Júlia: nos campos conflagrados do Senhor | Bernardo Kucinski

Bernardo Kucinski Foto Marcos SantosUSP ImagensCult
Bernardo Kucinski | Foto: Marcos Santos/USP Imagens/Cult

“[…] quem pretende se aproximar do próprio passado soterrado deve agir como um homem que escava” (BENJAMIN, 2000, p. 239).

Narrada em terceira pessoa, a novela Júlia: nos campos conflagrados do Senhor, de Bernardo Kucinski, publicada pela editora Alameda, em 2020, retrata a história de uma bióloga que, por um acaso, acaba se debruçando no passado de sua família, até então desconhecido pela jovem. Após o falecimento de seus pais, Júlia, assim como é denominada na narrativa, entra em conflito com seus irmãos Beto e Jair para não vender um luxuoso apartamento que ganhara de herança paterna, pois esse imóvel guardava as memórias afetivas da personagem.

Decidida a não vender seu aposento, essa bióloga compra a parte da herança de seus irmãos. No entanto, por conta de seu doutorado em Londres, ela resolve alugá-lo a Daniel, um pesquisador que conhecera no Instituto Biológico. Esse homem, além de sentir-se o dono do imóvel, acabou deteriorando toda a morada dela. Ao ver tal reação do inquilino, a personagem, depois de vários acordos, consegue despejá-lo de seus aposentos.

Como o apartamento estava bastante danificado, a protagonista decide fazer uma reforma naquele lugar. Durante esse período de reparação de seu imóvel, Júlia encontra uma caixa de fuzil, a qual desperta a sua curiosidade. Ao abrir tal objeto, ela encontra umas cartas que revelam não só a participação de seu pai, o engenheiro Durval, na luta contra o regime militar, mas também o envolvimento de religiosos da igreja católica: uns que colaboravam com o autoritarismo, encobriam mortes e colocavam crianças sequestradas para adoção; outros que tentavam impedir as barbaridades cometidas pelos militares. A descoberta dessas correspondências representa a história de um passado obscuro, que até então a personagem não conhecia, como podemos perceber no fragmento abaixo:

Júlia larga os papéis no meio da leitura. Então era isso que acontecia no Brasil? E o pai sabia de tudo isso? E a mãe será que sabia? E o Beto? Estarrecida, retoma a leitura. […] Ao terminar, noite alta, Júlia sente que descobriu um outro país- e um outro pai. Nunca imaginou atrocidades dessas no Brasil (KUCINSKI, 2020, p. 45).

Por meio dessas cartas, a bióloga descobre que fora adotada por sua família. Esse fato a deixa muito aflita. Isto porque ela percebe que vivera uma farsa durante toda a sua vida, no entanto, mesmo angustiada por saber que era filha adotiva, a personagem decide ir em busca de sua verdadeira história.

Nesse percurso pela busca de seu passado, Júlia encontra Magno, um delegado da Polícia de Santos, que ajudava o pai da bióloga tanto com o repasse de informações acerca de alguns presos políticos, quanto em atividades contra o governo. Através desse homem, ela conhece Paula Rocha, uma jornalista bastante conceituada na área do jornalismo, a qual havia sido perseguida durante o regime, devido a algumas reportagens sobre o tráfico de bebês praticados por membros religiosos, em parceria com militares.

Por meio do contato com a repórter, a jovem bióloga toma conhecimento de que é fruto de um relacionamento extraconjugal entre seu pai e Maria do Rosário, uma jovem enfermeira e ex-militante, criada pelas madres do Orfanato e Casa Maternal São Vicente de Paula.

Além disso, a personagem descobre não só que a sua mãe biológica havia sido presa, torturada e morta pelos agentes da repressão, mas também que a sua avó materna, de nome Maria das Dores, havia sido abusada sexualmente por Felipe Mesquita, um agente colaborador da ditadura.

Desse estupro, essa mulher engravida e, assim que tem a criança, é forçada pelo seu agressor a deixar o bebê em um orfanato. Vejamos: “– Foi o patrãozinho que me forçou, o mais taludo deles o Felipe, a depois nem não quis saber do bebê. […] era para entregar pras madres” (KUCINSKI, 2020, p. 95-96).

Essa criança, a qual a mulher havia entregue no orfanato, era Maria do Rosário. Inclusive, na página final da narrativa, há um trecho bastante significativo que serve de pista para o leitor compreender a violência traumática e autoritária sofrida tanto por Júlia, por Maria do Rosário, quanto por Maria das Dores. Vejamos: “Em vez de encontrar a mãe, encontrou uma tragédia, que também era sua, que passava a ser sua. Uma tragédia atravessando três gerações” (KUCINSKI, 2020, p.181). A narrativa termina com a bióloga indo atrás de sua avó para contar- lhe que a filha por quem chorava tanto, tornara-se uma moça linda, inteligente, boa e que teve uma vida curta.

