Revistas em revista – imprensa e práticas culturais em tempos de República, São Paulo (1890-1922) | Ana Luíza Martins

A utilização de jornais e revistas como fontes no trabalho de pesquisa é algo corriqueiro no fazer historiográfico. Vez por outra recorremos a eles para verificar dados, analisar discursos, relacionar idéias dominantes de um período ou personagem que buscamos conhecer. Poucas vezes, no entanto, vemos esses veículos de comunicação no centro da cena. A busca dos significados de sua criação e dos detalhes de suas relações com a cultura e sociedade da época não é tratada com o rigor necessário, sendo subdimensionada na pesquisa.

A historiadora Ana Luíza Martins resolveu inverter essa lógica. Centrando foco na imprensa periódica das quatro primeiras décadas da República, através do estudo específico das revistas, a pesquisadora acabou compondo um verdadeiro painel da cultura e dos meios literários e jornalísticos paulistanos entre os anos de 1890 e 1922. O resultado pode ser conferido em Revistas em revista – imprensa e práticas culturais em tempos de República, São Paulo (1890-1922), produto de sua tese de doutorado na USP. Leia Mais

Intelectuais Mediadores: práticas culturais e ação política – GOMES; HANSEN (RTA)

GOMES, Angela de Castro; HANSEN, Patricia Santos (Orgs.). Intelectuais Mediadores: práticas culturais e ação política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016. 488p. Resenha de: SANTOS, Márcia Regina dos. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v.8, n.19, p.374-379, set./dez., 2016.

A obra Intelectuais Mediadores: práticas culturais e ação política, organizada pelas historiadoras Angela de Castro Gomes e Patricia Santos Hansen reuniu um total de quatorze autores, os quais se dedicaram a ampliar o debate sobre as questões que tratam das práticas culturais protagonizadas por sujeitos históricos identificados como intelectuais. Angela de Castro Gomes, graduada em História pela Universidade Federal Fluminense (1969), Mestra e Doutora em Ciência Política (Ciência Política e Sociologia) pela Sociedade Brasileira de Instrução (SBI/IUPERJ-1987), constituiu-se uma importante referência com pesquisas nos temas de história política do Brasil República, história de intelectuais, cidadania e direitos do trabalho, Justiça do Trabalho, historiografia, memória e ensino de história. É o seu quinquagésimo livro entre publicações, organizações e edições e, foi organizado em parceria com a também historiadora Patricia Santos Hansen, graduada em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio, 1998), Mestra em História Social da Cultura pela mesma instituição (2000) e Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (FFLCH-USP, 2007). O livro apresenta uma proposta de refinamento teórico, o qual visa a debater as operações culturais que foram multiplicando e diversificando as formas de disseminar conhecimentos e a mediação cultural que ocorre por diversos meios, sujeitos e escalas. Num movimento de ampliar a significação do intelectual contemporâneo, a autora denomina-os como “homens da produção de conhecimento e comunicação de ideias, direta ou indiretamente vinculados à intervenção político-social” (p. 10). Dessa forma, oferece estudos desenvolvidos na mesma direção, a qual problematiza e debate a ação de alguns homens e mulheres como mediadores culturais.

Os artigos que compõem a obra estão organizados em três partes. A primeira parte do livro, nomeada de Trajetórias e projetos, agrupou textos sob a perspectiva da ação de intelectuais no âmbito da tradução e edição, bem como, os percursos por eles realizados num processo de disseminação de livros e textos. O artigo de Kaomi Kodama delineia o campo de atuação do ator social, o qual compreendeu como “vulgarizador” (p. 42), a partir das traduções da obra de Louis Figuier que circularam no Brasil. A ideia de mediação estava focada em apresentar as novidades científicas para um público não especializado com objetivo de educar pela ciência. A autora Patrícia Tavares Raffaini  utilizou dois livros franceses para crianças no intuito de abordar a questão das traduções e a dimensão das escolhas editoriais. Nesse sentido, editores e tradutores atuam na construção de imaginários sociais oferecendo aos leitores as suas escolhas, projetando produções de sentidos. O artigo de Ângela de Castro Gomes apresenta a mediação entrecruzada por um projeto literário de intercâmbio luso-brasileiro infantil promovido pela autora/editora lusa Ana de Castro Osório. Por meio de obras que têm personagens viajantes que vivenciam a cultura do outro, a autora/editora investe seus esforços em projetos que poderiam ser nomeados de mediação cultural transnacional.

