Práticas Religiosas, Errância e Vida Cotidiana no Brasil (Finais do Século XIX e Inícios do XX) – WISSENBACH (PH)

WISSENBACH, Maria Cristina Cortez. Práticas Religiosas, Errância e Vida Cotidiana no Brasil (Finais do Século XIX e Inícios do XX). São Paulo: Intermeios; USP-Programa Pós-Graduação História Social, 2018, 256 p. Resenha de: PERES, Elena Pajaro. Religiosidade em trânsito. Práticas cotidianas do sagrado coração no Brasil da Primeira República. Projeto História, São Paulo, v.67, pp. 439-446, Jan.-Abr., 2020.

Em 1929 o imigrante italiano José Zarelli, depois de muito trabalhar em São Paulo como vendedor, comprou uma pequena propriedade rural nos arredores da cidade. Foi nesse pedaço de terra que resolveu recuperar uma antiga habilidade que trouxera da Europa: esculpir imagens de madeira inspiradas em figuras do mundo camponês. Com o tempo foi acrescentando a essas imagens atributos de matriz africana sobre os quais tomou conhecimento no Brasil. Essa modificação de sua arte levou Zarelli a ganhar fama como escultor feiticeiro. Suas criações, após os devidos rituais de consagração, passaram a ser consideradas objetos sagrados, ou, como seria mais apropriado denominá-las, ínqueces,

e começaram a integrar altares religiosos, tornando-se, o próprio artesão, um rezador.

Essa significativa história, narrada por Oswaldo Xidieh em artigo de 1944, foi retomada pela historiadora Cristina Wissenbach em seu livro Práticas Religiosas, Errância e Vida Cotidiana no Brasil (Finais do Século XIX e Inícios do XX), publicado em 2018 pela editora Intermeios, para nos introduzir de maneira exemplar no universo das interconexões entre o catolicismo de base popular, imbricado de práticas camponesas muitas vezes consideradas heréticas na Europa, as religiões de matrizes africanas e os saberes milenares dos povos indígenas. A partir daí, capítulo a capítulo, o leitor vai conhecendo como se deu historicamente esse entrecruzamento cultural recriador de formas de expressividade artística e religiosa.

Essa configuração cultural multifacetada vem sendo nas últimas décadas recuperada por estudos acadêmicos – como os da própria professora Wissenbach, do historiador Robert Slenes e do antropólogo estadunidense James Lorand Matory, entre outros – que têm demonstrado como elementos provenientes de diferentes tradições entrechocaram-se no Brasil, levando ao surgimento de novas e intrincadas práticas culturais.

O livro de Wissenbach traz à luz os quatro capítulos revisados da tese de doutoramento Ritos de Magia e Sobrevivência. Sociabilidades e práticas mágico-religiosas no Brasil (1890/1940), apresentada ao Departamento de História da Universidade de São Paulo em 1997. No processo de revisão dos capítulos, a pesquisadora incorporou sua experiência como professora de História da África na Universidade de São Paulo, ampliando diálogos e abrindo suas reflexões para novos horizontes, como ela mesma afirmou em um dos eventos de lançamento ocorrido no Centro Cultural São Paulo. Seguindo os mais recentes debates na área, Wissenbach atualizou bibliografia e conceitos, enfatizando pontos antes apenas mencionados em sua tese. Dessa forma utilizou o conceito de pós-emancipação no lugar de pós-abolição, práticas religiosas no lugar de magia, vida cotidiana em vez de sobrevivência. Acrescentou ainda o conceito de errância, que antes não estava explicitado no título ou definido teoricamente.

As memórias, as crônicas, os relatos de viagem e de expedições foram algumas das fontes utilizadas na pesquisa. Contudo, foi na documentação criminal e nas notícias impressas nos jornais que a historiadora descobriu o elo para se aproximar das vivências concretas das populações que se encontravam em trânsito e que, num período conturbado da passagem do século, nos primeiros anos da República brasileira, experimentavam novas formas de estar no mundo. Ao revelar a luta do poder instituído para tentar disciplinar essas populações e suas manifestações culturais e religiosas, a documentação policial também revela, mesmo que parcialmente, as táticas utilizadas pelos mais pobres para se desvencilhar desse poder. A autora explica como esses registros, pelo seu próprio caráter fragmentário, permitem a compreensão de práticas que também se davam fragmentariamente, permeadas pelo improviso e pelo aproveitamento das brechas. Práticas que assumiam formas fugidías para garantir a permanência e liberdade de expressão em um meio dominado cada vez mais pelo pensamento racial e evolucionista.