Através de uma linguagem simples e bastante cativante ao leitor, Kucinski aborda um passado que permanece com suas feridas abertas, pois ao trazer para o centro da narrativa uma jovem, em busca de sua história, o autor mostra-nos a necessidade de olharmos para esse passado, a fim de não só conhecê-lo, mas também de analisar criticamente a densidade simbólica da violência autoritária vivida pelas vítimas da ditadura e seus familiares, pois como bem afirma Gagnebin (2006, p. 47):

A rememoração também significa uma atenção precisa ao presente, em particular a estas estranhas ressurgências do passado no presente, pois não se trata somente de não se esquecer do passado, mas também de agir sobre o presente. A fidelidade ao passado, não sendo um fim em si, visa à transformação do presente.

Ao dialogar com a pensadora acima, percebe-se que o autor, ao resgatar esse passado traumático na narrativa em estudo, busca tirar do esquecimento fatos que se pretendeu não só silenciar, mas também apagar da nossa história, a fim de levar o leitor a refletir sobre a violência autoritária praticada àqueles que lutaram pela utopia de um país mais democrático.

À medida que Kucinski configura o horror perpetrado durante a ditadura em sua obra, também mostra que “[…] enquanto a sociedade não assimilar e superar inteiramente a dor do que viveu, suas perplexidades e fragilidades serão estendidas” (GINZSBURG, 2004, p. 56). Na narrativa em estudo, as marcas desse passado dolorido e violento atingem não somente os pais de Júlia e a sua avó Maria das Dores, mas também a própria personagem, pois ela é vítima de um “trauma sequencial3 ”, ou seja, a personagem carrega as cicatrizes provocadas por esse passado violento.

Outro ponto perceptível, na obra de Kucinski, é a naturalização da violência como um grave sintoma social. Isto porque, quando olhamos a história de Maria das Dores e de sua filha Maria do Rosário, percebemos que a impunidade das agressões sofridas por essas duas mulheres provoca “[…] uma sinistra escalada de práticas abusivas por parte dos poderes públicos, que deveriam proteger os cidadãos e garantir a paz” (KEHL, 2010, p. 124).

Enfim, Júlia: nos campos conflagrados do Senhor insere-se num conjunto de narrativas ficcionais que busca “[…] contestar o discurso oficial nunca totalmente desmentido e de impedir o apagamento coletivo com o qual órgãos oficiais pretenderam e ainda pretendem camuflar a história” (PEREIRA, 2020, p.123). Ao apontar para o dever de memória, o autor convida o leitor a (re)pensar sobre essa grande ferida histórica que ainda permanece aberta e impede de termos uma sociedade mais justa, democrática e menos violenta.

Nota

3 Trauma sequencial é “[…] uma experiência histórica de violência que não atinge apenas os que estão imediatamente vinculados a ela. Na mediada em que essa experiência não é superada, por vários caminhos mediados, suas marcas se prolongam para as gerações seguintes” (GINZSBURG, 2004, p.56-57).

Referências

BENJAMNIN, Walter. Rua de mão única. Obras escolhidas II. São Paulo: Brasiliense, 2000.

GAGNEBIN, James Marie. Lembrar escrever esquecer. São Paulo: Ed. 34, 2006.

GINZBURG, Jaime. Ditadura e estética do trauma: exílio e fantasmagoria. In: CORREIA, Francisco José Gomes; VIANA, Chico (Orgs.). O rosto escuro de Narciso: ensaios sobre literatura e melancolia. João Pessoa: Ideia, 2004.

KEHL, Maria Rita. Tortura e sintoma social. In: TELES, Edson; SAFATLE, Vladimir (Orgs.). O que resta da ditadura: a execução brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010.

KUCINSKI, Bernado. Júlia: nos campos conflagrados do Senhor. São Paulo: Alameda, 2020.

PEREIRA, Helena Bonito C. Exílio e deserção em Azul Corvo, de Adriana Lisboa. In: Narrativas brasileiras contemporâneas: memórias da repressão. GOMES, Gínia Maria (Org.). Porto Alegre: Polifonia, 2020.


Resenhistas

Francisca Luana Rolim Abrantes –  Doutoranda em Linguagem e Ensino pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Mestra em Linguagem e Ensino pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). E-mail: [email protected] Lattes: http://lattes.cnpq.br/2815636040264614

José Edilson de Amorim –  Professor Titular de Literatura Brasileira da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Doutor em Letras, área de Literatura, pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Mestre em Letras na mesma área de concentração. Atua no PPGLE/UFCG e desenvolve pesquisa sobre literatura e ditadura no Brasil. E-mail: [email protected]  Lattes: http://lattes.cnpq.br/6524195105007515


Referências desta Resenha

KUCINSKI, Bernardo. Júlia: nos campos conflagrados do Senhor. São Paulo: Alameda, 2020. Resenha de: ABRANTES, Francisca Luana Rolim; AMORIM, José Edilson de. Memória e ditadura em Júlia: nos campos conflagrados do senhor, de Bernardo Kucinski. Literatura, História e Memória. Cascavel , v. 18, n. 31, p. 415-418, 2022. Acessar publicação original [DR]

