Cidades, História e Territórios | Revista Mosaico | 2021

O Dossiê Cidades, História e Territórios reúne pesquisas que versam sobre os temas pertinentes à ocupação territorial e como as relações entre os patrimônios materiais e imateriais expressam memórias, patrimônios culturais edificados e imateriais e os modos de apropriação e ocupação de territórios. Os artigos foram organizados a partir de três eixos principais, elencando abordagens transversais que permeiam as características sociais e culturais desses espaços e seus territórios, retratando sujeitos e representações sociais presentes ao longo da história.

Desse modo a composição do dossiê temático abrange nove artigos, que foram sistematizados a partir da compreensão das ações e transformações humanas que, em um determinado espaço, definem relações de poder, seja por disputas ou domínios territoriais, os quais, por sua vez, permitem elucidar também permanências que se expressam por um espaço social. Outros domínios das relações entre homem e espaço estão presentes nos artigos que envolvem espacialidades que abarcam, por vezes, práticas discursivas para delimitação de espaços e suas expressões culturais, relevando identidades, memórias e artefatos que, em conjunto, articulam. Leia Mais

Cidades e cultura política nas Américas – MORSE; DOMINGUES (RBH)

MORSE, Richard. DOMINGUES, Beatriz Helena. Cidades e cultura política nas Américas. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2017. 277p. Resenha de: CASTRO, Ana Claudia Veiga de. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.38, n.77, jan./abr. 2018

Mais conhecido no Brasil por ter publicado nos anos 1980 o livro O Espelho de Próspero (Morse, 1988), uma polêmica tese sobre as duas Américas, o historiador norte-americano Richard Morse também é o autor de uma série de ensaios sobre as cidades latino-americanas e o papel do pesquisador social. É um conjunto expressivo desses ensaios que vem agora a público no volume organizado pela historiadora Beatriz Domingues: Cidades e cultura política nas Américas. O livro reúne textos escritos por Morse entre 1954 e 1992, meio século de uma intensa produção intelectual enquanto era professor e pesquisador de algumas das principais universidades norte-americanas.

Morse iniciou seu percurso acadêmico nos anos 1940, e após graduar-se em História na Universidade de Princeton veio ao Brasil, em 1947, para realizar a pesquisa de campo de seu doutorado em Columbia, sob orientação do antropólogo Frank Tannenbaum. Interessado em compreender como uma pequena vila sem grande importância no sistema colonial português vinha se tornando a principal metrópole latino-americana, Morse passou mais de um ano em São Paulo, onde travou relações duradouras com Antonio Candido e seu grupo na Universidade de São Paulo, encantando-se pelo Modernismo e pela vibração daquela metrópole em formação. O resultado da tese foi o livro Formação Histórica de São Paulo: de comunidade à metrópole, publicado pela primeira vez nas comemorações do IV Centenário de São Paulo, com o título De comunidade à metrópole: a biografia de São Paulo, e republicado em 1970 na famosa coleção Corpo e Alma do Brasil, dirigida por Fernando Henrique Cardoso (Morse, 1954Morse, 1970). A obra tornou-se um clássico da história urbana de São Paulo, podendo também ser lida como um esquema de interpretação sobre a forma de desenvolvimento da cidade capitalista no mundo ibero-americano e, talvez, como vislumbre de uma outra modernidade. Pode-se dizer que essa tese (e sua experiência em São Paulo) abriu os olhos de Richard Morse para o problema da urbanização latino-americana e para a cultura urbana em geral – definindo a importância dessa perspectiva analítica para seu entendimento do mundo social -, resultando em textos, intervenções e organização de livros.

Parte dessa produção é agora publicada: nunca traduzidos e de difícil acesso ao pesquisador brasileiro, estes artigos podem ser lidos de maneira complementar aos trabalhos de maior fôlego do pesquisador, desenhando o percurso de seu pensamento ao longo dos anos e revelando a erudição e a perspicácia de um intelectual que não se contentava com visadas ortodoxas, buscando escapar da ideia de modelos e desvios, valendo-se da compreensão de sistemas de pensamentos.

O primeiro desses ensaios, “Rumo a uma teoria de governo para a América Espanhola”, publicado ainda em 1954 no Journal of History of Ideas, recupera a presença hispânica na América e discute as heranças medieval e renascentista na formação do novo continente, sobretudo nas suas cidades, indicando a impossibilidade de se lidar com as nações de origem ibérica na América seguindo a régua da América anglo-saxã, formada desde uma origem diversa não apenas espacial, mas também temporal. O ensaio anuncia um tema que Morse revisita ao longo da carreira e que encontra sua forma final no já citado Espelho de Próspero.

