Os brasileiros e a Segunda Guerra Mundial | Francisco César Ferraz

Após 77 anos da participação brasileira na Segunda Guerra Mundial, a obra de Francisco César Ferraz – Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina – nos mostra como foi intenso, impreciso e incerto enviar cidadãos brasileiros à guerra. Apesar de pouco valorizada, a atuação direta desses homens através da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e do grupo de caça brasileiro conhecido como “Senta Pua”, foram determinantes no cenário de guerra dos campos de batalha italianos, em vitórias como a tomada do Monte Castelo e Montese.

O livro é dividido em dez capítulos, além da cronologia, referências, fontes – como o ensaio de Francisco Ruas Santos, Fontes para a história da FEB, e o livro de Cesar Campiani Maximiano, Onde estão os nossos heróis? Uma breve história dos brasileiros na 2ª Guerra – sugestões de leitura e o último sobre o leitor. As divisões são feitas de forma cronológica onde o autor retrata os motivos e a preparação que culminaram na presença brasileira. Leia Mais

Shakespeare, o gênio original – SÜSSEKIND (C-FA)

SÜSSEKIND, Pedro. Shakespeare, o gênio original. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008). Resenha de: CHAVES, Ernani. Cadernos de Filosofia Alemã, São Paulo, n.13 Jan./Jun., 2009

O título deste livro, à primeira vista, é enganador. De imediato, podemos simplesmente pensar que seu assunto é Shakespeare. Apenas o leitor mais afeito às questões de filosofia da arte prestará atenção ao que segue no título: não se trata apenas de mais um estudo sobre o grande dramaturgo inglês (o maior em língua inglesa, diz-se; o maior dentre todos em todos os tempos, também se costuma dizer), mas de um estudo a partir de uma certa perspectiva, a da questão do gênio, e, mais ainda, a partir de uma concepção bem precisa de gênio, a do gênio “original”. Ora desfeito o engano, as coisas ficam bem interessantes, uma vez que é necessário perguntar, obviamente, o quem vem a ser um “gênio original”.

Responder a essa pergunta significa situar filosófica e historicamente a questão do gênio, conceito que Pedro Süssekind reconstrói, conduzindo-nos com isso para o interior de uma discussão fascinante, muito bem localizada no tempo e no espaço: trata-se, acima de tudo, de uma questão alemã, capítulo fundamental da história da reflexão filosófica sobre as artes nos séculos XVIII e XIX; trata-se, de fato, da grande contestação, iniciada por Lessing, do modelo erigido pelos franceses, em especial por Corneille e Racine, e que dizia respeito às regras que deveriam presidir a atividade de qualquer dramaturgo que quisesse ser reconhecido por sua excelência.

Do ponto de vista do classicismo francês, apesar de uma ou outra modificação, Aristóteles teria dado à posteridade, em sua Poética, o maior de todos os presentes: os elementos a partir dos quais se poderiam construir as regras a serem obedecidas tendo em vista a perfeição. Nesta perspectiva, “gênio” e “engenho” se complementam, ou seja, o gênio se caracteriza pelo total e absoluto domínio de uma técnica específica, que segue obedientemente as normas estabelecidas para distinguir a boa da má tragédia e, por conseguinte, o que é belo e elevado por oposição ao que é feio e decaído. Dessa maneira, o classicismo francês dá continuidade a uma interpretação iniciada ainda na Renascença, período histórico em que a Poética é redescoberta. Assim sendo, as teorias normativas da arte “associavam o talento a uma técnica apurada, a uma perícia de execução, à realização de uma obra sem erros, equilibrada e arduamente alcançada” (pp. 7-8).

O movimento pré-romântico alemão, também conhecido por Sturm und Drang e antecedido por Diderot e Lessing, marca uma ruptura em relação a esse quadro, já na segunda metade do século XVIII, ao defender a liberdade, a espontaneidade na criação e, com isso, também a possibilidade de transgressão das regras, visando os efeitos causados pelas obras de arte. O poeta, liberto da escravidão às regras e normas, será valorizado agora por sua “originalidade”; o talento, desse modo, tornar-se-á superior à técnica e o efeito alcançado pelas obras, às regras. Questão que ganhará, no campo da filosofia, sucessivas elaborações, cujo marco inicial é, sem dúvida, a “3ª. Crítica”, de Kant.

