Olhares Cruzados: Brasil-Portugal | ArtCultura | 2014

O minidossiê Olhares Cruzados: Brasil-Portugal apresenta ao leitor três artigos marcados por espacialidades que se entrecruzam, talhando diferenças. História e arte se interpenetram produzindo “modos de fazer” singulares. Fotografia, gastronomia e escrita da história evocam a arte de bem fazer.

Assim, no artigo de Annateresa Fabris, o foco se volta para o artista luso-brasileiro Fernando Lemos, que, por intermédio do ato de fotografar o “real”, colocou para o mundo das artes, notadamente em Portugal , um modo específico no qual procurou destacar “o real maravilhoso”, expressão tão cara ao surrealismo. Como diz a autora, “e m relação ao panorama por – tuguês, Lemos é, sem dúvida, uma figura sui generis, uma vez que não tinha praticamente interlocutores no momento em que começa a interessar-se pela fotografia. A fotorreportagem, a fotografia de propaganda e a estética divulgada pelos salões fotográficos eram os exemplos correntes no país”. Em Portugal, a experiência política do salazarismo não via com bons olhos manifestações artísticas que destoassem do receituário estabelecido pelo cânone do “ser moderno” de António Ferro, que já vinha sendo questio – nado, mas prevalecia como valor simbólico da cultura política autoritária do governo de António de Oliveira Salazar, servindo para dentro e para fora de Portugal. E Lemos, como argumenta Annateresa Fabris, na sua maneira de fazer fotografia agia no cotidiano, fugia da fotografia realista documental, opondo-se à estética modernista vigente em Portugal. Por sinal, o preço que pagou por essa insubordinação foi alto, vendo-se obri – gado a transferir-se para o Brasil em 1953. Aqui, radicou-se em São Paulo, nacionalizou-se brasileiro e desenvolveu intensa atividade artística, sendo também professor da FAU/USP. Leia Mais

Brasil, Portugal e África portuguesa: história e artes / História Revista / 2013

O dossiê Brasil, Portugal e África portuguesa: história e artes traz uma gama de discussões voltadas para diferentes objetos, sob olhares diferentes que traduzem a importância desta temática no mundo atual. Além disso, são apresentados artigos e uma entrevista que agregam contribuições de pesquisadores. Assim o texto de Manuel Ferro assentado em uma fonte, o Canto V de os Lusíadas demonstra a permanência deste como fonte de inspiração na literatura atual. Jorge Pais de Sousa preocupa-se com a existência ou não de uma fração socialista do Partido Republicano Português por intermédio da atuação de Magalhães Lima e Afonso Costa. Maria de Fátima Fontes Piazza aborda a circulação de sensibilidades entre Brasil e Portugal, cotejando a edição de luxo, a Selva, do escritor português Ferreira de Castro com as 12 ilustrações de Cândido Portinari para esta edição. Élio Cantalicio Serpa e Heloisa Paulo discutem as relações entre Brasil e Portugal por intermédio do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de Coimbra. João Batista Bitencourt traz para o leitor uma discussão historiográfica cotejando trabalhos produzidos em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, percebendo uma opção pelo enfoque que credita méritos às tradições lusitanas como componente da brasilidade. Alírio Cardoso trata da conquista do Maranhão e Grão Pará durante o período a União Ibérica (1580-1640). Eduardo Melo França trabalha com notícias, publicadas em Portugal, acerca da proclamação da república brasileira e da queda do imperador. Andreia Martins Torres faz uma interpretação das contas encontradas durante a escavação da Fragata Sto. António de Tána, naufragada em Mombaça no ano de 1697, problematizando o significado da presença destes materiais no contexto das ligações entre a Índia e África. Frank Marcon debruça-se sobre o estilo de música Kuduro usado no Brasil, Portugal e Angola, percebendo as implicações de ordem cultural e mercadológica.