Em seguida, “São Paulo desde a independência: uma interpretação cultural”, publicado no mesmo ano, desta vez na Hispanic American Historic Review – a mais importante publicação dos estudos históricos latino-americanos nos Estados Unidos -, apresenta uma espécie de síntese de sua tese sobre São Paulo e introduz o leitor à compreensão das cidades a partir de uma mirada cultural. Num momento em que os pesquisadores se debruçavam sobre os problemas advindos da intensa urbanização das cidades latino-americanas – que sem o necessário lastro na industrialização resultava num conjunto expressivo da população empregado nas margens do sistema, abrigado em imensas áreas periféricas sem infraestrutura urbana adequada -, Morse indicava a potência da cultura para o conhecimento dessas cidades, e a própria importância das cidades, com suas instituições culturais, para que se pudesse tratar “de forma eficaz [até mesmo] os insistentes problemas agrários da América Latina” (p.106). Esta última afirmação do ensaio evidencia como, para Morse, o trabalho intelectual não era desprovido de intenções, comprometendo-se, ao fazer história, a discutir o desenvolvimento do subcontinente, em diálogo com pesquisadores como Robert Redfield e Oscar Lewis, que se dedicavam naqueles anos à compreensão das especificidades do fenômeno urbano latino-americano.

Dois outros ensaios publicados na mesma Hispanic American Historic Review, “Algumas características da história urbana da América Latina” (de 1962) e “Prolegômenos para a história urbana da América Latina” (de 1972), foram escritos quando Morse era professor de História da América Latina, primeiro na Universidade do Estado de Nova York e em seguida em Yale, onde se envolveu em diversas ações para a consolidação da história urbana como uma disciplina, participando de congressos, coordenando simpósios, organizando volumes – entre os quais, alguns trabalhos com o argentino Jorge Enrique Hardoy que geraram aportes decisivos ao campo.

No primeiro, Morse retoma ideias trabalhadas em um texto publicado em 1957 na revista Estudios Americanos, “La ciudad artificial”, escrito como comentário da mesa “Expansão urbana na América Latina durante o século 19”, em uma reunião da American Historical Association no qual anunciara a cidade na América Latina como algo “artificial” ao ser lida à luz da história urbana europeia. Já ali Morse defendia a necessidade de uma história cultural urbana como a única forma de não ver a América Latina como desvio da “civilização ocidental”. Mas se havia especificidades em relação à urbanização europeia e também à da América anglo-saxã, havia um paradoxo que valia tanto para a América do Norte quanto para a do Sul: “que a cidade, notória na Europa por seu raio comercial e por sua atividade manufatureira, serviu, no Novo Mundo, como ponto de partida para o contato com o solo, em territórios onde nenhuma rota de comércio interno havia sido definida e onde a manufatura era restringida pelas políticas do mercantilismo” (p.135). Isso teria feito do espaço, e não do tempo, “o principal fator da experiência americana”, tornando a cidade na América uma força centrípeta. Com isso, Morse anuncia a urbanização latino-americana como chave para a compreensão dos sentidos da América. E que, se quisermos lembrar, seria o mote de Ángel Rama em seu fundamental La ciudad letrada (1984): o reconhecimento do papel das cidades (e das letras) na constituição da América Latina (Rama, 1986).

No segundo ensaio, discutindo com uma bibliografia clássica que ia de Henri Pirènne a Max Weber, Morse uma vez mais trabalha a especificidade da urbanização latino-americana desde sua origem, recuando desta vez aos primórdios da urbanização na Europa, a polis grega, de modo a definir a gênese mesma da cidade enquanto instituição política e social, para compreender o papel das cidades na constituição dos Estados nacionais modernos europeus. Buscando definir caminhos para construir uma história urbana latino-americana, não teve receio em enfrentar outros pesquisadores, recuperando e debatendo com suas teses de modo a indicar os “furos”, as incongruências, e mais que tudo, um eurocentrismo de fundo que impedia um olhar menos formatado para a América Latina. Em tempos de Cepal e de outros órgãos que enfrentavam questões latino-americanas para a construção de sua autonomia, Morse se colocava como um interlocutor importante àqueles que queriam formular um pensamento próprio do e para o subcontinente.

Completando o volume, a resenha de um livro publicado nos anos 1960, o texto “O antropólogo como consultor político”, e por último o ensaio “Cidades como pessoas”, publicado na obra Rethinking the Latin American City, organizada com Hardoy já em 1992, espécie de balanço de seu pensamento sobre o papel das cidades e as diferenças e as aproximações entre os modelos urbanos do norte e do sul.

Vale destacar que os textos de Morse são precedidos por um ensaio de fôlego da sua organizadora, Beatriz Domingues, que conheceu o pesquisador em 1991. Sua apresentação introduz o leitor aos temas de eleição de Morse e propõe uma sistematização de sua trajetória a partir de um “pressentimento metodológico”, como ela diz, adaptando as etapas de um trabalho do pedagogo Alfred North Whitehead para organizar sua obra em três fases. A historiadora já havia nos oferecido uma série de textos críticos sobre Richard Morse no livro organizado com Peter Blasenheim, O Código Morse: ensaios sobre Richard Morse (2010), também editado pela UFMG (Domingues; Blasenheim, 2010). Aqui, dá início ao trabalho de publicização dos escritos do autor e já anuncia sua continuação em um segundo volume. As traduções bem cuidadas, feitas pela jornalista Maria Bitarello (filha de Beatriz e que conheceu Morse na infância), garantem uma leitura fluida e agradável. O livro conta também com uma apresentação do jornalista Matthew Shirts (ex-aluno de Morse em Stanford) e um posfácio da historiadora Helena Bomeny, autora de uma entrevista com o historiador no final dos anos 1980 (Bomeny, 1989). A edição, que traz ao final a cronologia das obras de Richard Morse, é portanto muito bem-vinda, pois oferece um importante material para pensarmos nosso lugar no mundo, sobretudo hoje, neste momento crucial de definição de caminhos. Vale a pena ler, conhecer e refletir.

