a qual, como a cisão de si, é pura e simplesmente idêntica consigo, o negativo como negativo, ou aquilo que se junta consigo e somente assim é a identidade absoluta consigo, que igualmente é indiferente frente a suas diferenças ou é conteúdo absoluto; o conteúdo é, portanto, somente esta própria exposição” (199). A negação da identidade absoluta se dá na radical cisão enquanto o seu conteúdo é automanifestação, não no sentido de que o conteúdo da essência se manifesta em determinadas formas exteriores, mas no movimento de identificação da forma e do conteúdo como automanifestação absoluta. A autocontradição de si mesma enquanto autonegação passa a ser a identidade através da qual o absoluto se automediatiza consigo mesmo como exposição de si.

No capítulo segundo, Hegel expõe a lógica das modalidades, um dos capítulos muito estudados de toda a literatura hegeliana. Para Hegel, “então, como a manifestação de que não tem outro conteúdo e não é nada mais do que o fato de ser sua manifestação, o absoluto é a forma absoluta. A efetividade tem de ser tomada como esta absolutidade refletida” (205). A lógica das modalidades tem como significação fundamental a forma absoluta da manifestação, distribuída na possibilidade e necessidade formais; na necessidade relativa ou efetividade, possibilidade e necessidade reais; e na necessidade absoluta. De modo geral, Hegel não expõe uma necessidade cega que elimina a diferença, a multiplicidade, a possibilidade e a contingência, como, num outro plano, a História estaria conduzida por uma causalidade inexorável onde tudo estaria incondicionalmente predeterminado. A noção hegeliana de necessidade absoluta se dá porque passa a ser constitutiva da racionalidade a contingência e a multiplicidade. Não se trata de uma lógica que elimina a contingência, mas o que propriamente é absoluto é a ciranda e a dança das modalidades e a metamorfose de uma modalidade nas outras. Para Hegel,

“[…] suas diferenças não são, por conseguinte, como determinações da reflexão, mas sim como multiplicidade que é, como efetividade diferenciada, que tem a figura de outros autossubsistentes uns frente aos outros” (218).

Na multiplicidade, as modalidades são determinadas umas frente às outras, são reciprocamente mediadas num sistema absoluto, o que resulta na identidade absoluta internamente diferenciada na transformação da efetividade em possibilidade e da possibilidade em efetividade. Não se trata, portanto, da necessidade absoluta que elimina a contingência, mas o movimento entre a possibilidade, a contingência, a multiplicidade, a realidade e a efetividade resultam na necessidade absoluta.

Hegel conclui a Doutrina da Essência com um capítulo sobre a relação absoluta. Trata-se de um capítulo decisivo na Ciência da Lógica como um todo, no pensamento hegeliano e na literatura filosófica universal. Como Hegel expõe uma lógica da contradição, a relação absoluta aparece como a expressão máxima da contradição e da Doutrina da Essência como um todo. A descoberta fundamental da Doutrina da Essência agora se torna plena, ao conjugar dialeticamente a absoluticidade e a relatividade. Nesta lógica, a relatividade se torna absoluta em função da interrelacionalidade global de todas as coisas que constituem o sistema do absoluto propriamente dito, e o absoluto se torna relativo em função da autorrelação universal consigo mesmo na autorreflexão. A dissolução da coisa enquanto metafísica da mônada incomunicável e impenetrável resultou no conceito de relação absoluta na qual todas as coisas são essencialmente interconectadas entre si no interior da totalidade do absoluto, de forma que a relatividade tem a mesma abrangência e profundidade da absolutidade. Para Hegel, “a essência enquanto tal é a reflexão ou o aparecer; mas a essência enquanto relação absoluta é a aparência posta como aparência, a qual, como esse relacionar consigo, é a efetividade absoluta” (221). Conforme observamos acima, agora a essência não se exterioriza mais num fenômeno posterior e superficialmente relacionado ao fundamento imóvel, mas a relação absoluta aparece no movimento e aparência universal, como autorrelação absoluta e efetividade absoluta. Em outras palavras, as sólidas e dinâmicas relações entre a multiplicidade variada de coisas se universaliza no movimento e na aparência quee resulta na autorreflexividade do absoluto. Em suma, poderia se afirmar que o resultado da Doutrina da Essência é a relatividade universal, a ponto de absolutizar a relatividade, numa espécie de manifestação da efetividade absoluta igual a si mesma.

A primeira forma de relação absoluta é a relação de substancialidade efetivada na implicação de imanência entre substancialidade e acidentalidade. A substancialidade se desdobra na multiplicidade de acidentes e os acidentes se organizam na imanência da substancialidade. Para Hegel, “o aparecer é o aparecer que se relaciona consigo, assim ele é; este ser é a substância como tal. Inversamente, este ser é apenas o ser posto idêntico consigo, assim ele é a totalidade que aparece, a acidentalidade” (222). A substancialidade aparece como a autorreflexividade do aparecimento que se traduz no sistema de acidentalidades em totalização reflexiva. Nesta perspectiva, a substancialidade é a absoluta atuosidade em autocontradição de si mesmo manifestada na coextensividade entre destruição e criação, pois a força da substancialidade cria na medida em que destrói, e destrói na medida em que cria. A relação de substancialidade se transforma em relação de causalidade porque a absoluta atuosidade tem como resultado a produção do efeito. Na verdade, causa e efeito constituem a mesma realidade da autocausalidade da substância.

A Doutrina da Essência conclui com a categoria da interação. A relação de substancialidade e a relação de causalidade desaparecem e dão lugar à interação. Segundo Hegel, “inicialmente, a interação apresenta-se como uma causalidade recíproca de substâncias pressupostas que se condicionam, cada uma é, frente à outra, substância ativa e passiva ao mesmo tempo” (238). Entre as diversas substâncias estabelece-se uma interação que consiste na causalidade recíproca entre uma e outra; numa multiplicidade indeterminada de substâncias em causalidade recíproca; cada substância singular é causada pela totalidade de substâncias; cada substância individual causa a totalidade substancial. Esta multilateralidade interacional e interconectividade universal produz uma força de interação no interior da qual as múltiplas substâncias estão mergulhadas como um complexo sistema relacional. A imagem adequada para expressar este sistema é a rede, na qual cada nó representa uma substância e os fios indicam as múltiplas conexões com e entre as substâncias. Aliás, as substâncias desaparecem como autônomas e se transformam em configurações de relações por onde converge e atravessa todo o movimento interacional da totalidade do sistema. Hegel subverte a tradição ao proporcionar dinamicidade e densidade substancial às relações e transformar em fenômeno as “coisas” individuais. Para Hegel, “a necessidade é o ser porque ele é, – a unidade do ser consigo mesmo, o qual tem por si o fundamento; mas, inversamente, porque ela tem um fundamento, não é ser, é pura e simplesmente aparência, relação ou mediação” (239). As múltiplas substâncias não têm o fundamento nelas mesmas e são exteriormente relacionadas entre si, mas a relacionalidade e interrelacionalidade universal é a substância no interior da qual tudo é mediatizado com tudo. Agora, as substâncias se transformam em elos de relação e em aparências, pois são formas diferenciadas de aparecimento do mesmo sistema universal que se diferencia internamente em várias formas de densificação relacional.

Não pode ser esquecida a passagem da Doutrina da Essência para a Doutrina do Conceito. Na última parte do texto sobre a interação Hegel dá importantes pistas sobre esta passagem, caracterizada especialmente pela passagem da causalidade e da necessidade na lógica da liberdade, da autodeterminação e da intersubjetividade. Hegel mesmo aponta que o mais difícil caminho é o da passagem na necessidade na liberdade, da causalidade na autodeterminação, da substancialidade no conceito. Neste caminho dialético, a relação de substancialidade é suprassumida na universalidade do conceito, na inteligibilidade conceitual que permanece idêntica consigo mesma na multiplicidade. A relação de causalidade é suprassumida pela particularidade do conceito enquanto autodesenvolvimento e autodeterminação imanente que forma a totalidade do conceito. Nesta exposição, a universalidade é inseparável da diferenciação imanente, pois, pelo caminho inverso, a universalidade ficaria suspensa num plano transcendente e reduzida a uma mera particularidade formal e vazia. A interação é suprassumida na singularidade do conceito como um círculo que reconduz a estrutura da racionalidade dialética da particularidade para a universalidade, na condição da universalidade concreta.

A Doutrina da Essência vai muito além da sua estrutura interna sinteticamente reconstruída acima. Ela contém dentro de si uma crítica profunda e demolidora dos dualismos metafísicos tradicionais e uma crítica ao pensamento moderno, especialmente de Kant e de Espinosa. Hegel mostra que o pensamento filosófico não é constituído por monumentos fixos e determinados neles mesmos, mas todas as formas de pensamento filosófico constituem aparências de um movimento universal. Além de estabelecer a passagem dialética para a Lógica do Conceito, a Doutrina da Essência vai muito além dela, estendendo as suas luzes para as contemporâneas Teorias da Complexidade e dos Sistemas. A compreensão do mundo atual, da natureza, da sociedade e do Universo como um complexo sistema relacional, como um sistema de sistemas complexos interrelacionados, tem a sua matriz fundamental na Doutrina da Essência hegeliana. É o marco referencial da Lógica, da Epistemologia e da Ontologia de uma época, acrescido do movimento dialético e processual de constituição destes sistemas. A Doutrina da Essência pode ser considerada como a mediação fundamental entre o modelo clássico, metafísico e dogmático de pensamento e o modelo contemporâneo relativista e pragmatista de pensamento. Isto se sustenta porque Hegel constrói um sistema dinâmico dialeticamente articulado, com momentos estruturantes neste processo de construção.

 João Alberto Wohlfart – Doutor em Filosofia pela PUCRS. Professor titular de Filosofia no Instituto Superior de Filosofia Berthier. E-mail: [email protected].