K.: relato de uma busca | Bernardo Kucinsk

A obra K. configura-se como trabalho histórico e memorialístico na medida em que expõe, denuncia e recupera o relato de dor e sofrimento2 do pai de Ana Rosa Kucinski Silva, desaparecida política brasileira. Durante o regime militar no Brasil (1964-1985), a agonia do pai e dos sobreviventes, vítimas da ditadura, intensificou-se com o silenciamento instaurado na sociedade, pelos detentores do poder, em relação ao paradeiro dos desaparecidos políticos. Nota-se que em 1974, ano em que ocorreu o desaparecimento de Ana Rosa e de seu marido, Wilson Silva, o regime ainda sentia os reflexos da concentração de poder nas mãos dos militares, fruto da instalação do Ato Institucional nº 5 (AI-5, de 13 de dezembro de 1968), que enrijeceu o sistema autoritário e levou vários dissidentes à morte.

Durante a ditadura, cidadãos que se opunham ao regime, como Ana Rosa Kucinski Silva e Wilson Silva, foram violentados, massacrados (expressão que carrega o sentido de humilhação)[3] e “desapareceram”. Para Bernardo Kucinski, trataram-se de crimes contra a humanidade, uma vez que, independentemente da posição política de esquerda comungada pelo casal – eram integrantes da Aliança Libertadora Nacional (ALN), que combateu o regime militar no Brasil –, os crimes contra a vida não se justificam, situação que se agrava ao avaliar a atrocidade dos acontecimentos e a existência, desde 1948, em âmbito internacional, da Declaração Universal dos Direitos Humanos [4].

As pistas e os vestígios [5] referentes ao casal e demais perseguidos políticos que compunham a organização clandestina de resistência ao regime foram destruídos pelos militares e por outros agentes, que endureceram o rigor do regime autoritário. Dessa forma, o jornalista Bernardo Kucinski, filho de Majer Kucinski e irmão de Ana Rosa Kucinski, utilizando-se da narrativa ficcional [6], oferece-nos a oportunidade de reconstruirmos o passado que se esconde pelas vias silenciosas das ações dos detentores do poder, que impuseram sua vontade através do apagamento dos rastros, de violências, atentados e humilhações contra a vida humana.

Além de militante política, Ana Rosa ocupou o cargo de professora doutora do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), onde cumpriu com suas funções de forma assídua até o dia 23 de abril de 1974, quando, segundo suas colegas de trabalho, ela não retornou à universidade. Wilson Silva, seu marido, era físico e trabalhava em uma empresa. Já seu pai, o senhor Majer Kucinski, foi resistente judeu na Polônia e se dedicou integralmente, no Brasil, ao iídiche [7].

Amparado neste enredo, o jornalista Bernardo Kucinski amarrou os fios que estabelecem a intriga por meio da vivência familiar e ocupou, dessa maneira, o papel de testemunha [8], mesmo vivendo grande parte da sua vida no exterior. O autor alerta: “Caro leitor: Tudo neste livro é invenção, mas quase tudo aconteceu” (p. 8), ou seja, a reunião das informações esfaceladas, seja através do registro sobre o caso de desaparecidos políticos encontrado nos arquivos do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), seja através do depoimento da escritora Maria Victoria Benevides – que rememora a aflição de Majer Kucinski na Comissão de Justiça e Paz, quando este estreitou laços de amizade com Dom Paulo Evaristo Arns –, ajuda-nos a situar este relato nos debates acerca da história, do trauma e da memória.

A tensão entre testemunho, denúncia, literatura, trauma e memória converge, no trabalho historiográfico, no labor com a realidade e a ficção. Na constituição da narrativa de Bernardo Kucinski, ao invés de se oporem, existe integração entre o par realidade e ficção [9], que se evidencia como um dos pontos centrais explorado no livro por meio dos sentimentos de agonia e dor alimentados por Majer na busca por sua filha. Indubitável que o livro, ao retratar o sofrimento angustiante de Majer Kucinski no resgate memorialístico de sua filha Ana Rosa (vinculada à história do regime militar no Brasil), vem assinalar um marco problematizador nos debates historiográficos referentes à ditadura brasileira, uma vez que revela uma atenção por parte de Bernardo em investigar as incertezas, o medo, a indignação, as mentiras e outras facetas decorrentes de regimes autoritários pela América Latina.

O desespero de Majer Kucinski diante do sumiço de sua filha, ao mesmo tempo que recupera sua singular trajetória de vida como militante político na Polônia, no pré-Holocausto – período em que foi reconhecido como prestigioso escritor do iídiche, com destaque para a literatura –, revela os meandros da política autoritária brasileira. Este sistema, regido especificamente pelo autoritarismo, guarda sua especificidade nacional diante de regimes totalitário-autoritários ocorridos na Itália e na Alemanha, na medida em que os militares, a mando dos detentores do poder no Brasil, desapareciam com as figuras oponentes ao regime sem deixar vestígios, tornando-as, portanto, desaparecidos políticos.