Referências

BOMENY, Helena. Uma Entrevista com Richard Morse. Estudos Históricos, Rio de Janeiro: Ed. FGV, v.2, n.3, p.77-93, 1989. [ Links ]

DOMINGUES, Beatriz; BLASENHEIM, Peter (Org.) Código Morse: ensaios em homenagem a Richard Morse. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2010. [ Links ]

MORSE, Richard. De comunidade a metrópole: biografia de São Paulo. Trad. Maria Aparecida Madeira Kerberg. São Paulo: Comissão do IV Centenário, 1954. [ Links ]

_____. O Espelho de Próspero: cultura e ideias nas Américas [1982]. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. [ Links ]

_______. Formação histórica de São Paulo: de comunidade a metrópole. Trad. complementares Antonio Candido. São Paulo: Difel, 1970. [ Links ]

RAMA, Ángel. A cidade das letras [1984]. Trad. Emir Sader. São Paulo: Brasiliense, 1986. [ Links ]

Ana Claudia Veiga de Castro – Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, SP, Brasil. E-mail: [email protected].

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Mitos do Estado arcaico: evolução dos primeiros Estados, cidades e civilizações – YOUFFEE (H-Unesp)

YOFFEE. Norman. Mitos do Estado arcaicoevolução dos primeiros Estados, cidades e civilizações. Trad. Carlos Eugenio Marcondes de Moura. São Paulo: EDUSP, 2103, 352 p. Resenha de: ROCHA, Ivan ESperança. História [Unesp] v.32 no.2 Franca July/Dec. 2013.

Apesar de utilizar um título infeliz, por se referir a mito com um significado negativo que denigre sua densidade e importância cultural, Yoffee compensa amplamente esse deslize com um texto que traz novas e importantes contribuições sobre a origem e formação do Estado e que leva em consideração não apenas suas próprias pesquisas, mas importantes discussões acadêmicas sobre o tema. Além disso, sua publicação preenche uma grande lacuna relativa a obras em língua portuguesa sobre história antiga oriental.

Professor de antropologia na Universidade de Michigan e especialista em arqueologia mesopotâmica, Yoffee propõe uma ruptura com uma perspectiva unilinear de compreensão do processo de surgimento e desenvolvimento dos Estados, cidades e civilizações, em defesa de vias multilineares e menos rígidas de abordagem. Se por um lado ele dispensa uma especial atenção às sociedades mesopotâmicas, encontra em outras experiências sociais, situadas inclusive no âmbito das Américas, dados comparativos que contribuem para alicerçar suas propostas interpretativas e para indicar diferentes tipos de estruturas de estado que nem sempre se pautam por padrões únicos de organização. Apresenta evidências de uma grande variedade de sistemas sociais e de tipos de poder entre os primeiros Estados.

Yoffee critica muitos arqueólogos – talvez com excessivo rigor – que, influenciados pelo darwinismo social, interpretaram o passado em termos evolutivos, considerando o Estado o ponto de chegada de um progressivo e controlado sistema de organização e aperfeiçoamento das sociedades antigas. Cabe lembrar que o darwinismo, aliado ao eugenismo, também causou sérios desvios na interpretação do desenvolvimento socioeconômico brasileiro no final do século XIX e início do século XX.

Este tipo de interpretação considera os Estados antigos regimes totalitários e estáveis, governados por déspotas que monopolizavam o fluxo de bens, serviços e informações, impondo-se ao resto da população, o que, segundo Yoffee, deixa de levar em conta outros papéis sociais para além daquele do líder, tais como os assumidos por escravos, soldados, sacerdotes e sacerdotisas, camponeses, prostitutas, mercadores e artesãos – que constituem atores importantes nos Estados mais antigos.

Apresenta como suporte à sua crítica as novas informações trazidas pela arqueologia sobre as sociedades antigas, que permitem rever a compreensão sobre as ascensões e colapsos ocorridos nos primeiros Estados. Como exemplo de mudanças no conhecimento do mundo antigo, diz que a influência do helenismo sobre a Mesopotâmia foi redimensionada; atualmente, defende-se que os gregos mais que helenizarem, orientalizaram-se em seu contato com os povos da região.

Yoffee não nega cabalmente a ideia de evolução social nem a contribuição dos neoevolucionistas para o estudo das mudanças sociais, mas o que rejeita nestes é um enfoque tendencioso que, segundo ele, se concentra em heróis ou numa elite dirigente como responsáveis únicos pelo planejamento e construção de monumentos e cidades, pela conquista e pela sua submissão inerte de seus vizinhos. Segundo Yoffee, a compreensão da evolução dos primeiros Estados exige uma reformulação de modelos restritivos e excludentes. Destaca que a pior consequência da visão neoevolucionária é considerar de segunda categoria as sociedades modernas que não são Estado.