Acessar publicação original

Paraconsistent Logic: Consistency, Contradiction and Negation – CARNIELLI; CONIGLIO (M)

CARNIELLI, W.; CONIGLIO, M.. Paraconsistent Logic: Consistency, Contradiction and Negation. Logic, Epistemology, and the Unity of Science Series. New York: Springer, 2016. Resenha de: ANTUNES, Henrique; CICCARELLI, Vicenzo. Manuscrito, Campinas, v.41 n.2 Apr./June 2018.

The principle of explosion (also known as ex contradictione sequitur quodlibet) states that a pair of contradictory formulas entails any formula whatsoever of the relevant language and, accordingly, any theory regimented on the basis of a logic for which this principle holds (such as classical and intuitionistic logic) will turn out to be trivial if it contains a pair of theorems of the form A and ¬A (where ¬ is a negation operator). A logic is paraconsistent if it rejects the principle of explosion, allowing thus for the possibility of contradictory and yet non-trivial theories.

Among the several paraconsistent logics that have been proposed in the literature, there is a particular family of (propositional and quantified) systems known as Logics of Formal Inconsistency (LFIs), developed and thoroughly studied within the Brazilian tradition on paraconsistency. A distinguishing feature of the LFIs is that although they reject the general validity of the principle of explosion, as all other paraconsistent logics do, they admit a a restrcited version of it known as principle of gentle explosion. This principle asserts that a contradiction that concerns a consistent formula logically entails any other formula of the language. The expression ‘consistent’ here is a generic term susceptible to several alternative interpretations (not necessarily coinciding with non-contradiction), depending on the particular LFI under consideration. Another (related) feature that distinguishes the LFIs from other paraconsistent logics is that they internalize this unspecified notion of consistency inside the object language by means of a unary sentential operator ○ (called ‘consistency operator’ or simply ‘circle’). When prefixed to a formula A, ○ expresses that A is consistent or well behaved, however these expressions are to be interpreted in each particular case.

Paraconsistent Logic: Consistency, Contradiction and Negation, by Walter Carnielli and Marcelo Coniglio, is entirely devoted to the Logics of Formal Inconsistency. The book covers the main achievements in the field in the past 50 years or so, presenting them in a systematic and (to a great extend) self-contained way. Although the book is mostly concerned with particular logical systems, the relations among them, and their corresponding metatheoretical properties, it also sets the basis of a new philosophical interpretation of paraconsistent logics.

The book contains nine chapters, which altogether cover several topics about the LFIs. In Chapter 1 the authors explain the rationales behind paraconsistent logics in general and the LFIs in particular, and discuss the philosophical problems related to paraconsistency under the light of some general issues in the philosophy of logic (such as the nature of logic and the nature of contradictions). It is argued that since there are some real life situations in which contradictions do actually turn up, paraconsistent logics are justified, no matter how those contradictions are interpreted – whether they are seen as concerning reality or knowledge. The chapter also discusses the relation between paracomplete and paraconsistent logics and analyzes some key notions related to paraconsistency, such as consistency, contradiction (and the principle of non-contradiction) and negation.

In Chapter 2 the concept of LFI is precisely defined, as well as other basic technical notions employed throughout the book. A minimal propositional LFI, called mbC, is introduced by means of an axiomatic system. mbC results from positive classical propositional logic by the inclusion of two additional axioms: the principles of excluded middle and gentle explosion – A ∨ A and ○A → (A → (¬A → B), respectively. mbC is then provided with a valuation semantics with respect to which it is proved to be sound and complete. The relations between mbC and classical propositional logic are carefully analyzed. The analysis reveals that mbC can be viewed both as a sublogic and as an extension of classical logic, when these terms are suitably qualified.

Chapter 3 presents several extensions of mbC and analyzes the relations between the notions of consistency/inconsistency and contradictoriness/non-contradictoriness – formally expressed by the formulas ○A/¬○A and A ∧ ¬A/¬(A ∧ ¬A), respectively. As it turns out, although consistency and non-contradictoriness (and inconsistency and contradictoriness) are partially independent in mbC, they may or may not coincide in some of its extensions. In addition, the notion of a C-system is introduced. Despite the complexity of the relevant definition, a C-system simply amounts to an LFI within which the consistency operator is definable in terms of the other connectives of the language. Da Costa’s hierarchy of paraconsistent logics – a family of paradigm examples of C-systems – is briefly presented and explained. The chapter also deals with the important notions of propagation and retro-propagation of the consistency operator.

The first part of Chapter 4 is devoted to the problem of the algebraizability of some LFIs, and the second part discusses some many-valued LFI-systems. In Section 4.1 some preliminary concepts concerning logical matrices are introduced. Section 4.2 contains a Dugundji-style proof of the uncharacterizability by finite matrices of the LFIs presented so far. Section 4.3 contains a proof of the algebraizability of some extension of mbC in the broader sense of Block and Pigozzi. The remaining sections deal separately with different many-valued LFIs, most of which were proposed several decades before the emergence of the concept of Logic of Formal Inconsistency.

Chapter 5 represents a partial detour from the main exposition, for the systems presented therein are not extensions of positive classical propositional logic. The first case considered by the authors is that of intuitionistic logic: more specifically, it is shown how a consistency operator ○ can be defined within Nelson’s logic N4 in terms of a strong negation ~ operator (i.e., ○A ≡ ~(A ∧ ¬A)). Another interesting case covered by the chapter is that of modal logic, where the consistency operator is shown to be interpretable as having a sort of “modal flavor”. In particular, the definition ○A ≡ A → □A can be introduced in normal non-degenerate modal logics. Some systems of fuzzy logic are also analyzed in the chapter. In all of the aforementioned logics, the strategy pursued by the authors consists in defining a consistency operator within the system in question and then showing that it satisfies the general definition of an LFI.

Chapter 6 is devoted to the problem of defining non-deterministic semantics for non-algebraizable systems (even in the broader sense of Block and Pigozzi). It presents three main formal semantics – based, respectively, on F -structuresnon-deterministic logical matrices, and possible translations. Of particular interest, especially from a more philosophical point of view, is the so-called possible translation semantics, whose main idea is to translate a given logic into logics whose semantics are well known and deterministic. The relevant notion of translation is that of a mapping preserving logical consequences and the rationale for this approach is the interpretation of a logic as a combination of “possible world views”.

Chapter 7 concerns first-order LFIs. The chapter is mainly devoted to two systems: QmbC, the first-order extension of mbC, and QLFI1. Due to the non-deterministic nature of mbC, a non-standard semantics is defined for its first-order extension: the authors introduce the notion of a Tarskian paraconsistent structure, defined as an ordered pair composed of a Tarskian structure (in the classical sense) together with a non-deterministic valuation. Concerning QLFI1, the approach is twofold: on one hand, it is shown how the language may be interpreted in a suitable Tarskian paraconsistent structure; on the other hand, a different semantics is proposed, given that the propositional fragment of QLFI1 can be characterized by a three-valued matrix. The semantics is represented by a partial structure, defined in a similar way to a classical Tarskian structure, except for the fact that all predicate symbols are interpreted as partial relations. Both QmbC and QLFI1 are proved to be sound and complete with respect to the corresponding semantics. Compactness and Lowenhëim-Skolem theorems are proved for QmbC.

Chapter 8 concerns one of the most straightforward applications of paraconsistent logics: set theory. Nevertheless, the authors’ approach to the subject is substantially different from what has been traditionally done in the field of paraconsistent set theory – namely, to formulate a non-trivial naïve set theory countenancing the unrestricted comprehension principle for sets. The systems presented in the chapter include all of Zermelo-Fraenkel set theory’s axioms (except for the axiom of foundation, which is replaced by a weaker version of it) with an LFI as the underlying logic. Another distinguishing feature of those systems is that they include a consistency predicate for sets whose behavior is governed by a set of additional axioms. Hence, whereas in a propositional LFI the property of consistency applies only to formulas, in the corresponding paraconsistent set theories it applies to both formulas and sets. The main results of the chapter are the derivability adjustment theorem (establishing that any derivation in ZF can be recovered within its paraconsistent counterpart) and a proof of the non-triviality of the strongest system presented in the chapter.

Chapter 9 discusses the significance of contradictions for science, describing some historical paradigm examples where contradictions seem to have played an important role in the development of scientific theories. It also proposes an interpretation of paraconsistent logics according to which they are better viewed as possessing an epistemological, rather than an ontological, character; in a nutshell, this means that they are not supposed to deal primarily with reality and truth (as in the case of classical logic), but with the epistemic notion of evidence. This interpretation is meant to be a more palatable alternative to dialetheism (the thesis that there are true contradictions), since it neither affirms the existence of true contradiction nor rejects classical logic as incoherent – adhering thus to logical pluralism.

One of the main virtues of Paraconsistent Logic: Consistency, Contradiction and Negation is that it keenly highlights the pervasiveness and generality of the notion of logic of formal inconsistency. Firstly, because it shows through the definition of an LFI how several systems of paraconsistent logic proposed in the literature – which at first sight might have appeared to be quite unrelated with one another – can be framed under a single unifying concept. Secondly, because it emphasizes that the definition of an LFI is applicable to systems based on logics of various different kinds, such as classical, intuitionistic, fuzzy, and modal logic. The resulting multiplicity of systems allows for various alternative semantic approaches, which are carefully described in several chapters of the book (e.g., valuation semantics, deterministic and non-deterministic matrices, F-structures, swap structures, possible translations semantics).

The book is mainly devoted to the taxonomy of LFI-systems, leaving little room for a more detailed discussion of the intrinsic properties of each particular system. This is understandable, though, since it is not meant to be a textbook. However, it is possible to use the book as an introductory text on formal paraconsistency by skipping some of the more technical chapters (e.g., a reader merely interested in those LFIs based on positive classical propositional logic may well skip chapters 5, 6 and possibly 8).