Além da incerteza do que realmente aconteceu com o casal, a experiência de dor visualizada no pai de Ana Rosa permite o paralelismo com os sentimentos de Primo Levi, sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz, na Segunda Guerra Mundial (1939- 1945) [10]. Se a preocupação sobre o paradeiro de Ana Rosa e Wilson Silva é central para o autor, o sofrimento do pai, dos irmãos, o vazio, a humilhação e “a supressão dos sentidos ordinários comuns da vida” (p. 186), escancarado pelas vias do silêncio e perpetrado em suas veias pelos detentores do poder, desabrocha nos sentimentos da nossa indignação e ira diante da ditadura militar no Brasil.

É, portanto, diante o retrato de sentimentos como a culpa, a impunidade, o trauma, alimentados pela família Kucinski devido o desaparecimento de Ana Rosa que, não podemos perder de vista o quanto a obra de Bernardo Kucinski se constitui como se Bernardo assumisse a voz do seu pai na narrativa de desaparecimento de Ana Rosa. Interessante que, neste aspecto, as contribuições de Sigmund Freud (1856-1939) vêm ao encontro da problemática deste livro. Porque, por meio da A Interpretação dos Sonhos (FREUD, 2001) apreende-se que o autor ao retratar acerca da “psicologia dos processos oníricos” e da “função dos sonhos – sonhos de angústia” descreve que “no inconsciente, nada pode ser encerrado, nada é passado ou está esquecido”. O que Freud quer explorar com essa passagem é que no estudo das histórias humanas “a via inconsciente de pensamentos que conduz à descarga no ataque histérico volta imediatamente a tornar-se transitável quando se acumula excitação suficiente”. E continua Freud, “uma humilhação experimentada trinta anos antes atua exatamente como uma nova humilhação ao longo desses trinta anos, assim que obtém acesso às fontes inconscientes de afeto” [11]. Nesse sentido, Bernardo Kucinski se constitui personagem paciente deste retrato apresentado por Freud. E, Kucinski, ao trazer suas inquietações a público por meio deste livro nos conduz automaticamente ao desdobramento de Freud, supracitado.

Por outro lado, foi possível notar ainda que a estrutura de K. é bastante sugestiva no que tange à maneira como vamos ler a obra, pois, diante de uma leitura rápida, é difícil encontrar uma linearidade que conduza a história de forma objetiva. O leitor desavisado só conseguirá configurar o enredo após a leitura do posfácio de Renato Lessa. Nesse sentido, percebe-se que Lessa se volta às problemáticas e considerações a respeito dos estudos sobre as vítimas do regime militar no Brasil, apresentadas também por Maria Victoria Benevides na orelha do livro, em que a autora analisa os usos da ficção e da literatura no escopo do discurso do autor.

Bernardo Kucinski traz informações sobre a chegada da sua família ao Brasil e enriquece o retrato sobre a vida de Majer e Ana Rosa Kucinski Silva. Além de usar a letra K, sugerindo correlação com a trajetória de vida do escritor Franz Kafka (1883-1924) – escritor tcheco, que sofreu por ser judeu; escreveu para revistas literárias e mantinha grande simpatia pelo socialismo e sionismo –, Bernardo evidencia a perseguição política que Majer Kucinski sofreu na Polônia, sendo obrigado a fugir para o Brasil em 1935. Por escrever em iídiche, passou a ser reconhecido pelos judeus do bairro de Bom Retiro, em São Paulo. Além disso, escreveu em jornais de São Paulo, Buenos Aires e Nova Iorque. Logo, angariou um sócio com grande capital para abrir uma loja de tecidos.

Como alguém que carrega um trauma do que viveu [12], Majer não contou aos filhos a dor que sofreu no passado para não influenciar a formação psíquica e ética deles. Majer Kucinski tinha 30 anos quando foi arrastado pelas ruas de Wloclawek, uma pequena cidade polonesa, onde se deu o primeiro massacre organizado da população judaica pelas tropas alemãs na invasão da Polônia. Neste episódio, em que sua irmã mais nova morreu sua outra irmã, mais velha, Guita – militante de esquerda que ajudou a fundar o Linke Poalei Tzion (Partido dos Trabalhadores de Sion de Esquerda) –, foi presa e veio a falecer de frio. Já a mãe de Ana Rosa Kucinski, Ester, perdeu toda sua família. Ester veio para o Brasil um ano depois da chegada do marido. Ela desenvolveu câncer no seio direito na mesma época em que engravidou de Ana Rosa, que nasceu em 1942. A mãe de Ana Rosa veio a falecer, e Majer casou-se com sua segunda mulher. Porém, reclamava desta devido à vida pacata que levava, uma vez que sempre foi um homem ativo na sociedade.