No âmbito educacional, evidenciando uma dimensão política na mediação cultural, a autora Gabriela Pellegrino Soares debate a atuação de professores em diferentes regiões do Vice-Reino da Nova Espanha (hoje, região do México), no sentido de que disseminaram ferramentas culturais – e também políticas – as quais contribuíram nos sentidos e práticas da participação camponesa na Revolução Mexicana, deflagrada em 1910. Diferentemente do olhar coletivo sobre uma classe de intelectuais, o autor Joaquim Pintassilgo estudou o percurso biográfico de Orbelino Geraldes Ferreira e a sua relação com o estabelecimento de uma vertente pedagógica chamada “escola ativa” (p. 148), em Portugal, durante o regime salazarista. Os dois últimos artigos dialogam no sentido de discutirem diferentes escalas de mediação, em diferentes lugares sociais. No primeiro caso, a mediação promovida na região rural, com materiais distribuídos para o letramento de populações com dificuldades de recursos e, no segundo caso, a mediação promovida a partir de cargos docentes que possibilitaram a produção de livros e a disseminação de ideias. No entanto, ambos ocorrem em situações adversas, nas quais os mediadores oscilaram entre promover a ilustração e não se expor às austeridades políticas do período.

A segunda parte da obra nomeada Lugares e mídias aborda a ação dos intelectuais mediadores por meio dos suportes de divulgação utilizados. O artigo de Ana Paula Sampaio Caldeira discutiu a atuação de Benjamin Franklin Ramiz, quando esteve à frente da Biblioteca Nacional, na concretização do projeto editorial dos Anais da Biblioteca Nacional. Num esforço de inserir a Biblioteca nas práticas internacionais de circulação e divulgação cultural, Ramiz mobilizou outros intelectuais da época para contribuir nas diversas edições dos Anais durante a sua gestão. A autora chama a atenção para a ausência de Capistrano de Abreu – funcionário da Biblioteca Nacional à época – nas edições organizadas por Ramiz, uma vez que, Capistrano de Abreu se tornaria uma referência como intelectual de sua geração. O artigo de Eliana Dutra discutiu os contextos de mediação intelectual. Nesse sentido, abordou o caráter transnacional e transcultural da mediação por meio da circulação das revistas elaboradas para disseminar entre os países o que era produzido. Foram analisadas revistas do Brasil, Argentina e França para pensar uma possível triangulação de produções literárias que, por conseguinte, divulgavam concepções identitárias. O artigo de Francisco Palomanes Martinho tratou da mediação na questão dos discursos disseminados pela revista antiliberal e antidemocrática intitulada “Ordem Nova”. Os redatores da revista, em especial Marcello Caetano apoiavam um retorno monárquico às vésperas do golpe de Estado que mergulharia Portugal num período ditatorial. Revisitando teorias e acontecimentos históricos que se reportavam aos primórdios do liberalismo, os redatores elaboravam uma mediação político-cultural, com vistas a fortalecer sua ideologia antidemocrática. Sob a perspectiva da mediação pela oralidade, o artigo de Giovane José da Silva analisa os scripts dos programas de “Metodologia da História do Brasil” do projeto “Universidade no Ar”, escritos e narrados por Jonathas Serrano. Nesse contexto, ainda que a mediação ocorresse pela oralidade transmitida pelo rádio, foi privilegiada a perenidade do suporte escrito utilizando o envio de materiais aos inscritos na formação por meio do sistema de correios, configurando assim, um aprendizado específico, mesclado por narrativas orais e escritas.