Nos dois primeiros capítulos, Yoffee apresenta e discute as teorias que foram empregadas para compreender a evolução dos primeiros Estados e as mudanças ocorridas em relação a elas. No terceiro capítulo, descreve as diferentes trajetórias das cidades e Estados antigos; no quarto, o processo de simplificação das formas assumidas pelo poder nos primeiros Estados. No quinto, discute os papéis desempenhados pelas mulheres da Mesopotâmia; no sexto, avalia os processos de “colapso” que atingiram os primeiros Estados e civilizações; no sétimo, apresenta experiências de socialização alternativas à do Estado, indicando que a evolução social não foi uma via de mão única e que houve resistência e negociações em relação ao controle totalitário; no oitavo, discute as contribuições e limites da analogia e do método comparativo por parte dos arqueólogos. No último capítulo, entrando no campo de sua especialização, avalia os caminhos da evolução dos Estados e da civilização mesopotâmica.

A teoria neoevolucionária retratou o surgimento dos Estados como uma série de mudanças extremamente rápidas de um estágio de sociedade para outro. Essa teoria defende que em cada estágio todas as instituições sociais – política, economia, organização social, sistema de crenças – estavam de tal modo interligadas que a mudança tinha de ocorrer em todas elas ao mesmo tempo, no mesmo ritmo e na mesma direção. Segundo este modelo, as civilizações antigas teriam passado pelos mesmos estágios de desenvolvimento e declínio.

Yoffee defende a evolução dos antigos Estados como um processo de diferenciação social e de integração política, promovidos por meio de várias formas de poder e de diferentes relações no âmbito do poder. Ao longo da evolução dos primeiros Estados, diferentes grupos concorrem no processo de criação, transformação e domínio dos recursos simbólicos e cerimoniais que permitiam recombinações entre si na criação de novas coletividades sociais. Diz que se, de um lado, os primeiros Estados consistiam em um centro político com estrutura própria de liderança, com atividades especializadas, por outro, entravam em cena numerosos outros grupos que se distinguiam por mudanças contínuas em relação às necessidades e objetivos e à força e à debilidade do centro político. Deparamo-nos, assim, com diferentes formas de poder que não estão centradas apenas no governante principal.

Aproximando grupos étnicos da Mesopotâmia, de Teotihuacán, de Wari e Harappa, dentre outros, indica que seus líderes formaram elites, algumas vezes se tornaram funcionários dos Estados, mas também mantiveram um conjunto de poderes locais que ficavam fora do alcance dos Estados. Dentre esses líderes, destaca o papel dos anciãos das comunidades, que podiam convocar assembleias com forte poder de tomada de decisões, mas atuavam à margem da ação de reis e de suas cortes.

A evolução dos primeiros Estados e civilizações foi marcada pelo desenvolvimento de grupos sociais semiautônomos. Em cada um desses grupos havia patronos e clientes organizados em hierarquias, e lutas pelo poder se verificavam em seu interior e entre seus líderes. Os Estados surgiram como parte do processo no qual grupos sociais diferenciados e estratificados se recombinaram sob novos tipos de liderança centralizada.

Embora seu levantamento sobre cidades do Egito, América do Sul e Teotihuacán se refira a trajetórias históricas particulares daquelas regiões, ele também evidencia que, em cada região do mundo onde apareceram os primeiros Estados, as cidades coligiam e cristalizavam tendências de longo prazo que caminhavam em direção à diferenciação e à estratificação.

No início da história das primeiras cidades, Estados e civilizações, grupos sociais diferenciados recombinaram-se em cidades, as quais constituíam centros de peregrinações, trocas, armazenamento e redistribuição, além de concentrar ações de defesa e operações de guerra. Nessas urbes foram criadas novas identidades relativas à cidadania, mas que não substituíram integralmente as identidades existentes relacionadas a grupos econômicos, étnicos e de parentesco.

Não são apenas os poderosos que agem na antiguidade, mas qualquer indivíduo. Apesar de as mulheres não constituírem habitualmente temas de textos antigos e não serem temas costumeiros de análises arqueológicas, Yoffee destaca que nos primeiros Estados mulheres que pertenciam ou não à elite se envolviam em certas atividades diárias, que incluíam transações, litígios e rituais ocorridos nas cidades do período da Antiga Babilônia.

O autor considera a década de 1990 emblemática para o estudo arqueológico do “colapso” dos antigos estados e civilizações com importantes publicações sobre o tema, visto que os estudos evolucionários se preocuparam mais com o surgimento dos Estados do que com seus “colapsos”. O estudo dos colapsos garante a compreensão das inúmeras instabilidades ocorridas no interior dos Estados.

Voltando a sua área de especialização, Yoffee afirma que não existiu um antigo Estado mesopotâmico, como sistema político regional de longa duração, cujos governantes tenham estabelecido domínio sobre outras cidades e suas adjacências. Na Assíria ao norte e na Babilônia ao sul havia muitos grupos étnicos diferentes – a maioria deles com línguas e histórias próprias – que participaram e contribuíram para a teia da cultura mesopotâmica, mas sem uma tendência centralizadora.