Bernardo retrata a agonia de Majer diante das pistas incertas e seu cansaço ao seguir as indicações de informantes – dentre eles, o decorador de vitrines (Caio), o dono da padaria (o português Amadeu) e o farmacêutico (reconhecido como excelente informante dos judeus em São Paulo, que indicou a Majer um rabino em São Paulo e um dirigente da comunidade no Rio de Janeiro que mantinham contatos com os generais). Em busca de respostas, Majer viajou para Nova York ao escritório American Jewish Committee – ambiente que o recebera no passado para lhe conceder o prêmio pelo poema “Haguibor”, publicado na revista Tzukunft (revista literária iídiche publicada em Nova York). Foi a Londres, na Anistia Internacional, e antes esteve em Genebra, onde apelou à Cruz Vermelha. Bernardo Kucinski retrata o desgosto de Majer com a Comissão de Direitos Humanos, que rejeitou sua petição. Por fim, todas as buscas foram em vão. Ademais, muitas pessoas que Majer procurou não lhe ajudaram por medo do sistema, que perseguia pessoas e desaparecia com os opositores ao regime sem deixar rastros.

A insistência de Majer na busca por Ana Rosa levou-o a descobrir a vida clandestina da filha tanto em relação à política como em relação a sua própria família, já que, procurando protegê-los, Ana Rosa omitiu diversos fatos de sua vida, como o casamento com Wilson Silva. Sua luta política foi cultivada no anonimato e, com o casamento, Ana Rosa aproximouse ainda mais do marido, que mantinha maior vínculo com as ideologias incentivadas pelos grupos de esquerda no Brasil.

O desespero de Majer intensificou-se ao tomar conhecimento de outras famílias que procuravam por seus desaparecidos. Muitos queriam apenas enterrar seus mortos, uma vez que o tempo dera provas de que já não havia mais esperanças. Dessa maneira, o que se pode notar é que Majer estava ante uma especificidade do Estado autoritário brasileiro, que conseguia escamotear, acabar com as pistas, vestígios, rastros que levassem aos autores dos crimes encomendados.

A forma com que os militares desapareciam com os corpos no Brasil é comparada por Bernardo ao que fizeram os nazistas com seus prisioneiros: antes de serem reduzidos a cinzas, era dado baixa do número que cada um tinha tatuado no braço num livro. Depois, eram enterrados em vala comum. Dessa forma, era possível saber que os judeus e as vítimas de outra ordem se encontravam enterrados em determinado local. Já no Brasil, como Bernardo afirma, o luto referente às vítimas da ditadura continua em aberto devido à ausência e ao sumiço dos cadáveres. Neste encalço e na suposição de que este assunto ainda deva atormentar os sonhos de Bernardo Kucinski vale atentarmo-nos ao que Freud nos assegura “a interpretação dos sonhos é a via real para o conhecimento das atividades inconscientes da mente” [13]. Ou seja, por meio das dúvidas e “certezas” que cercearam os sonhos e a mente de Majer, estes, agora, passaram a atormentar os sonhos e mente de Bernardo. Nesse sentido, o ato do sepultamento tanto para Bernardo quanto às famílias vítimas de narrativas de mesma natureza simboliza o fim do trabalho de dor e luto pelo desaparecido político.

Outra análise motivada por Bernardo Kucinski é: diante dos acontecimentos com sua irmã e seu pai, como ficam os torturadores em relação às manifestações de sobreviventes e presos políticos, como o “dossiê das torturas” e o “relatório prometido à Anistia Internacional”, citados no livro? Se, para ele, a punição aos mentores dos crimes está longe de se tornar realidade, em contrapartida, ela ainda persiste em relação às vítimas. Este assunto remete aos debates e catalogações dos historiadores e se vincula aos estudos sobre os crimes cometidos contra a humanidade [14], em que se configuram atrocidades inimagináveis quanto à vida humana.

Se, por um lado, o livro de Bernardo denuncia a realidade cruel sofrida por seu pai, por outro, tece pontos estratégicos ao retratar como funcionou o sistema político no Brasil, que desapareceu com as pessoas sem deixar vestígios, humilhando-as e levando-as à morte. Nos capítulos “A Cadela” e “A Abertura”, os diálogos sugeridos por Bernardo entre os mandantes do governo e os sujeitos nomeados pelo autor como Lima, Mineirinho, Fogaça e Fleury revelam a tortura psicológica que as vítimas sofreram ante a instauração do silêncio e das informações falsas concedidas por estes mesmos sujeitos acerca dos desaparecidos políticos. O governo, através de um aparelho de Estado repressor que tudo sabia e que constantemente estreitava contatos de fidelidade com pessoas dentro e fora do país para enrijecer o sistema, tentou a todo custo despistar, cansar, manipular e mentir aos familiares sobre o paradeiro de seus desaparecidos. Dessa maneira, Bernardo realizou um trabalho notável ao explorar as vias enigmáticas em que se instaurou o sistema autoritário brasileiro, que conseguiu levar Majer à exaustão, uma vez que seus movimentos foram monitorados por agentes do governo, desviando-o de seu objetivo: encontrar a filha, ainda que morta.