Na terceira e última parte da obra, nomeada Leituras e ressonâncias, o conjunto de textos tem como foco as apropriações, releituras e aproximações feitas acerca de obras, autores e veículos de comunicação em relação às conjunturas vigentes em tempos e espaços demarcados. O artigo de Mara Cristina de Matos Rodrigues problematiza a noção de intelectual mediador a partir da articulação entre criação e mediação intelectual na trajetória de Érico Veríssimo. A autora discute os múltiplos tempos e lugares experienciados pelo autor, os quais lhe conferiram atuação tanto na mediação de conhecimentos históricos para um público infantil escolar, no diálogo cultural transnacional a partir de sua estada nos EUA, quanto na criação de uma literatura com “uma sofisticada arquitetura temporal” (p. 347) como a obra de sua maturidade O tempo e o vento. A autora elucida o trânsito possível inscrito na condição de intelectual e infere sobre a ampliação do entendimento de mediação. O artigo de Luciano Mendes de Faria Filho aborda a problemática da elaboração dos prefácios para obras já escritas e como as redes de sociabilidades podem interferir na produção de sentidos. O projeto em questão se refere à publicação das obras completas de Rui Barbosa. A sociabilidade do responsável pelo projeto editorial – Gustavo Capanema – mobilizou intelectuais que corroborassem com a política da publicação, incidindo sobre a forma como a obra foi prefaciada e os direcionamentos da leitura. Esse tipo de mediação intelectual tem, inclusive, argumentos para descaracterizar o próprio conteúdo da obra, uma vez que, os prefácios funcionam como protocolos de leitura. Nessa mesma clave, o artigo de Patricia Santos Hansen aborda a edição da obra A defesa nacional em comemoração ao centenário de seu autor, Olavo Bilac. A autora debate a problemática da apropriação dos escritos numa perspectiva de atender demandas políticas posteriores à publicação em, pelo menos, meio século. Da mesma forma, é possível perceber uma subversão narrativa na mediação entre diferentes culturas políticas.

Os dois últimos artigos são convergentes na questão da identificação de sujeitos históricos como intelectuais. O artigo de Giselle Martins Venâncio destaca as tensões da “fundação de uma prática historiográfica dita moderna” (p. 437) por meio da análise da mediação intelectual elaborada no âmbito das publicações de coleções e revistas científicas que se mobilizaram em notabilizar uma historiografia nacional. Nesse sentido, a autora aponta a emergência de nomes e grupos que estabilizaram como referenciais ao passo que outros, permaneceram invisibilizados. Por fim, a historiadora Libânia Nacif Xavier propõe em seu artigo a construção de “interfaces entre a história da educação e a história social e política dos intelectuais” (p. 464). Num diálogo acerca dos conceitos de redes de sociabilidade, trajetórias intelectuais e geração, a autora problematiza o lugar dos sujeitos classificados como intelectuais e a sua atuação na mediação. Num esforço teórico de ampliar o entendimento do conceito de intelectuais mediadores como categoria de análise nas pesquisas, a autora infere sobre a necessidade de construir uma sensibilidade para que o historiador, ao munir-se de fontes, conceitos e pesquisas, priorize as escolhas que melhor contribuam para os seus objetivos. E, nesse sentido, compreender e visibilizar os homens e mulheres que atuaram na produção e disseminação cultural do país e do mundo.

Márcia Regina dos Santos – Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina. Brasil. E-mail: [email protected]

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Cidades da mineração: memória e práticas culturais: Mato Grosso na primeira metade do século XX – GUIMARÃES NETO (RBH)

GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz. Cidades da mineração: memória e práticas culturais: Mato Grosso na primeira metade do século XX. Cuiabá: Editora da UFMT; Carlini & Caniato Editorial, 2006. 272p. Resenha de: RODRIGUES, Antonio Edmilson Martins. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.28 n.55  jan./jun. 2008.

Alguns encargos constituem fardos pesados e são resolvidos com má vontade; outros são tão prazerosos que gostaríamos de prolongá-los. Bom exemplo deste segundo caso é a leitura de Cidades da mineração, de Regina Beatriz Guimarães Neto. Construído inicialmente como tese de doutorado, o livro se destaca por ampliar os horizontes e o quadro de reflexões sobre a modernidade brasileira para fora do eixo que comumente os historiadores e cientistas sociais tomam como exemplaridade desse processo de mudanças. A escolha de Mato Grosso como tema de estudo sobre a expansão da urbanização no Centro-Oeste é instigante porque parte das referências teóricas comuns aos estudos da modernidade no Sudeste e, de saída, estabelece com eles um diálogo crítico que alcança o modo pelo qual até agora vem sendo tratada a questão da modernização no Brasil. O diálogo proposto aponta para a periodização que solicita de todas as áreas brasileiras os mesmos elementos para dar-lhes a condição de progresso. Regina Beatriz é dura nas suas críticas ao processo de exclusão de regiões desse horizonte de desenvolvimento.