Concerning the more philosophical chapters of the book (chapters 1 and 9), the reader might think that the issues discussed therein would have deserved a more extended and rigorous analysis, especially when compared to the painstakingness of the other chapters. In particular, she might find the epistemic interpretation of paraconsistent logics wanting, despite its initial plausibility, this view in not sufficiently argued for. Moreover, specific relations between the epistemic interpretation and the particular features of the LFIs are missing. Nevertheless, this apparent shallowness is presumably due to the fact the purpose of those chapters is not to thoroughly develop a philosophical theory about paraconsistency, but merely to indicate some conceptual possibilities. After all, Paraconsistent Logic is mainly a technical piece of work.

So much for the general considerations. There are two specific points that we think would deserve a more detailed discussion. The first one concerns the cumbersome notation employed in the characterization of the semantics of first-order LFIs (Chapter 7): the strategy adopted by the authors in that chapter consists in extending the (non-deterministic) propositional valuations to the first-order case, combining these with a (classical) Tarskian structure – characterized, as usual, by a non-empty domain together with an interpretation function. The resulting first-order valuations apply thus only to sentences and the notion of truth, as in the propositional case, is not defined in terms of assignments, sequences, or any other technical device usually employed in order to interpreted the variables. The absence of any of these devices leads the authors to locally indicate all the relevant substitutions of individual constants for the free variables of a given formula. In the case of QmbC, for example, the semantic value of a quantified formula ∀xA (under a structure ? and a valuation v) is defined by means of the following clause:

v(∀xA) = 1 iff v(A[x / ā]) = 1, for every a in the domain of ?

where A[x / ā] denotes the result of substituting the constant ā for all free occurrences of x in A, and where the language is supposed to have at least one individual constant ā for each elements a of the domain of ? (that is, the language is supposed to be diagrammatic). At first sight, the use of the notation [x / ā] (and its generalization [x 1,…, x n / ā 1,…, ā n] to multiple simultaneous substitutions) does not seem to compromise readability at all – in fact, they are usually employed in the definition of substitutional semantics for first-order logic. However, matters become much more complicated when it comes to the additional clauses introduced in the definition of v(A) in order to guarantee that the substitution lemma holds for Tarskian paraconsistent structures. One of these clauses, which concerns the negation operator, is formulated as follows:

(sNeg) For every contexts (x ; z) and (x ; y), for every sequence (a ; b ) in the domain of ? interpreting (x ; y ), for every A L(?) x ; z and every t T(?) x ; y such that t is free for z in A, if A[z/t] L(?) x ; y and c = (t[x ; y / a ; b ]) ? then:

If v((A[z/t])[x ; y / a ; b ]) = v(A[x ; z / a ; c]) then

v((¬A[z/t])[x ; y / a ; b ]) = v(¬A[x ; z / a ; c])

Without attempting to individually explain every piece of notation above, (sNeg) merely expresses that if the substitution lemma holds for a formula A, then it holds for its negation as well (the introduction of this clause, absent in the definition of classical first-order structures, is necessary given the non-deterministic behavior of the negation operator in mbC). Now, it is quite clear that the reader would probably take several minutes to read and understand (sNeg). Moreover, this situation is not restricted to (sNeg), but it also happens with the similar clause concerning the consistency operator and the formulation and proof of various semantic theorems enunciated in Chapter 7. The notational cumbersomeness of the chapter is further worsened by the introduction of the notion of extended valuation, which assigns a truth value to an arbitrary formula A (not necessarily a sentence) by indicating a sequence of individual constants with respect to which A is to be evaluated. More precisely, if the free variables in A are among x 1,…, x n (abbreviated by x → ) then the truth value of A under the extended valuation v x a is simply v(A[x 1,…, x n / ā 1,…, ā n]). This notion represents a simile of the notion of satisfaction and is necessary in order to provide an interpretation for the open formulas.

The notation of Chapter 7 could, however, be greatly simplified in the following way: instead of importing the notion of valuation from the corresponding propositional LFI, the authors could well have defined a new notion of valuation which assigns one of the truth values 0 or 1 to each pair (sA), where s is an assignment of objects of the domain to first-order variables and A is an arbitrary formula (open or closed). All definitions and theorems of the chapter could then be easily adapted according to this strategy, yielding much simpler formulations. In particular, clause (sNeg) above would become:

(sNeg’) Let A be a formula with at least one free variable z and let t be a term free for z in A. Let s be an assignment in a structure ? and let s’ be the assignment which is just like s except that is assigns the interpretation of t under s to the variable z. Then:

If v(s’A) = v(sA[z / t]) then v(s’, ¬A) = v(s, ¬A[z / t])

In addition to the evident simplicity of this new formulation, it is worth mentioning that since the notion of valuation above applies to any formula whatsoever of the language (open or closed), it is unnecessary to introduce extended valuations, resulting in a significant conceptual simplification.

Our second criticism concerns the paraconsistent set theories of Chapter 8. In general, the main motivation for a paraconsistent set theory is to recover the intuitive notion of set codified in the unrestricted principle of comprehension – i.e., the idea that every property P determines a set of all and only those objects having P. Of course, this can only be achieved by renouncing to classical logic, since that principle classically entails the existence of contradictory sets (e.g., Russell’s set, universal set, etc.). On the other hand, classical set theories (such as ZF) maintain classical logic at the cost of imposing what seems to be ad hoc restrictions to the comprehension principle and countenancing additional principles whose justification seems also ad hoc. Hence, paraconsistent and classical set theories are symmetrically opposed to one another: what the former tries to achieve (i.e., preserve the intuitive notion of set) is given up by the latter, and what the latter preserves (i.e., classical logic) the former revises.

Nevertheless, the approach to paraconsistent set theory adopted by the authors diverges significantly from these two trends. Firstly, because the attempt to recover the intuitive notion of set codified in the principle of comprehension is explicitly given up once they opt for ZF-like axiomatizations of their theories – ruling out well-known inconsistent collections from the outset. Secondly, given that those theories are variations of ZF based on one or another LFI, the revision of the underlying logical theory is achieved by extending classical logic, rather than renouncing to it. In fact, each of the set theories of Chapter 8 is equivalent to ZF under the assumption that all sets enjoy the property of consistency.

This particular take on paraconsistency may leave the reader wondering what is the point of having a paraconsistent set theory that does not explicitly countenance contradictory collections (‘Why not just stick with ZF?’, she might ask.). The book does not provide an explicit answer to this question, though. However, it would not be difficult to imagine a scenario in which the systems of Chapter 8 would be vindicated: suppose that ZF is someday shown to be inconsistent. Under this circumstance, any of those systems could be used to preserve the strength of ZF while avoiding its triviality. Even though a paraconsistent set theory of this kind may turn out to be fruitful, its fruitfulness turns on an unlikely possibility, though – namely, that ZF could be inconsistent. In view of such a possible application, we suggest that the approach to paraconsistent set theory adopted by the authors is aimed at presenting alternative versions of ZF that are more “cautious” in the sense that they would be able to withstand contradictions, should they ever arise within ZF. For this reason, we believe that those theories should not be viewed as competitors to classical set theories, but rather as interesting and possibly useful variations of it, whose mathematical properties are nonetheless worth investigating.

Paraconsistent Logic: Consistency, Contradiction and Negation is a comprehensive text on the LFIs and fulfills an important gap in the literature on paraconsistency. A huge amount of significant results is presented for the first time in a single text, providing the reader with an extensive survey of the research in the area. Moreover, the content of the book is not limited to the achievements of the so-called Brazilian school of logic, but also encompasses contributions coming from other areas and research groups. As a result, it is highly recommended for everyone interested in both the formal and the philosophical aspects of paraconsistency, including mathematicians, linguistics, computer scientists, and philosophers of language, mathematics and science.

References

CARNIELLI, W., CONIGLIO, M. Paraconsistent Logic: Consistency, Contradiction and Negation. Logic, Epistemology, and the Unity of Science Series. New York: Springer, 2016. [ Links ]

Henrique Antunes – State University of Campinas, Department of Philosophy, Campinas, SP, Brazil, antunes. E-mail: [email protected]

Vincenzo Ciccarelli – State University of Campinas, Department of Philosophy, Campinas, SP, Brazil. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

Vom System zum Gebrauch: Eine genetisch-philosophische Untersuchung des Grammatikbegriffs bei Wittgenstein – UFFELMANN (M)

UFFELMANN, Sarah Anna. Vom System zum Gebrauch: Eine genetisch-philosophische Untersuchung des Grammatikbegriffs bei Wittgenstein. Bergen: University of Bergen, 2016. Manuscrito, Campinas, v.41 no.1, Jan./Mar. 2018.

This work concentrates on the concept of grammar in Wittgenstein’s philosophy, mainly in the so-called transitional and later periods. This is a topic that has attracted the attention of various scholars in the last few decades, with the amount of secondary literature on the topic being significant. Uffelmann convincingly shows that she knows the relevant studies published in German and English, interestingly discussing throughout Vom System zum Gebrauch many different views. More important, however, is the knowledge demonstrated by the author of the Wittgenstein texts. As the title makes clear, Uffelmann does not limit her study to the publications edited from Wittgenstein’s Nachlass, such as Philosophical RemarksPhilosophical GrammarThe Blue and Brown Books or Philosophical Investigations, but she makes effective use of the Nachlass itself. In doing so, the status of grammar in Wittgenstein’s thought receives a decisive illumination, with Vom System zum Gebrauch contributing in an important way, with its “genetic-philosophical investigation”, to the clarification of many puzzling issues. To enter into Wittgenstein’s Nachlass is not an easy task, but the author has acquired all the learning needed to move herself in a profitable manner through an extraordinarily convoluted corpus. Yet, the work has the necessary balance between a genetic and a philosophical study, with the Nachlass being in the service of an elucidation of philosophical matters, in particular the transition from a system-like conception of meaning to one based on use.