Um dos pontos auges do livro encontra-se no capítulo “A Terapia”. Neste, Bernardo, utilizando-se do relato da personagem Jesuína Gonzaga, expõe os bastidores de uma casa em Petrópolis [15], no Rio de Janeiro, onde um dos chefes de comando do regime militar, o suposto Sérgio Paranhos Fleury, vinha de São Paulo para comandar e realizar torturas psicológicas, físicas e massacrar, de fato, os opositores ao regime. Fleury era reconhecido pela terapeuta do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e pelos demais como “o Fleury do esquadrão da morte”. Segundo Jesuína, nesta casa havia uma espécie de garagem ou depósito que ela só pôde conhecer quando esteve sozinha no local. As atrocidades reveladas por testemunhas oculares [16] como Jesuína, mesmo que de forma fragmentada, colocam em evidência os horrores a que as vítimas diretas do regime foram sujeitadas. Jesuína, por exemplo, por não suportar conviver com aquela realidade, procurou o INSS para realizar um tratamento psicológico, além de fazer uso de pílulas para dormir. Neste capítulo, Bernardo escancarou a realidade do local onde ocorria a carnificina e o esquartejamento dos corpos que, posteriormente, eram levados em sacos de lonas bem amarrados para lugares até hoje desconhecidos.

Bernardo, ao relatar o encontro de Majer com o arcebispo de São Paulo, solidário às famílias que buscavam por seus desaparecidos políticos, revelou a incapacidade do pai em relatar coerentemente o acontecido. Ainda que Majer Kucinski fosse contrário ao catolicismo no passado, naquele momento tentou preencher o vazio com notícias que talvez o arcebispo poderia lhe conceder sobre a filha e o genro. É indubitável que a supressão de provas tornou a busca de Majer ainda mais dolorida, pois, diferente da Polônia – onde a família do preso era notificada, podia visitá-lo, e os presos tinham direito à defesa –, no Brasil os corpos simplesmente desapareciam.

O livro K., através de sua narrativa ficcional, procura compreender o papel de sobreviventes ante acontecimentos estarrecedores, como foi o caso da invasão na Polônia, em que Majer perdeu suas duas irmãs, e sua primeira mulher, toda a família. Conforme retratado anteriormente, Majer não relembrou esses episódios aos filhos para evitar causar-lhes mal no período em que estavam construindo suas vidas, além disso a lembrança provocava-lhe malestar. Por meio de estudos acerca do trauma nota-se que o sobrevivente procura viver o presente tentando se recuperar do trauma do passado. Dessa forma, o passado vivia adormecido na vida de Majer Kucinski até o momento em que sua vida no Brasil fê-lo vítima das atrocidades do regime militar. Nesse sentido, é importante observar que o livro de Bernardo apresenta problemáticas quanto ao estudo de passados traumáticos [17], por exemplo, em relação ao sobrevivente que, além de carregar o mal do passado, sente-se culpado e tornase vítima de um sistema que imputa a ele a responsabilidade psicológica de não ter oferecido o amor necessário à filha, como retrata Bernardo na obra ao afirmar que os sobreviventes sempre vasculham o passado “em busca daquele momento em que poderiam ter evitado a tragédia e por algum motivo falharam” (p. 168). Ou seja, a culpa alimentada através da dúvida e das incertezas impostas pelo sistema permanece dentro de cada sobrevivente como um drama pessoal e familiar, que foge da ordem coletiva. Dessa forma, a dor psicológica e a culpa instalam-se.

Bernardo deixa explícito o poder de imposição do sistema ao final da obra, no “Post Scriptum” de 31 de dezembro de 2010, quando toma como referência um telefonema que recebeu em que uma voz originária de Florianópolis-SC relatou que, numa viagem ao Canadá, uma pessoa de nome Ana Rosa Kucinski Silva se apresentou a ela. Bernardo não retomou contato com a pessoa do telefonema porque acredita que o sistema repressivo continua articulado. Ou seja, segundo Bernardo, essa ação é fruto de uma reação referente a um vídeo gravado por uma atriz brasileira convidada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para personificar o desaparecimento de Ana Rosa. Nesse sentido, a obra K. contribui de forma categórica à problemática em que se circunscrevem as vítimas diretas e os sobreviventes do regime militar no Brasil, conduzindo esse problema aos debates acerca da história, do trauma e da memória e contribuindo decisivamente com estudos de passados traumáticos.

Bernardo estimula-nos ao imaginário individual e de ordem coletiva que funciona como via de regra na constituição dos fatos. Assim como o luto continua em aberto, uma vez que não foi possível oferecer às vítimas uma lápide devido à ausência dos corpos, esta mesma ausência causa transtornos aos familiares dos desaparecidos políticos, que ainda buscam por certezas e justiça para seus entes, baseados nos debates constantes acerca da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em desacordo com os crimes de qualquer natureza cometidos contra a humanidade. No encalço dessas problematizações cabe ainda salientarmos a importância dos debates no Brasil acerca da temática “Justiça de Transição”. Este é um assunto que tem ganhado espaço nos debates acadêmicos devido aos “conceitos de legados autoritários, justiça transicional e política do passado como são hoje aplicados e analisa também as formas de justiça transicional que estavam presentes durante os processos de democratização na Europa do Sul” [18].