Para dar ao diálogo crítico maior corpo, transforma o seu estudo em uma busca incessante de compreensão do que estaria para além das estruturas econômicas, sempre apresentadas como elemento definidor da inclusão, ou não, de regiões. Avança introduzindo na análise os elementos culturais, vistos da perspectiva da diversidade de contatos e entendidos como formalizadores de novos traços culturais capazes de dar identidade à região, considerada freqüentemente como uma região de passagem. Disso resulta uma contribuição significativa para os estudos culturais, por sua heterogeneidade, e abre-se caminho para que o trabalho possa ser integrado aos estudos sobre expansão de fronteiras, com a singularidade de colocar em jogo as referências da vida, o movimento dos sentimentos e a genealogia da conquista.

É nesse ponto que o livro de Regina Beatriz se mostra mais audacioso. Revela, na linha de Euclides da Cunha, em Os sertões, como a poeira possui traços que podem servir de rastros para a compreensão da realidade.

Mas o desbravamento realizado pela autora vai além e constitui uma das apostas interessantes numa área, ainda desértica, que é a dos estudos de frentes de expansão do Brasil central. Se isso não bastasse, ainda nos oferece outra lição sobre a utilização de fontes produzidas pela metodologia da história oral. A autora nos fornece elementos que, de um lado, nos ajudam a compreender as linhas de ponta dessa metodologia e, de outro, mostram exemplarmente como devemos trabalhar as memórias para que o resultado não seja apenas uma narrativa que tenta atar pontos comuns entre aqueles que falam. Temos aí um instrumento de produção de uma história singular das conquistas e da ocupação do espaço, e seus resultados, combinados com as leituras teóricas — que vão de Deleuze a Ginzburg —, oferecem um ‘desenho’ do Centro-Oeste. Desenho esse que ultrapassa as formas de simplificação explicativa oferecidas pelas interpretações tradicionais da região.

Com isso, a autora inclui o Centro-Oeste em uma discussão que elimina a sua condição de apêndice de uma economia maior, complemento ou periferia de transformações históricas que construíram a nação brasileira. Nesse sentido, as reflexões contidas no livro auxiliam no entendimento das variadas formas e projetos que estiveram presentes no processo de institucionalização do nacional no Brasil.

Outro ponto de destaque é a forma da narrativa adotada por Regina Beatriz, que nos dá a sensação de vivenciar os fatos e de entendermos os processos, mas que também nos lembra que o historiador deve, antes de tudo, narrar os modos de compreensão de determinado tema. O historiador deve antes compreender para depois indicar elementos explicativos. Nesse aspecto, a autora oferece uma narrativa que nos envolve no processo de expansão da região, das rotas iniciais de deslocamento, não só de São Paulo e de Minas Gerais, como também de outras áreas. Expõe, assim, a potencialidade da história ali presente, principalmente introduzindo como premissa a constituição das fazendas para logo a seguir mostrar como se estabelecem os caminhos de expansão dos nortistas. Isso é feito com o intuito de demonstrar como esses caminhos definidos pelos tropeiros vão dar origem a cidades, onde predomina a diversidade de culturas. Tais cidades contêm um imaginário fértil que decorre exatamente dessa multiplicidade de presenças, motivo pelo qual elas solicitam a presença da modernização e da civilização.

Esse percurso é realizado no capítulo final do livro, onde estão apresentados “os artifícios da civilidade” e os caminhos que essa solicitação de civilização toma, através das memórias de famílias. Essa linha de reflexão faz que o livro de Regina Beatriz possa se aproximar do texto de referência para a modernidade fora do Sudeste, intitulado Trem Fantasma, a modernidade na selva. Como Francisco Foot Hardmann, a autora desvenda o ‘espetáculo’ da modernização na selvageria inóspita de espaços conquistados e, com perícia, combina a multiplicidade cultural daqueles que para essa região se dirigiram, reforçando esse processo de compreensão com relação às histórias de vida da região.