Assim, dialogando com as fontes, tendo como fio teórico condutor de seu método o perspectivismo e a hermenêutica, que alerta para a historicidade do próprio conhecimento histórico, Wissenbach mergulha e faz o leitor mergulhar no mundo das religiosidades populares, um mundo que não se atrela ao poder oficial e desafia constantemente as religiões institucionalizadas.

No primeiro capítulo – Ritos e crenças de homens livres no pós-emancipação – a autora revela, a partir de uma extensa pesquisa bibliográfica e de fontes, como a população economicamente pobre criou padrões de organização de moradia, trabalho e convivência, colocando em circulação ideias, práticas e mercadorias nos momentos das festas religiosas, dos encontros e das feiras. Quando movimentamos as páginas, seguindo os rastros deixados no texto, podemos acompanhar a versatilidade desses grupos na busca de um melhor terreno para plantio e caça, no trabalho de construção e reconstrução da moradia, na decisão de abandonar os poucos bens materiais que não seriam úteis ou que não poderiam ser carregados durante a mudança de um território a outro. Práticas essas sempre vistas com reprovação pelos detentores das terras e do poder, que pretendiam aprisionar essas populações pelo trabalho, quando necessário, ou, quando eram vistas como dispensáveis, eliminá-las ou isolá-las em alguma área em que permanecessem segregadas.

O estudo mostra como esses grupos sociais criaram vínculos com a natureza, realizando todas as tarefas em seu tempo certo. Era na mata que encontravam parte importante de sua alimentação, ervas medicinais e seu mundo espiritual. Tudo o que era considerado sinal de atraso pelo pensamento modernizador que adveio com a República adquire uma outra roupagem quando se busca, como fez Wissenbach, uma aproximação compreensiva dos valores e meios de vida dessas populações. Eram grupos que viviam dispersos, mas evitavam o isolamento por meio de uma hierarquia social bem configurada em um mundo paralelo ao poder oficial e por ele incompreendido. Nesse grupo se destacam os africanos e afro-brasileiros a quem a autora dedicou grande parte do estudo publicado nesse livro.

Importantes discussões são apresentadas nesse primeiro capítulo, incorporando novas abordagens sobre as manifestações culturais especialmente dos povos provenientes da África centro-ocidental, que, segundo reforçam pesquisas atuais, foram os grupos majoritários trazidos ao Brasil no século XIX pelos traficantes de escravizados.

No segundo capítulo – Dissonâncias sociais da cidade moderna – vislumbra-se como as expressões de cultura e religiosidade presentes no interior do país começam a se reconfigurar a partir do movimento dessas populações em direção às áreas urbanas, promovendo a ressocialização das camadas populares em novos espaços. Discursos políticos, médicos e higienistas, que acompanharam e legitimaram a chamada modernidade, passaram a considerar as práticas religiosas desses grupos como sinais de incultura, atraso e ignorância. A história de Canudos e seu crescimento demográfico explosivo em torno das pregações do beato é recuperada pela autora como uma referência importante para se compreender processos semelhantes que ocorriam nas cidades brasileiras. Essas práticas começaram a ser cada vez mais notadas, anotadas e perseguidas. Nesse cenário aparecem novamente com destaque os contingentes de africanos e afro-brasileiros que, nas cidades conturbadas por um processo de urbanização abrupta, dividiram o espaço com imigrantes pobres de diferentes nacionalidades. Sabe-se que essa convivência foi muitas vezes tensa e conflituosa, mas, como esse e outros estudos demonstram, também foi marcada pelo compartilhamento de tradições.