O principal “mito” que permeia o estudo dos primeiros Estados é que existia algo que poderia ser denominado Estado arcaico e que todos os primeiros Estados eram simplesmente variações desse modelo. Yoffee critica este e outros mitos sobre o Estado arcaico enfatizando que existem maneiras úteis de comparar e contrastar histórias evolucionárias.

Em conclusão, em Mitos do Estado arcaico: evolução dos Primeiros Estados, Cidades e Civilizações, apesar de optar por generalizações em sua crítica ao viés neoevolucionista de abordagem do tema, Yoffee chama atenção, de forma enfática, para a necessidade de rever análises simplistas sobre as primeiras sociedades mesopotâmicas e de ampliar a compreensão do papel assumido por diferentes atores na construção e desenvolvimento dos primeiros Estados.

Ivan Esperança Rocha – Professor Livre-docente de História Antiga do Departamento de História da Faculdade de Ciências e Letras, UNESP/Campus de Assis.

Religiões e cidades, Rio de Janeiro e São Paulo | C. Mafra e R. de Almeida

Qual é a religião de uma cidade? Em um país de uma cultura tão rica e complexa como a nossa, essa pergunta é muito difícil de responder, e, em se tratando das duas nossas maiores metrópoles, Rio de Janeiro e São Paulo, a resposta parece impossível de conseguir.

Isso se pensarmos em uma religião, mas, quando ampliamos o leque religioso e deixamos que ele se abra para outras religiões, percebemos uma multiplicidade de crenças. É isso que propõe o livro Religiões e cidades, Rio de Janeiro e São Paulo, uma coletânea do núcleo de antropologia urbana da Universidade de São Paulo que aborda as múltiplas crenças que encontramos no Rio e em São Paulo. Leia Mais

Cidades da mineração: memória e práticas culturais: Mato Grosso na primeira metade do século XX – GUIMARÃES NETO (RBH)

GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz. Cidades da mineração: memória e práticas culturais: Mato Grosso na primeira metade do século XX. Cuiabá: Editora da UFMT; Carlini & Caniato Editorial, 2006. 272p. Resenha de: RODRIGUES, Antonio Edmilson Martins. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.28 n.55  jan./jun. 2008.

Alguns encargos constituem fardos pesados e são resolvidos com má vontade; outros são tão prazerosos que gostaríamos de prolongá-los. Bom exemplo deste segundo caso é a leitura de Cidades da mineração, de Regina Beatriz Guimarães Neto. Construído inicialmente como tese de doutorado, o livro se destaca por ampliar os horizontes e o quadro de reflexões sobre a modernidade brasileira para fora do eixo que comumente os historiadores e cientistas sociais tomam como exemplaridade desse processo de mudanças. A escolha de Mato Grosso como tema de estudo sobre a expansão da urbanização no Centro-Oeste é instigante porque parte das referências teóricas comuns aos estudos da modernidade no Sudeste e, de saída, estabelece com eles um diálogo crítico que alcança o modo pelo qual até agora vem sendo tratada a questão da modernização no Brasil. O diálogo proposto aponta para a periodização que solicita de todas as áreas brasileiras os mesmos elementos para dar-lhes a condição de progresso. Regina Beatriz é dura nas suas críticas ao processo de exclusão de regiões desse horizonte de desenvolvimento.

Para dar ao diálogo crítico maior corpo, transforma o seu estudo em uma busca incessante de compreensão do que estaria para além das estruturas econômicas, sempre apresentadas como elemento definidor da inclusão, ou não, de regiões. Avança introduzindo na análise os elementos culturais, vistos da perspectiva da diversidade de contatos e entendidos como formalizadores de novos traços culturais capazes de dar identidade à região, considerada freqüentemente como uma região de passagem. Disso resulta uma contribuição significativa para os estudos culturais, por sua heterogeneidade, e abre-se caminho para que o trabalho possa ser integrado aos estudos sobre expansão de fronteiras, com a singularidade de colocar em jogo as referências da vida, o movimento dos sentimentos e a genealogia da conquista.

É nesse ponto que o livro de Regina Beatriz se mostra mais audacioso. Revela, na linha de Euclides da Cunha, em Os sertões, como a poeira possui traços que podem servir de rastros para a compreensão da realidade.

Mas o desbravamento realizado pela autora vai além e constitui uma das apostas interessantes numa área, ainda desértica, que é a dos estudos de frentes de expansão do Brasil central. Se isso não bastasse, ainda nos oferece outra lição sobre a utilização de fontes produzidas pela metodologia da história oral. A autora nos fornece elementos que, de um lado, nos ajudam a compreender as linhas de ponta dessa metodologia e, de outro, mostram exemplarmente como devemos trabalhar as memórias para que o resultado não seja apenas uma narrativa que tenta atar pontos comuns entre aqueles que falam. Temos aí um instrumento de produção de uma história singular das conquistas e da ocupação do espaço, e seus resultados, combinados com as leituras teóricas — que vão de Deleuze a Ginzburg —, oferecem um ‘desenho’ do Centro-Oeste. Desenho esse que ultrapassa as formas de simplificação explicativa oferecidas pelas interpretações tradicionais da região.