Ao final da leitura temos a sensação de que aprendemos algo, de que tivemos contato com novas questões. Isso em um universo editorial em que os livros arriscam cada vez menos, são menos audaciosos e mais despossuídos de teses.

Por isso, Cidades da mineração é uma leitura obrigatória não só para quem pretende ampliar o seu horizonte de conhecimentos sobre a modernidade brasileira e o processo de constituição das cidades da mineração no Mato Grosso da primeira metade do século XX, mas também para quem quer observar como se pode combinar análise e síntese, lembrando a velha, mas cada vez mais oportuna, proposição de Lucien Febvre.

Antonio Edmilson Martins Rodrigues – Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) – Pontifícia Universidade Católica – Rio de Janeiro (PUC-Rio). Rua Marquês de São Vicente, 225, Sala 512 F – Gávea. 22453-900 Rio de Janeiro – RJ – Brasil. E-mail: [email protected]

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Représentations des Noir(e)s dans les pratiques discursives et culturelles em Caraïbes | Victorien Lavou Zoungbo

A obra Représentations des Noir(e)s dans les pratiques discursives et culturelles en Caraïbes editado por Victorien Lavou Zoungbo, Coordenador do Grupo de Etudes sur lês Noirs d´Amérique Latine (GRENAL), editada no ano de 2006 em Perpignan, France, reúne vários autores com artigos sobre os negros como sujeitos históricos em Cuba, Costa Rica, Colômbia, México, Argentina e Brasil. No prólogo o editor destaca as dificuldades para escrever sobre representações negras quando existem estereótipos, ideologias que dominam esses discursos. A análise dos autores que trabalham com a temática passa pela desconstrução dos discursos, transformando-se em um complicador para o especialista.

Nos primeiros quatro artigos da coletânea, três desenvolvem suas idéias em torno ao conceito transculturação de Fernando Ortiz.

A cubana Nancy Morejón defende a atualidade do conceito em “Para una poética de los altares”, no entanto, este é criticado pelas autoras Danielle Ada Ondo em “De la transculturation dans Paradiso de José Lezama Lima et dans Lês três tristes tigres de Guillermo Cabrera Infante” e Amandine Semat em: ”Identities dans la Caraïbe, transculturation et creolisation: Points de repére”. Apoiados nos ensaios e conceitos de Edouard Glissant, as autoras assinalam o caráter fixo do conceito transculturação e sua familiaridade com um outro conceito muito criticado na obra, mestiçagem.

Este último tem servido para ocultar a historicidade do negro e também para mascarar as teorias do branqueamento, O artigo de Victorien Lavou Zoungbo, ”Représentations identitaires e creolisation en Caraïbe” questiona as construções do Caribe pelos latinoamericanistas brancos que procuram ocultar a presença histórica do negro. Destaca o conceito crioulização face a mestiçagem e crioulidade. Para o autor este conceito permite estudar a relação afastando-se dos enfoques generalizantes e extremos, tanto o da latinidade quanto o da negritude. Faltou, porém, explicitar melhor esta questão tão debatida e que resulta de grande interesse para o Brasil, cuja identidade caribenha é reconhecida por todos os autores do volume. A neo América, sustantivo utilizado por Glissant, é a Afro América ou o Caribe, que abrange Brasil, as Guianas, Colômbia, Venezuela, uma grande parte de América Central e de México, sul de Estados Unidos, além das ilhas.

Cinco artigos estudam o espaço do negro em Costa Rica: “Sur le ritme d´ un calypso, analyse du roman Calypso de la costariciense Tatiana Lobo (1996)” de Brigitte Robert; “Manuels scolaires de lecture au Costa Rica: pratiques et enjeux de la représentation dês Noir(e)s”, de Marlene Marty; “Los cuatro espejos de Quince Duncan et Limon blues d´Ana Cristina Rossi ou une double recherche identitaire dês noirs constariciens” de Mariannick Guennec; “Medición com referencia a normas: declaracion pública de un naufrágio educativo” de Lady Meléndez Rodríguez e “Limon blues: Uma novela de Ana Cristina Rossi” de Iván Molina Jiménez. Todos estes artigos recriam a ausência dos negros de Limón, Costa Rica, na literatura e ne historiografia. Alguns estudam o papel da educação formal no processo de estigmatização, na marginalização e na reprodução da pobreza nestas comunidades caribenhas. Mais grave ainda, é a submissão destas populações à violência simbólica imposta pelo estado através da educação formal. Não é aceita pela escola pública a língua creole materna e que é a única usada para a comunicação nas comunidades negras de Limón. Outros autores estudam através de alguns romances históricos, a situação de exclusão dos negros, carentes de direitos cidadãos. Outro aspecto contido nos estudos citados é a invisibilidade a que ficam submetidos os povos que morão na região quando apenas se estuda a geografia da costa Atlântica de Costa Rica nos textos escolares.