Os artigos apresentados tratam de temáticas variadas. O artigo de Cynthia Machado Campos trabalha sobre a emergência do jovem / violência ou jovem / rebeldia nas ciências humanas. José Adilçon Campigoto, João Carlos Corso e Rejane Klein tratam de questões relacionadas com o uso e posse de terra, tendo como ponto de partida a Irmandade de São José da Água Branca. Filipa trabalha com a obra Il Gattopardo de Lampedusa, tendo como fio condutor o corteggiamento della morte, identificando vestígios de uma herança deixada pelos esquemas mentais da dialética barroca. José Antônio de Carvalho Dias Abreu trabalha com a obra de Joaquim Manuel de Macedo intitulada As vítimas algozes percebendo um processo de inversão no sistema escravocrata: a vitima é o algoz e o opressor é vitimizado. Milton Pedro Dias Pacheco debruça-se sobre monumentos relacionados com a arquitetura das águas existentes em Coimbra.

Acrescentamos ao presente dossiê uma entrevista com a Professora Doutora Maria Aparecida Ribeiro, ex Diretora do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de Coimbra.

Élio Cantalicio Serpa


SERPA, Élio Cantalicio. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 18, n. 2, jul. / dez., 2013. Acessar publicação original [DR]

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Portugal, Brasil e África: história e literatura / História Revista / 2011

O dossiê Portugal, Brasil e África: história e literatura traz para o público uma série de artigos escritos por intelectuais que em suas pesquisas transitam entre dois campos de produção de saberes – a história e a literatura. Não se trata tão somente de buscar os relacionamentos entre países através desses dois campos, mas também de focar questões específicas circunscritas ao passado que unem as três realidades.

A existência de um padrão de língua e relações culturais comuns advindo da colonização e do pós-colonial entrecruzam-se, formando liames que os aproximam e ou afastam. A literatura, na construção de si, criou artefatos culturais, na forma de crônicas, poesias, romances, folhetins e outros, que trouxeram para o leitor suportes imaginários que problematizam sujeitos, nacionalidades, cidades e as condições políticas e sociais, em diferentes tempos e espaços. A nação, a cidade e o povo foram, na pena dos escritores românticos ou não, temáticas largamente trabalhadas pelos que, durante anos, foram habitantes da metrópole ou das ex-colônias. Cada autor esboçou e teceu uma nação ou cidade do tamanho de sua imaginação, impregnada de “realidades” tornadas visíveis através de diferentes suportes, matizados pela prática do “bem inventar”.

A história seguiu o mesmo percurso, mas, zelosa pela diferença e marcação de status no que concerne à produção de saber, lançou-se, então, à cata de fontes, estribada pela certeza de que falava da REALIDADE por intermédio de regras reconhecidas pela comunidade científica, afeta à área do conhecimento. Contudo, a invenção está presente, pois, como bem diz Durval Muniz de Albuquerque Júnior,

as invenções podem resultar no que não se planejou, podem surgir do encontro inesperado e acidental de elementos que jaziam separados. O momento de invenção, como de irrupção de qualquer evento histórico, é um momento de dispersão, que só ganha contornos definidos no trabalho de racionalização e ordenamento feito pelo historiador. Ordem que não está no próprio evento, articulações prováveis, possíveis, mas nunca indiscutíveis ou evidentes. Fato histórico, um misto de matéria e memória, de ação e representação, fruto de uma pragmática que articula a natureza, a sociedade e o discurso (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007, p. 35).