Com isso, a autora inclui o Centro-Oeste em uma discussão que elimina a sua condição de apêndice de uma economia maior, complemento ou periferia de transformações históricas que construíram a nação brasileira. Nesse sentido, as reflexões contidas no livro auxiliam no entendimento das variadas formas e projetos que estiveram presentes no processo de institucionalização do nacional no Brasil.

Outro ponto de destaque é a forma da narrativa adotada por Regina Beatriz, que nos dá a sensação de vivenciar os fatos e de entendermos os processos, mas que também nos lembra que o historiador deve, antes de tudo, narrar os modos de compreensão de determinado tema. O historiador deve antes compreender para depois indicar elementos explicativos. Nesse aspecto, a autora oferece uma narrativa que nos envolve no processo de expansão da região, das rotas iniciais de deslocamento, não só de São Paulo e de Minas Gerais, como também de outras áreas. Expõe, assim, a potencialidade da história ali presente, principalmente introduzindo como premissa a constituição das fazendas para logo a seguir mostrar como se estabelecem os caminhos de expansão dos nortistas. Isso é feito com o intuito de demonstrar como esses caminhos definidos pelos tropeiros vão dar origem a cidades, onde predomina a diversidade de culturas. Tais cidades contêm um imaginário fértil que decorre exatamente dessa multiplicidade de presenças, motivo pelo qual elas solicitam a presença da modernização e da civilização.

Esse percurso é realizado no capítulo final do livro, onde estão apresentados “os artifícios da civilidade” e os caminhos que essa solicitação de civilização toma, através das memórias de famílias. Essa linha de reflexão faz que o livro de Regina Beatriz possa se aproximar do texto de referência para a modernidade fora do Sudeste, intitulado Trem Fantasma, a modernidade na selva. Como Francisco Foot Hardmann, a autora desvenda o ‘espetáculo’ da modernização na selvageria inóspita de espaços conquistados e, com perícia, combina a multiplicidade cultural daqueles que para essa região se dirigiram, reforçando esse processo de compreensão com relação às histórias de vida da região.

Ao final da leitura temos a sensação de que aprendemos algo, de que tivemos contato com novas questões. Isso em um universo editorial em que os livros arriscam cada vez menos, são menos audaciosos e mais despossuídos de teses.

Por isso, Cidades da mineração é uma leitura obrigatória não só para quem pretende ampliar o seu horizonte de conhecimentos sobre a modernidade brasileira e o processo de constituição das cidades da mineração no Mato Grosso da primeira metade do século XX, mas também para quem quer observar como se pode combinar análise e síntese, lembrando a velha, mas cada vez mais oportuna, proposição de Lucien Febvre.

Antonio Edmilson Martins Rodrigues – Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) – Pontifícia Universidade Católica – Rio de Janeiro (PUC-Rio). Rua Marquês de São Vicente, 225, Sala 512 F – Gávea. 22453-900 Rio de Janeiro – RJ – Brasil. E-mail: [email protected]

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Arquitetura Metropolitana | Denise Xavier de Mendonça

“Não há como pesquisar a arquitetura metropolitana à distância. É preciso abordá-la submersa na congestão urbana, inscrita em relações dinâmicas, mensurada com escalas que se modulam em quantidade, extensão e qualidade de variáveis múltiplas. A realidade da arquitetura metropolitana só pode ser percebida em um mergulho. É necessário tornarmo-nos mais um elemento interferente nessa complexidade congestionada”. Este breve fragmento textual pinçado no livro Arquitetura Metropolitana não é somente explicitação metodológica de construção da pesquisa acadêmica realizada por Denise Xavier, mas fundamentalmente o processo inerente e consubstanciado na própria trajetória profissional da autora. Neste sentido, os processos de interpretação e pensamento sobre a arquitetura não são descolados ou indistintos dos processos de produção da sua própria arquitetura. Em ambos processos, Denise Xavier empreende um mergulho comprometido com dimensões do mundo social, que estão absolutamente associados aos denominados idealistas e ingênuos: a dimensão ética, a dimensão estética e a dimensão política.

No mergulho que cada leitor realizar pelas páginas do livro Arquitetura Metropolitana, certamente encontrará o comprometimento da autora com as premissas de um ofício profissional que está na base da estruturação física das cidades: a arquitetura, ou, como em alguns momentos surge no livro, arquiteturas. Uma estruturação determinante das relações simbólicas e de identidades que são constitutivas da vida em sociedade, da vida pública, da vida que deveria se manter repleta de urbanidade: em tudo que esta vida nas cidades aglutina de diferenças e divergências. As arquiteturas selecionadas pela autora para a compreensão do processo de construção da identidade metropolitana da cidade de São Paulo, a partir da década de 1950, estavam absolutamente integradas nesta construção.

O edifício do Jornal O Estado de São Paulo, o Copan, o edifício Itália e o Conjunto Nacional são realizações que não somente exploram qualitativamente as possibilidades formais, estruturais e espaciais específicas de cada empreendimento, mas também proporcionam e ampliam os espaços da vida pública. São arquiteturas cujas concepções não renegaram as dinâmicas urbanas, as relações entre os ambientes públicos e privados, as interações entre os sistemas de áreas livres e as áreas passíveis de edificação. A compreensão destes aspectos é o ponto nevrálgico do trabalho realizado por Denise Xavier nesse estudo: entender que as arquiteturas não estão desconectadas da cidade, que para pensar arquitetura é preciso pensar a produção da cidade – condição ainda pouco enunciada e enfrentada na historiografia da arquitetura no Brasil.