No capítulo 3 – Religiosidade e magia nas primeiras décadas do século XX – a autora leva o leitor pelos meandros da escrita de cronistas e romancistas, que descreveram as práticas religiosas, especialmente aquelas que se davam nas casas de homens negros e mulheres negras. Essas descrições em sua maioria traziam toques de exotismo, demonstrando a tentativa de distanciamento dos autores em relação àquela população encantada por feitiços, magia e tudo aquilo que pertencia ao mundo do secreto e do oculto. As camadas remediadas e as mais ricas temiam aqueles “cultos misteriosos”, reservados aos iniciados, e preferiam se aproximar do espiritualismo de base francesa ou americana, mais atrelado à ciência e às supostas comprovações.

Nesse terceiro capítulo acompanha-se ainda a história de como o espiritismo se disseminou rapidamente também entre as camadas mais pobres da população, combinado com as crenças de ascendência europeia e às religiões afro-brasileiras.

O ritmo da narrativa se intensifica até atingir o capítulo 4 – Espaços sociais das crenças religiosas na urbanização de São Paulo – onde se vê como o discurso que representa o medo pela perda de controle sobre esses grupos espiritualizados foi muito forte em São Paulo entre 1890 e 1900, período em que a população da cidade cresceu em 268%. Esse medo acompanhou de perto a disseminação de práticas religiosas diversas por todo espaço urbano.

Particularmente nesse capítulo final pode ser feita uma ponte entre esse estudo e as mais recentes concepções dos estudos africanos, que demonstram como a incorporação de novas crenças e sua recriação era uma prática comum na África central. Pesquisas de historiadores africanistas como Linda Heywood e John Thornton apontam enfaticamente na direção de que novos elementos sempre foram apreendidos e transformados quando considerados benéficos ou úteis à cosmologia dos povos africanos. A convivência no Brasil com curandeiros, pitonisas e adivinhos provenientes das mais variadas nacionalidades, como demonstra Wissenbach, ampliou ainda mais essa prática. Essa “mistura”, da qual nos fala a autora, permeava o extrato social e cultural onde essas populações viviam, nas pequenas casas de cômodos, nos quintais coletivos, no compartilhamento de atividades informais. Aos poucos as práticas chamadas de curandeirismo irmanaram-se aos novos campos da ciência, como a homeopatia.

Na conclusão Wissenbach mostra como as práticas religiosas populares eram mais perseguidas e, ao mesmo tempo, mais temidas, quando eram empreitadas por homens negros, os chamados mestres cumbas ou feiticeiros. Foi contra eles que a repressão policial agiu de forma mais intensa até seu ponto máximo nos anos de 1930. Mesmo temidos, eram eles que lançavam uma fagulha de esperança para aqueles que não tinham a quem recorrer ou que não acreditavam em qualquer ajuda que pudesse vir do poder estabelecido. Da mesma forma, segmentos negros da população eram perseguidos quando fundavam agremiações religiosas, como igrejas reformadas, grêmios de ocultismo e centros espíritas.

Nos processos criminais, analisados pela historiadora, um ponto chamou sua atenção de forma impactante, a presentificação das narrativas a partir do final do século XIX. Desapareceram os detalhes da vida pregressa, da África ancestral, que podiam ser encontrados nos depoimentos de escravizados e libertos. A cidade em processo de modernização parecia reservar espaço apenas para o novo. Essa importante reflexão da autora nos leva a indagar se a memória de fato fora perdida ou começara a ser acobertada como tática de proteção num momento de perigo, em que as perseguições a tudo que remetesse à África haviam se intensificado.

E aqui podemos voltar ao início do livro, quando, citando Xidieh, Wissenbach ressalta que há um momento certo para a narração, que não é o momento da noite ou do dia, mas é o momento social em que elas se justificam e funcionam. É preciso concordar que essa pesquisa, que demorou um longo tempo para ser publicada, chegou num momento preciso de narração, num tempo necessário, permitindo a lembrança e o estudo crítico de práticas que fogem das imposições oficiais e se afirmam em sua diversidade, em profunda conexão com o contexto histórico das camadas populares, seus conflitos e compartilhamentos. Nesse sentido o livro atende a um público amplo, formado não apenas por historiadores, estudiosos das religiões, da história urbana e do cotidiano, mas também por todos os interessados nos assuntos relativos à diversidade, ao direito de expressão, às dissonâncias culturais, ao compartilhamento e tensão entre tradições. O trabalho de Cristina Wissenbach é profícuo em ampliar caminhos de pesquisa e discussão.