Por fim, o livro resenhado atribui aos pesquisadores e intelectuais de um modo geral a tarefa de investigar pistas, rastros e vestígios em busca de respostas sobre esse passado traumático que sucumbiu com a vida de pessoas como a de Majer Kucinski – pelos tormentos da culpa, do trauma e da morte causados pelo cansaço e exaustão ao procurar sua filha – e de Ana Rosa Kucinski Silva, que até agora continua sem um túmulo, sem uma lápide que a insira num tempo que contabilize seu nascimento e morte, pois, conforme os judeus, “Sem corpo não há rito, não há nada”.

Notas

2. É importante deixar claro que o livro de Bernardo Kucinski se situa no âmbito das discussões teóricas da egiptóloga Aleida Assmann, a qual, por meio do livro Espaços da recordação: formas e transformações da memória cultural (ASSMANN, 2011), nos oferece a oportunidade de analisar que o resgate da memória traumática, referente a acontecimentos do nosso passado recente, nos remete a posicionarmos contra as catástrofes, atrocidades dos eventos traumáticos. Um dos exemplos chave que podemos apontar nesta abordagem, o Holocausto.

3. Conferir o texto do historiador Edgar Salvadori de Decca A humilhação: ação ou sentimento? (MARSON; NAXARA, 2005). Nesse texto, Decca contribui sobre o que é humilhação. Segundo o autor, diante de várias características que a palavra carrega, a humilhação é o processo em que a “vítima é forçada à passividade, sem ação e sem socorro” (p. 108).

4. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração Universal dos Direitos Humanos, 10 dez 1948. Disponível em . Acesso em: 30 out. 2015.

5. Vale lembrar que, para o historiador Carlo Ginzburg as pistas e vestígios do passado são fundamentais ao historiador no processo investigativo de determinado acontecimento histórico. Dessa maneira, através deste pressuposto, reconhecido como “paradigma indiciário” é que, também, podemos ler as lacunas e os silêncios que muito nos contribuem sobre aquele objeto de estudo e o tempo em que ele está imerso. Conferir: Sinais: Raízes de um paradigma indiciário (GINZBURG, 1989, pp. 143-179).

6. Nesse sentido, Hayden White expõe a problemática de que o historiador em seu processo de escrita, onde a leitura das fontes se apresenta como norteadora, deve se utilizar da sutileza e da herança cultural literária que ele carrega, oferecendo, portanto, um sentido específico ao que objetiva narrar. Dessa forma, para White essa ação é uma “operação literária e criadora de ficção”. Consultar: O texto histórico como artefato literário (WHITE, 1994, p.104).

7. “O iídiche é falado pelos judeus da Europa Oriental e teve seu apogeu no início do século XX, quando se consolidou sua literatura; sofreu rápido declínio devido ao Holocausto e à adoção do hebraico pelos fundadores do Estado de Israel” (p. 13).

8. É importante considerar neste contexto que para Paul Ricouer o testemunho se configura como elemento muito importante para que o historiador possa resgatar o passado. Conferir: O testemunho (RICOUER, 2007, p.170).

9. O historiador italiano Carlo Ginzburg argumenta que a relação entre narrações ficcionais e narrações históricas “devia ser enfrentada da maneira mais concreta possível”. Ou seja, nota-se que tanto para Hayden White quanto para Carlo Ginzburg as duas formas de narrativas são fundamentais em nossa operação historiográfica. Conferir o livro O fio e os rastros: verdadeiro, falso, fictício (GINZBURG, 2007, p.12).

10. Consultar: É isto um homem? (LEVI, 2000).

11. Cabe salientarmos que para melhor apreensão acerca deste assunto é preciso consultar a obra: A interpretação dos Sonhos (FREUD, 2001, p.554).

12. É interessante notar que os estudos do historiador Dominick LaCapra sobre trauma são bastante sugestivos justamente ao enfoque que ele dá aos traumas de pessoas que testemunharam eventos históricos estarrecedores. Observa-se que as vítimas sentem-se como sua linguagem ficara comprometida devido aos efeitos psicológicos. Pois as testemunhas oculares de eventos limites carregam imagens do ocorrido e que vem a lhe causar tormentos constantes diante das cenas que lhes vem à memória. Conferir: Writing History, Writing Trauma (LACAPRA, 2001).

13. Consultar a obra: A interpretação dos Sonhos (FREUD, 2001, p.581).

14. O historiador Francês Pierre Nora à frente da Associação Liberdade para a História na França tem chamado a atenção acerca da liberdade dos historiadores em representar os crimes cometidos contra a humanidade. Pois essa assertiva vai à contramão de políticas públicas que muitas vezes procuram através de leis e ações políticas salvaguardar o retrato desses acontecimentos à luz de interesses políticos ou de natureza particular. Conferir o livro: Liberté pour l’histoire (NORA, 2008).

15. Vale lembrar que a esta altura do livro, Bernardo Kucinski, ao referir-se à uma casa em Petrópolis ele faz alusão à existência da Casa da Morte em Petrópolis no Rio de Janeiro para onde foram levados os presos políticos e lá, massacrados.