The main claim of Vom System zum Gebrauch is that Wittgenstein’s conception of grammar underwent important changes in the different phases of his philosophizing. This view challenges those interpretations, such as that of Peter Hacker, that see the concept of grammar as remaining essentially the same from 1929 onwards. As Uffelmann recognizes, to interpret what Wittgenstein meant by grammar on an evolutionary basis is not absolutely innovative, with other authors having already proposed a similar reading (e.g. Mauro Engelmann). However, the work is original in tracing the concept of grammar from the time of the Tractatus until the writings on certainty and, above all, in providing empirical data, of philological kind, to support the claims made. This methodology allows Uffelmann to reject speculation in favour of evidence and this scientificity provided by philology is, in the domain of an author like Wittgenstein, with his intricate Nachlass, most welcome.

In the first chapter of Vom System zum Gebrauch, Uffelmann analyses the different uses of the word “grammar” and then introduces Wittgenstein’s peculiar usage. The starting-point is Moore’s criticism of the Wittgensteinian conception of grammar, with the author citing some hitherto unpublished notes from the Moore papers and relating these to the sources already available. There follows a valuable inventory of Wittgenstein’s employment of the term “Grammatik” in the Nachlass. Uffelmann distinguishes between “grammar in the general sense”, “grammar in the particular sense”, “grammar in another sense” and “derivatives from grammar”. It is very interesting to see, as the perspicuous tables of the work show (Sec. 1.6), that it is in the Big Typescript that the concept of grammar appears more often, with “grammar in the general sense” having more occurrences than “grammar in the particular sense”, something that is also the case in the 1929-30 remarks but not in Part I of the Investigations. Another interesting conclusion is that the word and its derivatives almost disappear in the last writings, where Wittgenstein prefers to use “logic”, something that has a parallel only in the 1929-30 remarks, though there “grammar” also appears copiously. Last but not least, the author also demonstrates that, in all sets analysed, “logic in the general sense” has a much more regular appearance than “logic in the particular sense”. Although Wittgenstein wrote the majority of his texts in German, the empirical data that could have been obtained from his texts in English, namely the Blue Book, with no counterpart in German, would have been an important addition to the study. In fact, Vom System zum Gebrauch does not examine this dictation in detail, one that, as recent work of Jonathan Smith has shown (2013), Wittgenstein revised extensively.

After laying down the main arguments of Vom System zum Gebrauch, Uffelmann focuses, in the second chapter, on what Wittgenstein meant by “grammar”, in its relationship with “logic”, in the Tractarian corpus and the early post-1929 manuscripts. The examination of the concept of “grammar” as used at the time of the preparation of the Tractatus is short and even if Wittgenstein does not use it abundantly, his regular employment of the term “logic” should suffice to justify a more thorough analysis. It is in the criticism that the early Wittgenstein directs at both Frege and Russell that we find the roots for his innovative conception of “logical grammar” or “logical syntax”, as he makes clear in Tractatus 3.325. The author quotes the first paragraph of this proposition twice (p. 26, fn. 24, and p. 69), but not the parenthetical remark that constitutes the second paragraph, where Frege and Russell are named. On p. 69 Uffelmann reproduces in facsimile the proposition that in the Prototractatus corresponds to the first paragraph of 3.325, numbered 3.2015, but even there the second paragraph immediately follows the first, bearing the number 3.20151. Another important issue that could have been subjected to a deeper examination is Wittgenstein’s so-called phenomenological phase. Section 2.2 includes five pages on “phenomenology as grammar” and a couple of pages dedicated to the “colour-octahedron”, but what is at stake in the 1929 writings and the vast literature on the topic should deserve a central attention. The consequences of Wittgenstein’s rejection of a phenomenological language are considered in Section 2.3, where we find some pages about “grammar as ‘theory of logical types’”, with Russell being discussed. The fact that Wittgenstein talks in Tractatus 3.331-3.333 about Russell’s theory of types and that Tractatus 3.334 alludes to “rules of logical syntax” – with only 3.332 being referred to on p. 97, fn. 165 – confirms the significance of the Tractarian period for the understanding of the later views.

Chapter 3 concentrates on the Big Typescript and the Brown Book, more specifically what Alois Pichler has called the “Brown Book Complex”, which consists of Ts 310 (the English Brown Book), the second part of Ms 115, where we find Wittgenstein’s German version of that work under the title Philosophische Untersuchungen: Versuch einer Umarbeitung, plus Ms 141, which contains a preliminary version of the German text. The author begins with some elucidatory remarks about the singularity of Ts 213, distinguishing it, as Joachim Schulte has done, from the Big Typescript, with Wittgenstein’s revisions. This sub-section, “Erläuterungen zur Textgrundlage: Ts 213 und BT”, constitutes a remarkable overview of the problematic history behind the publication of this pivotal text, which involves the polemic edition of Philosophical Grammar. With the help of other perspicuous tables (Sec. 3.1), we can see that the concepts of both “grammar” and “logic” are recurrent in Wittgenstein’s reworking of the typed text, making the number of occurrences even larger. The discussion of “grammar as a pure calculus” and the introduction of “games and language games” is well conducted, with Uffelmann discussing relevant literature. The Brown Book and its twin texts are examined in Section 3.2 and the author begins again with elucidations on the textual basis, at this point Ts 310 and Ms 115ii. These, however, are much briefer than those on Ts 213 and BT. As recent work of Arthur Gibson has shown (2010), Wittgenstein has also revised at length the English version of the Brown Book. Although we are still waiting for the publication of that version of the Brown Book, some words about it would have been fitting. In fact, as I myself have noted (Venturinha 2013, p. 5), Wittgenstein tried, with the help of Moore, to publish the Brown Book in 1935. The absence of these references is however consistent with the little attention paid to the Blue Book, though I am of the opinion that these two English texts should have been decisively taken into account in Vom System zum Gebrauch. As a matter of fact. I have not found a single quotation from the Blue Book or Ts 309. It is true that we find in Section 3.2 a table containing appearances of the term “grammar” not only in the Big Typescript and the Philosophical Investigations, as Tab. 1 on p. 59 already documented, but also in the Brown Book and Ms 115ii. But we do not find such an analysis for the term “logic”, albeit there is a sub-section on Wittgenstein’s use of it in the “Brown Book corpus”.

The fourth and final chapter concentrates on the Philosophical Investigations and later manuscripts, namely those from which On Certainty was edited. As before, Section 4.1 contains important considerations on the text of Ts 227, which Uffelmann, following Alois Pichler, interprets as a “polyphonic album”. This interpretation is extraordinarily interesting but its tenets can only be fully accessed when it is confronted with opposing and related views, something that the work treats very quickly. The transition to the analysis of the later texts also deserves a note. In fact, there are important materials between the composition of Ts 227 and the 1949-51 remarks. For that reason, we need to take the examination of Mss 172-177 as a case-study, which is simply indicative of Wittgenstein’s views at that time. If it is true that these manuscripts were sources not only for On Certainty but also for Remarks on Colour and the second volume of the Last Writings on the Philosophy of Psychology, the fact is that there are many items in the Nachlass that could decisively contribute to the circumspection of the concept of “grammar”, in this period and before. The analysis of the other writings on the philosophy of psychology and of those on the philosophy of mathematics would certainly add important data to the investigation. As an exercise among many possible exercises, however, Vom System zum Gebrauch fulfils its aims of clarification. It isolates specific corpora and extracts important conclusions that can be tested against other textual sets. But given their interrelatedness, we would need the whole picture to draw definite conclusions.

I therefore look at the pathway described in this work concerning the evolution of the concept of grammar as an interesting suggestion, but there are aspects that still puzzle me. It is not obvious, for instance, that the phenomenological language envisaged in 1929 should be of a pure formal, symbolic nature, as is assumed in Vom System zum Gebrauch. If it is a fact that Wittgenstein still aims in his phenomenological phase (which includes “Some Remarks on Logical Form”) to implement a clear notation, capable of making clear the confusions of our natural language, we should not take that project, as for example Jaakko Hintikka took it to be, as closely related to that of the Tractatus. Yet the author refers, for example on both pp. 20 and 107, to “his [Wittgenstein’s] project of developing a phenomenological notation as a supplement to the Tractatus Logico-Philosophicus” (sein Projekt, eine phänomenologische Notation als Ergänzung zur LpA zu entwickeln), characterizing this “notation” on the same pages as “logical-formal” (eine phänomenologische, und überhaupt jegliche logisch-formale Notation). The truth is that Wittgenstein continued to insist on the need, as he writes in the Blue Book, “to construct new notations, in order to break the spell of those which we are accustomed to” (1969, p. 23). That these “notations” are not formal is something that becomes evident in the Investigations, where he writes that

If I were to reserve the word ‘pain’ solely for what I had previously called ‘my pain’, and others ‘L.W.’s pain’, I’d do other people no injustice, so long as a notation were provided in which the loss of the word ‘pain’ in other contexts were somehow made good (2009, §403).1

And in §562 of the Investigations he asks: “But how can I decide what is an essential, and what an inessential, coincidental, feature of the notation? Is there some reality lying behind the notation, to which its grammar conforms?” Taking into account that Wittgenstein’s methodology in 1929 is, differently from that of the Tractatus, entirely descriptive of the workings of our language, it may be argued that the rejection of phenomenology at the end of that year in favour of grammar is mostly due to the recognition that a phenomenological description, though much broader than what the Tractarian operators could offer, is nevertheless secondary in relation to our ordinary language. And that is why Wittgenstein came to the conclusion as early as October 1929 that it is its grammar that must be investigated in first place since any phenomenological description will need a grammatical elucidation of the terms employed.