Neste dossiê, Francisco Salinas Portugal trabalha com a pertença ambígua de obras literárias que não se encaixam numa literatura considerada como sistema. Entretanto, o afã de construção de processos identitários levou intelectuais a postularem sua integração a um sistema. Para tal intento, investiram na construção de um romance histórico, criando a imagem pública do literato ou personagens à espera de que o leitor contribua para a legitimação da (nova) tradição. Frank Marcon investiga a relação entre o escritor Pepetela, seus romances e a imaginação da nação em Angola. Demonstra como a trajetória de vida do escritor e sua relação com a União dos Escritores Angolanos fazem parte de um contexto de institucionalização da literatura naquele país, bem como analisa os romances e sua relação com a criação de uma narrativa histórica romanceada para a nação. Esta análise não se encerra numa percepção centrada em Angola, mas implica perceber a presença de Portugal e do Brasil nas narrativas de Pepetela, como contrapontos (próximos e distantes), presentes neste processo de efetivação da “nação imaginada”. Heloisa Paulo aborda o sequestro do paquete Santa Maria, uma embarcação de luxo e um dos orgulhos do regime de Salazar. A bibliografia em torno do episódio do Santa Maria alcança um número razoável de títulos, quer em português, quer em espanhol, galego ou catalão. No entanto, a grande maioria é composta por relatos de participantes. O objetivo da autora é analisar os relatos existentes, trazendo um novo ângulo de interpretação para o fato. Julio Sánchez Gómez discute a relação entre os índios do Brasil e o processo de independência do país, no período de 1821 a 1850. Os índios são vistos tanto como sujeito passivo da legislação – primeiro do rei de Portugal, a partir do período pombalino, passando pela etapa da Corte do Rio de Janeiro e da seguinte corte imperial, assim como das discussões parlamentárias em Lisboa e no Rio quanto como sujeito ativo nas lutas independentistas. Lucia Maria Paschoal Guimarães perscruta o papel desempenhado pela revista Atlantida, o mais expressivo veículo de divulgação de um projeto político-cultural voltado para a defesa da formação de uma comunidade luso-brasileira. Concomitante à permanente reflexão doutrinária acerca da conveniência do estreitamento das relações entre Brasil e Portugal, a revista ocupava-se de questões literárias, históricas e artísticas contemporâneas, o que lhe conferia um alcance político e ao mesmo tempo cultural. Manuel Ferro trabalha a imagem de Lisboa, colhida das vivências urbanas, objeto de tratamento literário nos folhetins do fim-de-século XIX, que desmontam tanto os códigos de valores dominantes, como a uma visão poética de uma cidade, capital e Reino e de Império, decadente, sem conseguir acompanhar o ritmo do progresso das grandes capitais europeias. Maria Aparecida Ribeiro mostra como José de Alencar, por meio de cartas dirigidas a Gonçalves de Magalhães, criou uma poética nacional, culminando com a produção de um romance no qual nação e raça brasileira foram o (o condutor da narrativa. Rafael Alves Pinto Júnior analisa a atuação do engenheiro português Ricardo Severo (1869-1940) a partir de sua conferência sobre a Arte Tradicional no Brasil, realizada na Sociedade de Cultura Artística em 1914, em São Paulo, catalisando o movimento neocolonial no Brasil. Destaca também que a in9uência intelectual de Severo foi maior que sua ação profissional, desencadeando um intenso debate em torno da questão da nacionalidade e do papel da obra de arte – notadamente a arquitetura – como um elemento civilizatório e identitário.

Na secção artigos, José María Aguilera Manzano analisa algumas das características do projeto de identidade construído por um grupo de liberais autonomistas cubanos durante o século XIX. Devido à censura, esse grupo não pode valer-se do discurso político para conseguir seus objetivos identitários. Tal situação os levou a fazer uso da literatura como meio privilegiado de expressão de suas ideias. Kátia Rodrigues Paranhos aborda as iniciativas dos grupos de teatro popular no Brasil, a partir da década de 1960, explorando experiências e representações do movimento operário, sobretudo ao interrogar os textos, as imagens e os sons como fontes. Por (m, duas resenhas que tratam de experiências autoritárias. A resenha produzida por Cláudia Graziela Ferreira Lemes que trata do livro de Carlos Fonseca, intitulado Trece Rosas Rojas: la Historia más conmovedora de la guerra civil. Elio Cantalício Serpa e Marcello Felisberto Morais de Assunção resenharam a obra do filólogo Victor Klemperer, intitulada LTI: a língua do IIIº Reich.

Referências

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A arte de inventar o passado. Bauru, SP: EDUSC, 2007.

Elio Cantalício Serpa

Organizador do Dossiê


SERPA, Elio Cantalício. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 16, n. 1, jan. / jun., 2011. Acessar publicação original [DR]

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