Elena Pajaro Peres – Doutora e mestre em História pela FFLCH-USP. Pós-doutora pelo Instituto de Estudos Brasileiros da USP. Visiting Scholar no African American Studies Program da Boston University (2013-2014). É pesquisadora no grupo Trilhas e circuitos do riso no espaço público brasileiro (1880-1960)-DH-USP/CNPq.

Sonhos africanos, vivências ladinas: escravos e forros em São Paulo (1850-1888) – WISSENBACH (RBH)

WISSENBACH, Maria Cristina Cortez. Sonhos africanos, vivências ladinas: escravos e forros em São Paulo (1850-1888). São Paulo, Hucitec/História Social, USP, 1998. Resenha de: MOURA, Denise. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.19 n.37, sept. 1999.

Graças à iniciativa do Programa de Pós-Graduação em História Social, do Depto. de História da USP e a Ed. HUCITEC, Sonhos africanos, vivências ladinas, defendido como dissertação de mestrado em 1989, é mais um volume da série Teses que vem facilitando o acesso dos pesquisadores a estudos de relevo, que têm contribuído para entendermos um pouco mais sobre nosso passado e nossa própria atualidade.

A autora, Maria Cristina Cortez Wissenbach, vem se destacando com publicações em diversas revistas especializadas e mais recentemente com um dos capítulos do 3o volume da História da Vida Privada. Em 1997, apresentou sua tese de doutorado sobre práticas mágico-religiosas nas primeiras décadas do século XX paulista.

Em Sonhos africanos…, sua pena de historiadora coloca-nos diante das experiências de vida de pessoas comuns. Homens, mulheres, forros ou escravos, remediados ou muito pobres. Uma gente engenhosa o suficiente para se apropriar das asperezas da vida e das relações cotidianas e criar estratégias de sobrevivência. O quê nos liga a estes homens e mulheres das terras paulistas de 1850-1880?

Tributária de uma vertente teórica que nos anos 80 trouxe novos ares aos estudos de escravidão – E. P. Thompson, E. Genovese, Herbert G. Gutman -, a autora empreendeu um vigoroso trabalho de pesquisa em documentos do Tribunal de Justiça, trazendo à luz práticas, percepções e valores de uma gente de ontem disfarçada no discurso das camadas dominantes. É nos processos-crime – e na documetanção processual em geral – que ouvimos o sussuro de suas existências. Mesmo revelando um universo sutilmente recortado pelos interrogatórios, é nos processos jurídicos que estão estas vozes: sofridas, tímidas, medrosas, ladinas, chorosas.

São vozes que a renovação historiográfica dos anos 80 tornou mais perceptíveis e que têm desconcertado formas mais tradicionais de se ver nosso passado escravista. A começar pela maneira desfigurada do escravismo em São Paulo dos anos 1850-1880, pois núcleo urbano tímido que era, favoreceu uma situação na qual pessoas de diferentes condições sociais serviam-se das mãos e pés escravos, sob a forma de aluguel ou ganho, numa vivência tão estreita que tendia a confundir senhores de posses irrisórias com seus cativos.

A escravidão urbana tendeu a atenuar os rigores do regime, ampliando a margem de negociação dos escravos com seus senhores, dando-lhes maior liberdade para circular pelas ruas e improvisar variados expedientes que aumentavam seus ganhos, além de favorecerem o exercício de uma sociabilidade nas irmandades e em pontos específicos da cidade.

De página em página, o leitor vai assistindo a cenas intrigantes da vida de pessoas comuns: desentendimentos, confusões com guardas locais insistentes em alinhar condutas em padrões definidos, um ir e vir incessante, solitário ou em ajuntamentos, sempre procurando tornar a vida melhor de ser vivida.