If we now take into consideration that many of the 1929 remarks made their way, via different typescripts, into the Big Typescript, it may also be argued that the conception of grammar there remains fundamentally unaltered. In contrast with what the work suggests, the autonomy of grammar defended by Wittgenstein can be seen as compatible with its application to reality if we realize, as Frege did, that the sense of our propositions, the possibility of forming a “thought”, is a precondition for the empirical verification of their truth or falsehood. Hence the coincidence of grammar and logic that Uffelmann recognizes to exist in the Big Typescript. The apparent incompatibility between the completeness and at the same time the incompleteness of grammar vindicated by Wittgenstein is explained by our difficulties in providing a full account of what it makes sense to say. No surprise that the Big Typescript and its revisions include a number of remarks on our understanding of poetry, in order to point out the fluidity of what is it like to understand a sentence, bearing in mind that some sentences cannot be subjected to verification.

The tensions we find in the Big Typescript will make room for a much more concrete analysis of language, one that, according to the author, is to be found for the first time in the 1934-35 Brown Book, but, as mentioned before, the 1933-34 Blue Book has also a key role in the appreciation of our “language games”. This is a notion that Wittgenstein introduces as early as 1932 and one can actually argue that this attention to the specific context in which we use our words does not mean, as Vom System zum Gebrauch interprets it, doing away with the idea of grammar as the “complete space of possibilities” (vollständiger Möglichkeitsraum), as mentioned on pp. 22 and 183. This can indeed be seen alongside Wittgenstein’s “conception of grammar as the description of language use” (Auffassung von Grammatik als Beschreibung des Sprachgebrauchs), as Uffelmann calls it on pp. 171 and 177, for any use that can be described will be part of that whole – it cannot be outside it. What happens is that all these uses are now seen as making part of logic, which is broadly understood as the possibility of forming thoughts translatable into reasonable actions. This actually responds to the puzzling circumstance of the Brown Book possessing no occurrences of “grammar in the general sense”, but only “in the particular sense”, whereas the Philosophical Investigations contains almost the same number of each of them, 14 in the first and 18 in the second sense, as Tab. 7 on p. 161 documents. If we were to be guided only by these empirical data, we would have to point to another shift in Wittgenstein’s notion of grammar. The author, however, does not want to do that and, rightly, defends that the Brown Book and the Philosophical Investigations have a view of grammar in common with each other. Her strategy is to interpret the instances of “grammar in the general sense” within the polyphonic method of contrasting positions, including those held by Wittgenstein in his previous writings. The polyphonic reading, as stressed, has enormous advantages over a traditional, theoretical reading. It responds much better to the therapeutic character of philosophy that Wittgenstein vindicates. But this does not mean that we cannot – and should not – look at, for example, §371 of the Investigations, in which we find that “Essence is expressed in grammar”, or at §373, where it is said that “Grammar tells what kind of object anything is”, in a positive way. Uffelmann is absolutely right in claiming throughout the work that Wittgenstein replaces a metaphysical way of looking at philosophy with an activity of grammatical elucidation. Yet, one may wonder whether a rejection of the systematicity of grammar, of its essentialism, is really possible. The multifarious language games analysed by Wittgenstein in his later philosophy belong all to the grammar of human reasoning or, as he also terms it, to the “natural history of human concepts” (1980, §950). And if Wittgenstein is already well aware of the impossibility of providing a complete account of our language uses, the results of his descriptions, though not theoretical, in the common sense of the word, constitute more than simple possibilities of looking at things – they are actual possibilities and therefore belong to our systematic understanding of reality.

This leads me to the last point I wish to make. It concerns the prevalent use of “logic” in the later manuscripts. The author leans herself towards the opinion that the concept of “grammar”, which cannot be coincident with that of “logic”, undergoes a transformation again, in line, as noted on pp. 24, 201, 203 and 211, with the “extended concept of grammar” (erweiterte Grammatikbegriff) defended by Danièle Moyal-Sharrock, even if the thesis of a “third” Wittgenstein is not entirely subscribed to in Vom System zum Gebrauch. But if we do not accentuate the shifts in approach and terminology that naturally exist in Wittgenstein’s thought, we can see that grammar and logic go hand in hand all along the way, from the Tractatus to the very end, and that grammar was simply a mode he found to conceive of logic in a completely different way from what Frege and Russell did. The evolution of the concept of “grammar” is indeed the evolution of the concept of “logic” that comes to be regarded in the remarks on certainty in a quasi-psychologistic way.

In conclusion, there are claims in Vom System zum Gebrauch that can be challenged and the empirical data, though very useful, are not complete enough to solve all the questions that can be raised when this fascinating topic is approached. But Uffelmann defends her views quite effectively using a methodology that helps to situate the claims made beyond the space of mere hypotheses. We are thus in the presence of an excellent work, one that, no doubt, will prove to be of invaluable help to those concerned with Wittgenstein’s Nachlass and his conception of grammar.

References

GIBSON, A. “The Wittgenstein Archive of Francis Skinner”. In: VENTURINHA, N. (ed.), Wittgenstein After His Nachlass. Basingstoke: Palgrave Macmillan, pp. 64-77, 2010. [ Links ]

SMITH, J. “Wittgenstein’s Blue Book: Reading between the Lines”. In: VENTURINHA, N. (ed.), The Textual Genesis of Wittgenstein’s Philosophical Investigations New York: Routledge, pp. 37-51, 2013 hbk, 2016 pbk. [ Links ]

VENTURINHA, N. “Introduction: A Composite Work of Art”. In: VENTURINHA, N. (ed.), The Textual Genesis of Wittgenstein’s Philosophical Investigations. New York: Routledge, pp. 1-16, 2013 hbk, 2016 pbk. [ Links ]

WITTGENSTEIN, L. Preliminary Studies for the “Philosophical Investigations”: Generally known as The Blue and Brown Books. Second edition. Ed. by R. RHEES. Oxford: Basil Blackwell, 1969. [ Links ]

____________ Remarks on the Philosophy of Psychology, Vol. 1. Ed. by G.E.M. Anscombe and G.H. von Wright. Transl. by G.E.M. Anscombe. Oxford: Basil Blackwell, 1980. [ Links ]

____________ Philosophical Investigations. Fourth edition. Ed. by P.M.S. Hacker and J. Schulte. Transl. by G.E.M. Anscombe, P.M.S. Hacker and J. Schulte. Oxford: Wiley-Blackwell, 2009. [ Links ]

Notas

1All subsequent references to the Investigations are to this edition.

Nuno Venturinha – Nova University of Lisbon – FCSH, Department of Philosophy / IFILNOVA, Portugal. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

Lógica e Ciência em Aristóteles – ANGIONI (RA)

ANGIONI, Lucas (Ed). Lógica e Ciência em Aristóteles. Campinas: Editora. Phi, 2014. Resenha de: BERRÓN, Manuel. Revista Archai, Brasília, n.20, p.335-342, Maio, 2017.

El volumen compilado por Lucas Angioni contiene ocho artículos antecedidos por un prefacio de Rodrigo Guerizoli y Raphael Zillig y una introducción del p ropio Angioni. En dicha introducción, hace una somera per o valiosa presentación del contenido de los artículos. Éstos se abocan al examen de distintos aspectos de la filosofía de la ciencia de Aristóteles tales como, por caso, la teoría de la predicación, la teoría de la demostración y del silogis- mo en general, así como la importancia de la dialéctica en conexión con el conocimiento de los principios. El último artículo constituye una excepción puesto que se ded ica, como veremos, al examen de la aporía 11 de Metaph. B.

Tal como señalan Guerizoli y Zillig en el prefacio, el texto reúne un conjunto de artículos elaborados por investigadores vinculados a la Universidad de Campinas y orientados por Angioni. La unidad del grupo se observa por la coherencia en la perspectiva gene ral bajo la que se estudia Aristóteles. Un elemento característico de ella es la ponderación del silogismo como la herramienta adecuada para la expresión de las re la- ciones causales a las que aspira una genuina demostración científica. Tal tesis, opuesta a la interpretación más ortodoxa y difundida, entre otros, por J. Barnes en la década de 1970, constituye una interesante y destacada novedad en el plano de las interpretaciones de la filosofía de la ciencia del estagirita. En efecto, encontramos como característica general de esta nueva interpretación que la demostración científica posee una estructura tripartita fielmente expuesta en la estructura del silogismo; de esta manera, quedan unidos de modo indisoluble una herramienta formal como es el silogismo con la explicación causal científica.

El capítulo 1, “Os predicados per se em Aristoteles”de Carlos Terra, se dedica a examinar los sentidos en que se usa per se  (kath’hauto) en APo. I 4 y en Metaph. V 30. Terra defende la concordancia de ambos textos y, para probar la misma, se ocupa de comparar el listado de predicados per se en uno y otro texto. El problema del alcance de lo que es un predicado per se  es decisivo para la teoría de la demostración científica puesto que, tal como afirma Aristóteles en distintos lugares, dichos predicados son los requeridos para la demostración. En vista de la importancia del problema, el examen de Terra apunta a mostrar que las clasificaciones desarrolla- das en estos pasajes son armónicas pero, de un modo heterodoxo, pretende mostrar también que un sub- conjunto de sentidos de per se permite comprender a ciertos predicados no esenciales como per se. Esta tesis, enormemente sugerente, asume que los predi- cados “propios”, tal como se los conoce en Tópicos, y los concomitantes por sí mismos, aun no siendo esenciales son necesarios para sus sujetos y, así, podrían ser utilizados científicamente.

En el capítulo 2, “Demostração, silogismo e causalidade”, de Lucas Angioni, se examinan críticamente diferentes posiciones estándar sobre la relación en tre la demostración y el silogismo tales como la lectur a de Barnes, de Hintikka y las de Corcoran/ Smith. Según nos informa Angioni, estos intérpretes destacan el v alor que el aspecto formal del silogismo habría tenido para Aristóteles. En contra de estas lecturas, Angioni defiende en su artículo tres tesis centrales: i) que la de mostración tiene por objeto principal captar la causa par a un cierto explanandum; ii) a su vez, y como ha expuesto en otros artículos, defiende nuevamente que la noción de causa posee una estructura triádica fundamental y que esta estructura es clave para que el silogismo pueda explicar su propia conclusión; iii) por último, Ang ioni sostiene que Aristóteles habría utilizado el format o del silogismo justamente porque entre sus beneficios habría encontrado que dicho formato es el que mejor destaca la noción de explicación por la causa apropiad a. El texto tiene la particularidad de reunir sintéticamen te la opinión general de Angioni sobre distintos aspectos de la teoría de la ciencia aristotélica a los que ha dedicado muchos años de investigación y estudio.