A organização do livro evidencia este entendimento entre a interpretação da produção arquitetônica e a produção da cidade. Nos dois primeiros capítulos, que em verdade entendo como sendo um único, pela problemática central que os amalgama, qual seja, a da construção da metrópole ao longo do século XX, a autora apresenta as bases urbanísticas, econômicas e políticas desta construção. São Paulo metropolitana tem suas origens instituídas na concepção de cidade pensada por Prestes Maia e Ulhoa Cintra em artigos escritos para o Boletim do Instituto de Engenharia, no ano de 1924. A década de 1950 entra no texto como recorte temporal privilegiado, ápice do processo contínuo de mudanças, sobreposições, apagamentos que reflui da dinâmica de uma cidade em movimento. Para a autora, a cidade se reconhece como metrópole, centro econômico propulsor e condensador das ações que instituem o novo, uma nova ordem urbana e uma nova ordem arquitetônica revelada especialmente nos aspecto vertical das arquiteturas analisadas no livro.

Entretanto, capítulo(s) que pouco ainda reverbera(m) a sensibilidade do olhar objetual-arquitetônico-formal da autora, em sua aguda e instigante capacidade de análise das arquiteturas selecionadas, ou melhor, de qualquer outra arquitetura. Este olhar será enunciado no capítulo dedicado à leitura dos projetos. Leitura e não análise, como está proposto na estrutura do livro. Leitura, pois, no mais puro sentido da palavra, aquele em que se lê decifrando significados construtivos e formais de cada palavra em um texto escrito. Portanto, significados construtivos e formais de cada arquitetura desde a sua concepção-representação (aquela delineada cuidadosamente no papel vegetal à nanquim), até sua instauração como elemento constitutivo das dinâmicas da metrópole em construção. No capítulo dedicado ao estudo dos projetos existe uma articulação entre cada uma das arquiteturas, cuja especificidade torna evidente o entendimento das suas relações com a cidade: a articulação pelos sistemas de circulação que articulam a cidade ao edifício em questão. Sobretudo em uma metrópole capitalista efervescente da década de 1950, os indícios de deslocamento, de movimento, estão impregnados em todos os elementos que perfazem a cidade: nos trens, nos carros, nos relógios, nas pessoas, nas ruas, nas avenidas, na infra-estrutura urbana. Os arquitetos autores dos projetos souberam compreender esta informação, esta transformação, esta incorporação no cotidiano da metrópole. Denise Xavier soube realizar uma leitura atenta à interface dos objetos com os sistemas de circulação vertical e horizontal, respectivamente, o sistema que articula as esferas privadas dedicadas ao trabalho, à moradia, ao lazer, à alimentação, com o sistema que agrega aos edifícios uma importante dimensão urbana.

O primeiro sistema estava intimamente relacionado às novas tecnologias construtivas e mecânicas, atuava e atua como elemento estruturante no processo de verticalização das cidades por possibilitar o deslocamento vertical: o elevador – elemento cuja espacialidade e produção industrializada não apresentava maiores distinções nos edifícios. O segundo sistema está associado aos aspectos instituídos de positividade que a vida urbana representava. É distinto formal-espacialmente para cada arquitetura, empreende relações particularizadas e articuladas aos edifícios em estudo com a cidade, e estrutura a inquestionável associação do objeto aos espaços livres: são passagens internas, galerias e verdadeiras ruas que adentram, intercambiam, articulam cidade e arquitetura. Talvez em menor intensidade no edifício do Jornal O Estado de São Paulo, nos outros edifícios a dinâmica urbana adentra sem barreiras, sem receios os espaços de uso coletivo dos edifícios, os “espaços urbanos das edificações”, do urbano arquitetônico. O olhar sensível da autora para a leitura da arquitetura, associado ao procedimento metodológico enunciado naquele texto pinçado do livro – que integra a parte do livro escrita em parceria com Kazuo Nakano –, especialmente quando afirma que “não há como pesquisar a arquitetura metropolitana à distância. É preciso abordá-la submersa na congestão urbana, inscrita em relações dinâmicas, mensurada com escalas que se modulam em quantidade, extensão e qualidade de variáveis múltiplas”, fazem desse capítulo de estudo dos edifícios o eixo convergente e central de todo livro, de toda a narrativa.

Uma narrativa encerrada num texto em que a autora propôs pensar o contínuo do movimento de metropolização pela contraposição destas arquiteturas analisados com edificações que representam o absoluto esvaziamento da vida urbana, da vida pública, da urbanidade: edificações destituídas de uma essência de lugar, espaços controlados, vigiados, consensuais e homogeneizados em sua abstração estéril. A própria narrativa enuncia a distinção pela oposição das experiências possíveis em cada situação. De um lado, a cidade em suas diferenças, seus agentes, suas arquiteturas, seus símbolos, cheiros, luzes, sons, ou seja, a dinâmica que perfaz a vida urbana. Uma cidade que ainda hoje não consubstancia níveis mínimos de qualidade de vida para uma grande maioria dos que nela habita. Entretanto, uma cidade que não esconde as indesejadas diferenças, pois nela estão a perscrutar suas vidas por todos os lugares, sejam praças, viadutos, calçadas, ruas, marquises e favelas.