É no interior desse debate que a obra de Shakespeare desempenha o papel principal, pois o bardo inglês será tomado como modelo alternativo às tragédias francesas. Pedro Süssekind, com elegância e precisão, descortina ao leitor seu impacto sobre os eruditos alemães, a fervorosa admiração, poderíamos mesmo dizer, que passam a nutrir por Shakespeare e que um francês, Diderot, já expressara com todas as linhas no verbete “Gênio” da Enciclopédia, onde Shakespeare é considerado um “verdadeiro deus dramático” (p. 67). Em Shakespeare, dizia Herder, a originalidade da criação artística atingirá seu ponto mais alto, pois nele “o novo, o primacial, o de todo diverso mostra a força inata de sua vocação” (p.68).

Tal admiração, entretanto, permite também a crítica e o distancia mento (como é o caso em alguns textos de Schiller, por exemplo, e também de Goethe), mas sem abalar radicalmente essa espécie de veneração. Considerar Shakespeare como o Sófocles moderno, igualar “Hamlet” ao “Édipo Rei” consistiu, sem dúvida, no ponto culminante desse processo, do qual nem mesmo Nietzsche escapou. Lembro apenas, en passant, o aforismo 240 de Aurora.

O livro de Pedro Süssekind é de um rigor exemplar. Rigor no trato com as fontes, na mobilização dos intérpretes e comentado res, na indicação ao leitor brasileiro de textos que passariam facilmente despercebidos. É o caso, por exemplo, do artigo de Walter Benjamin sobre Goethe (escrito entre 1926 e 1928), na verdade um verbete que deveria ser publicado numa Enciclopédia russa e que foi recusado. Rigor exemplar porque se trata de um livro muito bem escrito, fluente, na contracorrente da idéia de que um texto filosófico é necessariamente hermético e esotérico, escrito para iniciados. Ele pode, assim, atingir um público diversificado e não apenas um público acadêmico. Mas ambos, o público mais amplo e aquele especializado e exigente, certamente ganharão muito com a leitura desse livro.

Ernani Chaves Departamento de Filosofia. Universidade Federal do Pará.

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Imagens do passado: São Paulo e Rio de Janeiro nos primórdios do cinema | Pedro Paulo A. Funari

Pedro Paulo Abreu Funari, arqueólogo e professor titular do Departamento de História da Unicamp e Aline Vieira de Carvalho, doutoranda na mesma instituição, reuniram-se para escrever Palmares, ontem e hoje, publicado recentemente pela Editora Jorge Zahar Editor.

O livro é o mais novo volume da coleção “Descobrindo o Brasil”, dirigida por Celso Castro, que visa à publicação de estudos especialistas sobre diferentes temas relacionados à História do Brasil em uma linguagem acessível a um público que não se restringe aos meios acadêmicos. Tendo em vista essa proposta, Funari e Carvalho tratam, nesse livro, de um aspecto ímpar da história do Brasil: o quilombo de Palmares. Em uma abordagem interdisciplinar, baseada em um constante diálogo entre arqueologia e história, os autores apresentam para o leitor diferentes maneiras de se interpretarem os eventos ocorridos no cotidiano do quilombo, bem como enfatizam a necessidade de uma abordagem crítica para a produção de leituras mais dinâmicas do quilombo de Palmares, estimulando uma reflexão da importância da luta pela liberdade tanto no passado como no presente. Leia Mais