Os níveis de criminalidade cativa – e a própria documentação que a autora utilizou – apontam para a violência destes tempos. Esta criminalidade, insana em muitas situações, coexistia no entanto com histórias bastantes corriqueiras, como a dos escravos de Joaquim Camargo do bairro de Santana, que podiam usar o carro do senhor para venderem lenha, produto de seus próprios negócios1. Quantos não se ocuparam de outros serviços nos intervalos das tarefas incumbidas por seus senhores. Afinal, eram possibilidades extras de ganhos. Produção agrícola ou criações independentes também fizeram parte desta política de consentimentos e acordos nos relacionamentos de escravos e senhores.

No capítulo “O sentido social do crime e da criminalidade escrava” vemos o quanto transgressões à lei e o recurso à violência pelos escravos foi parte de um movimento mais amplo, dotado de uma coerência criada por eles próprios e que aos poucos foi ruindo o regime de escravidão.

Foi recolhendo os fragmentos da fala de negros cativos ou forros e homens livres, pobres ou remediados, que a autora foi costurando o tecido social da São Paulo destes anos. Eram lavadeiras, quitandeiras, domésticas e trabalhadores de ofícios, andejos na sobrevivência e que diariamente incomodavam as autoridades locais e as famílias mais abastadas. Parecia intrigante aos olhos de senhoras brancas e senhores sisudos o vai-e-vem nervoso de uma gente de cor ora com trajos que quase a confundia com seus donos, ora com adereços que lembravam as tradições africanas.

Intolerável era o conversar ruidoso, em torno aos chafarizes, em meio às rodas de capoeira e partidas de jogos, misturando-os a homens livres pobres, também trabalhadores de diversos ofícios e expedientes, numa convivência tensa e necessária para a sobrevivência.

O capítulo “O escravo e o mundo caipira na comarca de São Paulo” é primoroso ao revelar o ritmo da escravidão num meio rural pobre, afrouxado pela pobreza dos senhores e pelas interrupções do trabalho inerentes à faina na roça.

É o potencial criativo que as pessoas carregam consigo que vamos acompanhando por meio da narrativa de Sonhos africanos…. Artistas da sobrevivência, escravos criavam a partir das condições que o “ser escravo” em São Paulo na segunda metade do XIX permitiam, ou seja, o regime abria esta possibilidade e os escravos souberam se apropriar disto com astúcia e sabedoria, donos que eram de uma erudição das ruas, aprendida nos imprevistos que enfrentavam, nas traições, nas brigas em torno do chafariz, nos sofrimentos de amor e nos laços de vizinhos e parentes que tão bem sabiam tecer.

O leitor se vê diante de uma sociabilidade tensa e solidária nas praças, largos, pontes, becos, festas e reuniões. Espaços onde solucionavam discórdias, lavavam a honra e tramavam ganhos e negócios. Sob o foco de estudo pioneiro e clássico da história social e das mulheres2, a autora vai desvelando flagrantes da pobreza feminina paulista, na vida de forras audaciosas o suficiente para afrontarem imposições de maridos e autoridades, firmando sua condição de mulheres que respondiam por boa parte – senão por todo – o sustento da casa.

O conjunto iconográfico do volume é tocante: uma galeria de fisionomias comuns e antigos locais de trânsito, trabalho e encontros que desafiaram o tempo graças à arte fotográfica do conhecido fotógrafo Militão Augusto de Azevedo (1835-1905).

O estudo de Wissenbach é também um desafio ao tempo, fazendo com que os sonhos e as vivências de homens e mulheres que viveram tão antes de nós não caiam na grande armadilha do esquecimento. Mas como estes sonhos de uma vida melhor de ser vivida e esta arte de improvisar e criar a sobrevivência parecem tanto com os dos dias de hoje.

Notas

1 WISSENBACH, Maria Cristina Cortez. Sonhos africanos, vivências ladinas: escravos e forros em São Paulo (1850-1888). São Paulo, Hucitec/História Social, USP, p. 135, 1998.

2 DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX. 2a. ed., São Paulo, Brasiliense, 1995.

Denise Moura – Doutoranda do Dep. de História da Universidade de São Paulo

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