Outros dois artigos estudam o Haiti desde visões diferentes.

O primeiro de Sabine Manigat “Se nommer, se qualificar-affirmation et alienation dans parler em Haiti une lecture historique” e ‘Le noir haitien dans la societé dominicain: l´exemplo da “Corte” de Milka Valentin-Humbert. Os conceitos negro e haitiano, segundo as autoras, têm servido de mola unificadora e de agente de ocultação da diferenciação no Haití. As definições em base a cor da pele, no Haiti, são eminentemente políticas porque marcaram as representações sociais. As imagens e a linguagem traduzem também a imagem auto-degradante que os discursos nascidos no Haiti, durante a luta pela independência, tentaram destruir. Essas permanências estão relacionadas às representações degradantes do negro, criadas no vizinho país, vinculando raça e nação. Os dominicanos negam qualquer herança africana na sua formação. Por sua parte, o trabalhador haitiano internalizou que o fenótipo predispõe a exploração, sem atender à presença de profundas diferenças sociais entre os haitianos, sejam de uma ou outra cor.

Juliette Smeralda em “L´interculturalidade comme strategia d´ascension sócio racial: l´exemplo du choix de partenaire féminin de l´homme noir” relaciona a criação das construções da inferioridade do negro ao colonialismo A presença das culturas afros em dois carnavais o de Barranquilla (Colômbia) e o de Salvador (Brasil) evocam os quilombos e a religiosidade, segundo as autoras Martha Lizcano e Joseania de Freitas no artigo “Afro carnaval no Caribe: Barranquilla (Colombia) e Salvador (Brasil)”; Rafael Perechalá Alumá no artigo “La salsa: síntesis de la música afroamericana” resgata a afroamericanidade do ritmo e atribui sua decadência aos controles exercidos por alguns grupos no exílio cubano. Em “Afromexicanité: quelques pieste pour une nouvelle lecture dês identités au Méxique” Sébastien Lefevre se utiliza do conceito traços-memória de Glissant para abordar a presença afro nas comunidades de Costa Chica no México. Entretando, o autor rejeita a idéia de um novo resultado, uma outra cultura, a mestiça responsável da invisibilidade das culturas afros. A leitura do romance “El interprete: sous lê signe du blanc et du noir” permite a Maryse Renaud-Mai penetrar no estudo das relações raciais na Argentina do século XIX e da herança negra que vislumbra-se não apenas no tango. A peculiaridade da discriminação racial no Brasil é estudada no artigo “Violência racial a subjetividade em discussão” de Nara Corte Andrade e Marcus Vinicius de Oliveira Silva.

E por último a maneira de épilogo, uma argumentada crítica ao antropólogo cubano Fernando Ortiz e ao seu conceito culinário ajiaco é desenvolvida por Victorien Lavou Zoungbo no artigo “Metaphore culinaire et discours sur l’ìdentité em Caraibe, um ethnocentrisme naturalisé. Lê cãs de F Ortiz à Cuba. Um état de la reflexion du GRENAL (instituição que agrupa a estudiosos sobre a temática afro americana.).

A obra no seu conjunto é de indispensável consulta para os estudiosos das temáticas afroamericanas.

Olga Cabrera


LAVOU ZOUNGBO, Victorien. (Ed.) Représentations des Noir(e)s dans les pratiques discursives et culturelles em Caraïbes. Perpignan: GRILAUP – Presses Universitaires de Perpingan, 2006. Resenha de: CABRERA, Olga. Revista Brasileira do Caribe, São Luís, v.7, n.13, jul./dez., p.289-292, 2006. Acessar publicação original. [IF]