El capítulo 3, “Silogismo e demonstração na concepção de conhecimento científico dos Analíticos  de Aristóteles”, de Francine Maria Ribeiro, aborda en una primera parte del texto y de modo crítico dos interpretaciones fuertes sobre la silogística aristotélica en el Siglo XX, a saber: las lecturas de Łukasiewicz y de Corcoran. Como es sabido, el primero tendió a interpre tar la silogística como si fuera una teoría axiomática mientras que el segundo la concibió como un sistema de deducción natural. Ribeiro apunta a destacar que l a elección del silogismo como formato para la demostración se debería a que éste es el modelo deductivo más apto para expresar relaciones causales apropiadas o adecuadas. Ribeiro fortalece su posición examinando detalladamente APo. I 2 71b9-16 allí donde Aristóteles establece que el conocimiento es de lo necesario o de lo que no puede ser de otro modo. De modo sintético, su lectura es que el silogismo no es un mero aparato formal deductivo sino que es el mejor modelo deductivo en tanto que permite expresar fidedignamente la conexión causal existente entre dos términos logrando así elaborar una genuina prueba científica.

En el capítulo 4, “Fundacionalismo e Silogística”de Breno Andrade Zuppolini, se investiga sobre la relación que existe entre el silogismo y el modo en que éste da pie -o no- para una visión axiomática y fundacionista de la estructura de la ciencia. Según algunos intérpr e- tes tales como J. Barnes, el proyecto axiomático more geometrico no sería armónico con la naturaleza del silogismo. Para salvar esta dificultad, Zuppolini apun ta a redefinir la ciencia demostrativa centrándose en la noción de aitía. Hecha esta asunción, se logra mostrar que los principios de la demostración son aquellos que realmente operan en las pruebas científicas y que, por ello, exhiben la causa. Con este esquema, desliga los principios comunes y las suposiciones de existencia de la demostración científica y exime a la trama final que adquiere la estructura demostrativa de cumplir con la exigencia de contenerlos explícitamente. Tal estrategia vale, finalmente, para liberar al fundacionismo aristotélico de la dificultad del uso del silogismo como herra- mienta demostrativa y, en este sentido, no sólo liberarlo sino volverlo compatible con el silogismo.

En el capítulo 5, “As proposições categóricas na lógica de Aristóteles”, de Mateus Ricardo Fernandes Ferreira -que lamentablemente carece de una introducción y sus conclusiones- aborda críticamente tres interpretaciones relativas al modo en que se interpreta el cuadro de oposición de las proposiciones categóricas en Aristóteles. Una (1) primera posición deriva- da de la lógica formal clásica -posición denominada semántico-existencial- asumiría el valor existencial de las proposiciones para garantizar las relaciones lógicas entre las cuatro proposiciones. (2) Una opción distinta (Wedin y Parsons) reordena la formalización del cuadro de oposición puesto que asume que sólo las proposiciones categóricas afirmativas poseen valor existencial. (3) Una tercera opción heterodoxa viene propuesta por Malink y, apoyándose en une lectu- ra diferente del dictum de omni et nullo  de APr. I 1 24b28-30, construye una interpretación no extensio- nal de las proposiciones categóricas. En sendos apar- tados subsiguientes, Fernandes Ferreira se dedica a discutir detalles de las lecturas de Wedin y Malink contrastándolas con pasajes del corpus aristotélico.

El capítulo 6, “Silogismos e ordenação de termos nos Primeros analíticos “de Felipe Weinmann, tiene por objeto el examen de la definición fundacional de silogismo de APr. I 1 24b18-20. El autor se detiene en ponderar la Cláusula Final (CF) de la definición, “em virtude de serem tais coisas”(su traducción), puesto que la misma ha sido objeto de controversia erudita: la tradición estándar la considera super>ua y como una mera adición a la definición estricta y de carácter inferencial mientras que otra tradición, contrariamente, defende que la CF posee un valor relevante aunque no logra explicar satisfactoriamente por qué. Weinmann defiende que la CF establece una impor- tante restricción concebida por Aristóteles y referida al modo en que los términos del juicio están ordenados. Su hipótesis es que CF se establece para asegurar que de dos premisas dadas se deriva necesariamente una conclusión tal en la que el término A se predi- ca de C. Con la finalidad de sustentar tal afirmación, Weinmann estudia en detalle APr. I 4 y I 7 como dos capítulos en donde Aristóteles utiliza efectivamente la restricción CF, y así su existencia no sería para nada super>ua, para mostrar la conexión entre las premisas y la conclusión en el sentido señalado.

En capítulo 7, “A utilidade dos Tópicos  em relação aos princípios das ciências”de Martins Mendonça, F. se aborda un asunto muy discutido recientemente relativo a la función de la dialéctica en su carácter de herramienta apta para alcanzar los principios del conoci- miento en el contexto de las investigación científica. El autor se ocupa de examinar, y relativizar, la muy difundida tesis de que la dialéctica posee un genuino valor heurístico en relación con los principios. Mendonça considera que debemos tener una posición deflacionaria sobre el poder de la dialéctica y, como principal argumento, afirma que el problema más difícil para atribuirle dicho poder consistiría en la asimetría existente entre los éndoxa, los puntos de partida del examen dialéctico, y los principios. Los primeros son sólo plausibles mientras que los segundos son verdaderos: ¿cómo asegurar su verdad? Mendonça considera que esta asimetría no puede ser salvada (p. 312-20). El argumento que se apoya en la coherencia -y que da origen a la versión coherentista de Aristóteles- no lograría resolver esta asimetría. Su hipótesis, de modo contrario, pretende restringir la función de la dialéctica a su función de entrenamiento argumentativo, a su carácter gimnástico. Las ciencias y la filosofía, dado su carácter argumentativo, se benefician por las técnicas desarr o- lladas por la dialéctica, y sólo eso. A modo de crítica, podemos señalar que el examen de Mendoça se restringe únicamente a Top. I 2 cuando la mayor parte de la bibliografía que reivindica el uso de la dialéctica con carácter heurístico se apoya, desde Owen en adelante, en el celebrado pasaje de Ética a Nicómaco VII 1, don- de Aristóteles afirrma que la búsqueda de los principios parte de éndoxa y que esto será “prueba suficiente”.

En último lugar, en el capítulo 8, “A aporia 11 e o projecto aristotélico de fundação da filosofia primeira”de Wellington Damasceno de Almeida, se aborda, desde luego, la aporía 11 de Metafísica  III (beta) en su desarrollo y desenlace tal como es presentado en Metafísica X (iota) 2. Según el autor, Aristóteles se esfuerza por examinar la semántica del término “uno”(to hen) por medio de la semántica del término “ele- mento”para poder luego discutir las interpretaciones que del “uno”, en primer lugar, hicieron los físicos materialistas y, en segundo lugar, los pitagóricos y Platón. Los primeros entendieron al “uno”como naturaleza subyacente mientras que los segundos hicieron de él una naturaleza en sí misma. El recorrido de la aporía concluye en establecer que el concepto de “uno”es un concepto de segundo orden utilizado para hacer referencia a una multiplicidad de entes de la misma clase. De este modo, “uno”permitiría algo así como conferir cognoscibilidad a la multiplicidad de entes de los que se predica (p. 365). Este término, así como causa, elemento, principio y otros, son “transcategoriales”y aseguran la inteligibilidad de las cosas, pero no logran establecer la naturaleza de las cosas (reservada a las definiciones de la esencia). En síntesis, según Damas- ceno de Almeida, los conceptos de este tipo son indis pensables para la construcción del conocimiento aun- que son incapaces por sí mismos de denotar la esencia de las cosas.

Para cerrar, quisiera destacar algunos detalles gene- rales y de forma: cada capítulo contiene la bibliografía utilizada al final pero, quizá, hubiera sido más útil el armado de una bibliografía común al final del volumen evitando las repeticiones innecesarias. Por otra parte, la obra carece de índices de nombres y lugares que seguramente hubieran sido de mucha utilidad a los lectores.

Manuel Berrón Chora. Über das zweite Prinzip Platons Albert-Ludwigs – Universidad Nacional del Litoral (Argentina). E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

A lógica de diagramas de Charles Sanders Peirce: implicações em ciência cognitiva, lógica e semiótica – QUEIROZ; MORAES (C-RF)

QUEIROZ, João; MORAES, Lafayette de (Orgs.). A lógica de diagramas de Charles Sanders Peirce: implicações em ciência cognitiva, lógica e semiótica. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2013, 224 p. Resenha de: NÖTH, Winfried; CESTARI, Guilherme Henrique de Oliveira. Cognitio – Revista de Filosofia, São Paulo, v. 16, n. 1, p. 185-196, jan./jun. 2015.

Acessar publicação original

 

 

 

 

Pensamento crítico: o poder da lógica e da argumentação – CARNIELLI (M)

CARNIELLI, Walter A.; EPSTEIN, Richard L. Pensamento críticoo poder da lógica e da argumentação. [?]: Editora Rideel, 2009, 384p. Resenha de: SILVA, Jairo José da. Critica do pensamento crítico. Manuscrito, Campinas, v.35 n.2 July/Dec. 2012.