O que é história cultural? | Peter Burke

O último livro de Peter Burke lançado no Brasil, O que é história cultural? (What is cultural history?, Cambridge: 2004), propõe uma pergunta que não é respondida, ao menos não conceitualmente como faria supor a natureza da interrogação que dá título ao livro. Apresenta, contudo, um vasto inventário de quanto se tem produzido sob a rubrica “história cultural” e descreve uma genealogia que principia com Burckhardt e chega aos primeiros anos do século XXI. Este é, certamente, um dos grandes valores do livro, que inclui no final do volume uma lista cronológica, de 1860 a 2003, de títulos e autores, a maioria dos quais é, ao menos sumariamente, resenhada ao longo dos seis capítulos do livro, que pretende, o mais possível, a exaustão inventariante de tudo que se possa unificar pela categoria “história cultural”. A exaustividade do ensaio é profícua, porque expõe uma série de estudos específicos que, além de indicar horizontes bibliográficos, consagrados ou não, pode abrir perspectivas e temas novos para não iniciados e estudantes de História. Leia Mais

Sambaqui: arqueologia do litoral brasileiro – GASPAR (RMAE)

GASPAR, MaDu. Sambaqui: arqueologia do litoral brasileiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000. 89p. Resenha de: NOELLI, Francisco Silva. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, v.11, p.311, 2001.

A vida cotidiana e a historia dos povos sambaquieiros finalmente receberam uma síntese de divulgação devotada a “entender os processos de manutenção- de um longevo sistema sociocultural” (p.79), que perdurou por mais de 5 mil anos. Trata-se da síntese das novas perspectivas que vem ocupando alguns pesquisadores brasileiros desde o final da década de 1980, quando o estudo dos sambaquis passou por uma renovação teórica e metodológica derivada da incorporação dos principais avanços da Arqueologia internacional.

A pequena obra e brilhante e essencialmente didática, onde Madu Gaspar da uma lição sobre a interpretação dos dados arqueológicos, servindo como exemplo aos seus pares, que ainda devem trabalhos similares para outras regiões brasileiras.

Com um texto leve, livre de jargões e antropologicamente orientado, a autora conseguiu expor com riqueza de detalhes aspectos diversos sobre as pesquisas, a ocupação do litoral brasileiro, as tecnologias para elaborar artefatos, a arte, os rituais funerários, o domínio do mar, o tempo de ocupação e atividades diversas, além de levantar questões sobre territorialidade, demografia, organização social, rituais e tipos diferentes de ocupação dos sambaquis. Essa leveza resulta da reflexão e da interpretação inteligente sobre uma vasta e detalhada gama de informações levantadas pela própria autora e por muitos outros arqueólogos que pesquisam a ocupação humana do litoral centro-sul do Brasil (entre o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul).

A perspectiva adotada abandonou de vez o formato etnocêntrico e meramente descritivo que dominou a arqueologia dos sambaquis.

Junto com as novas abordagens de campo, um de seus avanços mais importantes e a inversão do modo de conceber os povos sambaquieiros, a partir de “uma certa ruptura com o esquema de analise adotado desde os primeiros estudos de sambaquis”. Isto e, colocou de lado o velho esquema de imaginar os construtores dos sambaquis como pessoas rudimentares a mercê das ofertas dos ecossistemas e das mudanças climáticas, procurando conceber a exploração dos recursos naturais baseada no conhecimento profundo das peculiaridades dos nichos aquáticos e terrestres que formam as paisagens costeiras do sul do Brasil.

Também abandona a imagem estática e idealizada sem uma adequada base de dados, substituindo-a por uma imagem dinâmica.

Madu considera que “traços culturais podem variar no tempo e no espaço, como de fato variam, sem que isso afete a identidade social do grupo. Essa perspectiva percebe a cultura como algo essencialmente dinâmico e perpetuamente reelaborado”.

A perspectiva desse livro inaugura um novo patamar para perceber aspectos da historia e da vida cotidiana, contribuindo definitivamente para estabelecer novos parâmetros de pesquisa, a partir da perspectiva que procura a diversidade dentro da estrutura que embasa a tradição cultural dos construtores dos sambaquis. Felizmente, esse livro, que coroa uma etapa da produção cientifica de Madu Gaspar, impõe um padrão cientifico mais elevado, mais sistemático, mais detalhista e mais preocupado em aprofundar o conhecimento sobre a vida sambaquieira.

Francisco Silva NoelliUniversidade Estadual de Maringá, PR.

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