Por outro lado, espaços que pouca apreensão permitiram aos seus interlocutores na tentativa de mergulhar em suas especificidades. Conjunturas construtivas envidraçadas, muradas e climatizadas que enunciam os novos interesses do capital na metrópole. Para estas conjunturas as cidades são vazios de interligação entre pontos de concentração financeira internacional, circundadas por um conjunto de equipamentos complementares: condomínios fechados, shoppings e aeroportos. A crítica a estas conjunturas é sensivelmente enunciada pela insensibilidade que delas emana. Preocupante é a constatação da transformação e adequação daquelas “arquiteturas metropolitanas” aos preceitos que processam a indiferença e a exclusão com os indesejados que habitam a cidade.

Opor-se a estes processos é parte daquelas três dimensões que perfazem a trajetória profissional de Denise Xavier: a dimensão ética, a dimensão estética e a dimensão política. Seu livro não é algo isolado na ação desenvolvida como arquiteta e urbanista, mas consubstancia e amplia sua inserção crítica na metrópole paulistana em contínua construção. Nesse sentido, seu livro não é sobre um conjunto de edifícios importantes para a história da arquitetura no Brasil, especialmente para a arquitetura paulista. Seu livro trata da construção da cidade, da construção da cidade de São Paulo como metrópole. Sua importante particularidade passa pela compreensão de que a arquitetura é parte da cidade, integra todo o conjunto de dinâmicas com as quais a sociedade se mantém ativa e em transformação.

Seu estudo é sobre a necessidade de retomarmos a consciência de que o esvaziamento da cidade, a negação da cidade é a negação da própria sociedade como agente transformador. Ao arquiteto cabe a responsabilidade, ou melhor, deveria caber a responsabilidade pela produção de arquiteturas comprometidas com a vida urbana em todas as suas diferenças e antagonismos. Porém, em “Arquiteturas Metropolitanas” constatamos que os processos contemporâneos de construção da cidade estão exclusivamente pautados pelos interesses do capital na (re)produção dos espaços homogêneos e consensuais cuja valorização ocorre pela indiferença ao entorno, à paisagem, à dinâmica da cidade. Uma constatação que deve gerar uma indagação autocrítica que passa primeiramente pela formação dos quadros profissionais no país: qual arquiteto estamos formando, qual arquiteto queremos formar? Certamente a despolitização do processo de formação pautado exclusivamente por sistemas técnico-informacionais contribui intensamente com o esvaziamento dos significados sociais, culturais e políticos da profissão de arquiteto e urbanista, da própria arquitetura.

Como afirmara Christian Topalov, “as ciências da racionalização urbana e das finalidades sociais são radicalmente colocadas em questão pelas ciências da celebração do mercado e da ‘revolução liberar’. Os especialistas de umas e de outras não são do mesmo mundo. Nosso saber está, aberta ou secretamente, a serviço do Estado, o deles está, sem complexos, a serviço da empresa. Quaisquer que sejam nossas inclinações políticas, nossas definições disciplinares ou nossas preferências teóricas, temos talvez algo em comum: os adversários” (TOPALOV, 1991). Em Arquiteturas Metropolitanas, Denise Xavier não se esquivou da necessária crítica aos “adversários” que ela bem sabe quais são. Convém, no entanto, enunciar uma discordância com Denise Xavier, quando afirma que “não há como pesquisar a arquitetura metropolitana à distância”. Não há como pesquisar qualquer arquitetura à distância, pois, como integrante da cidade, seria como pesquisar a cidade estando distante dela, estando deslocado dela. Aliás, o distanciamento é um dos principais instrumento utilizados pelos nossos “adversários” na desconstrução das cidades, na desconstrução da vida urbana, seja ela metropolitana ou não.

Referência

Topalov, Christian (1991). Os saberes sobre a cidade: tempos de crise? In: Espaço & Debates, Revista de Estudos Regionais e Urbanos. Ano XI, n. 34: 37.

Rodrigo Faria – Arquiteto e urbanista, Mestre e Doutor em História pelo Departamento de História do IFCH-UNICAMP, Pesquisador do Centro Interdisciplinar de Estudos da Cidade do IFCH-UNICAMP, Becário Fundación Carolina/Universidad Politécnica de Madrid.


MENDONÇA, Denise Xavier de. Arquitetura Metropolitana. São Paulo: Annablume; FAPESP, 2007. Resenha de: FARIA, Rodrigo. Arquiteturas e dinâmicas urbanas na interpretação sobre a construção metropolitana. Urbana. Campinas, v.2, n.1, 2007. Acessar publicação original [DR]

 

Slaveri in the Cities (1820-2860) – WADE (RBH)

WADE, Richard. Slaveri in the Cities (1820-2860). Sdt. Resenha de: ALGRANTI, Leila Mezan. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.5, n.8/9, p.2017-211, set.1984/abr.1985.

Leila Mezan Algranti – Mestre em História Social pela USP.

Acesso apenas pelo link original

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