“Razão” é um termo onipresente na filosofia, e de longa data; ambíguo também, e polissêmico. Sua acepção mais comum é a faculdade que se supõe tipicamente humana de argumentar; ou seja, sacar conclusões de pressupostos ou conclusões previamente obtidas, tudo devidamente expresso linguisticamente. Mas há argumentos e argumentos, há os bons e há os maus. Os bons são aqueles que a partir de pressupostos verdadeiros nos dão conclusões necessariamente verdadeiras ou, pelo menos, provavelmente verdadeiras. Aqueles são os argumentos dedutivos; estes, os indutivos. São maus os argumentos a veracidade de cujas conclusões não está garantida, nem com necessidade nem com probabilidade. Argumentos dedutivos são aqueles em que a transmissão da verdade (dos pressupostos às conclusões) está garantida; por exemplo, a inferência do particular a partir do geral; os indutivos, onde só está garantida a transmissão da falsidade (ou retro-transmissão da verdade, da conclusão aos pressupostos); por exemplo, a conclusão do geral a partir do particular.

Cânones de argumentação dedutiva podem ser precisamente codificados em sistemas; deduções são irrefutáveis se as regras do sistema forem cuidadosamente obedecidas; já a indutiva não admite regras precisas, ficando um pouco a mercê de um vago “bom senso”. Por exemplo, se pressuponho que todos os homens são mortais, então a mortalidade de qualquer homem em particular está logicamente garantida (regra de especificação: o particular é conseqüência necessária do universal). Considere agora as inferências: (1) todas as evidências científicas obtidas até o momento sugerem que fumar é prejudicial á saúde; logo, fumar é prejudicial á saúde; (2) minha avó fumou até os 90 anos e morreu asfixiada por um pedaço de maça; logo, fumar não é prejudicial à saúde (mas maças sim!). Qualquer pessoa racional aceitaria (1) e refutaria (2), ainda que ambas as inferências sejam generalizações a partir de casos, só que (1) tem uma base indutiva bem mais cogente. O importante é que qualquer conclusão cuja veracidade não está garantida está do ponto de vista racional constantemente sob suspeita. E a pessoa racional, que é apenas outro nome para o amante da verdade, se compromete a aceitá-la apenas enquanto não for desmentida por evidências em contrário. Mais, ela também se compromete a submeter constantemente a conclusão sub judice ao teste da evidência em contrário, o que separa nitidamente a pessoa racional da pessoa de fé ou do ideólogo, que preferem, estes, ignorar as evidências que falseiam suas crenças, ou então interpretar essas evidências em contrário de modo a torná-las inócuas, ou, o que é pior, reforçar suas crenças (são esses compromissos que, segundo Popper, separam o cientista do pseudocientista).

O livro Pensamento Crítico: o poder da lógica e da argumentação (São Paulo: Ed. Rideel, 2009), dos Profs. Walter Carnielli e Richard Epstein, quer nos ensinar a bem raciocinar, aderindo aos bons argumentos e evitando os maus (desde que, claro, sejamos amantes da verdade; se não, o livro também é útil, ensinando-nos modos já bem testados de sofismar. Ou seja, seja você cientista ou advogado, o livro tem algo a lhe ensinar. Mas, ao que me parece, os autores nos preferem racionais).

Bem argumentar, em especial dedutivamente, como já disse, envolve regras. O que garante a validade dessas regras? O uso, a tradição? Se assim fosse teríamos a estranha situação em que regras de raciocínio dedutivo seriam validadas indutivamente. Mas se não assim, como? Os autores não dedicam nenhuma atenção a esse problema filosoficamente muito sério, por isso vale a pena nos debruçarmos um instante sobre ele.

Considere o silogismo clássico: (P) Todo homem é mortal; (p) Sócrates é homem; logo, (C) Sócrates é mortal. P e p são, respectivamente, a premissa maior e a menor, e C a conclusão. Para convencer a si próprio ou a outrem da validade da inferência de C a partir de P e p alguém poderia raciocinar assim: suponhamos que C seja falsa, ou seja, que Sócrates não seja mortal; ora, então, ou Sócrates não é humano (supondo que todo homem é mortal) ou nem todo homem é mortal (supondo que Sócrates seja humano). Das duas, uma, ou P é falsa ou p o é. Logo, se P e são verdadeiras, C necessariamente também o é.

Quem raciocina assim justifica o mais simples pelo mais complicado, já que a justificativa envolve, além de contrafatuais, isto é, situações contrárias àquelas que efetivamente se deram (quando consideramos, por exemplo, a situação em que Sócrates não teria sido humano), silogismos ainda mais elaborados que o original. Porém, como Aristóteles observou (inventado assim a Lógica Formal), a validade de uma inferência não tem nada a ver com o que houve ou poderia ter havido, mas apenas com o significado de certos termos como “todo” e “algum” e a forma das asserções, por oposição a seus conteúdos (o como se diz, não o quê se diz). A forma do silogismo é esta: (P) todo H é M; (p) S é H; logo, (C) S é M, onde “H” e “M” denotam propriedades quaisquer de certa classe de indivíduos e “S” um indivíduo qualquer dessa classe. Podemos interpretar P extensionalmente, como afirmando que a extensão de M, isto é a classe dos indivíduos com a propriedade M, contém a extensão de H; ou intensionalmente, que a propriedade M “está contida” na propriedade H (ou seja, quem diz H diz, a fortiori, M). Em qualquer caso, segue que se o indivíduo S tem a propriedade H, então também tem a M.

Mas, novamente, a justificativa da inferência depende da aceitação de inferências envolvendo classes: de H ⊆ M e S ∈ H segue que S ∈ M (que depende essencialmente, dada a definição de ⊆, da validade das regras de especificação e modus ponens: de se A, então B e A, conclua B) ou entidades intensionais: se o sentido de H “contém” o de M, então se S tem a propriedade H, S tem também a propriedade M. Parece então que a validade de algumas inferências depende da validade de outras, o que nos leva ou a uma regressão infinita ou a inferências injustificáveis que são tomadas como fundamentais simplesmente porque nenhum indivíduo racional duvidaria delas.

Em suma, a noção de razão como a capacidade de raciocinar por inferências válidas requer um cânone da razão, ou seja, um conjunto de regras básicas de inferência cuja aceitação define o indivíduo racional (no caso de inferências indutivas o cânone é mais fluido). No caso dedutivo, esse cânone consiste em definições em uso (ou implícita) de certos termos (ditos lógicos). Por exemplo, podemos tomar o silogismo acima em sua forma: (P) todo H é M; (p) S é H; logo, (C) S é M como parte da definição implícita do conceito de “todo”: dizer que todo H é M é dizer a mesma coisa que se S é H, então S também é M, não importa que S seja esse. Se alguém me pede para justificar isso basta dizer “pense no que você quer dizer por todo“. A cadeia de explicações, como diria Wittgenstein, termina sempre num “é assim que se faz”. Ou seja, o cânone da razão, para continuar com Wittgenstein, é parte de uma “forma de vida”.

Agora, uma pergunta inconveniente: há apenas um cânone da razão, válido em qualquer contexto, qualquer época, para qualquer pessoa? Ou haveria outras “formas de vida” com outros cânones, outros modos de ser-se racional? Seriam diferentes cânones como diferentes ordenamentos jurídicos, em que a noção de verdade e os modos de obtê-la variariam como naqueles a noção de crime e os modos de puni-los? Com essas perguntas, aparentemente tão inócuas, começa o assalto à fortaleza da razão. Por muito tempo parece não ter havido dúvidas, ou pelo menos dúvidas sérias, sobre a unicidade e universalidade de um cânone que por falta de melhor termo chamarei de “clássico”, propriedade de todo homem racional. Hoje, parece, isso não é mais o caso. Até o que significa fazer uma asserção tornou-se matéria de debate. “Classicamente”, asserir é comprometer-se com a realidade da situação que a asserção representa linguisticamente. Mas há os que pensam diversamente, para os chamados “intuicionistas” afirmar é comprometer-se com a efetiva possibilidade de verificação do que é afirmado. Se o “classicista” diz “17 é um número primo” ele acredita enunciar um fato; o “intuicionista” também, só que outro fato, que há meios para se verificar que 17 é um número primo. Essa divergência implica que nem toda regra de inferência válida para o primeiro o é também para o segundo. Por exemplo, o “classicista” aceita que, independentemente de qualquer verificação, se um determinado número não é composto, então ele é primo (já que qualquer número ou é primo ou não é primo, ou seja, é composto); já o “intuicionista” acredita que só se pode afirmar isso se estamos de posse de um método para verificar, dado um número qualquer, se ele é primo ou não. Aqui não há problema, pois esse método existe, mas não é difícil imaginar situações de divergências. Em suma, “classicistas” e “intuicionistas” não compartilham o mesmo cânone da razão (porém, quando apenas asserções sobre o mundo empírico estão em causa, não há conflito entre eles).

As coisas se complicam ainda mais quando o que se põe em dúvida é a validade universal de um cânone racional, qualquer que seja ele, independentemente do contexto – aquilo sobre o qual se julga – e do lugar e momento, ou seja, da história e da cultura de quem julga. Quando se acreditava que a razão era um presente de Deus aos homens era mais fácil acreditar na sua unicidade. Não havia dúvidas então que o homem era um animal racional e os mecanismos da razão, únicos. Quando perdemos o direito a essa centelha de divindade e fomos deixados à mercê de forças naturais e culturais, ficou mais fácil duvidar que todos os homens sejam racionais do mesmo modo, ainda que, se supõe, todos sejam racionais de algum modo.