16. A abordagem da historiadora argentina Maria Ines Mudrovcic acerca de testemunhas oculares se faz bastante pertinente nesta resenha no que concerne à abordagem referente à dor psicológica causada no indivíduo que testemunhara a um evento limite. Segundo Mudrovcic, testemunha ocular é todo indivíduo que vê o que acontece diante os seus olhos, portanto, no caso de Jesuína, ela testemunhara os horrores à sua frente. Logo, essas experiências desencadearam com o tempo, trauma. Conferir: El debate em torno a la representación de acontecimientos límites del pasado reciente: alcances del testimonio como fuente (MUDROVCIC, 2007, pp. 127-150).

17. Os estudos do literato Márcio Seligmann-Silva vem a calhar com questões acerca de passado traumáticos assim como os trabalhos da historiadora Maria Ines Mudrovcic. As expressões eventos limites, trauma, literatura, ficção, história e memória são bastante recorrentes nas obras de Seligmann-Silva, dentre elas, consultar: A História como Trauma (SELIGMANN-SILVA, 2000, p.78).

18. Consultar: O Passado que não Passa: A sombra das Ditaduras na Europa do Sul e na América Latina (COSTA; MARTINHO, 2012, p.5).

Referências

ASSMANN, Aleida. Espaços da recordação: formas e transformações da memória cultural. Trad. de Paulo Soethe. Campinas: Editora da UNICAMP, 2011.

MARSON, Izabel; NAXARA, Márcia (org.). Sobre a humilhação: sentimentos, gestos, palavras. Uberlândia: EDUFU, 2005.

COSTA, António Pinto; MARTINHO, Francisco Carlos Palomantes. O Passado que não Passa: A sombra das Ditaduras na Europa do Sul e na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

DECCA, Edgar Salvadori de. A humilhação: ação ou sentimento? In: MARSON, Izabel; NAXARA, Márcia (Org.). Sobre a humilhação: sentimentos, gestos, palavras. Uberlândia: EDUFU, 2005.

FREUD, Sigmund. A interpretação dos Sonhos. Trad. De Walderedo Ismael de Oliveira. Rio de Janeiro: Imago, 2001.

GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais. Trad. de Frederico Carotti. 2ª ed. São Paulo: Companhia das letras, 1989.

_________________. O fio e os rastros: verdadeiro, falso, fictício. Trad. de Rosa Freire d’ Aguiar e Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

LACAPRA, Dominick. Writing History, Writing Trauma. Baltimore: The Johns Hopkins Universty Press, 2001. LEVI, Primo. É isto um homem? Trad. de Luigi Del Re. 3ª ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

MALERBA, Jurandir (org.). A história escrita: teoria e história da historiografia. São Paulo: Contexto, 2006.

MUDROVCIC, María Inés (editora). Pasados em conflicto: Representación, mito y memoria. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2009.

MUDROVCIC, María Inés. El debate em torno a la representación de acontecimientos límites del pasado reciente: alcances del testimonio como fuente. Diánoia. México, v.52, n 59, pp. 127-150, 2007.

NORA, Pierre; CHANDERNAGOR, Françoise. Liberté pour l’histoire. Paris: CNRS Éditions, 2008.

RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Trad. de Alain François. Campinas: Editora da UNICAMP, 2007.

SELIGMANN-SILVA, Márcio. (orgs.). Catástrofes e representação. São Paulo: Escuta, 2000.

WHITE, Hayden. Trópicos do discurso: ensaios sobre a crítica da cultura. Trad. de Alípio Correia de Franca Neto. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994

Varlei da Silva1 – Mestrando em História pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Bolsista do CNPq. E-mail: [email protected]


KUCINSKI, Bernardo. K.: relato de uma busca. São Paulo: Cosac Naify, 2014. Resenha de: SILVA, Varlei da. As lacunas e os silêncios de uma busca que não terminou. Aedos. Porto Alegre, v.9, n.20, p.595-605, ago., 2017. Acessar publicação original [DR]

K. | Bernardo Kucinski

Uma ficção que preenche as lacunas que a História oficial recusa-se a contar e, ao mesmo tempo, rompe “a muralha de silêncio” (para usar as palavras do Bernardo Kucinski) que ainda está erguida ao redor deste trecho da História brasileira. O livro K. se esforça por re-contar a História da ditadura militar brasileira a partir da visão dos vencidos.

Na introdução, o escritor nos alerta: é um livro de ficção, embora quase tudo tenha realmente acontecido. Após 40 anos do desaparecimento de A. (é apenas a inicial que aparece no livro), a família conseguiu reconstruir um quebra-cabeça cheio de falhas sobre esta história ainda proibida. Sabe-se que ela foi presa pelo Estado, talvez torturada, morta e, seu corpo, foi desaparecido. O esforço de K. (o livro e o personagem) é recriar o “como”. A ficção que busca dar conta do que o real se nega a contar. Leia Mais