O problema com o relativismo histórico ou cultural da razão é que, do ponto de vista de um cânone, os outros são necessariamente perversões da razão. Contrariamente ao “classicista”, que mais ou menos entende como o “intuicionista” raciocina, já que ele pode traduzir o cânone dele no seu (a recíproca não sendo o caso; para o intuicionista os argumentos estritamente clássicos não são a rigor falácias, mas incompreensíveis), as barreiras culturais e históricas são em geral intransponíveis. Mas a relativização dos cânones racionais vai mais além. Uma novidade que nenhum pensador mais equilibrado teria concebido é a crítica “pós-modernista” da própria noção de verdade. Começou com Nietzsche, que levantou a questão do valor da verdade, e terminou em relativismos de todo tipo. A verdade, versão “pós-modernista”, já não se distingue da mera opinião; tornou-se um ponto de vista, um instrumento de poder, um esquema de ação, uma interpretação. Se um feiticeiro tribal afirma que a epilepsia (que ele considera uma possessão demoníaca) é curável por meio de encantamentos, quem ousaria dizer, hoje, que a afirmação é pura e simplesmente falsa sem temer ser classificado de “colonialista”? Para o mantra “pós-modernista” a afirmação do feiticeiro é tão boa quanto a mais sofisticada teoria psiquiátrica (se não melhor! “Afinal”, diz o relativista, com a convicção dos justos, sujeitando a lógica à ética, “pelo menos encantamentos não envenenam o corpo e a mente como o arsenal químico da psiquiatria”). Enfim, se nem a verdade é mais a mesma, porque haveria de haver um cânone universal para obtê-la?

Curiosamente, e ironicamente, ao relativismo da verdade, e outros “relativismos”, opõe-se com vigor a Igreja, uma crítica feroz da hegemonia da razão. Se o uso da razão enfraquece a fé, como parece inevitável (não estava a árvore do conhecimento proibida ao homem? E provar do seu fruto não foi nosso pecado original? E que metáfora visual forte da sinuosidade dos argumentos racionais é a serpente, que efetivamente argumentou com Eva!), aquela deve ser restrita para que haja espaço para esta. Mas a dúvida quanto à validade universal do que quer que seja, até dos artigos de fé, que parece advir de posturas relativistas, também não pode, segundo a Igreja, ser tolerada. A “verdade revelada”, fortalecida pela “tradição” e pela “autoridade”, não está aí para ser questionada, pensa a Igreja, nem pelo exercício da razão, nem por outras “verdades”, de outras tradições, fundadas sobre outra autoridade (para o homem estritamente racional, porém, a verdade só se revela em sua experiência pessoal, ainda que herdade de outrem, mas mesmo assim, sujeita ao crivo da crítica e aberta à revisão. O absolutismo de uma “verdade revelada”, imutável, e ainda por cima assentada em autoridade e tradição inflexíveis lhe são intoleráveis).

Além da concorrência de outras normas para a argumentação correta, das críticas “pós-modernas” a lhe atribuir descarada má-fé, das suspeitas que seu exercício pode por a perder nossa alma imortal, o cânone clássico da razão ainda é freqüentemente mal manipulado, intencionalmente ou não, em sofismas, aporias, falácias e malandragens várias. No livro em análise o uso correto da razão é implicitamente entendido em sentido clássico, segundo nossa “forma de vida”, de tradição ocidental e cientificamente informada, segundo nossos modos de aceder à verdade; entendida esta como atributo de asserções que dizem dos fatos exatamente como os fatos são, independentemente de nossa vontade ou conveniência.

É um pouco surpreendente que o livro privilegie uma compreensão retórica da argumentação, mas sobre isso não se detenha. Segundo os autores a argumentação não é primariamente nem a busca pelos fundamentos da verdade, isto é, regressivamente, pelo incondicionado a que a verdade está condicionada, nem progressivamente pelas conseqüências necessárias ou prováveis da verdade, mas um modo de convencer, a si próprio ou a outrem, da verdade ou probabilidade da conclusão para a qual a argumentação converge. Claro que a argumentação tem ambas as funções, lógica e retórica, além de outras mais, mas a fundamental é a lógica, e a capacidade de reconhecer um argumento logicamente válido é a melhor maneira de precavermo-nos do erro de tomar um que não o é como se o fosse, que é o objetivo da má retórica.

Além de uma discussão alentada e bem exemplificada do que é uma argumentação válida (pelos cânones clássicos), e dos cuidados para evitar argumentos falaciosos, os autores estão preocupados em nos ensinar a reconhecer asserções bem feitas, isto é, as que têm um valor determinado de verdade. Aqui, novamente, os autores exibem seu compromisso com o cânone clássico, já que admitem que uma vez livre de ambigüidade, vagueza, e outras imprecisões, uma asserção tem sempre um valor de verdade determinado, ainda que desconhecido e mesmo não passível de ser conhecido por meios que estão à nossa disposição.

Mas se argumentos partem de pressupostos, o que garante a veracidade deles se não outros pressupostos, numa regressão que arrisca ser infinita? Os autores também têm algo a dizer sobre isso. Segundo eles, se não a veracidade, pelo menos a probabilidade de asserções pode sustentar-se sobre a experiência direta dos fatos ou a autoridade reconhecidamente competente e desinteressada, descartando-se a autoridade emanada apenas do poder, os nossos desejos e conveniências (já que é tão mais fácil, mas não tão seguro, nos deixarmos convencer daquilo cuja veracidade nos traria prazer do que daquilo que nos causaria sofrimento), o “ouvir dizer” sem fundamento, a tradição fossilizada.

A urgência de um texto como esse é óbvia. Vivemos num mundo muito complexo onde decisões que afetam nossas vidas devem ser tomadas no embate de idéias em que fraudes intelectuais de toda espécie são moeda corrente. Devemos adotar a pena de morte? Liberar o aborto? Sob que condições? Eutanásia? Pesquisa com células-tronco embrionárias? Casamento entre pessoas do mesmo sexo? Discussões sobre esses assuntos freqüentemente envolvem definições (o que é um ser humano? O que é um cidadão?) e argumentação (o aborto é um assassinato; logo, deve ser proibido). Urge então saber o que é uma definição, evitar argumentar com conceitos imprecisos ou mal definidos, saber detectar pressupostos ocultos injustificados (o que é exatamente um assassinato? Por que impedir o desenvolvimento de um embrião de algumas poucas semanas é assassinato?). Em democracias onde essas decisões são tomadas ouvindo-se a população, não falta quem queira manipulá-la para seus fins. Aqueles que sabem que as suas opiniões são pouco defensáveis do ponto de vista racional são precisamente aqueles que não esitam em recorrer a falácias. Ensinar a desmascará-los é um serviço que se presta à democracia.

Mas, poderíamos perguntar aos autores, porque privilegiar o cânone clássico. A resposta é óbvia, se os relativistas têm razão, e qualquer cânone de razão é um produto do seu tempo e do seu meio, então só podemos raciocinar segundo o nosso cânone, fruto de nosso tempo e nosso meio. Se houvesse como julgar e selecionar dentre vários haveria um cânone absoluto, contra a hipótese relativista. Ademais, segundo nosso cânone os outros estão errados; pois, se admitíssemos alternativas racionais corretas ao que a razão nos ensina, incorreríamos em contradição, o que nossa razão abomina. Logo, segundo a hipótese relativista, estamos justificados a aderir ao nosso cânone simplesmente porque é o único correto. Por outro lado, se os relativistas estão errados, e só há um modo correto de raciocinar, não há porque os autores justificarem sua aderência a ele.

Uma última palavra quanto ao título do livro. O termo “pensamento crítico” está freqüentemente associado ao marxismo, que assim se denomina por acreditar que lhe cabe o papel de corte suprema à qual todos os outros modos de pensar devem submeter-se e serem condenados como “ideologias”. Estariam os autores com essa escolha apenas ironizando? Afinal, assim agindo não estaria o “pensamento” marxismo exercendo, como o cânone racional clássico, seu direito de proclamar-se absoluto? A diferença, claro, está em que o “pensamento” marxista não é um cânone de razão, mas um fruto do seu exercício; criticável, portanto, a partir dele. O mais certo é que com esse título os autores estejam simplesmente oferecendo seu livro como uma “crítica da razão argumentativa” do ponto de vista de uma concepção de boa argumentação. E nisso nos prestam um grande serviço.

Jairo José da Silva – Departamento de Matemática, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita”, 13500-230 Rio Claro, SP – Brasil. [email protected]

Acessar publicação original

Image and Logic | Peter Galison

De acordo com o mais recente livro de Peter Galison, Image and logic, imagem e lógica são as palavras-chave para se entender a recente e importante história da microfísica. Pois, como ele ali descreve e analisa detalhadamente, estas idéias caracterizam as duas principais correntes que, desde o início do nosso século, disputam e se alternam na liderança das pesquisas da física atômica e de partículas, até a década de 1970, quando então começam a se fundir. O livro trata dessa fusão e de sua origem, mas de uma perspectiva peculiar, expressa no subtítulo, a cultura material do laboratório, ou seja, das técnicas, instrumentos e arranjos institucionais que se entrelaçam no desenvolvimento dos dois modelos de pesquisa concorrentes.

Mas não se trata apenas de outro bom livro de história da física. O trabalho de Galison se filia à boa linhagem de uma historiografia repleta de reflexões metodológicas, de insights sociológicos e implicações filosóficas. Seu livro inaugural, How the experiments end, publicado em 1988, valeu-lhe um lugar de destaque em Harvard e na arena norte-americana da história das ciências. Se as narrativas históricas das ciências são costumeiramente tecidas a partir dos resultados encontrados, a originalidade da história reconstruída por Galison está na tentativa de entender seus processos de constituição, os rearranjos que antecedem às conclusões teóricas. Como numa história de vida (ciência) privada, suas peças documentais, neste livro de 1988, são muitas vezes bilhetes e anotações trocados pelas equipes que se revezam nos grandes laboratórios, evidenciando impasses e negociações anteriores à sua publicidade. Em 1996, Galison editara com David Stump um debate sobre a unidade, contextos e limites da ciência, The disunity of science, reunindo boa parte da nata anglo-saxã dos historiadores e filósofos da ciência: Schaffer, Lenoir, Davidson, Hacking, Fine. Leia Mais